Análise dos efeitos da filtração adicional em feixes de raios X a partir dos cálculos de energia média por fóton em espectros de raios X

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Artigo Original Revista Brasileira de Física Médica. 2011;5(3):239-44. Análise dos efeitos da filtração adicional em feixes de raios X a partir dos cálculos de energia média por fóton em espectros de raios X Analysis of the additional filtration effects in X-ray beams from the calculation of average energy for photon in X-ray spectra Rodrigo F. Lucena e Maria da Penha A. Potiens Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Comissão Nacional de Energia Nuclear (IPEN/CNEN) São Paulo (SP), Brasil. Resumo Este trabalho teve como objetivo analisar o comportamento dos espectros de raios X, por meio do cálculo da energia média em cada espectro gerado para diferentes filtrações adicionais inseridas no feixe de raios X. Para isso, foram utilizados: um sistema de radiação X do Laboratório de Calibração de Instrumentos do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), para a geração dos feixes de raios X, e um de espectrometria com detector de estado sólido (semicondutor), para fazer a aquisição dos dados e filtros de alumínio e cobre com diversas espessuras a serem inseridos na saída do feixe de raios X. A energia média por fóton foi calculada, integrando-se a curva de cada espectro e dividindo o valor pelo número total de contagens. Este cálculo possibilitou verificar que o uso de filtrações nos aparelhos de raios X contribui de forma significativa na energia média do feixe de raios X. Dessa forma, uma mesma dose recebida por um paciente ou registrada por um detector possui energias médias distintas com o uso de filtrações com materiais e espessuras diferentes, o que possibilita a manipulação do feixe de raios X por meio das filtrações adicionais. Palavras-chave: espectrometria de raios X, filtração adicional, energia média. Abstract The objective of this work was to analyze the behavior of X-ray spectra by calculating the average energy in each spectrum generated for different additional filtrations inserted in the X-ray beam. It was used an X-ray system present in the Laboratory of Instruments Calibration of the Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) for the generation of X-ray beams, a spectrometry system with a solid state detector (semiconductor) to the data acquisition and aluminum and copper filters, with different thicknesses to be inserted in the output of the X-ray tube. The average energy per photon was calculated integrating the curve of each spectrum and dividing the value by the total number of counts. This calculation enabled us to verify that the use of filtration in the X-ray equipment contributes significantly in the average energy of the X-ray beam. Thus, the same dose received by a patient or recorded by a detector has distinct average energies due to the use of filtrations with different materials and thicknesses, which allows the manipulation of X-ray beam through additional filtration. Keywords: X-ray spectrometry, additional filtrations, average energy. Introdução As atividades relacionadas à utilização de radiação ionizante são baseadas em três princípios essenciais de proteção radiológica: justificação apropriada à utilização da radiação; limites de dose, nos quais os riscos decorrentes da exposição à radiação são considerados aceitáveis; e otimização dos níveis de radiação, sempre que for possível 1,2. Esses princípios devem ser respeitados, já que toda exposição a qualquer radiação ionizante pode provocar danos à saúde do ser humano por meio dos efeitos biológicos provocados por essa radiação. A otimização dos níveis de radiação estimulou o estudo mais aprofundado das características dos feixes de radiação a serem utilizados em clínicas de radioterapia, radiodiagnóstico e nos laboratórios de calibração de Correspondência: Rodrigo F. Lucena Universidade de Avenida Avenida Arlindo Béttio, 1.000 CEP: 03817-000 São Paulo (SP), Brasil E-mail: rodrigoifusp@yahoo.com.br Associação Brasileira de Física Médica 239

