Feminilidade e Angústia 1 Claudinéia da Cruz Bento 2 Freud, desde o início de seus trabalhos, declarou sua dificuldade em abordar o tema da feminilidade. Após um longo percurso de todo o desenvolvimento teórico que fez sobre este tema, permanece a idéia, de que não foi capaz de decifrar o enigma do feminino. Na realidade, a trajetória freudiana baseia-se em uma constatação: Uma vez saídos da anatomia, não sabemos o que encobre os termos masculino e feminino. Para tentarmos entender uma pouco mais sobre a teoria de Freud voltemos ao Édipo feminino. Freud, no texto de 1925 Algumas Conseqüências Psíquicas da Diferença Anatômica entre os Sexos, indica que a diferença anatômica, ser menina ou menino, não se inscreve no psíquico. Não se trata do real do órgão anatômico, portanto no psiquismo só se inscreve aquilo que é causa dessa diferença, ou seja, o complexo de castração. É a partir da castração, do menino ou da menina, que se estruturam os modos de posicionamento masculino e feminino. Em 1923, no texto A Organização Genital Infantil, Freud formula uma tese segundo a qual, tanto para a menina, quanto para o menino, o que está presente não é uma primazia dos órgãos genitais, mas a primazia do falo. O menino percebe a distinção entre homens e mulheres, porém, de início, não tem ocasião de vinculá-lo a uma diferença dos órgãos genitais. Para ele, é natural presumir que todos os outros seres vivos, humanos e animais, possuem um órgão genital como o seu. Enquanto para o menino essa problemática da castração insere-se mediante julgamento, a menina poderá se poupar de trabalho de pensamento graças a evidência visível do pênis ou da ausência do pênis. Spínola( 1997), fazendo uma releitura de Lacan, pontua que a relação entre os sexos é desnaturalizada e submetida a estrutura do ser ou não ser e do ter ou não ter o falo. Para que o sujeito venha a tê-lo, em certas condições, é preciso que haja uma renúncia a sê-lo. E será em torno dessa assunção subjetiva relativa ao ser e ao ter, que atua a realidade da castração. Lacan (1957-58) escreve que no decorrer da trama edipiana, o falo será instituído como significante primordial que organiza a posição do sujeito frente à sexualidade. Inicialmente a menina se coloca como provida de um falo, como também
acredita que sua mãe o seja, a menina, irá sentir um amor enorme por essa mãe fálica, sem falhas, imaginariamente completa. No texto Sexualidade Feminina, Freud comenta que o efeito de castração na mulher pode seguir três linhas de desenvolvimento possíveis. A primeira: A menina, assustada pela comparação com os meninos, cresce insatisfeita com seu clitóris, abandona sua atividade fálica e, com ela, sua sexualidade. A segunda: leva a se aferrar com desafiadora auto-afirmatividade, à sua masculinidade ameaçada, aferra-se à esperança de conseguir um pênis em alguma ocasião. Essa esperança torna-se o objeto de sua vida e a fantasia de ser um homem persiste como fator formativo por longos períodos. Esse complexo de masculinidade nas mulheres pode resultar numa escolha homossexual manifesta. Por fim, a terceira linha da descoberta da castração na menina é o afrouxamento da ligação terna à mãe enquanto objeto. É a mãe a quem a filha responsabiliza por sua falta de pênis, acusando-a de tê-la posto no mundo com uma bagagem a menos. O acesso da mulher ao complexo de Édipo, sua identificação acontece passando pelo pai, em virtude da prevalência da forma imaginária do falo. Na teoria freudiana, a menina, castrada de saída, não aceita sua condição, emergindo daí a inveja do pênis, cuja conseqüência recai diretamente sobre a figura materna, pois é a essa que a filha responsabiliza pela falta do órgão. O profundo sentimento de inferioridade decorre dessa ferida narcísica, que é duplicada pela descoberta da ausência do pênis na mãe. A mulher ao buscar o referencial do falo na mãe, se depara com a angústia. A referência da mãe para se tornar mulher nunca poderá ser transmitida a sua filha. Podemos dizer que, por não haver representação no nível imaginário do falo, o que surge é a angustia. Lacan, no seminário As psicoses, destaca que há uma dissimetria em torno do Édipo da menina e do menino. A razão dessa dissimetria situa-se no nível simbólico. Não há simbolização do sexo da mulher; seu imaginário fornece apenas uma ausência. O sexo feminino tem uma característica de ausência, de vazio, de buraco, que faz com que seja menos desejável que o sexo masculino no que ele tem de provocante (LACAN, 1956, p. 202) Portanto, quando a menina descobre sua própria deficiência, ao ver o órgão genital masculino, é com hesitação e relutância que aceita esse desagradável reconhecimento. Essa relação do sujeito feminino com seu próprio órgão gera uma
