TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO SINTÉTICO COM WETLANDS CONSTRUÍDOS EM ESCALA DE BANCADA Bianca Graziella Lento Araujo Gomes (1) Graduanda em Gestão Ambiental pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Bolsista de Iniciação Científica (CNPq) Marcelo Antunes Nolasco (2) Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Mestre em Bioengenharia pele Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento (USP). Professor associado do curso de Gestão Ambiental da EACH-USP. Daniele Vital Vich (3) Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP). Mestre em Engenharia Hidráulica e Saneamento (USP). Doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento (USP). Pós doutoranda em Saneamento Ambiental (EACH-USP) Vitor Cano (4) Bacharel em Gestão Ambiental (EACH-USP). Mestrando em Saúde Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP) Endereço (1) (2) (3) (4) : Rua Arlindo Bettio, 1000 Ermelino Matarazzo São Paulo São Paulo CEP: 03828-000 - Brasil Tel: +55 (11) 3091-1029 e-mail: bianca.graziella.gomes@usp.br RESUMO A degradação de corpos d água por despejos de esgoto bruto é um problema recorrente principalmente em países emergentes. A busca por métodos e tecnologias de tratamento que promovam o aproveitamento dos nutrientes contidos no esgoto e o reuso da água se colocam neste contexto como alternativas para a promoção da sustentabilidade e conservação das águas. Em função disto, este trabalho buscou avaliar a eficiência na remoção de matéria orgânica (DQO) e nutrientes (nitrogênio e fosfato) por um sistema de wetlands construídos em escala de bancada de fluxo subsuperficial ascendente vertical e horizontal, vegetado com Typha domingensis no tratamento de esgoto sanitário sintético. O sistema era composto por duas unidades vegetadas (uma de fluxo horizontal e outra de fluxo vertical) e outras duas unidades controle (de mesmas dimensões e operacionalidade, porém sem vegetação), o experimento foi implementado no laboratório da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) teve duração de 149 dias (fevereiro a julho de 2012), sendo operado em três fases com diferentes concentrações de esgoto sintético (10% e 30% do esgoto sintético diluído em água nas duas primeiras fases respectivamente, e a terceira fase operando sem diluição). Os resultados mais significativos para a remoção de DQO e fosfato foram verificados durante a segunda fase de diluição com a unidade horizontal vegetada apresentando os maiores níveis de remoção, comparada às demais unidades, neste período. Já as concentrações de nitrato e N-amoniacal apresentaram queda apenas no início do monitoramento. Constatou-se queda da eficiência do sistema e também dificuldade de adaptação da vegetação durante o abastecimento sem diluição, revelando possíveis limitações dos wetlands quando operados sem pré-tratamento. PALAVRAS-CHAVE: Wetlands construídos, esgoto sintético, fluxo subsuperficial
INTRODUÇÃO Segundo a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), dos 5564 municípios brasileiros existentes em 2008, apenas 55,2% eram atendidos por um sistema apropriado de rede coletora de esgoto. Do volume total coletado pelos municípios, 68,8% eram tratados; com maior expressividade (97,2%) nos municípios cuja população era superior a 1.000.000 de habitantes, e menores naqueles na faixa intermediária de população entre 50.000 e 100.000 habitantes (50,4%), e até 50.000 habitantes (53%); sendo que a concentração expressiva desta última classe de tamanho da população representa 89,8% dos municípios do Brasil (IBGE PNSB, 2010). Dessa forma, as estações descentralizadas de tratamento de esgoto podem servir como alternativas aos numerosos bairros que se desenvolvem sem acesso ao serviço de coleta de esgoto ou aqueles que ainda não conseguem conectar suas redes às estações de tratamento já existentes (HOFFMANN et al, 2004). Estes sistemas descentralizados podem viabilizar o reuso da água tratada, promovendo economia de água potável para fins