PROCESSO DE RECATEGORIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE EFEITOS DE SENTIDO NO TWITTER



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1 PROCESSO DE RECATEGORIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE EFEITOS DE SENTIDO NO TWITTER Silvana Maria Calixto de Lima (UESPI/UFPI) scalixto2003@yahoo.com.br Introdução Neste trabalho, a partir de uma perspectiva sociocognitiva de abordagem do texto assumida pela agenda atual da Linguística de Texto (doravante LT), tratamos do fenômeno da recategorização referencial em interações virtuais mediadas pelo Twitter. Tal fenômeno linguístico, como se apresenta na sua concepção primeira no âmbito da LT, a partir do estudo pioneiro de Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995), é concebido como uma estratégia de designação pela qual os referentes introduzidos no texto/discurso podem sofrer constantes transformações em função dos propósitos comunicativos dos interlocutores. Porém, a abordagem desse fenômeno aqui proposta é muito mais ampla, atentando-se também para a sua face cognitiva, razão pela qual lhe dispensamos um tratamento cognitivo-discursivo, conforme apresentamos em Lima (2009), o qual possibilita uma descrição mais rica desse tipo de ocorrência no processamento textual. O nosso objetivo, portanto, neste trabalho, é investigar como ocorrências do processo de recategorização podem engatilhar diferentes propósitos discursivos nas postagens do Twitter, produzindo efeitos de sentido os mais diversos. Para tanto, analisamos um corpus constituído por dez postagens nas quais esse tipo de ocorrência se faz presente. Assim sendo, na primeira parte do artigo, apresentamos os fundamentos teóricos do processo de recategorização, focalizando a perspectiva de sua abordagem defendida em Lima (2009), mas também trazendo à cena elementos do estudo pioneiro sobre essa matéria, para a sua melhor compreensão. Na sequência, apresentamos a análise propriamente dita de cunho essencialmente qualitativo. 1. O processo de recategorização numa perspectiva cognitivo-discursiva Para tratar da recategorização numa perspectiva cognitivo-discursiva, inicialmente se faz necessário compreender o fenômeno em sua concepção primeira no âmbito dos estudos da LT. Data de 1995 o estudo pioneiro sobre essa matéria, assinado por Denis Apothéloz e M. J. Béguelin. Em Construction de la référence et stratégies de désignatio, os referidos autores assumem a concepção de referência não-extensional ou referenciação 1 (MONDADA; DUBOIS, 1995) e postulam que o léxico de uma língua natural representa não um estoque de etiquetas prontas para rotular a realidade do mundo, mas um conjunto de recursos utilizados pelos sujeitos nas operações de designação. Nesse contexto, definem a recategorização lexical como o processo pelo qual os falantes designam os referentes, durante a construção do discurso, selecionando a expressão referencial mais adequada a seus propósitos. Em outros termos, os falantes dispõem de uma série aberta de expressões 1 Para os adeptos da perspectiva da referenciação, as categorias do discurso não são dadas a priori. Elas são construídas no e pelo discurso, razão pela qual questionam a visão cartográfica inerente à teoria clássica da categorização.