Lucena RF, Potiens MPA detectores de radiação. Isso fez com que, com o passar do tempo, a precisão e a exatidão fossem melhoradas para a determinação das doses, ou seja, passou a existir uma tendência em se enfatizar a necessidade por alta precisão e exatidão. O conhecimento do espectro de raios X é de grande importância para entender os diversos estágios na produção de uma imagem diagnóstica, com o intuito de reduzir ao máximo a dose no paciente e, ao mesmo tempo, otimizar a qualidade de imagem 3. Os espectros de raios X são obtidos a partir de dispositivos que possibilitam não só a contagem de fótons de raios X no volume sensível, mas também o registro e a distinção da energia desses fótons. A disponibilização do número de contagens, em função da energia dos fótons, resulta no espectro de raios X, o qual é essencialmente dividido em uma curva contínua, proveniente dos fótons gerados pelo freamento de elétrons, com picos no decorrer da curva dos fótons gerados como radiação característica. Além disso, o espectro de raios X apresenta fótons adicionais, provenientes da radiação de fundo presente no ambiente e de possíveis retroespalhamentos provocados pela geometria do laboratório e pelo posicionamento dos equipamentos no local de trabalho. Para gerar um determinado espectro de raios X, é necessário levar em consideração diversos parâmetros físicos (corrente elétrica, tensão nominal, filtração intrínseca e adicional etc.), os quais modificam algumas características do espectro. Dependendo de como esses parâmetros são configurados os que são configuráveis, características como amplitude, energia média, comprimento do intervalo energético do espectro, dentre outras, serão alteradas. A filtração adicional produz um efeito na forma do espectro induzindo a atenuação acentuada dos fótons de baixa energia, o que ocorre em menor intensidade com os fótons de alta energia. Dessa maneira, diminui-se o número de contagens diferentemente para cada valor energético, provocando a alteração da forma do espectro, assim como a redução de sua amplitude 4. Segundo Birch e Marshall 3, com o aumento da filtração adicional, a energia média dos fótons do espectro aumenta, ou seja, há um aumento na proporção de fótons de maior energia. A presença da filtração ajuda a atenuar o feixe de raios X, no qual essa atenuação é maior para os fótons de baixa energia, o que faz com que o detector consiga registrar um número proporcionalmente maior de fótons mais energéticos, ou seja, a energia média do feixe aumenta. O objetivo do presente trabalho foi analisar o comportamento dos espectros de raios X quando são manipuladas as filtrações adicionais inseridas no feixe de raios X, a partir do cálculo da energia média em cada espectro gerado. Esta análise é de grande importância, pois pode evitar a exposição de um paciente a grandes doses em feixes de raios X altamente energéticos. Materiais e métodos Os dados utilizados para a realização deste trabalho foram adquiridos no Laboratório de Calibração de Instrumentos (LCI), localizado nas instalações do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares/Comissão Nacional de Energia Nuclear (IPEN/CNEN), em São Paulo. Durante a aquisição dos dados, foram utilizados dois sistemas de irradiação: um de radiação X (Figura 1) de energias intermediárias, formado por um gerador de potencial constante Agfa NDT Pantak/Seifert GmbH & Co. KG (modelo ISOVOLT 160 HS) ligado a um tubo de raios X Comet, modelo MRX 160/22; e uma fonte radioativa 241 Am para a calibração do sistema de espectrometria. O sistema espectrométrico utilizado foi fabricado pela empresa EG&G Ortec, modelo NOMAD-PLUS 92X (Figura 2), que possui um detector do estado sólido (semicondutor) HPGe (germânio de alta pureza), modelo GLP- 16195/10P. Os dados obtidos pelo espectrômetro foram registrados por um computador acoplado ao sistema Figura 1. Sistema de radiação X composto pelo gerador de potencial constante Pantak e o tubo de raios X Comet blindado com chumbo. 240 Revista Brasileira de Física Médica. 2011;5(3):239-44.

