1.SG item gramatical analisado Incanha Intumbo. CG Dra. Odete Costa.

Documentos relacionados
Apresentação 11 Lista de abreviações 13. Parte I: NATUREZA, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM

Escola Básica da Madalena Grelha de Conteúdos Português 4 º ano Ano letivo

..AASsrâT" ROSA VIRGÍNIA MATTOS E SILVA. O Português Arcaico. Uma Aproximação. Vol. I Léxico e morfologia

índice geral Prefácio, X/77

1 Complementos e modificadores Distinção estrutural entre complementos e modificadores... 3

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas

CURRÍCULO DA DISCIPLINA DE PORTUGUÊS/ CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 2013/2014

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS CEGO DO MAIO PLANIFICAÇÃO ANUAL DISCIPLINA: Português Ano4 Ano letivo 2016/2017

Artigo definido / artigo indefinido e seu emprego Nome Género Formação do feminino Formação do plural. Unidade 0

Capítulo1. Capítulo2. Índice A LÍNGUA E A LINGUAGEM O PORTUGUÊS: uma língua, muitas variedades... 15

Relatório. Ano lectivo

ATIVIDADES ESTRATÉGIAS

Aula10 OUTRAS ESTRUTURAS ORACIONAIS POR SUBORDINAÇÃO

ELEMENTAR da LÍNGUA PORTUGUESA

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DANIEL SAMPAIO. Departamento de 1º Ciclo. Ano letivo 2016/2017 PLANIFICAÇÃO A LONGO PRAZO. 4º ANO DISCIPLINA: Português

Planificação periódica LÍNGUA PORTUGUESA

Valor modal e aspetual.

Morfologia e Classes Apresentação da Professora Gramaticais Licenciatura em Letras Língua Portuguesa e Literaturas Ementa Organização da Disciplina

2011/2012 (Despacho nº 5238/2011 de 28 de Março) 2º Ano CONTEÚDOS ANUAIS DISCIPLINA: Língua Portuguesa. CEF Serviço de Bar

CURRÍCULO DA DISCIPLINA DE PORTUGUÊS/ CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 2013/2014

Prefácio índice geral Lista das abreviaturas 14 Lista dos símbolos 16 Introdução geral 17

ESCOLA SECUNDÁRIA DE SAMPAIO Ano Lectivo 2008/ Planificação a Longo Prazo ESPANHOL L/E (Iniciação nível I) 10ºAno Formação Específica

Disciplina: LLV 9005 Morfologia do Português FLEXÃO NOMINAL E FLEXÃO VERBAL

1 Complementos e Modificadores de Nome... 2

DOMÍNIOS DE REFERÊNCIA/CONTEÚDOS

Sumarizando: o que é uma língua. Métodos para seu estudo...44

Português Oralidade Escutar para aprender e construir conhecimentos.

Escrita (expressiva e lúdica) Texto narrativo Texto poético Texto descritivo Texto instrucional

Planificação anual Ano letivo: 2016/2017

PLANO DE ESTUDOS DE PORTUGUÊS - 5.º ANO

PLANIFICAÇÃO ANUAL- PORTUGUÊS

Colégio Diocesano Seridoense Ensino Fundamental II 2º Bimestre. Verbo. Professora: Caliana Medeiros.

AGRUPAMENTO de ESCOLAS Nº1 de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2013/2014 PLANIFICAÇÃO ANUAL

PLANIFICAÇÃO DE PORTUGUÊS Básico II

AGRUPAMENTO de ESCOLAS Nº1 de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2013/2014 PLANIFICAÇÃO ANUAL

Curso: 3.º Ciclo do Ensino Básico Disciplina: Português Ano: 7º, 8.º e 9.º

Sumário. Capítulo 1 Comunicação 1

Planificação Anual º Ciclo / Português 6º ano MATRIZ DE CONTEÚDOS E DE PROCEDIMENTOS CONTEÚDOS PROCEDIMENTOS Nº DE BLOCOS