2 linguísticas para nomear os referentes na atividade discursiva e esses referentes podem ser recategorizados em função dos propósitos comunicativos dos interlocutores. É o que ilustra o exemplo (1) apresentado pelos autores, em que o referente um rapaz é recategorizado como o tagarela, expressão investida do julgamento do interlocutor acerca do ato cometido (desvio e uso abusivo de uma linha telefônica). (1) Um rapaz suspeito de ter desviado uma linha telefônica foi interrogado há alguns dias atrás pela polícia de Paris. Ele havia utilizado a linha de seus vizinhos para fazer ligações para os Estados Unidos em um montante de aproximadamente 50000 francos. O tagarela... (citado por APOTHÉLOZ e REICHLER-BÉGUELIN,1995, p. 262). Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995) não só apresentam a recategorização lexical como uma estratégia de designação, mas também delineiam uma proposta de classificação para esse tipo de ocorrência linguística. O trabalho dos autores motivou outros estudos concernentes ao fenômeno, a exemplo de Cavalcante (2003), Tavares (2003) e Matos (2005), os quais, mesmo avançando na sua descrição, ainda continuam a abordar a recategorização numa perspectiva textual-discursiva, da forma como o fazem Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995). Por considerar que uma abordagem textual-discursiva da recategorização não abarca todas as suas dimensões, é que assumimos, neste estudo, uma concepção mais estendida desse mecanismo linguístico, conforme propomos em Lima (2009). Nessa concepção, proposta a partir de uma interface entre a Linguística de Texto e a Linguística Cognitiva, o entendimento é o de que a recategorização não pode ser tomada tipicamente apenas como casos de retomada anafórica correferencial, como vimos no exemplo (1), em que a sua confirmação ocorre por uma relação explícita entre um item lexical e uma expressão recategorizadora na superfície textual 2. A produtividade da recategorização também é evidente em outros contextos em que a sua (re)construção não está condicionada apenas pela materialidade textual, demandando necessariamente a ativação de elementos inferidos do plano contextual, como ilustram três das quatro ocorrências de recategorização identificadas no exemplo (2). (2) A secretária nota que o chefe está com o zíper da calça aberto e, sem jeito, tenta lhe dar a notícia: - Doutor, o senhor esqueceu a porta da sua garagem aberta! Ele fecha rapidamente a braguilha e diz, com a voz cheia de malícia: - Por acaso a senhora viu a minha Ferrari vermelha? - Não senhor! Tudo que eu vi foi um fusquinha desbotado e com os pneus dianteiros totalmente murchos! (SARRUMOR, 2000, p. 187) Note-se que, no exemplo apresentado, as recategorizações de genitália masculina como Ferrari / fusquinha desbotado e de testículos como pneus dianteiros murchos, que engatilham o humor na piada 3, não se realizam explicitamente no texto, pela ausência da materialidade, via expressão referencial, dos referentes recategorizados. 2 Apesar de Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995) também reconhecerem a existência de recategorizações lexicais implícitas, os casos arrolados pelos autores sob esse rótulo restringem-se a ocorrências de recategorizações seguidas de pronominalização, os conhecidos casos de silepse. A proposta de Lima (2009) para esse tipo é bem mais ampla. 3 Ver mais sobre recategorização metafórica e humor em Lima (2003).

3 Entretanto, isso não impede que essas recategorizações sejam confirmadas pela evocação desses referentes, concebidos como radicados num nível cognitivo. Certamente há outras pistas no texto que possibilitam a evocação desses referentes, ancorados num modelo cognitivo de RELACIONAMENTO SEXUAL, a exemplo da expressão o chefe está com o zíper da calça aberta e a recategorização de braguilha como porta de garagem. Tudo isso concorre para a (re)construção das recategorizações descritas. Assim sendo, a recategorização é redefinida em Lima (2009) da seguinte forma: [...] i) a recategorização nem sempre pode ser reconstruída diretamente no nível textual-discursivo, não se configurando apenas pela remissão ou retomada de itens lexicais; ii) em se admitindo (i), a recategorização deve, em alguns casos, ser (re)construída pela evocação de elementos radicados num nível cognitivo, mas sempre sinalizados por pistas linguísticas, para evitar-se extrapolações interpretativas; iii) em decorrência de (ii), a recategorização pode ter diferentes graus de explicitude e implicar, necessariamente, processos inferenciais. (LIMA, 2009, p. 56). Esse redimensionamento da concepção do fenômeno, operacionalizado pela inserção de sua face cognitiva, permite um maior poder descritivo e explanatório desse tipo de ocorrência, como veremos na análise das postagens do Twitter que constituem o corpus deste estudo. Não há dúvida de que a concepção do fenômeno da recategorização numa perspectiva cognitivo-discursiva, como bem atestado em Lima (2009), pode ser muito mais produtiva para a análise linguística. Um