Cancro da Tiróide: O Problema e a Recuperação com Qualidade de Vida



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Transcrição:

Cancro da Tiróide: O Problema e a Recuperação com Qualidade de Vida TagusPark, Edifício Ciência II, 2º, Sala 2D 2740-120 Porto Salvo Tel.: 21 422 01 00 Fax: 21 422 01 10 www.genzyme.com.pt XVI

Prefácio PROF. DOUTOR MANUEL SOBRINHO SIMÕES A patologia neoplásica da tiróide apresenta características que a tornam única no universo da oncologia. Desde logo pelo facto da tiróide ser sede dos cancros mais benignos e dos mais malignos da espécie humana. Com efeito, a taxa de sobrevida aos 20 anos dos doentes com microcarcinomas papilares aproxima-se dos 100%, enquanto a dos doentes com carcinomas indiferenciados (anaplásticos) é, ao fim de um ano, inferior a 5%. Para este contraste contribui não só a notável diferença de ritmos de crescimento dos dois tipos de cancro, mas também o facto do (micro) carcinoma papilar, como qualquer carcinoma diferenciado da tiróide, responder à utilização terapêutica do iodo radiactivo. Depois, porque se conhecem as alterações genéticas específicas da maioria dos diferentes tipos de cancro da tiróide. Este conhecimento tem garantido uma franca melhoria no diagnóstico anátomo-patológico e o avanço na compreensão e manuseio das formas familiares de cancro. Oferece também perspectivas animadoras para o desenho de estratégias terapêuticas centradas nas alterações moleculares e nas características genéticas dos doentes. Se tudo correr bem espera-se que estas estratégias venham a permitir melhorar o prognóstico dos doentes com neoplasias da tiróide que não respondem, ou respondem insuficientemente, ao iodo radiactivo. A exploração das possibilidades proporcionadas pela evolução científica e tecnológica no diagnóstico e no tratamento do cancro da tiróide encontra-se particularmente facilitada no nosso País graças à existência de vários grupos portugueses com um currículo notável nesses domínios. A contribuição dos médicos e cientistas portugueses reflecte-se, por exemplo, no facto de dois dos artigos descrevendo as alterações moleculares dos diferentes subtipos de carcinoma papilar da tiróide, da autoria de Soares e col (Oncogene 22: 4578, 2003) e Trovisco e col (Journal of Pathology 202:247, 2004) terem entrado para o grupo dos highly cited papers do ISI - 1% dos artigos de medicina clínica mais citados na literatura mundial. Reflecte-se também na participação de grupos portugueses em diversos projectos de investigação de translação destinados a optimizar a utilização, na prática clínica, dos conhecimentos básicos sobre cancro da tiróide. Com o Patrocínio Científico de Grupo de Estudo da Tiróide Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo http://www.spedm.org/website/studygroups/studygroup.asp?sg_id=1 Vem este arrazoado a propósito das vantagens em introduzir, por sistema, no diagnóstico e no tratamento dos doentes com cancro da tiróide algumas noções fundamentais de fisiopatologia, anatomia patológica, epidemiologia e clínica. É disto que trata o texto Cancro da tiróide: o problema e a recuperação com qualidade de vida. Porto, 27 de Junho de 2005 MANUEL SOBRINHO SIMÕES FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO, HOSPITAL DE S. JOÃO E IPATIMUP (INSTITUTO DE PATOLOGIA E IMUNOLOGIA MOLECULAR DA UNIVERSIDADE DO PORTO) CANCRO DA TIRÓIDE: O PROBLEMA E A RECUPERAÇÃO COM QUALIDADE DE VIDA 1

