Luta por Água e Terra: a atuação do Movimento dos Atingidos por Barragens do Tocantins (MAB/TO) na estruturação da Via Campesina e na formação e organização do Acampamento Sebastião Bezerra (Porto Nacional TO). Bolsista: Nereu Cavalcanti Coelho Filho 1 Orientador: Atamis Antonio Foschiera 2 RESUMO: A Via Campesina representa a união de movimentos sociais de diversos continentes e marca um novo momento de organização dos movimentos sociais no campo, em escala mundial. No Tocantins, a formação da Via Campesina ocorre de forma insipiente, com ações envolvendo, principalmente o MAB e o MST. Uma ação mais concreta da Via Campesina ocorreu com a formação do acampamento Sebastião Bezerra, entre as cidades de Porto Nacional e Palmas. O objetivo desse trabalho é apresentar como se deu a organização do referido acampamento e os desdobramentos que ocorreram em função do mesmo. Para tanto foram aplicados questionários para os acampados, realizadas entrevistas com lideranças do MST e MAB e ocorreu a participação em atividades envolvendo o assentamento. Como resultado da pesquisa destaca-se a resistência na luta de vários acampados, o baixo grau de escolaridade, a presença no acampamento de várias famílias oriundas da periferia de cidades, onde sobreviviam de atividades informais, e a formação de um assentamento e dois novos acampamentos derivados do acampamento Sebastião Bezerra. Também, pode-se inferir que a formação da Via Campesina não se concretizou na dimensão esperada, não conseguiram superar a dualidade MST/MAB. Palavras-chave: acampamento; assentamento; Via Campesina, MAB; MST. INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta o resultado da pesquisa sobre o acampamento Sebastião Bezerra, organizado a partir de ação conjunta entre o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O referido acampamento foi instalado às margens da rodovia TO 050, que liga as cidades de Porto Nacional e Palmas, no estado do Tocantins. O relatório aborda características de movimentos sociais e de um novo momento de organização dos mesmos, por intermédio da Via Campesina. Faz-se a reconstrução histórica da formação do acampamento Sebastião Bezerra, traça o perfil dos acampados, 1 Aluno do Curso de Geografia; Campus de Porto Nacional; portoartesanato@hotmail.com: PIBIC/CNPq. 2 Professor do Curso de Geografia; Campus de Porto Nacional; foschieraa@uft.edu.br.
apresenta algumas características da vivencia no acampamento e apresenta desdobramentos que ocorreram a partir do mesmo. MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa passou por um momento de levantamento bibliográfico para dar suporte às diretrizes de coleta e análise dos dados a serem levantados. Para a obtenção dos dados foram aplicados questionários para 27 acampados e realizadas entrevistas semiestruturadas com lideranças do MAB e MST e assentados. Ao longo da pesquisa ocorreu a participação dos pesquisadores em atividades desenvolvidas pelos acampados, como: fechamentos de rodovia, marchas, celebrações, vivências no acampamento, entre outras, que contribuíram para o entendimento da questão em análise. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Via Campesina e a formação do acampamento Sebastião Bezerra A organização e manifestação popular, em forma de movimentos sociais, com maior ou menor grau de intensidade, de forma mais voluntária ou estruturada, fez-se presente ao longo da história. A partir de um descontentamento e inquietação de um coletivo social pode-se criar o embrião de um movimento social. Esse descontentamento pode se dar tanto em função de uma carência ou de uma perda coletiva, seja de bens materiais ou imateriais. (FOSCHIERA, 2009). Foschiera (2009) destaca que uma reestruturação dos movimentos sociais se inicia no final do século XX e se fortifica no inicio do século XXI, tendo destaque a aproximação de vários movimentos sociais do campo. Essa reestruturação está relacionada ao processo de globalização, pelo qual o capital passa a atuar em diversas áreas do planeta ao mesmo tempo, provocando impactos semelhantes a diferentes comunidades nos mais variados países. O centro desta organização internacional passa a ser a Via Campesina. A gênese da Via Campesina está ligada ao estreitamento das relações entre ativistas de organizações rurais de vários continentes, ainda na década de 1980, ligados
a mudanças na governança mundial e ao viés neoliberalizante tomado pelas políticas agrícolas mundiais naquela década (VIA CAMPESINA BRASIL, 2002; NIEMEYER, 2007). No Brasil, a Via Campesina é formada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento os Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Pastoral da Juventude Rural (PJR) (VIA CAMPESINA BRASIL, 2007). Cabe destacar que não são todos os estados da confederação que as organizações acima citadas estão organizadas, mesmo se fazendo presentes não significa que atuam de forma conjunta. Segundo uma liderança do MAB/TO, no estado do Tocantins ocorreu debates entre movimentos sociais e organizações voltadas ao apoio de organizações populares na tentativa de formação da Via Campesina, porém os mesmos não frutificaram. O que tem ocorrido são algumas ações pontuais entre MAB e MST em nome da Via Campesina, como duas ocupações do canteiro de obra da UHE de Estreito; uma marcha entre Aragauína (TO) e Estreito (MA), buscando chamar a atenção para as péssimas condições de negociação entre empresa responsável pelo empreendimento e atingidos; cursos de formação de lideranças, com ênfase na questão fundiária e na política energética; negociações para financiamento, tanto para assentados de reforma agrária, como para reassentados em função da construção de UHEs. Como ação mais duradoura da Via Campesina no Tocantins, até 2013, é a organização do acampamento Sebastião Bezerra nas margens da rodovia TO 050, entre as cidades de Porto Nacional e Palmas. O acampamento Sebastião Bezerra, formado em maio de 2011, foi fruto de um trabalho de base realizado por militantes do MAB e MST nos municípios de Porto Nacional e Palmas. Em Porto Nacional os trabalhos foram realizados em reassentamentos rurais e urbanos de atingidos pela UHE de Lajeado. Na cidade de Palmas o trabalho de base foi realizado em bairros populares. Inicialmente o acampamento se formou com 18 famílias, mas com o prosseguimento dos trabalhos de base, em pouco tempo, já contava com 800, a maioria de áreas periféricas da cidade de Palmas.
