UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE Curso de Engenharia Civil. HIDROLOGIA Capítulo 1 Introdução à hidrologia

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Transcrição:

UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE Curso de Engenharia Civil HIDROLOGIA Capítulo 1 Introdução à hidrologia 1

Objecto da Hidrologia A hidrologia trata da ocorrência, circulação e distribuição da água na Terra, das suas propriedades físicas e químicas, da sua interacção com o meio (WMO 1982). Hidrologia da engenharia (Engineering hydrology) enfoque na aplicação da ciência na solução de problemas de engenharia. Objecto de estudo o ciclo hidrológico. Objectivos conhecimento do ramo terrestre do ciclo hidrológico, aplicação a problemas de engenharia. Ferramentas análise estatística, modelos matemáticos. 2

Evolução da ciência da hidrologia Antiguidade Oriental Egipto Mesopotâmia (Código de Hamurabi) China nilómetros 3

Evolução da ciência da hidrologia Antiguidade Clássica (Grécia e Roma) Primeiras tentativas de explicação da origem e ocorrência da água pelos filósofos gregos. Anaxágoras (grego), Vitruvius (romano). 4

Evolução da ciência da hidrologia Renascimento Leonardo da Vinci, Palissy. Secs XVII e XVIII Perrault: escoamento no Sena explicado a partir da precipitação; Mariotte: origem das fontes e rios, medição de caudal; Halley: evaporação dos mares suficiente para justificar a precipitação e o escoamento. Pitot (medição de caudal), Euler (pressão no escoamento), Bernoulli (conservação da energia), Chézy (fórmula de cálculo do caudal), Darcy (velocidade no escoamento em meio poroso). 5

Halley Bernouilli Chézy Darcy Medição de velocidade com tubo de Pitot 6

Evolução da ciência da hidrologia Sec XIX hidrologia quantitativa Medição de variáveis hidrológicas: pluviógrafos (precipitação), tubo de Pitot (velocidade), medidor Venturi (caudal); registo sistemáticos das medições. Conceptualização teórica: perfis de velocidade em canais; equação de Manning para o cálculo de caudais; fórmula racional; teoria do escoamento em meios porosos; princípios determinantes da evaporação; e a fórmula de Hagen-Poiseuille para o escoamento laminar. Primeiro Manual de Hidrologia (N. Beardmore, 1862). 7

Evolução da ciência da hidrologia Sec XX hidrologia quantitativa Período do empirismo (1900-1930): abundância de fórmulas empíricas, criação da IAHS. Período da racionalização (1930-1950): teorias fundamentais da hidrologia moderna hidrograma unitário, infiltração, escoamento em meio poroso em regime variável, transporte de sedimentos, análise estatística de extremos. Período da teorização (1950 - ): conceitos modernos de mecânica de fluidos e termodinâmica, utilização intensa de computadores e GIS. 8

Reservas hídricas na Terra 9

Reservas hídricas na Terra Volume (10 3 km 3 ) Volume de água total (%) Volume de água doce (%) Oceanos e mares Lagos: doce salgados Pântanos Rios Humidade do solo Água subterrânea: doce salgada Gelo e neve Calotes polares Água na atmosfera Água biológica 1,338,000 91.0 85.4 11.5 2.1 16.5 10,530 12,870 340.6 24,023.5 12.9 1.1 96.5 0.007 0.006 0.0008 0.0002 0.0012 0.76 0.93 0.025 1.7 0.001 0.0001-0.26-0.03 0.006 0.05 30.1-1.0 68.6 0.04 0.003 TOTAL DE ÁGUA ÁGUA DOCE 1,385,985 35,029 100 2.5 100 10

Reservas hídricas na Terra Cerca de 97,5% é água salgada. Cerca de 1,7% está nas calotes polares. Maior parte da água subterrânea situada a grandes profundidades. Apenas cerca de 0,3% está facilmente disponível para utilização. 11