menos nobres e também podem proporcionar o aproveitamento da matéria orgânica e nutrientes contidos, por exemplo, no esgoto doméstico, para a irrigação e fertilizante na agricultura, desde que dentro dos padrões exigidos. Dentre estas tecnologias estão os sistemas de wetlands construídos cuja variedade de efluentes possíveis de serem tratados e os diversos arranjos construtivos têm contribuído para o controle da poluição ambiental e com o reaproveitamento das águas. OBJETIVOS Implementar e avaliar o funcionamento e a eficiência de um sistema em escala de bancada composto por duas unidades de leitos cultivados (wetlands construídos) de fluxo ascendente subsuperficial vertical (V) e horizontal (H) vegetadas com Typha domingensis e de duas outras unidades controle (não vegetadas), como alternativa para o tratamento de esgoto sanitário sintético. Também se buscou avaliar a capacidade de remoção de matéria orgânica (DQO) e de nutrientes (nitrogênio e fósforo) pelas unidades vegetadas comparando-as às unidades controle. ASPECTOS MÉTODOLÓGICOS Os wetlands foram construídos e monitorados por seis meses (de fevereiro a julho de 2012). São constituídos por estruturas plásticas pré-moldadas (as quais diferem quanto ao seu formato e capacidade volumétrica) (Tabela 1), sendo a alimentação do sistema e captação do efluente tratado realizadas por tubos de poliuretano (Ø 4 mm) perfurados a cada 2 cm e posicionados na parte interna das unidades. As unidades horizontais possuem o formato retangular, e as verticais, o formato cônico (Figura 1). Para a manutenção do nível da água (tornando o meio continuamente alagado), todas as unidades receberam o esgoto sintético pela base e o eliminavam pelas extremidades superiores. Almejando proporcionar um meio suporte para o desenvolvimento de microorganismos e que também permitisse a fixação da vegetação, optou-se pela brita branca de jardim (Ø 5-12 mm). Tabela 1: Características de projeto das unidades em escala de bancada CARACTERÍSTICAS VERTICAL HORIZONTAL Altura (cm) 30 14 Diâmetro inferior ou largura (cm) 17,5 30 Diâmetro superior (cm) 29,3 - Comprimento (cm) - 73,5 Camada de pedrisco (cm) 29 13 Área (cm 2 ) 673,9 2205 Volume total (L) 14,650 30,5
Volume útil (L) 6,650 10,7 PARÂMETROS OPERACIONAIS Vazão média (L.dia -1 ) 3,73 3,15 Alimentação Contínua Contínua CHV* (L.m -3.d -1 ) 561 294,4 TDH** (dias) ~2 dias ~3 dias *Carga Hidráulica Volumétrica; ** Tempo de Detenção Hidráulica (a) Figura 1: Unidade de Fluxo Horizontal (a) e Unidade de Fluxo Vertical (b) (b) As macrófitas aquáticas utilizadas foram as Typhas domingensis. As mudas foram coletadas de wetlands construídos utilizados no pós-tratamento de efluentes de reator anaeróbio do tipo UASB. Perante a constatação do rápido desenvolvimento da vegetação em tais wetlands e do tamanho das unidades de tratamento adotadas para o presente estudo, optou-se por introduzir 11 propágulos à unidade horizontal e 7 propágulos à unidade vertical. As mudas possuíam comprimento médio de 0,30 cm no momento do plantio e para melhor adaptação da vegetação, manteve-se parte do substrato anterior aderido às raízes. Já as unidades controle foram preenchidas apenas com brita branca. A composição da água residuária foi baseada na proposta desenvolvida por Torres (1998), modificada por Sarti (1998) e acrescida por uma fonte de sulfato (sulfato de sódio Na 2 SO 4 ) como proposto por Souza (2011). Objetiva-se, nesta composição, uma DQO média de 500 mg.l -1 a partir de proteínas (extrato de carne), carboidratos (sacarose, amido e celulose) e lipídeos (óleo de cozinha). A formulação conta ainda com sais minerais, micronutrientes e detergente (comercial), simulando a complexidade de substâncias encontradas em efluentes sanitários. A preparação do esgoto sintético foi realizada duas vezes por semana e todo o sistema passou a ser alimentado por um fluxo contínuo, para um TDH de 2 a 3 dias. A princípio, o sistema foi abastecido com esgoto sintético não diluído por 21 dias e, em seguida, o experimento foi dividido em três fases distintas: Primeira fase: 1 parte do esgoto sintético para 9 partes de água (1:9) por 30 dias; Segunda fase: 3 partes do esgoto sintético para 7 partes de água (3:7) por mais 30 dias; Terceira fase: retorno a condição inicial (alimentação com esgoto sintético não diluído) por 68 dias. RESULTADOS E DISCUSSÃO Durante as três primeiras semanas, verificou-se rápido crescimento da vegetação e queda na concentração dos parâmetros analisados. A remoção de matéria orgânica (medida em DQO)
