Despacho: Despacho: Despacho: N/Ref.ª: I//12/CMP S/Ref.: /05/CMP Porto, Autor: Paula Melo Assunto: Legitimidade procedimental num pedido de alteração de utilização de determinada fracção autónoma (artigo 9.º do RJUE). Dos Factos: 1. Por despacho proferido pelo Exmo. Chefe de Divisão, é solicitado a este Departamento Jurídico, a definição do procedimento a adoptar pelos serviços no presente processo, atendendo à oposição manifestada por uma das proprietárias do prédio quanto à emissão do autorização de utilização requerida pelo arrendatário. 2. Para a emissão da pronúncia que nos é solicitada, importa desde já, ainda que de uma forma sumária, identificar a factualidade mais relevante. Vejamos então. 1
3. Para o prédio sito na Rua foi emitida a licença de construção n.º /21, sendo armazém, o destino aprovado para o rés-do-chão. 4. Na sequência da realização de uma acção de fiscalização, foi constatado pelos competentes Serviços que se encontrava em funcionamento no rés-do-chão daquele prédio, um estabelecimento de cafetaria, apenas com serviço de venda de pão, bolos e bebidas, sem o respectivo alvará específico Cfr. Informação I//11/CMP. 5. Em 2011 e mais tarde, em 2011, foram notificados os interessados proprietária e arrendatário do prédio nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), da intenção do Município do Porto em ordenar a cessão da utilização da fracção, nos termos do n.º 1, do artigo 95.º do R.J.U.E. 6. A proprietária, em sede de defesa, veio alegar o seguinte: (i) O local não possui licença para laborar como cafetaria; (ii) A arrendatária do prédio é a sociedade Sociedade Unipessoal, Lda, encontrando-se a correr contra esta, no.º Juízo dos Juízos Cíveis do Porto, uma acção de despejo; (iii) Tem conhecimento que o Sr. exibe um contrato de trespasse, para alegadamente se intitular arrendatário do local, porém, tal documento carece de qualquer validade, não consentindo que este requeira a emissão de qualquer licença para o local. 7. Por sua vez, o ocupante da referida fracção veio invocar que é o arrendatário do prédio, juntando para o efeito, cópia do contrato de trespasse celebrado em 2009 e cópia da notificação feita à proprietária para o exercício do direito de preferência no trespasse feito a título de dação em cumprimento. 8. Mais referindo que, de acordo com a sentença proferida, de que junta igualmente cópia, a sociedade Sociedade Unipessoal, Lda, foi extinta, requerendo a concessão de um prazo de 120 dias, para apresentar projecto de legalização. Análise jurídica: A - Da invalidade do contrato de trespasse 2
9. A pronúncia sobre a validade do contrato de trespasse junto aos autos a fls. e, bem como da notificação efectuada à proprietária para exercício do direito de preferência no trespasse, destinada a resolver o litígio que parece existir entre a proprietária do prédio e o seu ocupante/arrendatário, não constitui atribuição do Município, não integrando qualquer competência dos seus órgãos. 10. Trata-se efectivamente de matéria do foro privado, que ao Município não cabe analisar e dirimir, pois a resolução de litígios jurídico-privados cabe aos tribunais judiciais e não à Administração, sob pena de usurpação de poderes. 11. A questão que aqui em concreto nos é suscitada, reconduz-se à análise da problemática da legitimidade urbanística, dado que o Requerente invoca que é titular de um direito que lhe permite realizar determinada operação urbanística (alteração da utilização licenciada) embora um dos proprietários do prédio se oponha à concessão daquela autorização. B - Da legitimidade procedimental para apresentação do pedido de alteração de utilização 12. Como se sabe, uma vez licenciado um edifício ou uma das suas fracções para uma determinada utilização, a alteração dessa utilização carece, de autorização do presidente da câmara 1, a qual, sendo precedida de obras, destina-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovado e com as condições do licenciamento ou da comunicação prévia, ou, inexistindo obras, ou quando tratando-se de alteração da utilização, ( ) destina-se a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido 2, isto porque, como se sabe, existe uma incindibilidade entre as concretas características construtivas de um edifício e a utilização nele promovida. 1 Esta competência pode ser delegada nos vereadores, com faculdade de subdelegação, ou nos dirigentes dos serviços municipais de acordo com o disposto no n.º 3, do artigo 5.º do RJUE. 2 Artigo 62.º, n.º 2 e 3do RJUE. 3
13. Nos termos do artigo 9.º do RJUE, a legitimidade nos procedimentos urbanísticos afere-se pela titularidade de qualquer direito que confira ao requerente a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão. 14. Sendo, em regra, os direitos que conferem legitimidade, direitos de cariz privado, esta questão remete-nos para outra, prévia, que é a do relacionamento dos actos administrativos de gestão urbanística, designadamente as licenças, comunicações prévias ou autorizações, com as regras jurídicas de direito privado, em especial as referentes à construção. 15. Em causa está aqui uma das características que a doutrina atribui a estes actos urbanísticos: a da sua submissão exclusiva a regras de direito do urbanismo, o que significa que a Administração municipal competente pela apreciação dos projectos e pela concessão das licenças e autorizações urbanísticas ou pela admissão de comunicações prévias deve apreciar os referidos projectos exclusivamente à luz das normas de direito público e não à luz de normas de direito privado relativas à realização dessas operações, designadamente, as normas do Código Civil. 