Reconstrução e geração de malhas em estruturas biomecânicas tridimensionais para análise por elementos finitos. reconstruction, Mesh generation.



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Transcrição:

Revista Brasileira de Engenharia Biomédica, v. 25, n. 1, p. 15-20, abril 2009 SBEB - Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica ISSN 1517-3151 http://dx.doi.org/10.4322/rbeb.2012.062 Artigo Original Recebido em 04/07/2008, aceito em 13/03/2009 Reconstrução e geração de malhas em estruturas biomecânicas tridimensionais para análise por elementos finitos Reconstruction and mesh generation in three-dimensional biomechanical structures for finite elements analysis Paulo Jóia Filho* Edson Antonio Capello Sousa Faculdade de Engenharia de Bauru FEB / UNESP Av. Luiz Edmundo Carrijo Coube, s/n CP 473, 17033-360 Bauru, SP E-mail: paulojoia@msn.com *Autor para correspondência Resumo Uma das primeiras fases da análise estrutural por elementos finitos é a criação do modelo geométrico. Este modelo deve representar fielmente a estrutura no que diz respeito a ângulos, dimensões e forma. Quando os objetos de estudo são estruturas biomecânicas, a dificuldade na realização das análises aumenta, primeiro porque as estruturas consideradas apresentam geometria quase sempre irregular; segundo pela dificuldade na realização de experimentos práticos para fins comparativos, uma vez que os objetos de estudo são, em geral, organismos e tecidos vivos. Inserido, portanto, no contexto de Modelagem Científica Computacional, este trabalho procurou aplicar a computação a outras áreas do conhecimento, com o objetivo de criar modelos computacionais para situações em que é inviável testar ou medir as diversas soluções possíveis para um fenômeno a partir de modelos experimentais, neste caso, regiões ósseas. Para atingir este objetivo um programa computacional foi desenvolvido: o biomeshcreate. O biomeshcreate é uma aplicação final, independente, multi-plataforma, baseada em objetos (Rumbaugh et al., 1991), implementada em C++ com o auxílio de um toolkit de visualização científica, o VTK (The Visualization Toolkit), e seu principal objetivo é reconstruir estruturas ósseas tridimensionais a partir de seções planas, normalmente imagens médicas digitais obtidas por exames de tomografia computadorizada ou ressonância magnética. A aplicação também permite visualizar as fatias planas, gerar a malha sobre a superfície reconstruída, aplicar filtros de redução de elementos e suavização de superfícies, e integrar o volume obtido com softwares de análise por elementos finitos. Palavras-chave: Biomecânica, Elementos finitos, Imagem médica, Reconstrução tridimensional, Geração de malha. Abstract One of the first phases of the structural analysis by finite elements is the creation of the geometric model. This model must rigorously represent the structure in terms of angles, dimensions and form. When the study objects are biomechanical structures, the level of difficulty in the accomplishment of the analyses increases, firstly because the considered models present geometry almost always irregular, secondly for the difficulty for the accomplishment of experiments of this nature, as they involve, in general, organisms and living tissues. Inserted, therefore, in the context of Scientific Computational Modeling, this work tried to apply the computation to other areas of knowledge, with the objective of creating computational models for situations in which testing or measuring the several possible solutions for a phenomenon starting from experimental models is not viable, in this case, bone areas. To reach this purpose, a computational program was developed: the biomeshcreate. The biomeshcreate is a final application, independent, multi-platform, object-oriented, developed in C++ with the support of a toolkit for scientific visualization, the VTK (The Visualization Toolkit), and its main objective is to rebuild three-dimensional bone structures starting from plane sections, usually digital medical images obtained by exams of computed tomography or magnetic resonance. The application also permits to visualize plane slices, to generate the mesh on the rebuilt surface, to apply filters of elements reduction and mesh smoothing and to integrate the volume obtained with finite elements analysis software, in order to complete the analysis on the obtained structure. Keywords: Biomechanics, Finite elements, Medical image, Threedimensional reconstruction, Mesh generation. 15

