INFLUÊNCIA DO REGIME DE ONDAS NO ESTOQUE SEDIMENTAR SUBAÉREO DO ARCO PRAIAL PÂNTANO DO SUL - AÇORES, ILHA DE SANTA CATARINA, BRASIL Ulisses Rocha de Oliveira 1 ; Rodrigo do Carmo Barletta 2 ; Janice Resende Vieira Peixoto 1 ; Norberto Olmiro Horn Filho 3 1 Progr. Pós-graduação Geografia, UFSC (ulisseslicke@yahoo.com.br); 2 Lab. Hidráulica Marinha, UFSC; 3 Depto. Geociências, CFH, UFSC Abstract. The purpose of this paper is analyse the influence of the wave regime in morphologic variations of the Pântano do Sul - Açores arc beach. The study area represents a arc headland bay beach at 2.92m of extension, located in South coast of Santa Catarina island, with NE-SW orientation. Beach profiles were monitored at three points along ot the beach between August 22 and August 23. Height, period and direction wave informations were measured with a datawell directional waverider buoy. The morphologic variations ocurred associated to coastal dynamics agents, including waves, longshore drift currents and tides. During severe events of wave, erosive processes took place, possibiliting a flatter profile on the beach. In contrast, phases of accretion are associated to low wave energy periods, generating increase of transport in shoreface, development of berm and increasing of shoreface slope. The beach profiles showed that the development of berm was responsible by morphologic variations of the beach during monitorated period. Palavras-chave: morfologia praial, energia de onda, praia de enseada 1. Introdução Este trabalho visa analisar as variações no estoque sedimentar subaéreo do arco praial Pântano do Sul Açores associadas ao regime de ondas na região. A área de estudo localiza-se no sul da ilha de Santa Catarina. Possui 2.92m de comprimento e está delimitada pelos promontórios rochosos da ponta do Marisco, a nordeste, e da ponta da Costa de Dentro, a sudoeste. Possui uma linha de costa curvada próximo a localidade de Pântano do Sul, cuja orientação predominante é ESE-WNW e assume uma feição mais retilínea a partir da localidade de Açores em direção à sudoeste, onde possui orientação no sentido NE-SW (Fig. 1). A área de estudo está sujeita ao regime de micromarés, com amplitude máxima em 1.4m e regime semidiurno. As maiores variações do nível do mar ocorrem devido a marés meteorológicas, definidas por Pugh (1987) como sendo a diferença entre a maré astronômica e a maré realmente observada. As características meteorológicas são controladas pela atuação das massas Polar Marítima e Tropical Marítima do Atlântico, estando inserida na região de clima temperado da categoria subquente (Nimer 1989). A situação normal da circulação atmosférica da região é o domínio de um sistema semi-fixo de alta pressão com ventos de norte/nordeste, juntamente com o efeito local da brisa marinha. Periodicamente, o sistema é perturbado pela passagem de frentes frias originadas pela migração do Anticiclone Polar Móvel sobre a região, de sudoeste para nordeste (Trucollo 1998, Mariotti e Franco 21). Os ventos predominantes são de norte/nordeste, enquanto os de sul são mais intensos. Araújo et al. (23) analisaram os dados de onda coletados por um ondógrafo direcional fundeado em águas profundas ao largo da área de estudo. Segundo estes