Verbo. Verbo. - é o elemento fundamental da oração não há orações sem verbo (explícito ou subentendido) - exprime um processo ou uma situação

Sumário. Capítulo 1 Comunicação 1

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE AVEIRO Escola EB 2º e 3º Ciclos João Afonso de Aveiro. Programação Anual 2011/ 2012

LÍNGUA PORTUGUESA. Professora Rosane Reis. MÓDULO 11 Sintaxe IV

Morfologia, Sintaxe e Morfossintaxe substantivo, verbo, Morfologia. Morfologia classes gramaticais

Pronome relativo A língua portuguesa apresenta 7 formas de pronomes e advérbios relativos consensuais: Que O que Quem O qual Onde Quanto Cujo

LÍNGUA PORTUGUESA PROFª.: THAÍS

CONSTITUINTES DA FRASE E FUNÇÕES SINTÁCTICAS

Resoluções de Exercícios

PORTUGUÊS ABEL MOTA PREPARAR OS TESTES

Programa de Português 4º Ano

Português. Índice de aulas. Tipologias textuais

Aula6 CONSTRUÇÕES NEGATIVAS. Lêda Corrêa

Programa de Português 3º Ano

Colocação Pronominal. Profªs.: Márcia Cavalcante e Lia Carvalho

CLARA AMORIM CATARINA SOUSA SUPERVISÃO CIENTÍFICA: ANA MARIA BRITO CARMO OLIVEIRA ENSINO SECUNDÁRIO. GPORT_ _P001_017_5P.

Como se identifica um nome?

VERBO. Flávia Andrade

Prefácio Abreviaturas, Símbolos e Siglas 15

Língua Portuguesa. Professoras: Fernanda e Danúzia

MORFOLOGIA CLASSE GRAMATICAL. SUBSTANTIVO: é o que dá nome a todos os seres: vivos, inanimados, racionais, irracionais a fim de identificação.

ESTUDOS DE DETERMINAÇÃO

Súmario APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO SINOPSES PARA CARREIRAS FISCAIS APRESENTAÇÃO PARTE I FONÉTICA

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE PAREDE

Academia Diplomática y Consular Carlos Antonio López

Parte I 1. O português em Portugal e no Mundo. Formas de tratamento em diferentes situações 20 Exercícios 21

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS ANSELMO DE ANDRADE DEPARTAMENTO DE 1º Ciclo - Grupo 110. Planificação Anual /Critérios de avaliação

Português. Índice de aulas. Tipologias textuais

EXTERNATO S. VICENTE DE PAULO Lisboa DEPARTAMENTO DE LÍNGUA MATERNA E HUMANIDADES DOMÍNIOS 1.º PERÍODO 2.º PERÍODO 3.º PERÍODO

Novo Programa de Português do Ensino Básico

Formato dos Dicionários Unitex-PB

USO DA CRASE. Bruna Camargo

Extensivo Aula 4 Apostila 1. Classes de Palavras 1: Artigo e Numeral

Planificação Longo Prazo

CAPÍTULO 1 O ESTUDO DAS PALAVRAS

BOLSÃO 2017 / 6º ANO

3. Sintagma. denominado núcleo, subdividimos os sintagmas em: nominal, verbal, adjectival, adverbial e preposicional. 3. Sintagma

Índice. Fonética e Fonologia 10 Fonética e fonologia 10 Vogais sua classificação 11 Ditongos sua classificação 12 Consoantes sua classificação

AMEI Escolar Língua Portuguesa 7º Ano Conhecimento Explícito da Língua

Curso: Letras Português/Espanhol. Disciplina: Linguística. Docente: Profa. Me. Viviane G. de Deus

DGEstE Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. Direção de Serviços Região Centro. Agrupamento de Escolas Figueira Mar LATIM A