Extended Abstract 16 Introduction This study is focused on the obtaining of three-dimensional computational models, more precisely bone area models, for subsequent finite elements analysis. Obtaining such models, however, is not an easy task once the forms are usually complex. A solution is to build them starting from cross sections, with the help of a computational program. The biomeshcreate program was developed for this purpose. This article will, therefore, present the biomeshcreate program and the necessary steps for the reconstruction of a three-dimensional bone, its model and subsequent integration with a finite elements software. The biomeshcreate Program The biomeshcreate is a multi-platform computational program, object-oriented, developed in C++ with the use of a scientific visualization toolkit, VTK. Its main objectives are to rebuild images starting from plane sections, usually images in the digital medical format, and to generate the surface mesh on the rebuilt solids, allowing data exporting and communication with finite elements softwares. The program relies on a tool for conversion and visualization of the plane slices in digital medical format and with a volume reconstruction module that was written using VTK objects and the Marching Cubes algorithm. Results The fist area was rebuilt starting from 51 plane slices in the digital medical format and the mesh generated on the rebuilt surface. After that, filters of elements reduction and surface smoothing were applied and the mesh was exported for the STL (STereoLitography) format. With the use of auxiliary tools, it was possible to clean the noises and undesirable image parts, to isolate the region of interest and to turn it into a format compatible with finite elements analysis software. In this case, the IGES (Initial Graphics Exchange Specification) format was adopted, standard format for exchange of geometric models among several CAD (Computer Aided Design) and CAE (Computer Aided Engineering) systems. Discussion In order to make the program become reliable, tests between their results and the ones of other systems were performed. One of the programs used for that comparison was the 3D-Doctor. At the beginning, a quantitative analysis for both systems was accomplished by the bone area reconstruction, starting from the same group of plane slices and generation of the surface mesh. There was no difference in the obtained image dimensions and, as to the number of points and cells, the registered variation was around 3%, what can be justified by the different algorithms used in each program and by the defined threshold value for the contour extraction in each case. Conclusion The biomeshcreate uses contour extraction techniques and isosurfaces to rebuild volumes and to generate the triangles-mesh on the rebuilt surface. Once generated the mesh, filters can be applied in order to reduce the number of triangles and smoothen the contours. After that, the mesh can be exported and converted into formats compatible with finite elements analysis softwares, allowing the completion of the analysis on the obtained structure.

Introdução Uma das áreas de grande interesse hoje em dia tem sido a bioengenharia, devido aos enormes benefícios que tem proporcionado ao homem. Dentro da bioengenharia existem várias frentes de pesquisa e estudo, sendo este trabalho voltado para a obtenção de modelos computacionais tridimensionais de regiões ósseas, para posterior análise por elementos finitos. A obtenção de tais modelos, no entanto, não é tarefa fácil de realizar, uma vez que as formas normalmente são complexas. Uma solução então é construílos a partir de seções transversais, com a ajuda de um programa computacional. O programa biomeshcreate foi desenvolvido para este fim. Este programa teve como base para seu desenvolvimento o Visualization Toolkit (VTK) um sistema livremente disponível, de código-fonte aberto, para computação gráfica 3D, processamento de imagens e visualização. Maiores detalhes podem ser encontrados em Schroeder et al. (2006) e em Kitware (2006). Este artigo irá, portanto, apresentar o programa biomeshcreate e os passos necessários para a reconstrução de um modelo ósseo tridimensional e posterior integração com um software de análise por elementos finitos, neste caso, o Ansys Multiphysics. Todavia outro sistema pode ser utilizado, desde que admita a importação de modelos no formato IGES (Initial Graphics Exchange Specification), formato padrão para troca de modelos geométricos entre vários sistemas CAD (Computer Aided Design) e CAE (Computer Aided Engineering). O Programa biomeshcreate O biomeshcreate (ou simplesmente biomesh) é um programa computacional multi-plataforma, orientado a objetos, desenvolvido em C++ com o uso do VTK (2008), e seu principal objetivo é reconstruir imagens a partir de seções planas, normalmente imagens no formato médico digital, e gerar a malha de superfície sobre os sólidos reconstruídos, permitindo a exportação e a comunicação de dados com softwares de análise por elementos finitos. Além de gerar a malha, o biomeshcreate permite a aplicação de vários filtros sobre as imagens geradas, tais como a simplificação da malha de triângulos, suavização de superfície, extração de arestas, redução poligonal, entre outros. A Ferramenta DicomConverter DICOM, abreviação de Digital Imaging Communications in Medicine (ou comunicação de imagens digitais em medicina), é um conjunto de normas para tratamento, armazenamento e transmissão de informação médica (imagens médicas) num formato eletrônico, que tipicamente contém um cabeçalho onde estão armazenados os dados da imagem como tamanho, resolução, informações do paciente, equipamento em que foi feita, taxa de compressão, se houver, entre outras. O problema é que o tamanho desse cabeçalho varia de arquivo para arquivo, de acordo com o equipamento que o gerou. Além disso, como a taxa de compactação pode variar, o número de bits por pixel nesse tipo de arquivo também é variável. Outro complicador é que algumas vezes, um ou mais bits em cada pixel é usado para marcar a conectividade entre voxels (célula primária tridimensional, topologicamente equivalente ao hexaedro). Devido a essas diferenças, fica inviável desenvolver uma ferramenta generalizada de reconstrução de imagens que utilize os arquivos DICOM como entrada. A solução é converter previamente para um outro formato. Neste caso foi usado o formato RAW, um formato de arquivo de imagens digitais que contém a totalidade dos dados da imagem tal como foi captada. É muito utilizado pelos fabricantes de câmeras fotográficas digitais. O formato RAW não costuma levar aplicada a compressão como ocorre com o popular JPEG, nem contém qualquer cabeçalho de dados. Adotou-se o padrão de 16 bits/pixel. Assim, toda a reconstrução 3D a partir de imagens planas, executadas por biomeshcreate, toma como entrada arquivos no formato RAW, representando as fatias que irão compor o volume. Uma ferramenta de conversão, parte integrante do programa biomeshcreate, foi desenvolvida e denominada DicomConverter. Além de converter os arquivos DICOM para o formato RAW, esta ferramenta também permite visualizar as seqüências de arquivos DICOM (Figura 1). A fatia exibida na Figura 1 (lado direito) foi obtida de CT (Computed Tomography). Basicamente, uma CT indica a quantidade de radiação absorvida em cada porção da seção analisada, e traduz essas variações numa escala de cinzas, produzindo uma imagem. Essa escala varia do preto (passagem do ar), tons de cinza (regiões menos densas) até o branco (região óssea). O Módulo de Reconstrução de Volumes O primeiro passo para a reconstrução 3D com biomeshcreate é converter o conjunto de imagens planas no formato DICOM para o formato RAW usando a ferramenta DicomConverter. Feito isto, utiliza-se o módulo desenvolvido para a reconstrução de volumes. Nele deve-se informar a pasta de origem dos arquivos RAW, o prefixo desses arquivos, o número de fatias, 17