autores, ao longo do ano, há predomínio de ondulações de sul, com período em torno de 12s, e vagas de leste, com período de 8s; durante o outono e inverno as ondulações de sul prevalecem sobre as vagas de leste, no verão há um balanço entre elas e na primavera prevalecem as vagas de leste; condições de alta energia de onda geralmente provêm de ondulações de sul/sudeste, com períodos de pico acima de 11s e ondas maiores que 4m em águas profundas, podendo ser encontradas em todas as estações do ano. 2. Procedimentos metodológicos Marcos topográficos artificiais foram fixados sobre as dunas frontais em três pontos da praia. Nestes pontos (Fig. 1) foram realizados perfis de praia. A localização dos perfis foi escolhida após a análise de fotografias aéreas da área de estudo e trabalhos de campo preliminares, tendo como o critério a orientação da linha de costa e feições geomorfológicas adjacentes. O perfil 1 localiza-se próximo a localidade do Pântano do Sul, a nordeste do arco praial. O perfil 2 situa-se próximo ao cordão de dunas, no centro da praia. O perfil 3 situa-se próximo ao balneário de Açores, a sudoeste da praia. Os perfis foram medidos mensalmente, entre agosto de 22 e agosto de 23 (13 campanhas), utilizando o método de nivelamento expedito com nível e estádia descrito por Birkmeier (1981). Referências de nível arbitrários (datum) foram estipulados para cada perfil. A cota vertical do nível de referência em relação ao nível zero do mar foi definida como cota do perfil medido com maior largura horizontal na maré de sizígia mais baixa, durante a amostragem dos dados. A data da maré de sizígia mais baixa coincidente com a amostragem dos dados foi determinada através das tábuas de maré da DHN (22, 23). O processamento dos perfis foi realizado no programa computacional ISRP (Interactive Survey Reduction Program), idealizado por Birkmeier (1985). Através do ISRP, foram obtidas as variações espaçotemporais de volume entre perfis, através do cálculo de volume de células de erosão ou acresção e variação média de volume relativo. Foram calculadas variações relativas de volume entre dois perfis consecutivos, com periodicidade mensal, e variações relativas acumuladas de volume, a partir do primeiro perfil medido, em agosto de 22. Os dados de variação de volume referem-se aos da porção subaérea da praia, acima do datum estipulado para cada perfil. Para caracterização do regime de ondas durante o monitoramento praial foram obtidos neste período dados de altura significativa, período e direção de onda por um ondógrafo direcional localizado a cerca de 35km da ilha de Santa Catarina. O ondógrafo situa-se em águas profundas a uma profundidade de cerca de 8m. 3. Resultados Variação morfológica dos perfis associada a alta energia de onda Para a área de estudo, alta energia de ondas geralmente é atribuída à ondulações (swell) de sul/sudeste com período acima de 11s. Casos como estes ocorreram com maior freqüência no final do inverno de 22 e outono - inverno de 23. Nem todos os eventos de alta energia de onda tiveram a capacidade de erodir a praia entre agosto de 22 e agosto de 23. Duas fortes ondulações atingiram a área de estudo no início de setembro de 22, um no dia primeiro e outro no dia 7. Em ambos os casos, a altura significativa registrada no ondógrafo esteve acima de 4m e o período acima de 1s. A direção predominante era de S-SSE. Após estes eventos do início de setembro de 22, foi medida erosão de
4.56m 3 /m no perfil 1, de 9.32m 3 /m no perfil 2 e de 28.23m 3 /m no perfil 3. O perfil 1 apresentou erosão na berma e duna embrionária, aumento na largura da praia em 23m e um pequeno aumento na declividade da face praial em relação ao mês de agosto. O perfil 2 apresentou acresção no pós-praia superior, erosão na berma, com diminuição na largura da praia em 1m e aumento na declividade da face praial, enquanto que o perfil 3 apresentou erosão no pós-praia e berma, diminuição na largura da praia e aumento na declividade da face praial. Nos dias 12 e 13 de abril, outra forte ondulação atingiu a costa, inclusive desprendendo o ondógrafo. Após esta ondulação foi medido erosão de 8.79m 3 /m no perfil 1, de 6.38m 3 /m no perfil 2 e de 1.77m 3 /m no perfil 3. O perfil 1 apresentou erosão na berma e diminuição na declividade