SUBLIMA-DOR Considerações sobre dor e sublimação nos limites do pulsional

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Transcrição:

SUBLIMA-DOR Considerações sobre dor e sublimação nos limites do pulsional SUBLIMA-DOR Considerações sobre dor e sublimação nos limites do pulsional Priscila de Lima Catão Resumo A sublimação e a dor atravessam inevitavelmente os importantes momentos da teoria das pulsões, sendo possível a articulação e o atravessamento destes conceitos, com particular ênfase na segunda tópica, que introduz a pulsão de morte e instaura uma nova dinâmica pulsional. Palavras-chave Sublimação, Dor, Pulsão, Limite. A sublimação pode ser definida como uma saída pulsional dotada de uma nobreza que lhe é peculiar e que remete a um ato de realização sublime, conforme o próprio termo indica. Se, num primeiro momento, as elevadas realizações culturais do humano foram atribuídas ao sublimar, modificandose a finalidade sexual da pulsão para uma função social destinada ao bem-estar e ao equilíbrio, em outro tempo essa assertiva se confronta com o fato de que esta saída pode ser uma via perigosa para o sujeito. Tal percurso teórico de particular relevância possui íntima relação com a introdução do conceito de pulsão de morte, no que se configura a segunda teoria das pulsões. Enquanto, antes, a primazia do princípio do prazer, em contraponto com o princípio da realidade, era suficiente para explicar o funcionamento do aparelho psíquico, a observação clínica da pulsão de morte, presentificada na compulsão à repetição, impele a um rearranjo radical na teoria das pulsões e consequentemente, na teoria psicanalítica. Assim sendo, a dor como conceito psicanalítico também faz seu tortuoso trajeto ao longo da obra freudiana, onde se apresenta das mais variadas formas, desde sua ligação com a dinâmica do trauma, revelando-se em seu caráter estruturante (fundante) e desestruturante (desorganizador), até ser referenciada como uma pseudopulsão (FREUD, 1915, p.51), Reverso Belo Horizonte ano 33 n. 62 p. 79 84 Set. 2011 79

Priscila de Lima Catão alojada no isso das pulsões, e expressando seu maior grau de complexidade no masoquismo erógeno. A abordagem econômica da dor, mais precisamente detalhada em Projeto para uma psicologia científica (FREUD, 1985, p.356-362), expõe paradoxalmente seu aspecto traumático de destruição e de estruturante de construção. Como excesso de excitações que invade os dispositivos protetores, está ligada a uma ruptura, um extravasamento desorganizador, desestruturante da economia psíquica. Ao mesmo tempo, posicionar a experiência de dor em paralelo com a experiência de satisfação sugere que ambas, satisfação e dor, participem do processo inerente à construção do psiquismo. Afinal, não há Bahnung sem um começo de dor (DERRIDA apud GARCIA-ROZA, 2004, p.142). Desta forma, a dor é também marca inaugural do aparato psíquico, é inscrição que atua como estímulo pulsional contínuo, sendo inclusive comparável a uma pseudopulsão por Freud (1915, p.51). No decurso da teoria psicanalítica, a dor mantém o seu caráter enigmático, e se complexifica no problema econômico do masoquismo. O mais imperativo de todos os processos (FREUD, 1895, p.359) se reatualiza como elemento fundante através da existência do masoquismo erógeno primário, constitutivo, e representante por excelência das pulsões amalgamadas, onde não há discriminação entre prazer e desprazer. A inviabilidade de se pensar na pulsão de morte desvinculada da pulsão de vida instaura uma nova dinâmica, em que a tentativa de conciliação entre as forças pulsionais Eros e Tânatos torna possível a vida. Desta maneira, o indivíduo encontrase constantemente dividido por essas duas tendências paradoxais que, em fusões e desfusões do movimento pulsante, ofertam elementos de vida e de morte, possíveis de representação ou passíveis de apresentação. A dor parece emergir desse circuito pulsional, entre as pulsões que se unem e se separam sem precisar seus limites. A dor surge, portanto, fazendo-se limite, ora prestando-se à ação silenciosa da pulsão de morte ao extravasar, persistir e insistir, ora enlaçando-se à vida ao tentar conter, bordejar, proteger. Ao mesmo tempo, como servo entre-dois, a dor se faz sem-limite, nos limites imensuráveis do pulsional. O delicado campo sublimatório compartilha elementos deste traçado da dor. Particularmente difícil de ser definida, a sublimação é sem dúvida um destino pulsional, e, como tal, aproxima-se do que lhe é mais radical e mais primitivo, ou seja, do que é da pulsão. A respeito de sua visão estruturante, a sublimação, em parte, pouco se diferencia do recalque, no que é descrita como uma transformação da meta da pulsão, que passa de sexual para não sexual, e como um desvio dos impulsos sexuais, que são direcionados para fins sociais, estabelecendo a harmonia dos conflitos internos e o equilíbrio entre o indivíduo e a civilização. Entretanto, embora não haja necessariamente uma exata divisão conceitual, a ótica inaugurada pela nova economia pulsional certamente altera a posição teórica da sublimação. Ela passa a ser revelada em sua face desestruturante, onde a dessexualização, em última análise, acarreta uma desfusão das pulsões e entrelaça o processo sublimatório com a pulsão de morte, que inevitavelmente se impõe e expõe o indivíduo aos perigos da intimidade com as intensidades pulsionais, em posição de afinidade com a angústia e a dor. O ato de sublimar incorre justamente em uma parcela de risco deste desligamento, onde não há garantias de proteção contra as ameaças do potencial agressivo e aniquilador de Tânatos. Parafraseando Carvalho, a sublimação é uma saída, mas não é o abrigo (JUHASZ apud CARVALHO, 2006, p.22). A proximidade com o isso das pulsões coloca a sublimação em íntimo contato com a dor. Desse encontro, o sujeito é lançado num campo de possibilidades e 80 Reverso Belo Horizonte ano 33 n. 62 p. 79 84 Set. 2011

