Definição e alteração da energia livre da água no contexto da fisiologia vegetal

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Transcrição:

Definição e alteração da energia livre da água no contexto da fisiologia vegetal Carlos Henrique Britto de Assis Prado 1, Lis Schwartz Miotto 2, Luciane Pivetta 2, Marlei Leandro de Mendonça 2 1 Professor Titular do Departamento de Botânica da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil 2 Ex-alunas do curso de graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil Envie as suas sugestões até final de novembro de 2017 para o e-mail teachingplantphysiology@gmail.com 1 - Introdução Água líquida é onde a vida surgiu, acontece e evolui. A estrutura e as propriedades físico-químicas da água são essenciais em processos como fotossíntese, relações hídricas e nutrição mineral. A água líquida ou sua transformação para vapor está diretamente relacionada com a manutenção da turgescência para o crescimento, do fluxo em massa para a distribuição de solutos em longa distância e resfriamento da folha em trabalho fotossintético. A água é o veículo de transporte de longa distância pelo e no transporte de curta distância por meio da embebição e osmose. Esses fenômenos de transporte são vitais e dependentes de água líquida no corpo da planta. Na interface folha-atmosfera a passagem do estado líquido para o gasoso e a difusão do vapor de água para o exterior são, respectivamente, eventos de dissipação térmica e de transporte por difusão. A dissipação térmica por transpiração viabiliza a exposição prolongada da folha à irradiância solar e a difusão de vapor mantem a sucção da coluna de água distribuindo nutrientes pelo corpo. A molécula de água apresenta um átomo de oxigênio com elevado valor de eletronegatividade (3,5). Inferior somente ao do flúor (4,0) na tabela periódica. Ligado covalentemente ao oxigênio há dois átomos de hidrogênio com eletronegatividade bem 1

menor (2,1). Essa diferença entre átomos de oxigênio e hidrogênio resulta em maior probabilidade de o elétron ser encontrado próximo ao oxigênio na água. O efeito dessa desigualdade eletrônica é a formação de um dipolo, com polos positivos próximos aos hidrogênios e o negativo próximo ao oxigênio. A constante dielétrica da água, uma grandeza que representa a polaridade das moléculas, é uma das maiores entre os solventes. Portanto, a água é um meio eficaz para a interação com outras substâncias que apresentem polos ou cargas, mas não com substâncias apolares. De fato, é difícil misturar óleo, praticamente apolar, e água, elevada polaridade. Os elevados pontos de fusão e ebulição são atribuídos à considerável energia requerida para romper interações polares hidrogênio-oxigênio entre moléculas de água. Essa propriedade de coesão das moléculas confere integridade física a um volume de água sob forças externas como a tensão durante a sucção da copa. Devido à elevada constante dielétrica o dipolo água adere às superfícies sólidas ou semi-sólidas que apresentem ao menos um pouco de polaridade como madeira, papel, solo, parede celular. Mas dificilmente a água adere às superfícies com polaridade reduzida como metais e gorduras. Assim, além de ser coesa por meio de interações entre suas moléculas a água é também capaz de aderir em superfícies chamadas de forma conveniente em relações hídricas como superfícies molháveis. Coesão da coluna de água e adesão às superfícies são eventos importantes para o transporte do fluxo em massa de água da raiz à copa. 2 - A energia potencial da água, energia livre da água, ou simplesmente potencial hídrico A energia potencial de um corpo como uma massa de água pode se manifestar a qualquer momento. A própria posição da massa de água em relação ao nível do solo modifica sua energia potencial. Mais elevada a massa de água, maior a energia potencial. 2