outro fato que não deve deixar de ser evidenciado no referido trabalho é o enfoque dos processos metafórico e metonímico na constituição do fenômeno da recategorização. Tais processos são basilares na instanciação das recategorizações na atividade discursiva, podendo ocorrer em separado ou de forma interativa, daí ser próprio dizer de ocorrências de recategorizações metafóricas, recategorizações metonímicas e recategorizações por interação metáfora-metonímia, conforme postulado em Lima (2009). Passemos, então, para análise de ocorrências de recategorizações em postagens do Twitter, conforme o objetivo proposto para este estudo de investigar como esse tipo de ocorrência pode engatilhar diferentes propósitos discursivos nas postagens do Twitter, produzindo efeitos de sentido diversos. Antes, porém, faz-se necessário descrever, mesmo que minimamente, a constituição do gênero investigado. 2. Postagens do Twitter: breve caracterização do gênero É fato inconteste que o microblog Twitter já figura hoje como uma ferramenta de rede social de expressiva popularidade, apesar de sua criação datar do ano de 2006. Rodrigues (2009) assim define essa ferramenta: Um sistema de publicação de mensagens de até 140 caracteres que permite envio e recebimento de textos pelo telefone celular. Definido pelo seu criador 4 como um sistema telegráfico da web 2.0, o Twitter faz basicamente uma pergunta o que você está fazendo agora? e parte do princípio de que a sua rede social está 4 Segundo Rodrigues (2009), o Twitter foi criado, na Califórnia, pela startup Obvious Corp.

4 tão genuinamente interessada nessa informação que vai te seguir (tradução para follow) para saber a resposta. (RODRIGUES, 2009, p. 148) Ressaltando que o Twitter disponibiliza duas maneiras de atualizar o assinante via web ou via celular-, a referida autora também destaca os seus quatro principais usos, com base em classificação apresentada por Java e Finin (2009), a saber: i) para informações sobre rotinas diárias; ii) para conversas diretas entre pessoas ou grupos; iii) para o compartilhamento e indicação de links interessantes; iv) para a veiculação de noticias importadas por mecanismos automáticos. Desses usos, segundo ela, (i) figura como o conteúdo mais comum no Twitter e (ii) é utilizado por cerca de 21% dos usuários. Rodrigues (2009) pontua ainda que, apesar de a pergunta inicial do Twitter ( o que você está fazendo agora ) já vir sendo superada pelos seus diversos tipos de uso, ela ainda constitui uma marca significativa do tipo de interação proporcionado pela respectiva ferramenta. A respeito desses usos diversificados do Twitter, a autora cita o exemplo dos blogueiros que incorporam o Twitter na divulgação dos seus textos e dos grandes meios de comunicação que publicam automaticamente conteúdos já produzidos. A área de interação do Twitter permite não só a publicação de pequenas notas, mas também o envio de mensagens pelos seguidores de um dado canal. Esse envio de mensagens pode ser feito de forma direta, o que as torna privadas, ou de forma pública, desde que devidamente autorizado por quem está sendo seguido. Como enfatiza Rodrigues (2009), nas duas situações a comunicação direta é mantida, mas a publicação das respostas serve como estímulo para a participação de usuários diversos na mesma conversa. Assim, entendemos que a popularidade do Twitter pode ser também devida ao fato de que essa ferramenta de rede social, como bem coloca a autora, promete ao usuário a possibilidade de estar hiperconectado com seus amigos e sempre saber o que eles estão fazendo. O que pode parecer uma avalanche de informações não necessariamente úteis é apresentado assim: Twitter coloca você no controle e se torna um moderno antídoto para a sobrecarga de informação.(rodrigues, 2009, p. 149-150) Há muitos outros aspectos do Twitter que poderiam ser aqui discutidos, mas, para o propósito deste estudo, essa breve caracterização parece ser o suficiente. Para a análise procedida na sequência, adiantamos que as dez postagens analisadas enquadram-se no tipo (ii) apresentado por Rodrigues (2009), conversas diretas entre pessoas ou grupos. Ademais, algumas dessas postagens são publicadas originalmente nos blogs de seus autores. 3. Recategorização e efeitos de sentido no Twitter: um exercício de análise Conforme visto na seção 1 deste artigo, o processo de recategorização consiste basicamente numa estratégia de designação pela qual os interlocutores, na atividade discursiva, podem reapresentar os objetos de discurso em função de seus propósitos comunicativos. É esse um mecanismo muito produtivo que atesta a plasticidade da língua na construção e reconstrução dos seus referentes. É fato que a recategorização é também um processo recorrente nas mais diversas manifestações da linguagem verbal. Aqui focalizamos, particularmente, as ocorrências do fenômeno em postagens do Twitter, atendendo ao nosso objetivo de investigar os efeitos de sentido engatilhados por ocorrências de recategorizações na construção desse gênero.