SUBLIMA-DOR Considerações sobre dor e sublimação nos limites do pulsional impossibilidades cujo caminho é da ordem da imprevisibilidade e da indeterminação. No enlace e desenlace das pulsões, a pulsão de morte, tal como a dor, é imperativa, enquanto a pulsão de vida é perturbadora deste curso. A sublimação, nesse entre-dois, parece impelir o sujeito a lidar mais diretamente com a pulsão de morte, a trabalhar em torno do vazio, a buscar um rearranjo de sentidos em vias da criação de algo inteiramente novo, somente possível devido a essa aproximação com o inominável. Em Limites da sublimação na criação literária (2006), Carvalho fala sobre a função da escrita como sublimação na poética do suicídio (CARVALHO, 2006, p.22) abordando questões sobre a morte trágica de escritores ocorrida justo no período de intensa produção literária, e constatando a fragilidade do trabalho sublimatório como fonte de transformação, prazer e organização dos conflitos psíquicos. Para além de uma escrita de contenção, o fracasso em torno do impossível de se dizer revelaria os limites da sublimação, que propicia a intimidade com as turbulências do campo pulsional sem necessariamente proteger dos seus efeitos destrutivos. Entretanto, essa insuficiência perante o irrepresentável não parece tratar-se propriamente de um limite da sublimação, mas sim de um limite que é próprio do simbólico. Embora exista um universo inesgotável de recursos significantes, há um ponto de inassimilável, que faz menção à pulsão de morte, a esse silêncio de real. Já a sublimação, tal como a dor, parece ser um sem-limite que permeia as pulsões amalgamadas e emerge no trajeto entre a dor do impossível e a nostalgia de um enodamento simbólico possível. Desse caminho sem garantias, a ineficiência do simbólico ante a proximidade com o real é o risco que se corre e o preço que se paga se próximo demais, pagando-se com a libra de carne (LACAN, 1997, p.386). O sublima-dor percorre a trama da ordem pulsional em que o efeito é o da indiscriminação, muitas vezes evidenciado pelo destino psíquico indeterminado, ou mesmo pela indistinção entre a obra e o criador, ou seja, entre o objeto-efeito da sublimação e aquele que sublima. Tal caminho incalculável vem marcar, sobretudo, o paradoxo dos elementos, que carregam as diversas possibilidades de representações ao passo que invariavelmente se dirigem para o irrepresentável. Esta observação é facilmente associável às formas culturais do belo que visam manter um distanciamento do potencial destrutivo fundamental do humano. O belo que demarca um limite ante o horror não pode senão configurar-se como um anteparo, uma tentativa de representação que recobre o inomeável. Se há beleza no objeto-efeito da sublimação, ela reside nesse fascínio que, ao que captura, também aponta para um limite. O belo une e separa as pulsões de vida e as pulsões de morte deixando entrever esse amálgama entre Eros e Tânatos (CRUXÊN, 2004, p.58). O recurso do belo apreensível na escrita com função de sublimação parece representar bem o enlace sublima-dor. Para concluir, o texto a seguir traz um jogo simbólico que vem abrigar a dor e a sublimação através das palavras-limite, verdadeiros véus que recobrem o sem-face da pulsão de morte (CRUXÊN, 2004, p.59). Em função dos desejos transgressivos das palavras, o texto passa a ter uma significação outra, e o rearranjo dos sentidos vem revelar, em uma segunda leitura, a obscuridade oculta em toda escrita. Revolução das Letras Papel quis ser desencontro, viveiro transformou-se em silêncio. Abismo fez as vezes da luz, uma vez que vez cismou em ser morte. Ruas transfiguraram-se em letras, casas optaram por ser restos. Portões viraram buracos, e cores se firmaram como vazios. Certo decidiu ser cego. Escrita insistiu em ser dor. Abrigado se fez perdido. Caminho tomou o lugar da beleza. Nada substituiu o sonho. Fiel acabou sendo Reverso Belo Horizonte ano 33 n. 62 p. 79 84 Set. 2011 81