368 ESPANHOL (NÍVEL- CONTINUAÇÃO 11.º ano)

Área Curricular Disciplinar - Português - 4.º Ano. Metas Curriculares (Programa de Português do Ensino Básico)

AULA 11. Sintaxe da oração e do período MINISTÉRIO DA FAZENDA

ESTRUTURA E FORMAÇÃO DE PALAVRAS. Patrícia Rocha Lopes

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE SAMPAIO

REVISÃO DE ANÁLISE SINTÁTICA Período composto

Capítulo 2 - Acentuação gráfica Regras gerais...10 Casos especiais...10 Prosódia...12 Exercícios...14

375 ESPANHOL (NÍVEL- INICIAÇÃO 11.º ano)

A LÍNGUA RUSSA GRAMÁTICA ELEMENTAR

Síntese da Planificação da Disciplina de Português-5.º Ano Ano letivo Período

Língua Portuguesa 8º ano

Conteúdos Curriculares 3.º ano PORTUGUÊS

A ARTE DA GRAMMATICA DA LÍNGUA PORTUGUEZA

Adjetivos e advérbios

Crase. A + A = À A + Aquele = Àquele

Os alunos fizeram uma visita ao zoológico, onde puderam observar várias espécies de animais.

Verbos PROFESSORA CAMILLA

: é o termo da oração que, através de um verbo, projeta alguma afirmação sobre o sujeito.

Classes de palavras: o pronome e o determinante

1. ARTIGO É uma palavra que determina outra classe de palavra chamada de substantivo. Divide-se em: - Artigo definido: o, a, os, as.

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS Nº1 DE GONDOMAR PLANIFICAÇÃO ANUAL DE PORTUGUÊS - 8º ANO 2014/20145

Transcrição:

Análise Interlinear morfema a morfema do poema 1 Na kal lingu ke n na skirbi 2 (de Odete Costa Semedo [com tradução feita pela própria]) Exemplificando a gramática do crioulo guineense CG Dra. Odete Costa 1.SG item gramatical analisado Incanha Intumbo incanha@yahoo.com.br 1 CG Na kal lingu ke n na skirbi PREP INTER língua REL 1.SG TMA escrever PORT em qual língua que eu escrever Em que língua escrever? 2a CG nha diklarason s di amor? POSS declaração PL PREP amor PORT minha declarações de amor as declarações de amor? NOTAS (resumo da gramática): 1.SG O pronome pessoal sujeito clítico da primeira pessoa do singular no crioulo, é a nasal velar /ŋ/ eu. Pode ocorrer sob a mesma forma, não apenas no crioulo mas também no balanta n ten eu tenho, bem como em algumas línguas africanas guineenses, tais como o mancanha n di ka, o manjaco ma n ka eu tenho, o papel (pepel) ndji ka eu tenho. Em algumas dessas línguas a nasal velar não representa o pronome pessoal clítico em causa, mas sim o segmento inicial do mesmo pronome. Isso leva me a concluir que etimologicamente as formas deste pronome nas línguas africanas da Guiné (pelo menos em algumas delas) podem estar relacionadas com a forma crioula. O nosso crioulo distingue, na série dos pronomes pessoais sujeito, as formas enfáticas (usados como reforço) das não enfáticas (de uso obrigatório). Os pronomes pessoais enfáticos nunca são 1 Trabalho revisto, após vários feedbacks positivos de compatriotas, manifestando interesse e solicitando a clarificação e desenvolvimento de alguns itens. Bem Hajam. Não calculava que esta rápida reflexão interessasse tanto a nossa comunidade. 2 SEMEDO, Maria Odete da Costa. Entre o ser e o amar. Bissau: INEP, Colecção Kebur, Nº 3, 1996. p.10 13. 1