5 Notadamente, o exercício de análise procedido na sequência fundamenta-se numa perspectiva em que se considera o entorno sociocognitivo do texto, daí a possibilidade de trazer à cena elementos radicados fora da materialidade do texto, mas que compõem necessariamente o seu enquadre. Os seis primeiros exemplos são postagens de um usuário do Twitter que também assina um blog. Via de regra, o Twitter é usado por esse usuário para postar textos já publicados no seu blog sobre fatos políticos do estado, caso de alguns dos exemplos aqui analisados, que repercutem a sua opinião e desencadeiam discussões com seus seguidores. Nessas postagens, constatamos a existência de ocorrências de recategorização com diferentes graus de explicitude, conforme definição de Lima (2009), sendo necessária a contextualização das postagens para uma maior compreensão da análise empreendida. Inicialmente é preciso informar que esse primeiro bloco de postagens é de autoria de um enunciador que reside na capital do Piauí e a sua temática diz respeito a fatos políticos do estado. No exemplo (3), temos a recategorização do referido estado como Fazenda Piauí, que é também recorrente em outras postagens, apresentadas na sequência, que criticam a política do estado. (3) Na Fazenda Piauí é sempre possível piorar mais e mais e mais... Nesse primeiro exemplo, a recategorização do Estado do Piauí como uma fazenda engatilha o fino sentido irônico da postagem, pois essa recategorização cumpre o papel de criticar o atraso do estado principalmente em termos políticos. Ou seja, os seus governantes agem como se os cidadãos fossem bois de seu curral. Eles tudo podem em nome da perpetuação do poder. Essa crítica é ainda mais refinada na postagem (4), na qual constatamos mais duas recategorizações, além dessa última analisada. (4) Um lugar como a Fazenda Piauí em q passou um tsunami q durou 8 anos e ainda hoje tem réplicas do terremoto é mesmo o q do mundo? Essa segunda postagem tem um teor crítico muito mais marcado, que se revela pela recategorização de Piauí como Fazenda somada as recategorizações do ex-governo do PT no estado como tsunami e de seus aliados no atual governo como réplicas do terremoto [maremoto]. As duas últimas recategorizações possuem menor grau de explicitude do que a primeira. Para a sua (re)construção, é necessário ativar o frame da POLÍTICA DO ESTADO DO PIAUÍ, no qual estão ancorados os referentes governo do PT e aliados do governo do PT. Certamente que a ontologia desse frame sofre as restrições do quadro político atual do estado ao qual a postagem faz referência. Há outros elementos na superfície do texto que corroboram para a (re)construção dessas recategorizações da forma aqui procedida, a exemplo da duração de oito anos do tsunami (o ex-governador do PT no estado assumiu dois mandatos consecutivos) e a presença de aliados desse governo no atual governo. É óbvio que a recategorização metafórica do governo do PT e aliados como um tsunami/terremoto traz em sua subjacência uma avaliação desse governo como uma calamidade que só causou danos ao Estado, corroborando para o propósito altamente crítico do enunciador da postagem. Assim sendo, essas recategorizações colaboram para a construção do efeito irônico das postagens.

