CARACTERIZAÇÃO DAS CÉLULAS GERMINATIVAS NO PRIMÓRDIO GONADAL DA PIRACANJUBA Brycon orbignyanus (CHARACIFORMES, CHARACIDAE) Zonatto, A. B. 1* ; Ninhaus-Silveira, A. 1 ; Veríssimo-Silveira, R. 1 1 UNESP Univ. Estadual Paulista, Campus de Ilha Solteira, Dep. Biologia e Zootecnia, L.I.NEO Laboratório de Ictiologia Neotropical. *linezonatto@hotmail.com Introdução A piracanjuba Brycon orbignyanus é uma espécie de peixe nativa que desperta interesse para piscicultura por seu comportamento agressivo, carne saborosa e crescimento rápido (CECCARELLI, 2010). Porém, encontra-se ameaçada de extinção e seu manejo reprodutivo apresenta dificuldades, a exemplo da reprodução induzida, que frequentemente não é bem sucedida, gerando proles inviáveis e com razões sexuais arbitrárias. Nos peixes Teleostei a determinação sexual e a diferenciação gonadal são controladas por fatores genéticos, fisiológicos e comportamentais (FRISCH, 2004), sendo que a diferenciação gonadal inicia-se com a proliferação e diferenciação de células somáticas e germinativas (DEVLIN E NAGAHAMA, 2002). Entretanto estudos a respeito da formação das estruturas gonadais são escassos e se fazem necessários para um entendimento mais amplo do processo de diferenciação gonadal. Portanto, visando colaborar com o desenvolvimento de estratégias de manejo reprodutivo de Brycon orbignyanus, descreveram-se neste trabalho as características das células germinativas primordiais no primórdio gonadal da Piracanjuba. Material e Métodos As larvas e juvenis de piracanjuba B. orbignyanus, provenientes de reprodução induzida realizada na Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo CESP, Três Lagoas/MS, foram coletados no período de dezembro de 2011 a fevereiro de 2012. As coletas das larvas foram realizadas da seguinte maneira: intervalo de 6 horas entre as coletas, iniciando no momento da eclosão até as larvas completarem 60 horas de vida; após esse
período iniciaram as coletas com intervalos de 24 horas até as larvas completarem 223 horas de vida. Após anestesia com Benzocaína (1 μg/ml), os exemplares foram fixados em paraformaldeído a 4% e glutaraldeído a 2% em tampão fosfato Sorensen, ph 7,4, e incluídos em historesina (Metacrilato Glicol). Para realização de cortes transversais, as larvas foram reincluídas. Todo o material foi submetido a cortes micrométricos seriados (3 µm) e coloração com Hematoxilina/Eosina e Azul de Toluidina. As análises realizaram-se sob microscópio óptico Zeiss equipado com câmera AXIOCAM-MRc5. Resultados Durante o período analisado - 0 a 223 horas após a eclosão (hpe); as gônadas de larvas e juvenis de Brycon orbignyanus, permaneceram como primórdio gonadal, por não apresentarem vascularização e nem divisão mitótica das células germinativas. O primórdio gonadal é constituído de algumas camadas de células somáticas, com raras células germinativas primordiais (CGPs) e está presente na cavidade celomática desde o momento da eclosão (Fig. 1A). As células germinativas primordiais são relativamente grandes, apresentam núcleo evidente e citoplasma intensamente corado com Eosina (Fig. 1B). Distribuem-se em uma única camada entre as células somáticas, que as cercam e individualizam (Figs. 1A, D). Em cortes transversais, são primeiramente observadas ao redor da região dorsal do intestino, isoladas ou em grupos de duas ou três células. A partir de 30 horas após a eclosão (hpe) são observadas bem próximas ao mesentério, mais distantes do intestino (Figs. 1C, J). A partir de 54 hpe, as CGPs podem ser vistas localizadas à direita e à esquerda do corpo da larva, sendo este o início da organização da gônada como estrutura par (Fig. 1J). O formato das células germinativas primordiais muda com o decorrer do desenvolvimento. Inicialmente apresentam formato ovalado (Figs. 1A-D), porém, tornam-se progressivamente arredondadas, de modo que, a partir de 79 horas após a eclosão, são observadas poucas células germinativas primordiais redondas, entretanto, com 127 horas após a eclosão, a maioria apresenta o formato arredondado (Figs. 1E-K). Juntamente com a mudança no formato, as CGPs também passam a apresentar um citoplasma menos eosinófilo quando comparado à fase anterior (Figs. 1E-K). Porém, mesmo nesta fase, que se mantém até 223 hpe, ainda não há divisão mitótica, o que indica que todas as células germinativas presentes na região são provenientes de migração do endotélio do saco vitelínico. No primórdio gonadal as células germinativas permanecem isoladas e individualizadas, ainda sem a organização em cordões ou cistos germinativos (Figs. 1 A, D, G, J-K).