mostrou-se eficiente neste período (superior a 84% em todas as unidades). A média de remoção de nitrato pelas unidades vegetadas (V= 81,37% e H= 86,06%) foi mais efetiva do que pelas unidades controle (VC= 77,56% e HC= 78,20%); já para fosfato foi constatado o oposto, sendo as unidades controle mais eficientes (valores médios: VC= 49,5%, V= 30%, HC= 90% e H= 52,3%). Após esta fase inicial, observou-se uma queda de eficiência do sistema somada ao ressecamento e morte das plantas. Como medida alternativa realizou-se a diluição do esgoto sintético nas diferentes fases e a substituição da vegetação por novas mudas. A DQO no afluente durante a primeira fase de diluição apresentou média de 53 mg.l - ¹, e na segunda fase, 209 mg.l - ¹, sendo esta última a fase com melhores resultados para a remoção de matéria orgânica (MO) chegando a alcançar 100% pelas unidades vegetadas, com a unidade H apresentando comportamento mais estável. Vale ressaltar que a remoção de MO mostrou-se eficiente durante todo o monitoramento, com média pelo sistema superior a 54% (Figura 2). (a) (b) Figura 2: Concentração (a) e remoção (b) de DQO em função do tempo - Com relação ao N-NH 3 e NO 3 ocorreram elevações gradativas das concentrações em todas as unidades. Ainda assim, as unidades vegetadas apresentaram maiores médias de remoções de nitrato durante as fases de diluição (com melhor desempenho observado durante a segunda fase: V= 80%, VC= 71%, H= 80%, HC= 73%), já N-NH 3, com exceção apenas da fase inicial, verificou-se aumento da concentração. Sezerino e Philippi (1998) ao avaliarem o desempenho de wetlands construídos no pós-tratamento de esgoto doméstico, também ressaltam o aumento de 20% da concentração de N-amoniacal, o qual, dentre outros fatores, associam à reintrodução de nutrientes
pelas plantas ao alcançarem seu grau de saturação. A pouca absorção de N-NH 3 pelas plantas e a digestão da matéria orgânica nitrogenada (amonificação) podem ter provocado o aumento deste elemento (Figura 3), tendo baixa disponibilidade de oxigênio para a nitrificação - ainda que este processo tenha sido percebido (aumento de NO 3 - ) principalmente durante a terceira fase (Figura 4). Figura 3: Remoção de N-NH 3 em função do tempo Figura 4: Concentração de NO 3 - em função do tempo Quanto à remoção de fosfato, os melhores resultados foram obtidos durante a 2ª fase de diluição, sendo que a unidade horizontal vegetada apresentou melhor desempenho (média: H= 53,4%) se comparada ao seu controle (média: HC= 32%), já as unidades verticais apresentaram valores próximos (médias: V= 22,2% e VC= 24,5%) (Figura 5). O início desta 2ª fase também esta relacionado ao período de crescimento da vegetação, que pode ter contribuído para a remoção deste nutriente. Outra hipótese seria a boa assimilação microbiológica deste nutriente e a adsorção pelo substrato, uma vez que mesmo as unidades controle também foram capazes de diminuir a concentração de fosfato. Contudo, ao retornar o abastecimento com o esgoto bruto, a eficiência cai, o que pode estar associado à reintrodução de nutrientes pelas plantas que estavam em processo de degradação (principalmente na unidade horizontal, em que o ressecamento foi mais rápido e intenso). Loures et al (2006) em um trabalho sobre a remoção e concentração de fósforo contido em esgoto doméstico pelo método de escoamento superficial ressalta a recomendação de que a remoção deste nutriente é potencializada através de cortes frequêntes e remoção de biomassa.
