Como Viver com 24 Horas por Dia
ARNOLD BENNETT Como Viver com 24 Horas por Dia Tradução de: Maria Lucília Filipe Pergaminho
I O MILAGRE DIÁRIO Como Viver com 24 Horas por Dia 15
«Sim, ele é um daqueles homens que não sabem gerir. Tem uma boa situação. Um rendimento regular. O suficiente para luxos, à medida do que precisa. Não é propriamente extravagante. No entanto, o indivíduo está sempre em dificuldades. De certo modo, não tira proveito do seu dinheiro. Apartamento excelente meio vazio! Parece sempre que esteve a receber os agentes de seguros. Fato novo chapéu velho! Gravata magnífica calças deformadas! Convida -o para jantar: cristal lapidado borrego de má qualidade, ou café turco chávena rachada! Ele não consegue entender. A explicação é que ele malbarata o seu rendimento. Quem me dera ter metade do que ele tem! Eu mostrava -lhe» Também a maior parte de nós já criticou alguém, num ou noutro momento, no nosso tom de superioridade. Quase todos nós somos Ministros das Finanças: é o orgulho do momento. Os jornais estão cheios Como Viver com 24 Horas por Dia 17
de artigos a explicar como viver com esta ou aquela quantia e estes artigos provocam uma correspondência, cuja violência prova o interesse que eles despertam. Recentemente, num órgão diário, travou -se uma dura batalha em torno da pergunta sobre se uma mulher pode viver bem no país com 85 libras por ano. Vi um artigo com o título «Como viver com oito xelins por semana», mas nunca vi um artigo sobre «Como viver com vinte e quatro horas por dia». Diz-se que tempo é dinheiro. Esse provérbio subestima a situação. O tempo é muito mais do que dinheiro. Se tiver tempo pode, geralmente, obter dinheiro. Mas ainda que tenha a prosperidade de um empregado de vestiário do Hotel Carlton, não pode comprar nem mais um minuto do que aquele que eu ou o gato que está à lareira. Os filósofos explicaram o espaço. Não explicaram o tempo. Ele é a inexplicável matéria -prima de tudo. Com ele, tudo é possível e sem ele nada. A oferta de tempo é, verdadeiramente, um milagre diário, uma questão absolutamente surpreendente, quando a analisamos. Acorda de manhã e pronto! A sua bolsa fica magicamente cheia de vinte e quatro horas de tecido, não confecionado, do universo da sua vida! É vosso. É o seu bem mais precioso. Um bem extremamente singular que lhe é oferecido de uma forma tão singular como o próprio bem! 18 Arnold Bennett
Note -se! Ninguém lho pode tirar. Não é passível de ser roubado. E ninguém recebe mais ou menos do que você recebe. Falamos de uma democracia ideal! No reino do tempo não existe aristocracia pela riqueza, nem aristocracia intelectual. O génio não é premiado com uma hora extra do dia, sequer. E não há castigo. Desperdice, tanto quanto quiser, o seu bem mais precioso e o abastecimento nunca lhe será cortado. Não existe uma força misteriosa que lhe diga: «Este homem é um tolo, para não dizer que é um malandro. Não merece tempo. Vai ser -lhe cortado no contador.» É mais certo do que títulos de dívida pública consolidada e os domingos não afetam o pagamento do rendimento. Mais ainda, não pode levantar por conta do futuro. É impossível ficar a dever! Só pode desperdiçar o momento que passa. Não pode gastar o amanhã. Ele está -lhe reservado. Não pode gastar a próxima hora. Ela está guardada para si. Disse -lhe que se tratava de um milagre. E não é? Tem de viver com vinte e quatro horas de tempo diário. Dele tem de extrair saúde, prazer, dinheiro, conteúdo, respeito e a evolução da sua alma imortal. A sua correta utilização, a sua utilização de uma forma mais eficaz é uma questão da maior urgência e da mais premente atualidade. Tudo depende Como Viver com 24 Horas por Dia 19
disso. A sua felicidade o fugaz prémio a que todos nós aspiramos, meus amigos! depende disso. É estranho que os jornais, tão ativos e atualizados como são não estejam cheios de «Como viver com um determinado rendimento de tempo», em vez de «Como viver com um determinado rendimento de dinheiro»! O dinheiro é muito mais comum do que o tempo. Quando refletimos, apercebemo -nos de que o dinheiro é a coisa mais comum que existe. A terra está atafulhada de montes dele. Se não conseguimos imaginar viver com um certo rendimento económico, ganhamos um pouco mais ou roubamos ou publicamos anúncios para obtê -lo. Não embrulhamos, necessariamente, a nossa vida, porque não conseguimos viver com mil libras por ano, o que fazemos é apertar o cinto, contar os cêntimos e equilibrar o orçamento. Mas se não conseguimos que um rendimento de vinte e quatro horas por dia cubra perfeitamente todas as alíneas de gastos, a nossa vida fica definitivamente embrulhada. Embora a dose de tempo seja absolutamente regular, ela é cruelmente limitada. Qual de nós vive com vinte e quatro horas por dia? E quando digo «vive» não quero dizer «existe», nem «anda a marcar passo». Qual de nós está isento daquela incómoda sensação de que «grandes parcelas de gastos» da sua vida diária não estão a ser 20 Arnold Bennett
geridas como deviam ser? Qual de nós tem a certeza absoluta de que o seu elegante fato não está encimado por um chapéu vergonhoso ou que ao dar atenção à loiça não esqueceu a qualidade da comida? Qual de nós não estará a dizer para consigo ou não tem dito durante toda a vida: «Vou mudar isto quando tiver um pouco mais de tempo»? Nunca vamos ter mais tempo. Temos e sempre tivemos todo o tempo que existe. É a perceção desta verdade profunda e menosprezada (que, por acaso, eu não descobri) que me levou à análise prática de cada minuto da despesa de tempo diária. Como Viver com 24 Horas por Dia 21