Tempo de residência O tempo de residência é o tempo médio que uma gota de água permanece numa certa reserva de água antes de passar para uma outra reserva. Obtem-se dividindo o volume da reserva pelo volume médio do correspondente fluxo de renovação. 12

Tempo de residência Oceanos e mares Lagos e pântanos Rios Humidade do solo Água subterrânea Gelo e neve (permafrost) Calotes polares Água na atmosfera Volume (10 3 km 3 ) 1 338 000 187,9 2,1 16,5 23 400 340,6 24 023,5 12,9 Tempo de residência 2 500 a 17 a 16 d 1 a 1 400 a 10 000 a 9 700 a 8 d 13

Tempo de residência Se se considerarem os tempos de residência, a importância dos rios e da atmosfera (precipitação) aumenta muito em comparação com a água subterrânea. Tempo de residência também é importante para estudos de poluição do meio hídrico. 14

Recursos hídricos renováveis Continente Área (10 6 km 2 ) Recursos hídricos renováveis (km 3 /a) África 30,1 4 050 América do Norte 24,3 7 890 América do Sul 17,9 12 030 Ásia 43,5 13 510 Europa 10,5 2 900 Oceânia 8,9 2 405 Total 135,2 42 785 15

Escoamentos anuais médios dos continentes 800 Escoamento anual médio (mm/a) 700 600 500 400 300 200 100 0 África América do Norte América do Sul Ásia Europa Oceânia Total 16

Escoamento anual médio de Moçambique Gerado no país 100 km 3 /a, 128 mm/a. Dos países vizinhos 116 km 3 /a, 149 mm/a. Total 216 km 3 /a, 277 mm/a. Distribuição geográfica no território é muito heterogénea. 17

Distribuição do escoamento anual médio por regiões hidrográficas Região Área (km 2 ) Escoamento gerado no país (km 3 /a) Escoamento proveniente dos países vizinhos (km 3 /a) Norte 168 000 24,9 10,0 Centro-Norte 196 000 35,2 0 Zambeze 140 000 18,0 88,0 Centro 84 000 18,4 1,2 Sul 192 000 3,8 17,0 Total 780 000 100,3 116,2 18

Utilizações da água Quatro grandes grupos de utilizações: utilizações para fins indispensáveis à vida e à saúde e bem-estar das pessoas, como beber, cozinhar, higiene pessoal e outros consumos domésticos; utilizações de consumo público: escolas, hospitais, comércio e serviços, bombeiros, jardins, lavagem de ruas e outros serviços urbanos; utilizações para fins económicos, ou seja, a água que é utilizada como factor no processo produtivo; utilizações ligadas à conservação ambiental. 19

Utilizações da água 20

Consumos anuais por região hidrográfica (2000) Região Doméstico (hm 3 /a) Industrial (hm 3 /a) Irrigação (hm 3 /a) Total (hm 3 /a) Total (mm/a) Sul 185 40 1 295 1 520 8,0 Centro 79 13 251 343 4,1 Zambeze 82 4 284 370 2,6 Centro-Norte 74 7 32 113 0,6 Norte 41 1 38 80 0,5 Total 461 65 1 900 2 426 3,1 21

Impactos de alterações climáticas Clima da Terra alterações dramáticas ao longo de milhões de anos. Nos tempos geológicos mais recentes: períodos glaciares de cerca de 100 mil anos intercalados por períodos interglaciares de cerca de 10 mil anos. Estamos actualmente num período interglaciar. Clima nunca foi estacionário neste período interglaciar: óptimo climatérico (+2 ºC) há cerca de 8 mil anos, Período Quente Medieval entre os séculos X e XIV na Europa, Pequena Idade do Gelo entre 1500 e 1850. 22

Impacto de alterações climáticas Nos últimos 30 anos reforço da tendência do aumento da temperatura média do planeta. IPCC considera o efeito antropogénico (emissão de gases com efeito de estufa) como principal factor. Possíveis consequências na disponibilidade dos recursos hídricos: decréscimo da precipitação nas regiões tropicais, maior frequência de precipitações extremas. Possível aumento das necessidades de irrigação. 23