Discussão e Conclusões Em Brycon orbignyanus, desde o momento da eclosão é possível visualizar raras células germinativas primordiais cercadas por células somáticas na região gonadal, o que indica que a migração das células germinativas da endoderme do saco vitelínico para a região acontece no período embrionário. A mesma situação foi encontrada em Oryzias latipes (SATOH e EGAMI, 1972). Porém, em Pseudobagrus fulvidraco (PARK et al., 2004) e Cyprinus carpio (MAZZONI, 2009), a gônada primordial foi visível a partir de três e sete dias após a eclosão, respectivamente. As características típicas das células germinativas primordiais - formato oval ou arredondado; grandes, com núcleo e nucléolos evidentes e coloração intensa com Hematoxilina/Eosina; permitem que elas sejam facilmente reconhecidas em meio às células somáticas.
Fig. 1: Primórdio gonadal em B. orbignyanus. A: Aspecto geral do primórdio gonadal, 24 hpe. B: Detalhe da CGP, no momento da eclosão. C: Corte transversal, 30 hpe. D: Aspecto geral do primórdio gonadal, 54 hpe. Detalhe: CGP, cercada por células somáticas. E- F: 79 hpe. Notar o formato arredondado das CGPs. G: Primórdio gonadal, 127 hpe. Detalhe: Detalhe da CGP. H - I: Cortes transversais, 151 hpe, mostrando localização das CGPs à direita e à esquerda do corpo da larva (H) e as células somáticas individualizando-as (I). J: Primórdio gonadal, 151 hpe. J: Detalhe da CGP, 175 hpe. Coloração: A-F, H, K: Hematoxilina/Eosina.
G, I-J: Azul de Toluidina. A-B, C-G, J-K: Cortes longitudinais. in: intestino; m: musculatura; r: rim; setas: CGPs; cabeças de setas: células somáticas. Em relação à mudança no formato das células germinativas primordiais, Mazzoni (2009) comenta ser o resultado da migração e estabelecimento das células na cavidade celomática. O formato ovalado apresentado inicialmente deve-se à recente atividade migratória sofrida por essas células, já que se diferenciam da endoderme do saco vitelínico. Portanto, após um período de tempo na cavidade celomática, onde permanecerão e constituirão o tecido gonadal, tornam-se gradualmente mais arredondadas. Em Brycon orbignyanus, do período de 0 a 223 hpe, as CGPs permanecem raras e isoladas no primórdio gonadal, apesar das mudanças no formato e coloração, o que se assemelha ao encontrado para várias outras espécies em estágio inicial de morfogênese gonadal (MAZZONI, 2009; MURATA et al., 2009). As poucas células germinativas presentes são as que resultam de migração para a região gonadal, já que não se observa atividade mitótica. Quando as CGPs começam a proliferação por mitose, há um aumento no tamanho da gônada e elas passam a ser vistas de maneira contínua em cortes longitudinais, em agrupamentos formados apenas por CGPs, o que caracteriza os cordões contínuos ainda não observados (MAZZONI, 2009). Agradecimentos Agradecemos à FAPESP pelo apoio financeiro (Processo 2012/03974-3) e à Companhia Energética de São Paulo, pelo material cedido. Referências CECCARELLI, P. S.; SENHORINI, J. A.; CANTELMO, O. A.; REGO, R. F.. Piracanjuba (Brycon orbignyanus, Valenciennes, 1849). In: BALDISSEROTTO, B.; GOMES, L. C. (org.). Espécies nativas para piscicultura no Brasil. 2. Ed. Santa Maria: UFMS, 2010. p. 117-148. DEVLIN, R.H.; NAGAHAMA, Y. Sex determination and sex differentiation in fish: an overview of genetic, physiological, and environmental influences. Aquaculture, n. 208, p. 191 364. 2002. FRISCH, A. Sex change and gonadal steroids in sequentially- hermaphroditic fish Rev. Fish Biol. Fisheries, n. 14, p. 481-499. 2004. MAZZONI, T. S. Formação do epitélio germinativo durante a morfogênese e diferenciação gonadal em Cyprinus carpio (Teleostei: Cypriniformes): análise estrutural e ultraestrutural
das células germinativas e somáticas. 113p. Dissertação de mestrado - Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. MURATA, R.; KARIMATA, H.; ALAM, M. A.; NAKAMURA, M. Gonadal sex differentiation in the Malabar grouper, Epinephelus malabaricus. Aquaculture, n. 293, p. 286-289, 2009. PARK, I.; KIM, J.; CHO, S. H.; KIM, D. S. Sex differentiation and hormonal sex reversal in the bagrid catfish Pseudobagrus fulvidraco (Richardson). Aquaculture, n. 232, p. 183-193, 2004. SATOH, N.; EGAMI, N. Sex differentiation of germ cells in the teleost, Oryzias latipes, during normal embryonic development. Journal of Embryology and Experimental Morphology, v. 28, n. 2, p. 385-395, 1972.