Traqueia A Tiróide A tiróide é uma glândula localizada na base do pescoço, imediatamente abaixo da maçã de Adão. Tem a forma de uma borboleta, estendendo cada asa ou lobo, sobre cada um dos lados da traqueia (Figura 1). A tiróide tem por função produzir, armazenar e libertar para a corrente sanguínea as hormonas tiroideias que, por sua vez, regulam o metabolismo corporal, o equilíbrio emocional e o funcionamento dos órgãos. Estas hormonas, também designadas por T3 e T4, influenciam o batimento cardíaco, o nível de colesterol sanguíneo, o peso corporal, a força muscular, a memória e muitas outras funções. Se a tiróide produzir um número insuficiente de hormonas, o organismo reduz a sua actividade (tiróide hipoactiva ou Cartilagem Tiróide hipotiroidismo). Por outro lado, se a tiróide produzir uma quantidade excessiva de hormonas, a actividade do organismo aumenta (tiróide hiperactiva ou hipertiroidismo). A tiróide, a hipófise e o hipotálamo cooperam na manutenção do nível apropriado de hormonas tiroideias no organismo, sendo a hipófise o controlador da acção. Este sistema funciona como um termostato que regula a temperatura num quarto. Assim, da mesma forma que um termostato detecta a temperatura de um termómetro no interior de um quarto, a hipófise detecta constantemente o nível de hormonas tiroideias no sangue. Se o nível hormonal for insuficiente, a hipófise detecta a necessidade de aumentar o calor. Esta indicação é comunicada à tiróide através da libertação da hormona estimuladora da tiróide (TSH), que informa a necessidade de produzir mais hormonas tiroideias. Após este sinal, a tiróide produz e liberta estas hormonas directamente na corrente sanguínea. Quando os níveis de hormonas tiroideias estão normalizados, a hipófise suspende a produção de TSH (Figura 2). Em conjunto, os níveis de TSH e de hormonas tiroideias, são determinantes para assegurar o funcionamento normal do organismo. Iodo FIGURA 2 Hipófise TSH Hipotálamo TRH T, 3 T 4 T, 3 T 4 Tiróide Eixo Hipotálamo-Hipófise-Tiróide Clavicula Externo FIGURA 1 Anatomia da Tiróide A quantidade de hormonas tiroideias produzidas pela tiróide é regulada por uma glândula localizada na base do cérebro a hipófise ou pituitária. Uma outra parte do cérebro o hipotálamo contribui para esta regulação. Assim, o hipotálamo envia informação para a hipófise e a hipófise, por seu turno, controla o funcionamento da tiróide. Regulação do Nível de Hormonas Tiroideias 2 CANCRO DA TIRÓIDE: O PROBLEMA E A RECUPERAÇÃO COM QUALIDADE DE VIDA 3

Cancro da Tiróide O cancro da tiróide é um tumor maligno que tem origem nas células da glândula tiróide. Os cancros da tiróide são divididos em carcinomas com origem nas células foliculares e em carcinomas com origem nas células C, ou produtoras de calcitonina. Os primeiros, muitíssimo mais frequentes, classificam-se de acordo com o grau de diferenciação em diferenciados, pouco diferenciados e indiferenciados, enquanto os segundos se designam carcinomas medulares. A maior parte dos carcinomas da tiróide são constituídos pelas formas de carcinoma diferenciado carcinoma papilar e carcinoma folicular. Os carcinomas diferenciados da tiróide são de evolução lenta, têm uma boa resposta ao tratamento e apresentam uma elevada taxa de cura. O carcinoma papilar tende a ocorrer entre os 30 e os 50 anos de idade e dar origem a metástases nos gânglios linfáticos regionais. O carcinoma folicular tende a ocorrer em indivíduos mais velhos (mais de 40 anos de idade) e é mais agressivo do que o papilar, podendo invadir os vasos sanguíneos e originar metástases à distância, sobretudo nos pulmões e nos ossos. Tanto os carcinomas papilares como os carcinomas foliculares podem apresentar abundantíssimas mitocôndrias (tipo de organelo celular) no citoplasma das células. Estes casos são conhecidos como variantes de células de Hürthle do carcinoma papilar ou do carcinoma folicular. Esta última (variante de células Hürthle do carcinoma folicular), ocorre em indivíduos com mais de 60 anos de idade e responde