angustia maior do que aquela gerada no menino, pelo fato do órgão da menina ter uma característica de ausência, de vazio (FREUD, 1931). É importante demarcar no texto a existência da fronteira entre histeria e feminilidade. O sujeito histérico é aquele que apresenta identificação pelo lado masculino. Logo, na histeria, o sujeito está as voltas com a interrogação sobre o feminino e com a tentativa de simbolização do órgão feminino. Quem sou eu? Um homem ou uma mulher. Questões estas, que situam no nível do Outro, na medida em que a interrogação está ligada ao reconhecimento simbólico. Lacan no Seminário 10, A angústia, diz que a mulher está mais exposta à angústia que o homem. Para ele, na mulher não falta nada. A presença do objeto encontra-se ali. Esta presença não está ligada a falta do objeto, causa de desejo. Ele afirma que a angústia se produz quando o objeto se apresenta, quando falta a sua falta, porém ao mesmo tempo, mostra que a angústia é a sensação do desejo do Outro e que ela irrompe quando estamos diante de um Outro desejante. Em relação ao gozo, a mulher se apresenta para além do homem, uma vez que, seu vínculo com o nó de desejo é bem mais frouxo. No confronto do desejo do Outro, o objeto fálico só chega a ela em segundo lugar, na medida em que desempenha um papel no desejo do Outro. Assim, o campo da sexuação feminina aponta para um gozo sem limites, não regulado pela norma fálica. Jacques-Alan Miller introduziu o termo erotomania para abordar a forma feminina de relação com o objeto, uma maneira de amar que é característica das mulheres. Do lado feminino, o sujeito é não-todo comandado pela lógica fálica. O que implica dizer que a mulher diferentemente do homem, possui uma forma de gozo, uma forma de unir o significante ao corpo, ou de encarnar o significante, que não é toda regulada pelo falo, como o é para o homem. Nesse caso, seu objeto é erotomaníaco, ou seja, a mulher quer um objeto que a ame e que fale com ela, de preferência dela. É neste ponto que podemos falar que a vertente não falicizada da feminilidade, leva a mulher a estabelecer uma relação mais além do princípio do prazer com o Outro, ou com o seu parceiro-sintoma, forma esta, que a leva ao encontro da angústia. Miller (1998), relata que nos casos das mulheres, a demanda de amor é central. Segundo ele, esta demanda tem em si mesma, um caráter absoluto e uma visada ao infinito, que é manifestada no fato de que o todo não faz o um, e isso se
abre para o infinito. Conseqüentemente, do lado feminino não se pode construir o conjunto de todas as mulheres. Isto quer dizer que não se pode construir o conjunto do gozo feminino todo articulado ao gozo fálico. A respeito ao falo, do lado feminino temos o não todo. Portanto, temos um conjunto aberto, onde o gozo do sujeito não está todo no regime fálico. O falo revelando-se faltoso a mulher poderá oferecer ao desejo do homem o objeto da reivindicação fálica, o objeto não detumescente para sustentar seu desejo, ou seja, fazer de seus atributos femininos os sinais de onipotência do homem. Frente ao axioma Lacaniano A mulher não existe, a feminilidade ganha estatuto de enigma, encobre um mistério. É desse mistério que vem a pergunta dos homens, assim como a das mulheres: o que quer uma mulher? O desejo de uma mulher permanece sempre uma questão, mas cada um tira proveito disso à sua maneira. Nesse sentido, a falta de uma resposta a essa questão funciona como uma indução ao desejo. REFERÊNCIAS: FREUD, Sigmund. A feminilidade. Conferência XXXIII. In:. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1932. p. 113-134. ( Ed. Standart brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 22) A organização genital infantil: uma interpolação da teoria da sexualidade. In:. O Ego e o Id e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1923. p. 155-277. ( Ed. Satandard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 19), Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. In:. O Ego e o Id e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1969. p. 273-277. ( Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 19).. Sexualidade Feminina. In:. O futuro de uma Ilusão o mal-estar na Civilização e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1931. p. 233-251. (Ed. Standard brasileira das obras completas). LACAN, Jacques. Seminário 10: A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 366pg. MILLER, Jaques-Alain. O osso de uma Análise. Escola Brasileira de Psicanálise Bahia. Slavador Julho de 1998. 131pg.
SPÍNOLA, Suzana Barroso. Tornar-se homem. In: Opção Lacaniana. Revista Brasileira de Psicanálise. 10, p. 42-46, abril/jul. 1994 1. Texto extraído a partir do seminário 10, A Angústia. Apresentado na Jornada de Cartéis de 2012 e produzido a partir do Cartel de leitura desse Seminário. Mais Um do cartel: Maria José Gontijo Salum. 2. Psicóloga, Psicanalista praticamente. Pós graduação: Psicanálise, teoria e prática.