Análise dos efeitos da filtração adicional em feixes de raios X de aquisição, e utilizou-se o software Maestro (modelo A65-B32, Ortec) da própria empresa fabricante do sistema espectrométrico. Foram utilizados ainda sistemas auxiliares como colimadores com 0,1 mm (liga de tungstênio, níquel e cobre) de diâmetro para delimitar o feixe de raios X durante a espectrometria, filtros adicionais de alumínio e cobre com pureza maior que 99,9% e instrumentações para a medição de grandezas como temperatura (precisão de ±0,0025ºC), umidade (precisão de 1%), pressão (resolução de 0,01%), comprimento (precisão de ±0,05 cm) e tempo (precisão de ±0,001 s). Isso permitiu que as aquisições fossem realizadas satisfatoriamente. Antes da realização das medições dos espectros nos feixes de raios X, o espectrômetro precisou ser calibrado com a fonte de 241 Am. Utilizou-se o pico de 59,537 kev como referência para ajustar os canais no software Maestro, e a calibração forneceu uma precisão ao sistema de 0,12%. A calibração com apenas um pico foi possível, já que os intervalos entre os canais do espectrômetro são aproximadamente constantes, próximos do pico utilizado como referência, o que permitiu cobrir, com boa precisão, o intervalo energético utilizado neste trabalho. As medições foram efetuadas com o colimador de 0,1 mm de diâmetro posicionado próximo à janela de incidência de radiação do espectrômetro. O equipamento foi posicionado a 2,5 m do ponto focal do aparelho de raios X. Esse posicionamento distante foi escolhido pela alta sensibilidade do espectrômetro, que apresentava um tempo morto alto quando utilizado mais próximo do ponto focal. Pelo mesmo motivo de sensibilidade, uma corrente elétrica de 0,1 ma (menor valor do sistema de radiação X) Tabela 1. Energias médias por fóton, referentes aos espectros sem filtrações adicionais, às qualidades em radiodiagnóstico e às determinações de tensão de pico. Tensão nominal (kv) Sem filtração Qualidades em radiodiagnóstico Determinação da tensão de pico Filtração (mm) Filtração (mm) Filtração (mm) 25 0 13,54-2 (Al) 20,41±0,02 28 - - 2 (Al) 22,02±0,03 30 - - 3 (Al) 24,08±0,03 35 - - 3 (Al) 26,66±0,03 40-2,3 (Al) 28,15±0,03 10 (Al) 33,15±0,04 50 0 20,60 2,4 (Al) 32,21±0,04 10 (Al) 38,18±0,05 60-2,7 (Al) 36,52±0,04 16 (Al) 45,16±0,05 70 0 26,09 2,8 (Al.) 40,08±0,05 21 (Al) 58,72±0,07 80-3,0 (Al) 43,83±0,05 2,5 (Cu) 64,55±0,08 90-3,1 (Al) 47,27±0,06 2,5 (Cu) 68,52±0,08 100 0 34,77 3,2 (Al) 49,95±0,06 3,5 (Cu) 74,56±0,09 110 - - 5,5 (Cu) 80,97±0,10 120 0 39,73 3,5 (Al) 54,95 6 (Cu) 84,25±0,10 130 - - 6,5 (Cu) 87,10±0,10 140 - - 7 (Cu) 89,79±0,11 150 0 45,97 4,2 (Al) 61,39 8 (Cu) 91,69±0,11 Figura 2. Sistema espectrométrico da Ortec utilizado para a realização da espectrometria. Revista Brasileira de Física Médica. 2011;5(3):239-44. 241

Lucena RF, Potiens MPA Contagens Contagens Contagens 120000 100000 80000 60000 40000 20000 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 16000 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 0 5 10 15 A B C 20 25 30 35 40 45 50 55 Figura 3. Espectros gerados na tensão de 50 kv, na qual A foi gerado sem filtração adicional (aquisição de oito minutos), B com filtração adicional de 2,4 mm Al (aquisição de dez minutos) e C com filtração adicional de 10 mm Al (aquisição de 50 minutos). foi escolhida no painel do aparelho de raios X. Os tempos de aquisição variaram de 10 a 50 minutos, de acordo com o tipo de material da filtração adicional e sua espessura. A energia média por fóton foi calculada integrando a curva de cada espectro e dividindo o valor pelo número total de contagens. Foram efetuados três conjuntos de medições (filtros 1, 2 e 3), nos quais as filtrações foram baseadas nas necessidades do laboratório (sem filtração, qualidades em radiodiagnóstico e determinação das tensões de pico por meio de espectrometria), como pode ser visto na Tabela 1. Resultados As energias médias por fóton dos feixes de raios X gerados foram calculadas nos espectros adquiridos pelo espectrômetro. A Figura 3 mostra um exemplo do espectro de cada configuração de filtração, todos adquiridos respectivamente em 8, 10 e 50 minutos, em que é possível observar a diferença das formas dos espectros com o aumento da filtração adicional. Os demais espectros podem ser encontrados no texto de Lucena 5. Os espectros apresentam um leve deslocamento energético para a direita em suas energias máximas, facilmente observado nos últimos pontos dos espectros. Isso se deve a uma pequena falha na calibração do sistema de radiação X, verificado também por outros medidores não invasivos de tensão de pico. A curva de cada espectro foi integrada, e o valor da energia total foi dividido pelo número de fótons registrado pelo espectrômetro, resultando nos valores da energia média por fóton, como pode ser observado na Tabela 1. Para ilustrar o aumento da energia média com aquele da espessura da filtração adicional, plotou-se um gráfico de 60 50 kv 70 kv 55 60 50 kv 70 kv 50 45 40 35 30 25 20-2 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 Espessura da da Filtração de Al (mm) -2 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 Figura 4. Gráfico da energia média do feixe de raios X em função da espessura da filtração adicional (Al) nas tensões nominais de 50 e 70 kv. 22 242 Revista Brasileira de Física Médica. 2011;5(3):239-44.