pior à terapêutica que o carcinoma folicular comum. Os carcinomas pouco diferenciados e os carcinomas indiferenciados (também chamados carcinomas anaplásicos) têm um comportamento mais agressivo e, consequentemente, estão associados a um pior prognóstico. O cancro da tiróide atinge preferencialmente as senhoras. A incidência de novos casos de carcinoma da tiróide é cerca de duas a quatro vezes mais elevada nas mulheres do que nos homens. Apesar de todos estes aspectos, o cancro da tiróide pode surgir em qualquer pessoa. Detecção do Cancro da Tiróide Este cancro é frequentemente descoberto pelos próprios doentes ao detectar um nódulo na frente do pescoço. Alternativamente, o nódulo pode ser detectado pelo médico durante um exame físico de rotina. Na maior parte das vezes o nódulo é benigno, apenas um em cada vinte nódulos são cancerígenos. Alguns nódulos são tão pequenos que acabam por nunca ser descobertos pelo doente ou pelo médico. Causas do Cancro da Tiróide O cancro da tiróide surge mais frequentemente em pessoas submetidas a terapias de radiação de alta dosagem na cabeça, pescoço ou peito durante a infância. A radiação era usada com frequência, anteriormente a 1960, para reduzir as amígdalas, para tratar vários problemas de pele, nomeadamente o acne, e para reduzir o timo (órgão localizado acima do coração) em crianças. Esta patologia ocorre também mais frequentemente em membros de determinadas famílias com vários casos da doença tipo familiar de carcinoma da tiróide. Após identificação de um nódulo, é necessário efectuar exames específicos, tais como: análises sanguíneas (doseamento das hormonas da tiróide), exames imagiológicos (ecografia da tiróide) e biópsia aspirativa do nódulo (colheita de pequena amostra de células tiroideias com uma agulha muito fina para determinar a presença de células cancerígenas). Se estes exames confirmarem a malignidade do nódulo, o doente deverá ser tranquilizado porque, na grande maioria dos casos, o seu crescimento é muito lento. Adicionalmente, quando um doente é bem acompanhado, o 4 CANCRO DA TIRÓIDE: O PROBLEMA E A RECUPERAÇÃO COM QUALIDADE DE VIDA 5

prognóstico é muito favorável grande parte dos cancros da tiróide pode ser removida na totalidade com cirurgia e tratamentos subsequentes. QUADRO 2 INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA DO CARCINOMA DA TIRÓIDE NA EUROPA Embora 30 a 40% da população adulta tenha nódulos da tiróide, a percentagem dos que apresentam significado clínico relevante situa-se, segundo o Dr. João Jácome de Castro, Coordenador do Grupo de Estudo da Tiróide da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), em 3 a 4% e, destes, mais ou menos 5 a 10% poderão ser malignos. No entanto, com acompanhamento e tratamento mais cuidadoso, a mortalidade tem descido, ou seja, sobe o número de casos mas diminui a mortalidade. Estatísticas em Portugal e no Mundo O Quadro 1 apresenta as frequências relativas e as taxas de mortalidade de cada tipo histológico de carcinoma da tiróide. Incidência Prevalência em 1 ano Prevalência em 5 anos Europa de Leste 11577 9158 38916 Europa do Norte 2621 2273 10178 Europa do Sul 6633 5985 27215 Europa Ocidental 7111 6744 30106 Total Europeu 27942 24160 106415 Apesar de pouco frequente, a taxa de incidência anual do carcinoma diferenciado da tiróide em todo o mundo varia entre 0,5 a 10 casos por cada 100 000 indivíduos. Na União Europeia, o carcinoma da tiróide afecta aproximadamente 28 000 indivíduos todos os anos (Quadro 2), com uma mortalidade anual em cerca de 2 800. QUADRO 1 FREQUÊNCIAS RELATIVAS E TAXAS DE MORTALIDADE DOS DIVERSOS TIPOS HISTOLÓGICOS DE CARCINOMA DA TIRÓIDE Tipo histológico Frequência relativa do número total de carcinomas