6 Situação semelhante pode ser vista nos exemplos (5) e (6), do qual destacamos a recategorização de um político do PT piauiense como as sandálias franciscanas. (5) Dizem que as Sandálias Franciscanas, nota 3 na avaliação do Mec, vão assumir um tal de Ergopi. Ergopi? Viva a imutável Fazenda Piauí!!! (6) As sandálias franciscanas serão candidatas de qualquer jeito. A porca já está toda feliz, só à espera! Para a (re)construção dessa ocorrência de recategorização nas duas postagens, é preciso novamente a ativação do frame da POLÍTICA DO ESTADO DO PIAUÍ, no qual se pode buscar a ancoragem do referente recategorizado, ou seja, um histórico político do PT piauiense. Ressalte-se que a ativação desse frame, da forma aqui descrita, vai depender do grau de apropriação do entorno sociodiscursivo das postagens, ativado pelas pistas seguintes presentes na superfície do texto: i) na postagem (5), a informação de que o referente recategorizado foi nota três na avaliação do Mec, em alusão à passagem do histórico político do PT piauiense pela Secretaria de Educação do Estado, e a especulação na mídia de sua provável convocação para assumir um outro órgão no Estado; na postagem (6), a informação de sua provável candidatura [ao governo do Estado]. Ressalte-se que essas duas postagens são anteriores à postagem (4). Assim sendo, a recategorização do referente tematizado nas postagens (5) e (6) engatilha o seu efeito irônico no sentido de que a expressão as sandálias franciscanas, no contexto da postagem, pode evocar também o frame da POBREZA, que conduz à inferência de uma crítica velada à provável mudança de valores e de comportamentos de alguns membros do PT. Ademais, a própria expressão recategorizadora, Sandálias Franciscanas, tem a sua motivação no fato de o referente histórico político do PT piauiense ter o conhecido hábito de usar sandálias franciscanas. Essa recategorização ocorre, pois, por um processo metonímico, em que o vestuário do político é tomado por ele próprio. Num primeiro momento, é possível pensar que esse tipo de recategorização, em que o referente não se materializa por uma expressão referencial textualmente explícita, pode funcionar como uma forma de preservação da face do enunciador. Mas nem sempre isso se confirma, como observamos no exemplo (7). (7) O trator Wilson Martins não pôde mudar nem o slogan do governo. É o terceiro mandato do WD [Welington Dias], que continua como governador de fato. Arre! Note-se que, no exemplo acima, o referente Wilson Martins, atual governador do Piauí, é recategorizado explicitamente como trator. Essa postagem tem como contexto o início do referido governo. A designação desse referente como o trator é motivada pelo propósito discursivo do enunciador de ironizar a sua imagem, construída pela mídia ao longo da campanha eleitoral como uma pessoa persistente e capaz de funcionar como um rolo compressor para atingir os seus objetivos. A ironia está justamente no fato de o trator, depois de eleito, parecer não ter força suficiente para comandar a direção do seu próprio governo.