16. E uma das consequências desta característica é a de que a licença ou autorização urbanísticas são concedidas sob reserva de direitos de terceiros. E isto é compreensível na medida em que os actos de gestão urbanística apenas regulam as relações entre a Administração e o seu titular e, por isso, não constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas privadas, ou seja, relações entre o titular da licença ou autorização e terceiros vizinhos ou dos vizinhos entre si. 17. E isto é assim porque, para além da submissão exclusiva da licença ou autorização urbanísticas a regras de direito do urbanismo, elas caracterizam-se também por serem emitidas tendo em consideração, não o requerente, mas a conformidade do projecto com as regras urbanísticas aplicáveis ao prédio em causa, ou, no caso em apreço, a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido. 18. No entanto, apesar da regra da subordinação exclusiva das licenças e autorizações urbanísticas a normas de direito do urbanismo e a sua emissão ou concessão sob reserva de 4
direitos de terceiros, tal não significa uma total desconsideração, por parte da Administração, das regras de direito privado. 19. Ora, é precisamente isto que acontece no nosso ordenamento jurídico, dado que o n.º 1, do artigo 9.º do RJUE e a Portaria n.º 232/2008, de 11 de Março, exigem não só que o requerente ou comunicante invoque, mas também que faça prova, no requerimento inicial, da titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão. 20. Assim sendo, a apreciação da titularidade do direito que confere ao particular legitimidade para requerer o licenciamento ou a autorização, é uma apreciação meramente formal, isto é, limitada a verificar se o requerente apresentou documento comprovativo da legitimidade que a Portaria exige, sem ter que fazer quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca. 21. E os direitos que conferem legitimidade nos termos do artigo 9.º do RJUE, são o direito de propriedade e os direitos que conferem a faculdade de realizar a operação urbanística, porque assentes num título constitutivo, quer de direitos privados (usufruto, arrendamento, uso e habitação, superfície), quer de direitos de natureza pública (v.g. concessão de bens dominiais). 22. Subsumindo a factualidade do caso aqui em apreço a tudo o que vem de ser dito, sempre se dirá que a impugnação da validade do contrato de trespasse suscitada por uma das proprietárias do prédio em causa, é uma questão de direito privado que ao Município não cabe analisar nem dirimir, devendo ser suscitada e resolvida pelos tribunais judiciais, como acima já esclarecemos. 23. Por outro lado, o interessado B. alega e faz prova da qualidade de arrendatário, ao juntar aos autos fotocópia de um contrato de trespasse celebrado em de 2009, nos termos do qual adquiriu o estabelecimento comercial de indústria e comércio de panificação, produtos afins e confeitaria, instalado e a funcionar no prédio urbano sito na Rua, com o inerente direito à sua exploração. 5
24. Assim sendo, na nossa opinião, dispõe o interessado de legitimidade para apresentar um pedido de alteração da utilização do rés-do-chão do prédio em causa, para estabelecimento de bebidas. Conclusões: 1.ª A apreciação da titularidade do direito que confere ao particular legitimidade para requerer o licenciamento ou a autorização, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 9.º do RJUE, é uma apreciação meramente formal, isto é, limitada a verificar se o requerente apresentou documento comprovativo da legitimidade que a Portaria exige, sem ter que fazer quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca; 2.ª E os direitos que conferem legitimidade nos termos do artigo 9.º do RJUE, são o direito de propriedade e os direitos que conferem a faculdade de realizar a operação urbanística, porque assentes num título constitutivo, quer de direitos privados (usufruto, arrendamento, uso e habitação, superfície), quer de direitos de natureza pública (v.g. concessão de bens dominiais); 3.ª A impugnação da validade do contrato de trespasse suscitada por uma das proprietárias do prédio, é uma questão de direito privado que ao Município não cabe analisar nem dirimir, sob pena de usurpação de poderes, devendo ser suscitada e resolvida pelos tribunais judiciais, uma vez que, para além da submissão exclusiva da licença ou autorização urbanísticas a regras de direito do urbanismo, tais actos urbanísticos são concedidos sob reserva de direitos de terceiros, isto é, têm em consideração, não o requerente, mas a conformidade do projecto com as regras urbanísticas aplicáveis ao prédio em causa, ou, no caso em apreço, a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido; 4.ª No nosso caso, o interessado B. alega e faz prova da qualidade de arrendatário, ao juntar aos autos fotocópia de um contrato de trespasse celebrado em 2009, nos termos do qual adquiriu o estabelecimento comercial de indústria e comércio de panificação, produtos afins e confeitaria, instalado e a funcionar no prédio urbano sito na Rua, com o inerente direito à sua exploração, tendo por isso, na nossa opinião, legitimidade para apresentar pedido de alteração de utilização do rés-do-chão do prédio em causa, para estabelecimento de bebidas. 6
Este é, s.m.o. o nosso entendimento À Consideração Superior A Jurista 7