argumentos do predicado (Kihm 1994:151 3 ): 2b CG I pati ami [agramatical] ( n) livru. 3.SG oferecer 1.SG ENF livro Ele oferecer me livro Ofereceu me um livro. Quer os enfáticos quer os não enfáticos, ambos podem desempenhar a função gramatical de sujeito porém apenas os não enfáticos ocorrem isolados como sujeito do verbo. Os enfáticos ocorrem sempre acompanhados dos não enfáticos, e apenas algumas formas dos não enfáticos podem desempenhar as funções de objecto directo, de objecto indirecto e de objecto de preposição (ibid). 3 CG N tene fidju matcu. 4 CG (Ami) N tene fidju matcu. CG* Ami N tene fidju matcu. [agramatical] 1.SG ENF 1.SG N.ENF tene fidju matcu. Eu eu ter filho macho PORT: Tenho um filho Os pronomes pessoais objecto de preposição são formalmente idênticos aos pronomes pessoais sujeito enfáticos sem o prefixo a nas duas primeiras pessoas. POSS Ø Declaração PL Veja se a ausência de concordância entre o núcleo nominal e o seu determinante, facto recorrente no crioulo guineense (cf. nota sobre o PL). TMA Pensa se que as formas verbais do crioulo guineense derivam da 3ª pessoa do singular do presente do indicativo das formas portuguesas. Há quem relacione a etimologia (a origem) das formas dos verbos do nosso crioulo ao infinitivo português, com a apócope da vibrante em final absoluto (r em final de palavra). Ora em palavras como lugar embora não sendo verbo, a vibrante final não caiu e continuamos a dizer lugar em crioulo. Ainda não se conseguiu relacionar a forma i (forma do verbo sedu ser 3 KIHM, Alain (1994). Kriyol Syntax: the portuguese based creole language of Guinea Bissau. Amsterdam, Philadelphia: John Benjamins. 4 No basilecto (kryol fundu) o género é marcado (normalmente nos nomes [+humanos] e por via lexical, i.e., pospondo aos nomes as palavras macho ou femia ( macho ou femea ) para o masculino ou feminino. No mesolecto e no acrolecto porém, pode usar se (de forma redundante) a marcação do basilecto e a marcação por sufixação, seguindo as regras do português. 2

distinta funcionalmente do pronome pessoal sujeito 3.SG) com o infinitivo do português ser com a apócope da vibrante. Mas é mais consensual a sua relação etimológica com a forma é (forma o verbo ser, na terceira pessoa do singular do indicativo presente). As gramáticas tradicionais das línguas românicas, a do português no caso, ensinam nos que a estrutura dos verbos é constituída por um radical (invariável nos verbos regulares), uma vogal temática (indica a conjugação a que o verbo pertence) e uma série de desinências, onde estão amalgamadas as informações do aspecto, tempo, modo, pessoa e número gramaticais. Assim por exemplo a forma verbal do português cantávamos pode ser decomposta em: cant a va mos RAD V. TEM IMP IND 1.PL Isto é, na forma verbal dada temos elementos que nos permitem deduzir que cantávamos é uma forma do verbo cantar da 1ª conjugação, na primeira pessoa do plural do imperfeito do indicativo. Ora no nosso crioulo as informações de tempo, de modo e de aspecto (TMA) são nos fornecidas pelos morfemas pré ou pós postos aos verbos, também chamados no campo da linguística de contacto de marcadores de TMA. São eles: os marcadores pré verbais {na e ta} enquanto que os pós verbais são {ba, dja e ba dja}. O marcador pré verbal na indica que a acção enunciada pelo verbo que lhe segue está em curso ou há de ocorrer num momento posterior. Por isso é chamado de marcador do progressivo ou do tempo futuro; O marcador ta indica que a acção ou o estado do verbo é recorrente, habitual. Também é usado para formular pedidos ou ordens que devam ser cumpridos, conforme a disposição do destinatário. É o marcador do habitual e pode servir como marcador do modo conjuntivo; Na posição pós verbal, o marcador ba indica que a acção ou o estado do verbo decorreu num momento anterior (marcador do anterior) e se combinado com o na pré verbal, indica que a acção estava em curso quando uma outra acção, também ela pretérita, decorreu; O marcador dja quando posposto a um verbo estativo (vulgo verbo de estado), indica que a acção teve um início e um fim num momento anterior. Embora os verbos não estativos (vulgo verbo de acção) quando não marcados com nenhum dos morfemas pós verbais possam indicar o anterior, frequentemente são marcados de forma redundante com esses morfemas (pós verbais); e a combinação ba dja indica que a acção ou estado do verbo ocorreu num momento anterior a outro momento, também anterior: 3