Priscila de Lima Catão cruel. O amor fugiu e foi ser tempo. Enciumado, o tempo converteu-se em amor. ϕ Assim sendo... Era uma vez... Um viveiro de palavras Um distraído papel e... Luz! Por entre as ruas Casas se espalham Abrem seus portões Criam cores infindas Revelam o ponto certo De um espaço abrigado Na beleza entre o dito E o que há de ser dito. Nesse espaço Surge ela. É a escrita que vem Essa escrita que não cala Que gravita o sonho No fiel tempo inexato do amor. SUBLIMA-DOR: CONSIDERATIONS ABOUT PAIN AND SUBLIMATION WITHIN THE LIMITS OF THE DRIVE Abstract Sublimation and pain inevitably go through the important moments of the theory of drives, and this allows a possible linkage and crossing of these concepts, with particular emphasis on the second topic, which introduces the death drive and creates a new dynamic drive. Keywords Sublimation, Pain, Drive, Limit. Bibliografia CARVALHO, Ana Cecília. Limites da sublimação na criação literária. In Estudos de Psicanálise, n.29, set./2006. CASTIEL, Sissi Vigil. Sublimação: clínica e metapsicologia. Rio de Janeiro: Escuta, 2007. CRUXÊN, Orlando. A sublimação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. Coleção Psicanálise passo-apasso, n 51. DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo, Perspectiva citado por GARCIA-ROZA in Introdução à metapsicologia freudiana, v.i: sobre as afasias (1891); o projeto de 1895. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. DUTRA, Vera Lucia. O conceito de sublimação à luz de uma perspectiva da feminilidade. In: BIR- MAN, Joel (Org.). Feminilidades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2002. FREUD, Sigmund. Projeto para uma psicologia científica (1895). ESB, v.i. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). ESB, v.vii. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneio (1908). ESB, v.ix. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna (1908). ESB, v.ix. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910). ESB, v.xi. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). ESB, v.xiv. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Os instintos e suas vicissitudes (1915). ESB, v.xiv. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Repressão (1915). ESB, v.xiv. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Além do princípio de prazer (1920). ESB, v.xviii. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 82 Reverso Belo Horizonte ano 33 n. 62 p. 79 84 Set. 2011

SUBLIMA-DOR Considerações sobre dor e sublimação nos limites do pulsional FREUD, Sigmund. O ego e o id (1923). ESB, v.xix. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. O problema econômico do masoquismo (1924). ESB, v.xix. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, Sigmund. Inibições, sintomas e ansiedade (1926). ESB, v.xx. Rio de Janeiro: Imago, 1996. GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Introdução à metapsicologia freudiana, v.1. Sobre as afasias (1891); O Projeto de 1895. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. LACAN, Jacques. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Trad. Antonio Quinet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. RECEBIDO EM: 21/05/2011 APROVADO EM: 14/07/2011 SOBRE O AUTOR Priscila de Lima Catão Médica. Participante do Fórum de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais CPMG. Endereço para correspondência: Rua Oligisto, 411/202 Santa Tereza 31010-430 BELO HORIZONTE/MG Tel.: (31)9236-1323 E-mail: cataopriscila@gmail.com Reverso Belo Horizonte ano 33 n. 62 p. 79 84 Set. 2011 83

Priscila de Lima Catão 84 Reverso Belo Horizonte ano 33 n. 62 p. 79 84 Set. 2011