Análise dos efeitos da filtração adicional em feixes de raios X energia média por espessura de filtração das tensões nominais 50 e 70 kv (Figura 4). Os pontos foram melhores ajustados pelas Eqs. 1 e 2 para, respectivamente, as tensões de 50 e 70 kv, em que x representa a espessura da filtração adicional e E (em kev), a energia média por fóton de raios X. As barras de erro não aparecem, pois as incertezas (precisão do equipamento 0,12%) são menores do que os próprios pontos. E=28,55+4,18 ln(x) (1) E=30,55+9,25 ln(x) (2) Discussão Nas três configurações para a geração dos espectros, observa-se que o uso de filtrações no aparelho de raios X contribui de forma significativa para a energia média do feixe de raios X, já que esta aumenta acentuadamente com o aumento da filtração adicional inserida. Tal fato ocorre devido à filtração cada vez maior dos fótons de baixa energia com o aumento da espessura da filtração. Esse fenômeno é facilmente observado nos espectros da Figura 3, em que há uma queda da amplitude nas baixas energias, inclusive dos picos característicos de baixa energia do tungstênio, com o aumento da espessura da filtração. Esse fenômeno também é observado quando troca-se o material de filtração adicional por um de maior número atômico, pois aumenta a probabilidade da interação dos fótons de baixa energia com o material e, consequentemente, aumentando a energia média. Na Tabela 1, observou- -se exatamente isso. Ao substituir a filtração de alumínio pela de cobre, a energia média aumentou, mesmo o cobre tendo espessura um pouco inferior ao alumínio. Portanto, pode-se manipular a energia do feixe de raios X, utilizando os parâmetros espessura e material da filtração adicional. As equações referentes aos pontos ajustados no gráfico da Figura 4 sugerem o crescimento acentuado da energia média nos primeiros aumentos da espessura do material; porém, aos poucos, a energia média tende a se estabilizar, indicando que os fótons de baixa energia foram praticamente absorvidos e que o aumento da espessura da filtração nesse intervalo não influenciará tanto para o aumento da energia média. Conclusões Nas três configurações para a geração dos espectros neste trabalho, o estudo das energias médias por fóton em cada caso foi de importância significativa, pois mostrou que o uso de filtrações nos aparelhos de raios X contribui significativamente na energia média do feixe de raios X, já que uma mesma dose recebida por um paciente ou registrada por um detector possui energias médias distintas, com o uso de filtrações com materiais e espessuras diferentes. Logo, essas energias podem ser manipuladas indiretamente de acordo com o interesse do operador do aparelho de raios X. No entanto, foi visto também que essa possibilidade de manipulação é limitada a partir de uma determinada espessura da filtração, já que o comportamento da energia média por fóton com o aumento da espessura possui uma tendência logarítmica. Agradecimentos Os autores agradecem à Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT, INCT em Metrologia das Radiações na Medicina) pelo apoio financeiro parcial. Referências 1. International Commission on Radiological Protection. Recommendations of the ICRP. Publication No 26. ICRP; 1987. 2. International Commission on Radiological Protection. Recommendations of the ICRP. Publication No 103. ICRP; 2007. 3. Birch R, Marshall M. Catalogue of spectral data for diagnostic X-rays. London: The Hospital Physicists Association; 1979. 4. Bushong G. Radiologic Science for Technologists Physics, Biology, and Radiation Protection. 6 th edition. Missouri: Mosby Company; 1997. 5. Lucena R. Implantação de um Programa de Qualidade em Equipamentos de Raios X por Meio de Medidores não Invasivos. [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares Universidade de São Paulo; 2010. 104 p. Revista Brasileira de Física Médica. 2011;5(3):239-44. 243