Progressivo/Futuro N na bay bias. Estou a viajar/viajarei. Vou viajar. Habitual/Conjuntivo N ta bay bias. Costumo viajar. Viajo sempre. Bu ta bin buskan. Vem buscar me (quando puderes). Anterior N bay ba bias. Viajava / Viajei. Completivo N Kume dja. (Já) Comi. +Anterior N bay ba dja bias. Tinha viajado Note se que a natureza do dja é ambígua, porquanto em determinadas estruturas funciona como um advérbio, noutras como um marcador de TMA (cf. Peck 1988, Kihm 1994). Das combinações de marcadores pré e pós verbais e do uso dos auxiliares bin vir, bay ir podem resultar outros tempos, aspectos e modos verbais complexos. CONDICIONAL N na bin ba Guiné eu PROG vir ANT Guiné Viria à Guiné IMPERFEITO CONJUNTIVO si N tene ba dinheru. se eu ter ANT dinheiro se tivesse dinheiro. PL A. Kihm (1994:129) nota que no nosso crioulo o morfema ba (ou ban, em Cacheu na Guiné Bissau e em Ziguinchor, no Casamance) pode preceder nomes próprios de pessoas para indicar a sua família, amigos etc. Kihm relaciona o ao prefixo da classe 2 /ba /, marcador do plural dos nomes humanos, presente em várias línguas da região, principalmente no manjaku (MANJ), balanta (BAL) e diola (DI) e papel (pepel). Note se que o ba (2.PL, Maristella 1985) do BAL (o lecto balanta que conheço) é a forma enfática de bi, pronome pessoal sujeito 3.PL, não enfático. 4a CG Ba Ntoni 3.PL António António e a sua família e os seus amigos 4

4b BAL Bi Ntoni 3.PL António António, a sua família e os seus amigos No mesolecto e no acrolecto o plural pode ser inferido a partir do contexto ou indicado morfologicamente através da sufixação do morfema de plural { s} aos nomes, especialmente os [+ humanos]. Por outras palavras, as variedades mesolectais e acrolectais marcam o plural através do mesmo processo morfológico usado no português e segundo Quint (2008, informação pessoal), a sintaxe do PL do crioulo guineense poderá estar relacionado também com a do mandinga, língua africana falada na Guiné Bissau, cuja morfologia na marcação do plural é via sufixação. Neste caso, a marcação do plural no crioulo guineense teria uma origem múltipla. Contudo, nas variedades basilectais apenas os núcleos nominais [+humanos] não precedidos de um quantificador (dus, tris manga del dois, três muitos ) recebem a3wa marcação morfológica do plural. Apesar destas diferenças entre si, todas as variedades do crioulo partilham o facto de os determinantes e os modificadores serem invariáveis e não receberem, por isso, qualquer marcação de número (cf. a nota sobre POSS Ø declaração PL). 5 CG mininu djiru menino SG inteligente SG um menino inteligente 6 CG mininu s djiru menino PL inteligente:sg uns meninos inteligentes 7 CG Na kal lingu ke n na kanta PREP INTER língua REL 1.SG TMA cantar PORT em qual língua que eu cantar Em que língua cantar? 8 CG storias ke n kont a du? histórias REL 1.SG RAD V.TEM PASSIVA PORT histórias que me conta do As histórias que ouvi contar? PASSIVA Os verbos transitivos do crioulo guineense aceitam o sufixo passivo du, certamente derivado da flexão do particípio passado do português do. A estrutura da voz passiva varia, desde a típica do português à estrutura passiva típica deste crioulo: o objecto directo da frase activa passa a ser o sujeito da frase passiva, o verbo da frase activa é conjugado com o auxiliar ser e é lhe sufixado o afixo do e o sujeito da frase activa passa a ser o complemento agente da frase passiva. No 5