7 Esse mesmo referente aparece recategorizado, como tratorzinho, na postagem seguinte publicada à época das últimas eleições para governador no Piauí. Porém, ele não é confirmado no nível da superfície textual, estando a sua (re)construção condicionada à ativação do frame de ELEIÇÃO POLÍTICA, em cuja ontologia estão os elementos candidatos e debate, entre outros. (8) O Sílvio Mendes acabou o serviço que os PeTralhas começaram; no debate, desmontou o hoje tratorzinho, que só soube gaguejar. Que taca! A postagem (8) alude ao desempenho do referente Wilson Martins num debate com seu oponente, o referente Silvio Mendes. Note-se que a sua recategorização como tratorzinho tem o propósito de ironizar o seu baixo desempenho nesse debate, que arranha a sua imagem de candidato imbatível. Essa recategorização não deixa de provocar também um certo efeito cômico e pejorativo na construção dos sentidos da postagem, pelo emprego do diminutivo e da expressão Que taca!. Há nessa mesma postagem uma outra recategorização de efeito bastante depreciativo, ou seja, a de políticos do PT piauiense como PeTralhas, neologismo que faz alusão aos Irmãos Metralhas, personagens de quadrinhos caracterizados como desonestos. Nas postagens até aqui analisadas, vimos que as recategorizações engatilham, em sua maioria, o efeito de sentido de ironia. Entretanto, não é apenas esse efeito que pode ser desencadeado a partir do processo de recategorização no gênero em análise. O efeito cômico também se faz presente no corpus constituído para análise, conforme apresentamos no bloco seguinte, formado por postagens de diferentes enunciadores. Iniciemos esse segundo bloco com uma postagem de José Simão sobre a atual crise na Grécia. Nesta, o efeito cômico é engatilhado por uma sequência de recategorizações, que também trazem em sua subjacência o propósito do enunciador de fazer uma crítica velada aos governantes gregos, sinalizada pela forma pejorativa como são recriados e recategorizados personagens e elementos da mitologia grega. (9) E a crise na Grécia? Chama três deuses pra salvar o país: Teseu, o deus do tesão; Olimpo, o deus da limpeza; e Zorba, o deus de cueca! (Disponível em:http://twitter.com/#!/jose_simao) Neste exemplo, note-se que as três recategorizações lexicais explícitas concorrem para a comicidade da postagem: a) a de Teseu, grande herói grego, como o deus do tesão ; b) a de Olimpo, monte onde habitavam os deuses gregos, como o deus da limpeza ; c) e a de Zorba, marca de cueca, como o deus da cueca. Em (b), é preciso também considerar o possível jogo feito entre Olimpo/O limpo e, em (c), pode-se inferir uma alusão do enunciador ao famoso episódio do dinheiro na cueca protagonizado recentemente na política brasileira 5. Todas essas recategorizações servem ao propósito do enunciador de satirizar a crise econômica do país, consequência de gestões não muito habilidosas. Esta postagem recebe um comentário de um seguidor do humorista marcado pelo mesmo tom cômico. 5 Algum leitor mais atento poderá ver também, nessa recategorização, uma alusão ao filme Zorba, o grego.

8 (10) Sugestão: Manda para a Grécia um de nossos Deuses do Planalto, descendentes de PROMETEU...e não cumpriu! (Disponível em: http://twitter.com/#!/fabiobennevides) Observe-se que, na postagem (10), o efeito cômico é engatilhado pela recategorização dos políticos de Brasília como Deuses do Planalto e pelo jogo polissêmico construído pelo uso da expressão Prometeu. É fato também que a postagem crítica claramente a postura dos políticos de Brasília que não cumprem as promessas de campanha. Aliás, a (re)construção e ancoragem desse referente só são possíveis mediante a ativação do frame de POLÍTICA DO BRASIL, evocado pela expressão Planalto. Nesses dois últimos exemplos, portanto, observa-se uma espécie de sobreposição do efeito cômico, mas é notório também o efeito de ironia. Situação semelhante pode ser vista no exemplo (11), de autoria humorista Bruno Mazzeo. (11) Não bastassem tsunamis, terremotos, vulcões, ainda tem o meteoro da paixão. (disponível em http://twitter.com/#!