QUALIDADE DA MAÇÃ GALA ARMAZENADA EM DIFERENTES PRESSÕES PARCIAIS DE O 2 E CO 2 QUALITY OF GALA APPLES UNDER DIFFERENTS PARTIAL PRESSURES OF O 2 AND CO 2 Auri Brackmann 1, Ivan Sestari 2, Affonso José Wietzke Guarienti 3, Josuel Vilela Pinto 4, Cristiano André Steffens 5 RESUMO O objetivo do trabalho foi avaliar o efeito de pressões parciais de O 2 e CO 2 sobre a manutenção das qualidades físico-químicas da maçã cv. Gala, durante o armazenamento em atmosfera controlada (AC). Os tratamentos avaliados foram as seguintes pressões parciais: 1,0 kpa O 2 + 2,5 kpa CO 2 ; 0,8 kpa O 2 + 2,5kPa CO 2 ; 1,0 kpa O 2 + 2,0 kpa CO 2 ; 1,0kPa O 2 + 3,0kPa CO 2 e 1,0 kpa O 2 + 2,5 kpa CO 2 + resfriamento lento. As avaliações foram realizadas após nove meses de armazenamento e mais sete dias de exposição dos frutos a 20 C. Conforme os resultados, os tratamentos avaliados têm efeito semelhante sobre a conservação da qualidade da maçã Gala, sendo que apenas as pressões parciais de 1,0 kpa O 2 + 2,5 kpa CO 2 + resfriamento lento apresentaram menor incidência de podridão na avaliação realizada na saída dos frutos da câmara, porém, não diferindo das pressões parciais de 0,8 kpa de O 2 + 2,5kPa de CO 2 e 1,0kPa de O 2 + 3,0kPa de CO 2. Palavras-chave: temperatura, armazenamento, qualidade, atmosfera controlada. ABSTRACT The aim of this work was to evaluate the effect of different partial pressures of O 2 and CO 2 on the quality maintenance of Gala apples during controlled atmosphere (CA) storage. Evaluated treatments were: 1.0kPa O 2 + 2.5kPa CO 2, 0.8kPa O 2 + 2.5kPa CO 2 ; 1.5kPa O 2 + 2.0kPa CO 2 ; 1.0kPa O 2 + 3.0kPa CO 2 ; 1.0kPa O 2 + 2.5kPa CO 2 + slow cooling. Quality evaluations were carried out after 9 months of storage followed by 7 days of shelf-life at 1. Eng Agr Dr. Prof. Dpto de Fitotecnia, CCR-UFSM, Santa Maria, RS. E-mail: brackman@ccr.ufsm.br 2. Eng Agr Aluno do PPGA da UFSM, bolsista Cnpq. E-mail: isestari@yahoo.com.br 3. Acadêmico, Agronomia, UFSM, bolsista Cnpq. E-mail: afonsoguarienti@bol.com.br 4. Acadêmico, Agronomia, UFSM, bolsista Fapergs. E-mail: josuelpinto@bol.com.br 5. Eng Agr MSc. PPGA UFSM, bolsista Capes. E-mail: cristianosteffens@bol.com.br
99 Qualidade da maçã... 20 C. Fruits did not show estatistic difference among the treatments evaluated on parameters flesh firmness, skin colour and TSS. The partial pressure of 1.0 kpa of O 2 + 2.5 kpa of CO 2 + slow cooling showed lowest occurrence of decay, at the chamber opening. Key words: temperature, storage, quality, controlled atmosphere. INTRODUÇÃO A atmosfera controlada (AC) é uma técnica de armazenamento que se baseia no controle das concentrações de oxigênio e de dióxido de carbono. A redução da pressão parcial de O 2 e o aumento do CO 2 na atmosfera da câmara frigorífica reduzem a produção de etileno e as taxas respiratórias dos frutos, mantendo a sua qualidade por um período mais prolongado. Esta manutenção da qualidade pode ser afetada, aumentando a incidência de podridões e distúrbios fisiológicos, dependendo da pressão parcial utilizada. HANSEN & ZANON (1982) recomendam para a maçã cv. Gala uma atmosfera com 3kPa de O 2 + 6kPa de CO 2. Entretanto, STREIF (1994) considera a melhor condição para o armazenamento da maçã cv. Gala entre 1 a 3kPa de O 2 e 3 a 4kPa de CO 2. BRACKMANN & SAQUET (1995) verificaram, após 8,5 meses de armazenamento, que 1kPa de O 2 e 3kPa de CO 2 apresentou os melhores resultados na conservação da qualidade de maçãs cv. Gala. Desta forma, este trabalho objetiva avaliar o efeito das pressões parciais de O 2 e CO 2 sobre as qualidades físico-químicas da maçã cv. Gala durante o armazenamento em AC. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido no Núcleo de Pesquisa de Pós-Colheita (NPP) da Universidade Federal de Santa Maria. Foram utilizadas maçãs da cultivar Gala proveniente de um pomar comercial do município de Vacaria/RS. Após o transporte dos frutos para Santa Maria, estes foram selecionados eliminando-se os danificados e, posteriormente, procedeu-se a homogeneização das amostras. No momento da instalação do experimento, os frutos apresentavam os seguintes valores para os parâmetros de maturação: índice iodo-amido 8,3; firmeza de polpa 80,8N; acidez titulável 4,79meq 100 ml -1 ; sólidos solúveis totais 11,7 Brix. Os tratamentos avaliados foram as seguintes pressões parciais de O 2 e CO 2 : 1,0 kpa O 2 + 2,5 kpa CO 2 ; 0,8 kpa O 2 + 2,5kPa CO 2 ; 1,0 kpa O 2 + 2,0 kpa CO 2 ; 1,0kPa O 2 + 3,0kPa CO 2 ; e 1,0 kpa O 2 + 2,5 kpa CO 2