crioulo também o objecto directo da frase activa passa a sujeito da passiva, o verbo da activa recebe o sufixo du (sem o auxiliar sedu ser ) e o complemento agente da passiva normalmente não é expresso. A estrutura típica do crioulo é a mais frequente, porque a sintaxe da voz passiva acrolectal gera confusões, sendo o sintagma preposicional frequentemente interpretado como objecto indirecto, devido a homofonia das preposições pa por e pa para. Quando simplesmente se transfere a sintaxe da voz passiva do português para crioulo e quando se lhe quer atribuir os mesmos grupos sintácticos pode induzir a erros, não só pela confusão entre pa por e pa para (Semedo 2008, informação pessoal). Para uma melhor clarificação do sentido da frase, o crioulo guineense adiciona opcionalmente uma oração a forma passiva. 9 CG Dan kume panket. ACTIVA SUJ V OD Dan comer panqueca A Dan comeu as panquecas. 10 CG Panket kume du. PASSIVA SUJ V PAS Panqueca comer do A panqueca foi comida. 11 CG i Dan ku kume l ser Dan que comeu a foi Dan quem a comeu. 12 CG Na kal lingu ke n na skirbi PREP INTER língua REL 1.SG TMA escrever PORT em qual língua que eu escrever Em que língua escrever? 13 CG pa n konta fasaña s di mindjer is PREP 1.SG contar façanhas PL PREP mulher PL PORT para eu contar façanhas de mulheres contando os feitos das mulheres 14 CG ku omi s di ña tchon? CONJ homem PL de POSS chão PORT com homens de minha terra E dos homens do meu chão? 6

15 CG Kuma ke n na papia di no omi s garandi, INTER INTER 1.SG TMA falar PREP POSS homem PL grande PORT como que eu FUT falar de nosso homens grande Como falar dos velhos, 16 CG di no pasada s ku no kantiga s? PREP POSS passado PL CONJ POSS cantiga PL PORT de nosso passado com nosso cantigas das passadas e cantigas RELATIVO Ku/ki, pronome relativo, conjunção ou preposição? A primeira constatação é que o ku divide se em dois o ku, eum dos seus alomorfes ki, ou o mais raro k, que. Introduz as orações relativas são introduzidas e o seu uso é obrigatório. Podem funcionar como sujeito ou objecto directo da oração relativa. C17 CG Omi [ku mora na e kasa] i pursor. homem REL morar em esta casa é professor O homem que vive nesta casa é professor. 18 CG Omi [ku bu odja] (i) kumpridu. homem REL 2.SG ver 3.SG alto O homem que viste é alto. A sua forma clítica ki pode ter resultado da assimilação do ponto de articulação da vogal i do pronome pessoal sujeito 3.SG. O emprego indiferenciado do ku ou ki ao que parece é livre. Porém dados empíricos mostram que o ku é mais basilectal (kryol fundu) e o ki é mais acrolectal (kryol lebi). Note se ainda que o ku pode ser uma conjunção coordenada copulativa, ami ku Djon eu e o João, bem como pode ser um pronome relativo (cf. os exemplos anteriores) e ainda uma preposição n diyanta ku nha amigu estou com o meu amigo. Não se confunda porém o ku com o ke (pronome interrogativo). 19 CG Pa n konta l na kriol? PREP 1.SG contar 3.SG PREP crioulo PORT para eu contar as em crioulo Falarei em crioulo? 7