/bmazzeo) Em (11), o efeito cômico é engatilhado pela recategorização do referente Luan Santana como meteoro da paixão. Para a sua (re)construção, é preciso recorrer ao conhecimento partilhado de que o cantor, por um processo metonímico, é tomado por uma expressão de uma de suas canções famosas, Meteoro. Ao apresentar o referente, recategorizado como meteoro da paixão, em paralelo com outros referentes que evocam o frame de CATÁSTROFE, o humorista evidencia o propósito de fazer uma crítica à produção artística do cantor e ao seu sucesso meteórico. Uma outra recategorização, por interação entre os processos metonímico e metafórico, pode ser vista em (11), outra postagem de José Simão satirizando agora a autorização de casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Como é próprio desse enunciador, novamente o efeito cômico está presente no comentário de uma decisão polêmica da justiça brasileira. (12) Mais #predestinados Sabe o nome do juiz que autorizou o 1º casamento gay? Luiz Henrique PINTO. Palmas pro juiz Pinto. Que casou dois pintos! (Disponível em: http://twitter.com/#!/jose_simao) Observa-se, em (12), que o jogo polissêmico feito com a expressão pinto, consolidado pela recategorização da genitália masculina como pinto, é o gatilho para o efeito cômico da postagem. Nesse caso, os referentes cônjuges são tomados metonimicamente por seu órgão sexual, metaforizado como pinto. Certamente que essa recategorização também serve à comicidade da postagem por realizar a quebra do esquema cognitivo de CASAMENTO TRADICIONAL. Como visto nesse exercício de análise, o fenômeno da recategorização é também bastante revelador do poder criativo da língua, caracterizando-se como um mecanismo linguístico de longo alcance no processo de referenciação. 4. Considerações finais Os resultados da análise qualitativa realizada apontam para a produtividade da recategorização quando se trata da construção de diferentes efeitos de sentido nas postagens

9 do Twitter em função dos propósitos discursivos dos seus enunciadores. Dentre esses efeitos, destacamos o cômico e o irônico, principalmente nas postagens que dizem respeito a comentários críticos de fatos políticos, predominantes no corpus analisado. Esses efeitos, na maioria das ocorrências analisadas, aparecem sobrepostos. Os resultados deste estudo ampliam a investigação de um processo referencial aplicada a textos produzidos em interações virtuais, podendo também trazer maiores subsídios para a Linguística de Texto no que diz respeito à descrição do gênero postagens do Twitter, considerando principalmente a sua funcionalidade. 5. Referências APOTHÉLOZ, D.; REICHLER-BÉGUELIN, M. J. Construction de la référence et stratégies de désignation. In: BERRENDONNER & REICHLER-BÉGUELIN, M-J. (eds.). Du sintagme nominal aux objects-de-discours: SN complexes, nominalizations, anaphores. Neuchâtel: Institute de linguistique de l Université de Neuchâtel, 1995, p. 227-71. CAVALCANTE, M. M. Expressões referenciais: uma proposta classificatória. Cadernos de Estudos Linguísticos. Campinas, v. 44, p. 105-118, 2003. JAVA, Akshay e FININ, Tim. Why we Twitter: understanding microblogging usage and communities. Disponível em: <http://ebiquity.umbc.edu/_file_directory_/papers/369.pdf>.. LIMA, S. M. C. (Re)categorização metafórica e humor: trabalhando a construção dos sentidos. 2003. 171f. Dissertação (Mestrado em Linguística) Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2003.. Entre os domínios da metáfora e metonímia: um estudo de processos de recategorização. 2009. 204f. Tese (Doutorado em Linguística) Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. MATOS, J. G. As funções discursivas das recategorizações. 2005. 142 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005. MONDADA, L., DUBOIS, D. Construction des objets de discours et catégorisation: une approche des processus de reférentiation. TRANEL (Travaux neuchâtelois de Linquistique), nº 23, 1995, p. 273-302. RODRIGUES, C. O que você está fazendo agora. Três contribuições para o debate sobre microblogs. ALCEU. v. 9 - n.18 - p. 148 a 161 - jan./jun. 2009. SARRUMOR, L. Ainda mais mil piadas do Brasil. São Paulo: Nova Alexandria, 2000. TAVARES, D. P. F. de. Processos de recategorização: uma proposta classificatória. 2003.142f. Dissertação (Mestrado em Linguística) Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, 2003.