da tiróide (%) Taxas de mortalidade específicas de carcinoma aos 20 anos (%) Papilar 75-90 5-10 Folicular 5-15 25-30 Variante de Células Hürthle do 2-5 20-35 Carcinoma Folicular Medular 5-8 20-25 Pouco Diferenciado ou Indiferenciado 4-10 >95 (Anaplásico) QUADRO 3 ESTATÍSTICAS REFERENTES A PORTUGAL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE GLOBOCAN 2002 (INTERNATIONAL AGENCY FOR RESEARCH ON CANCER) Prevalência Portugal Incidência Mortalidade 1 ano 5 anos Homens 88 21 82 364 Mulheres 445 54 390 1 765 Total 533 75 472 2 129 No Quadro 3 estão representados dados referentes a Portugal. O cancro da tiróide está a aumentar em Portugal e, apesar de ser considerado pouco agressivo, pode comprometer a qualidade de vida dos doentes. Em Portugal, estima-se que anualmente o cancro da tiróide seja diagnosticado a mais de 500 portugueses, dos quais cerca de 5-10% acabam por falecer. A incidência do carcinoma da tiróide nas mulheres é superior à registada nos homens, afectando 445 mulheres e 88 homens anualmente. 6 CANCRO DA TIRÓIDE: O PROBLEMA E A RECUPERAÇÃO COM QUALIDADE DE VIDA 7

Tratamento do Cancro da Tiróide Existem várias possibilidades de tratamento do tipo diferenciado de cancro da tiróide. O tratamento mais comum conjuga a remoção cirúrgica da tiróide tiroidectomia e a terapia com iodo radioactivo ablação para eliminação de células tiroideias normais e/ou cancerígenas. Este tratamento ablativo é importante porque permite eliminar as células tiroideias normais, facilitando o acompanhamento dos doentes a longo prazo, e as células potencialmente cancerígenas que possam não ter sido removidas durante a cirurgia. Exames de Monitorização Cerca de um terço dos casos de cancro da tiróide reaparece podendo manifestar-se décadas após a tiroidectomia. Devido a este facto, é necessário realizar exames de monitorização durante toda a vida para avaliar a presença de recidiva ou de metástases. Estes exames consistem numa análise sanguínea, para doseamento da tiroglobulina (uma proteína específica de células de tiróide), com ou sem associação a cintigrafia corporal com radioiodo, e permitem identificar a existência de células cancerígenas no organismo. O tratamento ablativo do tecido tiroideu residual consiste na ingestão de uma cápsula de iodo radioactivo, também denominado radioiodo. As células tiroideias são as únicas células do organismo a absorver o radioiodo, o que permite a sua eliminação específica. GRÁFICO 1 TAXAS CUMULATIVAS DE RECIDIVA E DE MORTALIDADE DEVIDO A CANCRO DE TIRÓIDE APÓS TRATAMENTO INICIAL 40 Após a conclusão deste tratamento inicial, inicia-se a terapêutica hormonal de supressão da tiróide. Esta terapêutica consiste na administração de uma hormona sintética (levotiroxina ou T4), que substitui as hormonas produzidas pela tiróide. Desta forma, fica assegurado o bom funcionamento do organismo e a manutenção de uma vida normal após a tiroidectomia. Além disso, esta terapêutica inibe a produção da hormona de estimulação da tiróide (TSH) por parte da hipófise. Este aspecto é essencial porque níveis elevados de TSH podem conduzir a uma maior probabilidade de recidiva do carcinoma da tiróide, devido à sua acção na estimulação do crescimento de células tiroideias. A terapêutica hormonal de supressão da tiróide desempenha, então, duas funções: substitui as hormonas da tiróide produzidas pelo organismo, evitando o hipotiroidismo e assegurando o normal funcionamento corporal, e inibe a produção de TSH por parte da hipófise evitando a estimulação do crescimento de células cancerígenas que possam ainda existir. Percentagem cumulativa 30 20 10 0 Recidiva Mortalidade devido a Cancro de Tiróide 0 10 20 30 40 Anos após tratamento inicial A detecção precoce