Figura 1. A ferramenta DicomConverter exibindo uma fatia no formato DICOM. Figure 1. Tool DicomConverter showing a slice in DICOM format. 18 o tamanho (em pixels) e o espaçamento (em mm). O filtro de extração de contorno é o responsável pelo tipo de superfície que será obtida, possuindo valores pré-fixados para regiões ósseas, outros tecidos (como a pele) e ainda o ajuste manual, que possibilita refinar o resultado. Por exemplo, a Figura 2 representa o punho direito de um paciente, reconstruído a partir de 51 fatias. À esquerda (região óssea) utilizou-se o valor 1.300 para o filtro de extração de contornos e à direita (pele) foi utilizado o valor 500. Então, o mesmo conjunto de fatias pode reconstruir diferentes regiões, dependendo do valor adotado para o filtro. Esses valores, conhecidos como limiar (threshold), são arbitrários e obtidos após vários testes com a estrutura, na busca do melhor resultado visual, ou seja, aquele em que a forma reconstruída apresenta superfície bem delineada e contornos mais bem definidos possíveis. O processo de reconstrução 3D foi escrito usando objetos do VTK, sendo a superfície extraída pelo algoritmo de Marching Cubes. Os detalhes desse algoritmo, bem como de sua implementação podem ser encontrados em Lorensen e Cline (1987) e também na documentação das classes do VTK (2008). Resultados O programa biomesh, conforme já mencionado, foi desenvolvido com o intuito de resolver problemas aplicados à bioengenharia, relacionados à fase que precede a análise por elementos finitos, ou seja, obtenção do modelo geométrico (região óssea) para posterior análise em softwares especializados. Esta solução sistematizada envolve as seguintes etapas: Reconstrução das regiões ósseas a partir de imagens planas no formato médico digital; Geração da malha sobre a superfície reconstruída;

Região de interesse Objeto indesejável da cena Figura 2. Punho reconstruído com biomeshcreate, a partir de 51 fatias planas. Figure 2. Fist rebuilt with biomeshcreate, starting from 51 plane slices. Aplicação de filtros de redução de elementos e suavização de superfícies; Exportação da malha; Isolamento da região de interesse, eliminação de ruídos e objetos indesejáveis da cena; Conversão para um formato compatível com softwares de análise por elementos finitos. Dentre as etapas relacionadas, as quatro primeiras podem ser resolvidas exclusivamente com o programa construído, para as duas últimas, no entanto, foram utilizadas ferramentas auxiliares. Quanto à malha de triângulos, ela é gerada implicitamente no procedimento de reconstrução 3D, basta que se mude o atributo de representação do objeto reconstruído, de superfície para linhas, no programa. A aplicação de filtros ajuda a reduzir o tamanho das imagens e melhorar a aparência. O filtro de simplificação de malha triangular (decimation) reduz severamente o número de triângulos e a quantidade de memória necessária para seu armazenamento. O filtro de suavização de superfícies (smoothing) ajusta a posição dos pontos a fim de melhorar a visualização. O próximo passo é isolar a região de interesse que aparece em destaque na Figura 2; para isto foi utilizado o software Rhinoceros 4.0 (ou Rhino). A comunicação de dados entre os dois sistemas foi feita através da exportação do modelo reconstruído e filtrado pelo biomeshcreate para o formato de malha de triângulos conhecido como STL. O formato STL (STereoLitography) é o mais utilizado como interface entre os processos de prototipagem rápida (RP). Maiores detalhes sobre o formato STL podem ser encontrados em Kumar e Dutta (1997). Uma vez obtido o arquivo STL através do módulo de exportação do biomesh, ele pode ser carregado pelo Rhinoceros. Daí é possível, a partir de sua interface gráfica, limpar a imagem de ruídos e partes indesejáveis, isolar a região de interesse (ROI Region of Interest) e salvar novamente como um arquivo STL. Depois disso, através de um plug-in chamado MeshToSolid, é possível converter a malha de triângulos em um volume no formato NURBS (Nonuniform Rational B-Splines), que é um sistema de modelagem gráfico-computacional que utiliza, além de círculos, linhas e arcos, as splines. É empregado em sistemas CAD para geração de superfícies complexas. O formato NURBS pode ser convertido