Brackmann A. et al. 100 + resfriamento lento. As amostras experimentais foram armazenadas no interior de minicâmaras experimentais de 232 litros, que foram conectadas por tubulações plásticas a um equipamento de controle automático das pressões parciais de gases, marca Kronenberger Sistemtechnik. As pressões parciais de O 2, referentes a cada tratamento, foram obtidas pela diluição do O 2 através da injeção, nas minicâmaras, de gás nitrogênio, proveniente de um gerador que utiliza o princípio Pressure Swing Adsorption (PSA). As pressões parciais de CO 2 foram obtidas mediante a injeção deste gás, proveniente de cilindros de alta pressão. O equipamento de controle automático das pressões parciais foi responsável pela manutenção dos níveis preestabelecidos, sendo realizadas correções diariamente. Os frutos submetidos ao resfriamento lento foram resfriados gradualmente até atingir a temperatura de 0,5 C num período de 3 dias. Nos demais tratamentos os frutos levaram 20 horas para resfriar até a temperatura de 0,5 C. A temperatura das câmaras frigoríficas foi controlada automaticamente por termostatos de alta precisão, sendo monitorada diariamente através de termômetros de mercúrio introduzidos na polpa de frutos, admitindo-se uma oscilação de ±0,2 C, e a umidade relativa das câmaras foi mantida em torno de 96%. Depois de transcorridos nove meses de armazenamento, os frutos foram retirados das minicâmaras e acondicionados em uma câmara climatizada com temperatura de 20ºC. As análises laboratoriais foram realizadas após 9 meses de armazenamento em AC e após 7 dias de exposição dos frutos à temperatura de 20 C. As variáveis dependentes analisadas foram: firmeza de polpa, determinada com um penetrômetro com ponteira de 11mm de diâmetro; acidez titulável, avaliada pela titulação de 10ml de suco em 100ml de água destilada com solução de NaOH 0,1N até ph 8,1; sólidos solúveis totais (SST), determinados mediante o uso de um refratômetro, com correção da temperatura; podridões, obtidas pela percentagem de frutos que apresentavam lesões e com características de ataque de fungos com diâmetro maior que 0,5cm. A cor de fundo da epiderme foi medida através de um colorímetro, marca Minolta, modelo CR 310, com os resultados expressos em ângulo de cor (h ). O h define a coloração básica, sendo que 0 = vermelho 90 = amarelo e 180 = verde (McGUIRE, 1992); Os dados expressos em porcentagem foram transformados pela fórmula arc. sen x /100 antes de serem
101 Qualidade da maçã... submetidos, junto com os demais dados, à análise da variância. Para a comparação das médias, utilizou-se o teste de Duncan a 5% de probabilidade de erro. RESULTADOS E DISCUSSÃO O armazenamento de maçãs, em baixas pressões parciais de O 2 e elevadas pressões de CO 2, diminui a perda da firmeza de polpa (LAU et al., 1984), pois a AC reduz a atividade das enzimas responsáveis pela de gradação dos componentes da parede celular e lamela média (KADER, 1989). Entretanto após 9 meses de armazenamento, não foi evidenciada diferença significativa entre as condições de AC na manutenção da firmeza de polpa e sólidos solúveis totais, em ambas datas de avaliação (Tabelas 1 e 2). No entanto, BRACKMANN et al. (1996) constataram uma relação positiva entre a firmeza de polpa de maçãs e o aumento da pressão parcial de CO 2. Para KADER (1986), o uso de altas concentrações de CO 2 tem maior efeito sobre a inibição da respiração do que baixas concentrações de O 