de uma recidiva é muito importante porque permite uma intervenção imediata aumentando a probabilidade de sucesso do tratamento. Na realização destes exames de monitorização, é necessário que o doente apresente níveis elevados de TSH na circulação sanguínea para estimular as células tiroideias normais ou recidivantes, o que permite assinalar a sua presença. Estes níveis óptimos de TSH podem ser atingidos por suspensão da terapêutica hormonal com levotiroxina, por forma a induzir a produção de TSH endógena (produzida pelo próprio organismo), ou através da administração de TSH humana recombinante (tirotropina alfa) como fonte exógena (exterior ao organismo) de TSH. CANCRO DA TIRÓIDE: O PROBLEMA E A RECUPERAÇÃO COM QUALIDADE DE VIDA 9

T E S T E M U N H O S A TSH humana recombinante é produzida em laboratório, através da tecnologia do DNA recombinante, é idêntica à TSH humana, produzida pela hipófise, e possui propriedades bioquímicas comparáveis. Assim, torna possível a elevação dos níveis de TSH, sem recorrer à suspensão da terapêutica com hormonas da tiróide, para realização dos exames de monitorização, de forma específica e eficaz. A obtenção de exames de monitorização negativos sob estimulação com a TSH humana recombinante representam um risco muito baixo de reaparecimento da doença, sendo suficiente, em exames de monitorização subsequentes (e anualmente), a análise sanguínea em manutenção da terapêutica com hormonas da tiróide. Hipotiroidismo e Exames de Monitorização As hormonas tiroideias regulam muitas funções do organismo. Quando a terapêutica hormonal de supressão da tiróide é interrompida, os níveis de hormonas tiroideias no organismo decrescem e surge o hipotiroidismo. Os sintomas associados ao hipotiroidismo incluem: Depressão; Dificuldade de concentração; Humor instável/irritabilidade; Perda de memória; Frequência cardíaca baixa; Cansaço; Fraqueza muscular; Aumento de peso; Rosto e olhos inchados; Pele e cabelos secos; Queda de cabelo; Rouquidão e garganta seca; Intolerância ao frio; Prisão de ventre; Menstruação irregular ou pesada nas senhoras; Infertilidade nas senhoras. Muitos doentes ficam incapacitados de manter uma vida normal durante o período de suspensão da terapêutica hormonal e, frequentemente, interrompem a sua actividade laboral. Este período pode prolongar-se por 6 a 8 semanas e pode prejudicar a vida profissional dos doentes. As interacções com a família e amigos podem tornar-se difíceis devido à instabilidade emocional resultante do hipotiroidismo. Os doentes tendem a isolar-se e a vida familiar é afectada. O período de hipotiroidismo tem um impacto bastante negativo na qualidade de vida dos doentes. A administração da TSH humana recombinante, ou tirotropina alfa, permite evitar os episódios de hipotiroidismo associados aos exames de monitorização dos doentes com cancro da tiróide. Luísa G. Auxiliar em Infantário, Residente no Porto Estávamos no dia 16 de Novembro de 2003, eu encontrava-me quase sem voz e pensei ir ao médico, pois suspeitava ser gripe. Qual não foi o meu espanto, quando precisamente nesse dia descobri que tinha um nódulo na tiróide. Por breves momentos não sabia o fazer, pois também não fazia idéia o que era, pouco ou quase nada sabia da tiróide. No entanto, fiz todos os exames para descobrir realmente o que era e em que estado se encontrava. O resultado foi: carcinoma papilar da tiróide, com 3cm de maior diâmetro, de origem maligna e que se localizava no lobo direito da tiróide. Em pouco tempo decidi fazer a cirurgia para remover o carcinoma e, assim, fui submetida a uma tiroidectomia total. Já me encontrava em fase de recuperação com alta prevista, quando tive uma hipocalcémia (possível complicação desta