da face praial em relação ao mês anterior, mantendo largura da praia estável. O perfil 2 teve erosão da berma, diminuição na largura da praia e não apresentou variação na declividade. O perfil 3 apresentou erosão em todo perfil, com diminuição na declividade da face praial e aumento na largura da praia. Variação morfológica dos perfis associada a baixa energia de onda Ondas de baixa energia na área de estudo estão basicamente associadas a ação de vagas (sea) com direção predominante de leste/nordeste, geralmente com período de onda abaixo de 8s. Entre outubro de 22 e março de 23 houve o predomínio de ondas de baixa energia, resultando em perfis acrescidos pela formação de uma crista de berma bem desenvolvida. A berma desenvolvida inibiu a ação do varrido no pós-praia superior e duna frontal, favorecendo a expansão da vegetação dunária. A declividade da face praial também aumentou pelo deslocamento de sedimentos da zona de surfe para a berma. O perfil 1 teve o maior volume de sedimentos acumulados na porção subaérea da praia em fevereiro de 23 (6.46m 3 /m) e o perfil 3 em março de 23 (9.81m 3 /m). O perfil 2, embora tenha tido seu maior volume acumulado em agosto de 23, também apresentou perfis acrescivos entre janeiro e março de 23. 4. Discussão Na ilha de Santa Catarina, assim como em boa parte da costa sul/sudeste do Brasil, a presença de promontórios rochosos junto ao mar propicia o desenvolvimento de praias de enseada, onde a linha de costa geralmente assume forma curvada. Estas praias podem ser expostas, semiprotegidas e protegidas da energia das ondas. Segundo Klein et al. (1997), quanto mais protegida uma praia, menor são as variações no estoque sedimentar, evidenciando assim uma característica mais constante do clima de ondas junto à costa, pois as variações morfológicas são um reflexo do clima de ondas numa região. Em períodos de alta energia de onda como ocorrido em setembro de 22 e abril de 23 na área de estudo, pode ocorrer a migração de barras arenosas da porção subaérea da praia em direção ao mar, desenvolvendo formas preferencialmente lineares, com perfil mais plano conforme sugerido por Sunamura (1988), Lippmann et al. (1993). Quando há um decaimento subsequente do nível de energia hidrodinâmico, como entre outubro de 22 e março de 23, ocorre um movimento contrário, com barras arenosas sendo deslocadas para a porção subaérea da praia, concentrando o estoque de sedimentos cada vez mais próximo da face praial. Períodos de acresção ocorreram de forma mais lenta que os períodos erosivos conforme observou Holman e Sallenger (1993).
Pode se observar também que antes do evento ocorrido em setembro a praia já estava com pouco estoque sedimentar subaéreo, provavelmente devido a ação de ondas durante o outono-inverno. Mesmo assim houve perda sedimentar. Entre este período e o início de abril, data da outra ondulação, a praia ganhou sedimentos na forma de uma berma. A ação da ondulação de abril erodiu novamente a praia. Os perfis de 14/4/23 são semelhantes aos de 17/8/22 (Fig. 2). Entre agosto e setembro de 22, os perfis passaram de retilíneo (já erodido) à côncavo, com aumento na declividade da face praial. Entre março e abril de 23, a morfologia dos perfis passou de convexa (berma desenvolvida) à retilínea, com diminuição na declividade da face praial. No perfil 1, as variações morfológicas encontradas podem também ser relacionadas aos períodos de alta e baixa energia de onda, embora esteja na área mais abrigada da praia (zona de sombra). As ondulações não incidem diretamente nesta porção da praia. Ocorrem ondas marginais difratadas pelo costão. Durante períodos de forte energia de onda, há um significativo avanço da maré neste trecho que pode ocasionar erosão, inclusive degradação da área urbana. 