(a) (b) Figura 5: Concentração (a) e remoção (b) de PO 4-3 em função do tempo CONCLUSÃO Os resultados obtidos indicam que o material suporte utilizado não apresentou indícios de colmatação e se mostrou adequado para dar sustentação à vegetação. No entanto, um contraponto seria o baixo desenvolvimento das raízes, em que a maior raiz mediu apenas 16 cm, pouco mais da metade da profundidade máxima (30 cm) que a espécie é capaz de atingir neste mesmo período (REED et al, 1995 apud BRASIL et al, 2007), fato possivelmente associado às dimensões e porosidade da brita branca de jardim que podem ter interferido no desenvolvimento pleno das raízes. Concluí-se que os wetlands de fluxo ascendente contínuo mostraram-se capazes de promover o processo de nitrificação, de forma mais efetiva durante a terceira fase (sem diluição), sendo a unidade horizontal vegetada àquela com maiores taxas. Porém, o sistema foi mais eficiente na remoção de DQO (unidades vegetadas apresentando remoções médias superiores a 60% durante todo o monitoramento; unidade H mais eficiente do que unidade V) e também apresentou bons resultados para a diminuição da concentração de PO 4-3 pelas unidades vegetadas durante a segunda fase (novamente unidade H mais eficiente do que unidade V). Contudo, para o tratamento de esgoto bruto, o sistema mostrou-se limitado, visto que houve queda na eficiência quanto à remoção de nutrientes e perda da vegetação que não se adaptou às concentrações de poluentes nos dois períodos testados (inicial e final). Este fato corrobora o que recomenda a literatura, cujos sistemas de wetlands construídos são mais indicados e mais utilizados no pós-tratamento de efluentes e não no
pré-tratamento. Como recomendação, além da diluição do esgoto visando à redução de MO no afluente, pode-se sugerir o uso de material suporte com maiores dimensões do que a brita branca de jardim e de estruturas de profundidades superiores a 14 cm para macrófitas emergentes de raízes mais profundas. AGRADECIMENTOS CNPq pelas Bolsas (I.C. e PQ). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BRASIL, M. S.; MATOS, A. T.; SOARES, A. A. Plantio e desempenho fenológico da taboa (typha sp.) utilizada no tratamento de esgoto doméstico em sistema alagado construído. Engenharia Sanitária Ambiental, vol.12, n. 3, p. 266-272, jul/set 2007. 2. HOFFMANN, H.; WOLFF, D. B.; PLATZER, C.; COSTA R. H. R. Proposta para o saneamento descentralizado no Brasil (tecnologias de baixo custo para o tratamento de esgotos urbanos). Congresso Brasileiro de Ciências e Tecnologia em Resíduos e Desenvolvimento Sustentável, p.714-725, Costão do Santinho Florianópolis (SC), Brasil, 2004. 3. LOURES, A. P. S.; SOARES, A. A.; MATOS, A. T.; CECON, P. R.; PEREIRA, O. G. Remoção de fósforo em sistema de tratamento de esgoto doméstico, por escoamento superficial. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.10, n.3, p.706 714, Campina Grande (PB), Brasil, 2006. 4. SEZERINO, P. H. E PHILIPPI, L. S. Tratamento de esgotos utilizando o potencial solo-plantas. XXVI Congresso Interamericano de Ingenieria Sanitaria y Ambiental, Lima, Peru, 1998. 5. SOUZA, T. S. O. Desnitrificação autotrófica usando sulfeto como doador de elétrons para remoção de nitrogênio de efluentes de reatores anaeróbios utilizados no tratamento de esgotos sanitários. Tese de Doutorado em Ciências. Escola de engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. São Carlos, SP, 167p, 2011.