Os acampados e a vivencia no acampamento Sebastião Bezerra Com relação aos acampados entrevistados, existe um grande percentual de entrevistados com mais de 50 anos (56%) e com baixo grau de escolaridade, pois 59% disseram não ter concluído a primeira fase do ensino fundamental. Ao falarem sobre como ficaram sabendo do acampamento, 63% disseram que foi por meio de conhecidos que já estavam acampados, 23% por terceiros (vizinhos, amigos) e 11% por lideranças dos movimentos sociais. Ao serem questionados sobre a atividade que desenvolviam antes de irem para o acampamento, 41% disseram que desempenhavam atividades informais, como de vendedores ambulante, pedreiros, vaqueiros, serviços gerais, trabalho em restaurantes, chaveiro, costureira, catadora, reforma de cadeira, etc. Outros 22% disseram serem assalariados urbanos com atividades como merendeira, balconista, serviços gerais, vendedora. Outros 25% disseram ser camponeses, trabalhando em lavouras como meeiro ou sendo ocupante. Em relação às famílias acampadas, foram encontradas duas situações distintas. Uma, em que toda a família estava acampada e, caso alguém trabalhasse, se ausentava durante o dia. Outra, em que um membro da família ficava no acampamento e os demais se mantinham no local de residência anterior. Crianças em idade escolar foram matriculadas na Escola Rural Chico Mendes e na Escola Família Agrícola, em Porto Nacional e na Escola Rural São Francisco, em Palmas. As fontes de sustento dos acampados são variadas, destacando-se os que faziam atividades esporádicas (bico) em fazendas ou na construção civil; os que seguiam com suas atividades informais, os que mantinham atividades de camponeses como meeiros ou ocupantes, e os que sobrevivem aposentadoria, programas sociais (bolsa família e cesta básica) ou de doações de familiares. Questionados sobre a quantidade de dias que ficavam no acampamento, 96% responderam residirem no mesmo diariamente e 4% disseram ficar apenas nos fins de semana. Questionados se haviam participado de algum curso de formação durante o período em que estavam acampados, 89% disseram que não e 11% responderam que fizeram curso de militante. Os dados demonstram que tem sido pouco explorada a concentração de pessoas no acampamento para ações que buscam ampliar o
conhecimento da dinâmica da sociedade, tanto na questão organizativa como na produtiva. Ao serem questionados sobre a Via Campesina, 74% disse desconhecer sua existência, 15% disse ter ouvido falar sobre, mas não sabia explicar o que era e 11% demonstrou ter uma noção mínima do que era. Um ponto a ser destacado é que dentre os entrevistados que disseram não ter ouvido falar da Via Campesina, há aqueles que afirmaram estar presente em uma atividade que foi organizada em nome da Via Campesina. Não ocorreu a concretização da formação da Via Campesina no Tocantins. Como desdobramento do acampamento Sebastião Bezerra ocorreu a ampliação de territórios de luta pela terra. Ocorreu a formação de um novo acampamento, Sebastião Bezerra da Serra, no município de Aparecida do Rio Negro; o deslocamento de famílias para o assentamento denominado de Pequena Vanessa, no município de Pindorama do Tocantins; a formação de um novo acampamento, denominado de Agrotins, no município de Palmas. O MAB teve um papel importante na formação do acampamento Sebastião Bezerra e em suas atividades iniciais, porém, com o passar do tempo, devido a pouca representatividade numérica de militantes acampados e dos acontecimentos do cotidiano, acabou afastando-se do centro de decisões. LITERATURA CITADA FOSCHIERA, Atamis Antonio. Da barranca do rio para a periferia dos centros urbanos: a trajetória do Movimento dos Atingidos por Barragens face às políticas do setor elétrico no brasil. Tese (Doutorado em Geografia).Faculdade de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2009. NIEMEYER, Carolina Burle de. Via Campesina: uma análise sobre sua gênese e processo de consolidação. In: Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação Democracia. Florianópolis: 25 a 27 de abril de 2007, UFSC. VIA CAMPESINA BRASIL. Via Campesina: histórico, natureza, linhas políticas internacionais, projeto popular para a agricultura brasileira. São Paulo: Via Campesina, 2002. VIA CAMPESINA BRASIL. Soberania alimentar, os agrocombustíveis e a soberania energética. Brasília: Via Campesina, 2007. AGRADECIMENTOS Aos trabalhadores, MAB e MST- Via Campesina-TO. "O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq Brasil".