cirurgia que raramente acontece). Nessa altura pensei que iria morrer, mas tentei manter-me sempre firme para superar a situação. Finalmente tive alta e regressei a casa mas um dilema me esperava : fazer a hormona de substituição, o "Letter", porque eu já me encontrava com excesso de peso, líquidos acumulados, e foi complicado nós nos habituarmos à situação, pois não era só eu que teria de me habituar, mas também a minha família (marido e filha, na altura com 14 anos). Comecei a ter várias depressões e modificações de humor e, como se isso não fosse o suficiente, o meu médico disse-me que era necessário fazer um exame regularmente e para isso era preciso deixar de tomar o Letter durante algum tempo. É bastante complicado fazer isso pois ficamos sem forças nenhumas, mas como é necessário fazer o exame temos que nos sujeitar, embora a opinião do meu cirurgião não seja essa, segundo ele não é muito lógico a interrupção do Letter, pois essa não é a única maneira de repor no organismo aquilo que ele necessita. Apesar de tudo o que passei, posso dizer que até agora venci a situação e estou a dar o meu testemunho (agora por escrito, mas espero fazê-lo pessoalmente) a todas as pessoas que como eu passaram, estão a passar, ou passarão pelo mesmo, e que também não sabem em que consiste o problema que as afecta. Quero finalizar por lembrar que se não tivesse o apoio incondicional do meu marido e da minha filha hoje não estava a dar este testemunho importante. 10 CANCRO DA TIRÓIDE: O PROBLEMA E A RECUPERAÇÃO COM QUALIDADE DE VIDA 11

Ilda T. Professora Residente em Paredes Luísa V. Farmacêutica Residente em Beja O meu cancro da Tiróide foi descoberto quase por acaso. Porque estava a fazer uma dieta de emagrecimento (sem resultados significativos) e estava, também, a entrar na menopausa, a médica lembrou-se de me mandar fazer uma ecografia à Tiróide pois, segundo ela, aquando da menopausa podem vir problemas de Tiróide associados. Soube pela ecografia que tinha Bócio multinodular com nódulo mais relevante no lado tiroideu direito medindo 11mm. Fiz, então, uma biópsia cujo resultado foi... Compatível com Tumores foliculares, para exérese cirúrgica. Fui operada e, mais tarde, fiz também Iodo radioactivo. Faço tratamento com Letter e, quase todos os anos faço um cintilograma ; é nessa altura que sou obrigada a lembrar-me que não tenho tiróide, pois como não posso tomar o Letter durante um mês, fico sem forças, tenho falta de ar, incho, tenho alterações de humor...enfim, tudo fica desregulado. De forma a ilustrar a situação de hipotiroidismo temporário pela qual passei no ano passado, posso referir: O cansaço extremo, com implicações a nível profissional, traduzidas em dificuldade de concentração e memorização que me levaram a uma diminuição acentuada da capacidade de trabalho, fazendo com que tivesse cerca de 15 dias sem trabalhar. A nível pessoal e familiar, foi complicado pelo facto de, ser difícil explicar a uma filha de 3 anos que não temos força para lhe pegar ao colo ou dar banho. Outro exemplo ilustrativo do aumento do estado de sonolência e cansaço, foi o facto de não conseguir conduzir durante uma hora e meia, tendo que parar numa estação de serviço, a meio caminho, e dormir durante cerca de duas horas. O aumento de peso com retenção de líquidos acentuados foi outro problema complicado de gerir, conjuntamente com o estado depressivo, provocado pelo hipotiroidismo. Por ter sofrido na pele o problema do hipotiroidismo temporário, e sabendo que nos dias de hoje existem alternativas perfeitamente fiáveis, considero desumano deixar que se passe por uma situação destas de forma gratuita, uma vez que os danos, sociais, profissionais e familiares são demasiado elevados. 12