pelo Rhino para IGES, que é um formato comumente usado por softwares de análise por elementos finitos. A Figura 3 mostra a malha gerada sobre a região de interesse importada pelo Ansys a partir do formato IGES, num total de 20.107 elementos. Discussão Para tornar o programa confiável foram realizados testes entre os seus resultados e os de outros sistemas. Um dos programas utilizados para essa comparação foi o 3D-Doctor. Este software de uso comercial possui recursos não só de reconstrução 3D, mas também de 1 Element Mar. 6/2008 17: 37: 22 Figura 3. Região óssea de interesse convertida para o formato IGES e importada pelo Ansys. Figure 3. Bone area of interest converted to IGES format and imported by Ansys. 19

segmentação de imagens. Além disso, o 3D-Doctor permite salvar o modelo como malha de triângulos no formato STL, o que facilitou bastante as comparações, neste caso. De início, uma análise quantitativa foi realizada pela reconstrução da região óssea a partir do mesmo conjunto de fatias planas e geração da malha de superfície por ambos os sistemas. Com as malhas de superfície geradas foram comparados o número de pontos e células das mesmas, além das dimensões de cada imagem obtida, e o resultado aparece na Tabela 1. Quanto às dimensões da figura não houve diferenças, e quanto às quantidades de pontos e células a variação registrada foi em torno de 3%, o que pode ser justificado pelos diferentes algoritmos usados em cada programa, e pelo valor de threshold definido para a extração dos contornos em cada caso. No futuro, uma comparação em nível de elementos da malha gerada por ambos os sistemas deve ser feita a fim de revelar aspectos qualitativos da análise. Conclusão Esse trabalho procurou integrar-se no universo de reconstrução de imagens e geração de malhas. Para isto, um programa computacional foi desenvolvido: o biomeshcreate. O software desenvolvido consegue ler, interpretar e converter imagens obtidas a partir de tomografias computadorizadas ou ressonância magnética em formato médico digital, e também visualizar as fatias bidimensionais. A partir daí são aplicadas técnicas de extração de contornos e isosuperfícies para reconstruir o volume e gerar a malha de triângulos sobre a superfície reconstruída. Uma vez gerada a malha, filtros podem ser aplicados para diminuir a quantidade de triângulos e suavizar os contornos. Depois disso, a malha pode ser exportada e convertida para formatos compatíveis com softwares de análise por elementos finitos. Tabela 1. Resultados da comparação entre biomeshcreate e 3DDoctor. Table 1. Results of the biomeshcreate comparison with 3DDoctor. Programas N de Pontos N de Células Variações máximas em x; y; z (mm) biomeshcreate 8.087 16.060 63,6; 17,3; 32,6 3D-Doctor 7.843 15.577 63,6; 17,3; 32,6 Diferença (%) 3,02 3,01 0; 0; 0 Os modelos gerados podem ser exportados para diversos formatos, merecendo destaque o formato STL, para uso direto em processos de prototipagem rápida, e também o formato de realidade virtual, até então não mencionado, mas que permite exportar toda a cena, gerando arquivos que podem ser distribuídos e visualizados em um browser comum. O programa biomeshcreate, inicialmente disponível para a plataforma MS Windows 32-bits, a documentação e os arquivos de exemplos podem ser baixados diretamente do site do autor, em http://www. paulojoia.ddns.com.br. Referências KITWARE. The VTK User s Guide: install, use and extend the visualization toolkit. 5 ed. New York, 2006. 382 p. KUMAR, V.; DUTTA, D. An assessment of data formats for layered manufacturing. Advances in Engineering Software, v. 28, n. 3, p. 151-164, 1997. LORENSEN, W. E.; CLINE, H. E. Marching Cubes: a high resolution 3D surface construction algorithm. ACM SIGGRAPH Computer Graphics, v. 21, n. 4, p. 163-169, 1987. RUMBAUGH, J.; BLAHA, M.; PREMERLANI, W.; EDDY, F.; LORENSEN, W. Object-oriented modeling and design. New Jersey: Prentice-Hall, 1991. 512 p. SCHROEDER, W.; MARTIN, K.; LORENSEN, B. The visualization toolkit: an object-oriented approach to 3D graphics. 4 ed. New York: Kitware Inc., 2006. 528 p. VTK. The visualization toolkit. Available from: <www.vtk. org>. Acesso em: 08 de Março de 2008. 20