3.SG Pronome pessoal clítico 3.SG, objecto directo. Segundo a convenção de Scamtamburlo 2007, deverá ser sufixado ao verbo. 20 CG Na kriol ke n na konta l! PREP crioulo REL 1.SG TMA contar a PORT em crioulo que eu FUT contar Falarei em crioulo! 21 CG Ma kal sinal ke n na disa CONJ INTER sinal REL 1.SG TMA deixar PORT mas qual sinal que eu FUT deixar Mas que sinais deixar. CONJ Conjunção adversativa. 22 CG Netu s di no djorson? neto PL PREP POSS 1.PL geração PORT netos de nossa geração Aos netos deste século? neto O objecto indirecto do nosso crioulo não é precedido de preposição ou de contracção de preposição. Os verbos ditransitivos requerem dois complementos, o objecto directo e o indirecto, sendo que a sua sintaxe dentro do sintagma verbal obedece a uma hierarquia: o verbo é seguido do objecto indirecto e só depois o objecto directo. 23 CG N da Djon karu. 1.SG dar João carro OInd OD Dei um carro ao João. 24 CG Ña rekadu n na disa l tambi na (u)n fodja. POSS recado 1.SG TMA deixar o também PREP IND folha PORT meu recado eu FUT deixar o CONJ em uma folha Deixarei o recado num pergaminho 8

NOTA SOBRE O SINTAGMA NOMINAL O sintagma nominal do crioulo guineense pode ser constituído: (a) exclusivamente pelo núcleo, seja este ocupado por um nome ou por um pronome; (b) pelo núcleo nominal e seus determinantes, quantificadores e/ou modificadores. Os determinantes especificadores do nome podem ser homónimos dos pronomes demonstrativos: e, es e ki (e parecem estar etimologicamente relacionados com esse e aquele do português), e são invariáveis quanto ao número e quanto ao género. A função desses constituintes é a de especificar os nomes que acompanham. O seu emprego dá um carácter específico ao nome (por oposição ao indefinido) e a sua ausência pode dar uma leitura genérica ao nome. Como já se disse, no nosso crioulo não há concordância de número e de género entre o núcleo nominal (normalmente marcado em número em todos os lectos, e em género apenas no mesolecto [ocasionalmente] e no acrolecto): 25 CG Omi s garandi Homem PL grande PL os velhos O paralelismo desta estrutura do sintagma nominal com a das línguas africanas vizinhas do crioulo guineense indica uma relação de influência estrutural das línguas africanas no crioulo. NOTA SOBRE O SINTAGMA VERBAL Os verbos adjectivais No crioulo guineense, tal como nas línguas africanas da Guiné, existe a categoria dos verbos adjectivais, i.e., alguns dos elementos conhecidos na gramática tradicional como adjectivos funcionam nestas línguas como verbos, podendo ser marcados com os morfemas de TMA para indicar o tempo o modo e o aspecto gramaticais. 26 CG N famozu ba. Eu Ø famoso TMA Eu era famoso Os adjectivos do português não têm estas propriedades. Esta exploração gramatical (análise) foi feita com base na convenção para a análise interlinear morfema a morfema de Leipzig (Leipzig Glossing Rules), edição revista de 2003. 9

ABREVIATURAS (i) item de uso opcional ANT anterior +ANT mais anterior AUX auxiliar BAL balanta CG crioulo guineense ENF enfático ENF Não enfático HAB marcador do habitual IND indicativo INTER interrogativo IMP imperfeito NUM numeral OD objecto directo OInd objecto indirecto PASS passiva PL plural / pluralizador PORT português POS possessivo PP particípio passado PREP preposição PROG marcador do progressivo RAD radical REL relativizador s singular SN sintagma nominal TMA marcador de tempo, modo ou aspecto V.ADJ verbos adjectivos V.TEM vogal temática 10