2. Sendo que os efeitos da reduzida pressão parcial de O 2 e elevada de CO 2 são aditivos sobre os processos metabólicos durante o armazenamento (KADER, 1985). Quanto aos SST normalmente não são verificadas grandes alterações no teor durante o armazenamento em AC, pois os açúcares são substratos orgânicos cujo início de utilização na respiração ocorre somente depois de acentuado consumo dos ácidos orgânicos (BRACKMANN et al., 1990). A acidez titulável apresentou valores semelhantes em todos os tratamentos na análise realizada na abertura das câmaras (Tabela 1), porém, após 7 dias de exposição dos frutos a 20 C, a acidez manteve-se mais alta nas pressões parciais de 2,5 kpa e 3,0 kpa de CO 2. Estes resultados estão de acordo com SAQUET et al., (1997), que obtiveram maior acidez titulável com pressões parciais entre 2,0 e 4,0 kpa de CO 2. Visto que a respiração é um processo de consumo de ácidos orgânicos, a diminuição desta, conduz a uma manutenção da acidez, proporcionando melhor qualidade dos frutos após o período de armazenamento (YAMASHITA, 1994). A coloração de fundo da epiderme também não foi influenciada pelas condições de AC, em ambas datas de avaliação (Tabelas 1 e 2). SAQUET et al., (1997) também não verificaram influencia das condições de AC e temperaturas na coloração de fundo da epiderme. De acordo com DILLEY (1970), a exposição de maçãs no pré-climatério ao CO 2 pode ocasionar um bloqueio na degradação de clorofilas, pelo atraso na síntese protéica que ocorre durante o climatério respiratório sendo que
Brackmann A. et al. 102 estas proteínas são enzimas necessárias para a degradação das clorofilas. Desta forma, a perda da clorofila e a biossíntese de carotenóides e antocianinas são diminuídos pelo armazenamento em AC (KADER, 1985; KADER, 1989; KNEE, 1971). A ocorrência de podridões nos frutos avaliados na saída da câmara foi menor no tratamento com 1,0 kpa de O 2 + 2,5 kpa de CO 2 + resfriamento lento, no entanto, não diferindo estatisticamente dos tratamentos com 1,0 kpa de O 2 + 3,0 kpa de CO 2, 0,8 kpa de O 2 + 2,5 kpa de CO 2 (Tabela 1). Este resultado contradiz outros trabalhos (KING & HENDERSON, 1988), pois o pré-resfriamento dos frutos retarda a deterioração através da redução da respiração e reduz a suscetibilidade ao ataque de patógenos. Após sete dias de exposição dos frutos a 20ºC, não havia mais diferença estatística entre as condições de AC avaliadas (Tabela 2). O resultado deste trabalho evidencia que a maçã Gala apresenta boa conservação nas faixas de O 2 e CO 2 avaliadas. Isto significa que o armazenamento tem certa flexibilidade na escolha da concentração de gases a serem usadas em câmaras comerciais de AC. Deve ser considerado que pode haver variações de comportamento da maçã quanto à conservação, em função das condições edáficas do pomar, adubação, manejo da planta e condições climáticas, que variam com a safra. CONCLUSÕES Tendo em vista que as condições de AC avaliadas neste trabalho foram as mais promissoras de uma série de trabalhos conduzidos no Núcleo de Pesquisa em Pós- Colheita nesta última década, pode-se afirmar que todas pressões parciais de O 2 e CO 2 apresentaram efeito semelhantes na manutenção da qualidade dos frutos após o armazenamento. Nenhuma das condições de AC foi eficiente no controle da ocorrência de podridões, que foi alta em função da alta umidade relativa praticada durante o armazenamento. REFERÊNCIAS BRACKMANN, A. Einfluβ von Lagerung unter kontrollierter Atmosphäre (CA) und Ethylenbehandlungen auf verschiedene Merkmale der Fruchtreife unter besonderer Berücksichtigung der Aromabildung bei Äpfeln. Hohenheim: Universität Hohennheim, 1990. 115p. Tese (Doktors der Agrarwissenschaften) Institut für Obst Gemüse und Weinbau, Universität Hohennheim, 1990. BRACKMANN, A. & SAQUET, A. A. Armazenamento da maçã cv. Gala em