5. Conclusões As variações morfológicas do arco praial Pântano do Sul - Açores ocorrem como resposta a dinâmica costeira, forçadas por processos hidráulicos introduzidos pelas ondas incidentes, correntes litorâneas e marés sobre o perfil praial. A praia está sujeita a processos erosivos sazonais naturais, associados a eventos de alta energia de onda (ondulações de sul/sudeste) geradas por sistemas de baixa pressão sobre o oceano Atlântico. Também experimenta processos acrescionais em períodos de baixa energia de onda. O desenvolvimento e erosão da berma foram os principais responsáveis pela variação morfológica da praia subaérea durante o período de monitoramento. Devido ao curto período de monitoramento não foi possível observar processos de significativa variação da linha de costa. Processos de transporte longitudinal, embora tenham sido observados, não foram quantitativamente caracterizados. 6. Referências ARAÚJO CES, FRANCO D, MELO FILHO E e PIMENTA F. 23. Wave regime characteristics of southern brazilian coast. In: 6 COPEDEC, Proceedings... Colombo, Sri Lanka, Paper No.97, 15p. (Publican in CD). BIRKMEIER W A. 1981. Fast accurate twoperson beach survey. Coastal Engineering Technical Aid 81-11. U.S. Army Engineers Waterways Experiment Station. Coastal Engineering Research Center, Vickburg, Mississippi, 1981. 22 p. BIRKMEIER WA. 1985. A user s guide to ISRP: The Interactive Survey Reduction Program. Instructions Report Sere. U. S. Army Engineers Waterways Experiment Station. Vickburg, Mississipi, Coastal Engineering Research Center, 1985. 84 p. DIRETORIA DE HIDROGRAFIA E NAVEGAÇÃO (DHN): Tábua de marés 22: Porto de Florianópolis. DIRETORIA DE HIDROGRAFIA E NAVEGAÇÃO (DHN): Tábua de marés 23: Porto de Florianópolis. HOLMAN RR e SALLENGER JR AH. 1993. Sand bar generation: a discussion of the Duc experiment
series. Journal of Coastal Researsh, SI(15):76-92. KLEIN AHF, TEMME B, MENEZES JT, DIEHL FL, CARVALHO JLB e JABOR PM. 1997. Comportamento morfológico de uma praia semi protegida: praia central de Balneário Camboriú, Santa Catarina. In: CONGRESSO DA ABEQUA, 6., 1997. Anais..., Curitiba. p. 82-84. LIPPMANN TC, HOLMAN RA e HATHAWAY KK. 1993. Episodic, nonstationary behaviour of a double bar system at Duck, N.C., U.S.A., 1986-1991. Journal of Coastal Researsh, SI(15): 49-75. MARIOTTI MT e FRANCO D. 21. Análise ARIMA da resposta do nível do mar à forçantes atmosféricas locais. 23. In: IV SEMINÁRIO SOBRE ONDAS, MARÉS E ENGENHARIA OCEÂNICA. Arraial do Cabo, RJ. Anais... v.1: p. 21-22. NIMER E. 1989. Climatologia da região Sul. Revista Brasileira de Geografia, 34(1): 142-154. PUGH DT. 1987. Tides, surges and mean sea level. Jonh Wiley & Sons Ltda. Chinchester, U.K. SUNAMURA T. 1988. Beach morphologies and their changes. In: HORIKAWA K (Ed.). Nearshore Dinamics and Coastal Processes. University of Tokoyo Press. p. 133-166. TRUCOLLO EC. 1998. Maré meteorológica e forçantes atmosféricas locais em São Francisco do Sul SC. Dissertação de Mestrado, UFSC, 1998. 1 p. Figura 1. Mapa de localização da área de estudo com localização do ondógrafo e dos perfis de 4831 36 483 35 48 45 28 21 27 23 FLORIANÓPOLIS 2746 59 AÇORES P2 PÂNTANO DO SUL P1 2746 59 P3 2747 11 2747 11 27 55 27 55 48 45 28 21 N 25 5 praia. 4831 36 483 35
Perfil 1 Elevação (m) 4 2-2 6 12 18 24 3 36 42 48 54 6 66 72 78 84 9 96 Distância (m) 17/8/2 16/9/2 29/3/3 14/4/3 Perfil 2 6 Elevação (m) 4 2-2 7 14 21 28 35 42 49 56 63 7 77 84 91 98 15 112 Distância (m) 17/8/2 16/9/2 29/3/3 14/4/3 Perfil 3 8 Evevação (m) 6 4 2-2 7 14 21 28 35 42 49 56 63 7 77 84 91 98 15 112 Distância (m) 17/8/2 16/9/2 29/3/3 14/4/3 Figura 2. Perfis de praia obtidos em agosto e setembro de 22 e em março e abril de 23, antes e depois de períodos de alta energia de onda.