103 Qualidade da maçã... atmosfera controlada. Revista Brasileira Agrociência, Pelotas, v.1, n.2, p.55-60, 1995. BRACKMANN, A.; GONÇALVES, E. D.; SAQUET, A. A. Efeito de tratamentos com altas concentrações de CO 2 sobre a qualidade de maçãs Golden Delicious armazenadas em atmosfera controlada. Ciência Rural, Santa Maria, v. 26, n. 2, p. 181-184, 1996. DILLEY, D. R. Constituents of fruits: enzimes. In: HULME, A. C. (ed.). Biochemistry of fruits and their products. London: Academic Press, p. 179-207, 1970. HANSEN, H., ZANON, K. Apfelsorte Gala` und ihre Mutante Royal Gala`. Erwerbsobstbau, Berlin, n.4, p. 105-108, 1982. KADER, A. A. Mode of action of oxygen and carbon dioxide on postharvest physiology of Bartlett pears. Acta Horticulturae, Wageningen, n. 258, p. 161-167, 1989. KADER, A. A. Biochemical and physiological basis for effects of controlled and modified atmospheres on fruits and vegetables. Food Technology. Chicago, v.40, n.5, p.99-104, 1986. KADER, A. A. An overview of the physiological and bioquemical basis of CA effects on fresh horticultural crops. In: BLANKENSHIP,S. M. (ed.). Controlled atmospheres for storage and transport of perishable agricultural commodities. Raleigh, 1985. p. 1-9. KING, G. A.: HENDERSON, K. G. Changes in quality of Red delicious and Golden Delicious apples following delayed cooling versus delayed estabilishment of controlled atmosphere storage. New Zeal. J. Expt. Agric., New Zealand, v. 16, n. 4, p. 341-348, 1988. KNEE, M. Ripening of apples during stotrage: III Changes in chemical composition of golden Delicious apples during the climateric and under conditions simulating commercial storage practice. Journal of the Science of Food and Agriculture, London, v. 22, p. 371-377, 1971. LAU, O. L.; LIU, Y.; YANG, S. F. Influence of storage atmospheres of procedures on 1-aminicyclopropane-1- carboxylic acid concentration in relation to flesh firmness in Golden Delicious apple.
Brackmann A. et al. 104 HortScience, Alexandria, v.19, n. 3, p. 425-426, 1984. McGUIRE, R. G. Reporting of objective color measurements. HortScience, Alexandria, v. 27, n.12, p.1254-1255, 1992. YAMASHITA, I. Development of CA storage facilities for vegetables. Japan Agriculture Research Quarterly, Tsukuba, v.28, n.3, p. 185-194, 1994. SAQUET, A. A.; BRACKMANN, A.; STORCK, L. Armazenamento de maçã Gala sob diferentes temperaturas e concentrações de oxigênio e gás carbônico, Ciência Rural, Santa Maria, v. 27, n. 3, p. 399-405, 1997. STREIF, J. Empfehlugen zur Lagerung von Äpfeln. Obst und Garten, v. 12, p.487-488, 1994. Tabela 1. Qualidade da maçã Gala` submetida a diferentes pressões parciais de O 2 e CO 2 após 9 meses de armazenamento em atmosfera controlada. Santa Maria, 2002. Firmeza da SST Acidez titulável Cor Podridão O 2 /CO 2 (kpa) polpa (N) (ºBrix) (meq 100 ml -1 ) (h ) (%) 1,0 / 2,5 60,6 a 12,1 a 3,69 a 87,02 a 33,3 a 0,8 / 2,5 59,3 a 11,9 a 3,77 a 83,68 a 25,3 a b 1,0 / 2,0 58,7 a 11,7 a 3,59 a 84,87 a 30,7 a 1,0 / 3,0 59,6 a 11,8 a 3,69 a 85,43 a 16,0 a b 1,0 / 2,5 + Resfriamento 61,0 a 12,1 a 4,01 a 82,10 a 11,3 b lento** C.V. % 4,52 1,92 8,19 3,84 23,0 *Tratamentos com médias não seguidas pelas mesmas letras diferem estatisticamente pelo teste de Duncan (5%) **Resfriamento dos frutos 3 dias após a instalação da atmosfera controlada
105 Qualidade da maçã... Tabela 2. Qualidade da maçã Gala` submetida a diferentes pressões parciais de O 2 e CO 2 após 9 meses de armazenamento em atmosfera controlada mais 7 dias de exposição dos frutos à temperatura de 20 C. Santa Maria, 2002. Firmeza de SST Acidez titulável Cor (h ) Podridão O 2 /CO 2 (kpa) polpa (N) (ºBrix) (meq 100 ml -1 ) (%) 1,0 / 2,5 58,5 a* 12,1 a 4,58 a 87,58 a 57,0 a 0,8 / 2,5 59,6 a 12,1 a 4,15 a b 85,33 a 43,3 a 1,0 / 2,0 58,8 a 12,2 a 3,74 b 85,70 a 48,0 a 1,0 / 3,0 60,8 a 12,3 a 4,00 a b 85,50 a 46,3 a 1,0 / 2,5 + Resfriamento 60,5 a 12,3 a 4,34 a b 85,88 a 44,3 a lento** C.V. % 8.49 1.96 7.59 2,40 32.3 *Tratamentos com médias não seguidas pelas mesmas letras diferem estatisticamente pelo teste de Duncan (5%) **Resfriamento dos frutos 3 dias após a instalação da atmosfera controlada