No contínuo solo-planta-atmosfera a água ocupa uma posição em altura definida na coluna que forma no xilema. Para cada altura a massa de água apresenta uma energia potencial correspondente. A energia potencial pode ainda estar contida na capacidade da água se movimentar em um fluxo em massa, por exemplo, por meio de pressão ou de tensão no xilema. A tensão é originada quando o volume de água está sob sucção. A pressão sobre a coluna de água é originada no sistema radicular. Pressão e tensão podem ser expressas em unidades de força por área. Por outro lado, a energia potencial do volume de água tem origem também na capacidade desse volume de realizar interações químicas envolvendo a eletrosfera da molécula de água. Essa energia potencial química também interessa de forma especial no movimento da água no corpo da planta. A energia química pode convenientemente ser convertida também em unidades de pressão como veremos a seguir. As interações químicas da água com outras moléculas ocorrem por solvatação de um soluto ou por adesão da água em uma superfície molhável. É possível converter o potencial químico da água medido em Joule (energia) em unidades de pressão, força por área. A conveniência nesse caso em Fisiologia Vegetal é que tanto o transporte de longa distância (causado por tensão e pressão) como no de curta distância (causado por difusão, embebição ou osmose) a energia potencial da água será expressa sempre em pressão. Isso facilita muito a previsão do movimento da água tanto em longa ou em curta distância no corpo da planta, pois a água sempre irá de um local com maior energia livre, maior pressão, para um local com menor energia livre, menor pressão. As unidades de pressão geralmente são expressas em atmosfera (atm), milímetros da coluna de mercúrio líquido (mm Hg), em bar (bar), ou em Pascal (Pa). Essa última é a mais utilizada em Fisiologia Vegetal. A unidade em Pa é pequena, mas multiplicada por 10 6 resulta em mega Pascal (MPa) que é fácil de trabalhar, pois 1,0 MPa é muito próximo de 10 atmosferas. A unidade mais conveniente para a energia contida na 3

água é o Joule (J), pois pode ser convertida em pressão quando se trata de água, como descrito a seguir. O Joule equivale ao produto da força, Newton, pelo deslocamento em metros de um determinado corpo: J = N m (I) Em que: J = Joule N = Newton m = metro A capacidade de energia associada à água deve considerar o volume dessa substância. É interessante e possível atribuir uma quantidade de energia, por exemplo em Joule, para uma quantidade de volume de água, por exemplo, em m 3. Portanto, é possível expressar a quantidade de energia (J) por volume de água (m 3 ). Ao dividir Joule, Newton por metro na fórmula I acima, por um volume de água como por metros cúbico o resultado é Newton por metro quadrado: N m m 3 = N m 2 (II) 4

O produto N m -2 é uma unidade de pressão, força por área, exatamente 1 Pascal (Pa). Essa unidade é pequena para os valores frequentemente utilizados em relações hídricas nas plantas. Por exemplo, um Pascal equivale somente a 10-5 atmosferas. Dessa forma, é conveniente multiplicar Pascal (Pa) por várias ordens de grandeza, como 10 6, resultando em mega Pascal (1 MPa = 10 6 Pa). A unidade MPa é prática e a usual nos problemas de relações hídricas em plantas. A energia livre da água, o potencial hídrico, é simbolizado pela letra grega psi maiúscula ( ) e representa a energia da água disponível para realizar trabalho, ou seja, a energia potencialmente livre na água. Essa energia poderá ser liberada a qualquer momento. O potencial hídrico pode ser alterado pela temperatura, pela gravidade, ou pelo contato da água com solutos ou com superfícies molháveis. Portanto, a energia livre da água está relacionada tanto à cinética das moléculas em uma coluna de água no xilema (transporte de longa distância) quanto às propriedades físico-químicas da água solvantando solutos no protoplasto ou aderindo às superfícies como na parede celular (no transporte de curta distância). A água pura livre de solutos e de superfícies de contato, sob pressão e temperatura ambiente constantes apresenta uma energia livre adotada como a energia de referência para o potencial hídrico. Essa energia pode ser alterada, ou seja, aumentar ou diminuir. A referência padrão conveniente adotada para a água pura livre de solutos e superfícies de contato sob pressão e temperatura ambiente constantes é o zero de energia, ou seja, 0,0 Joule, 0,0 J. Qualquer mudança de temperatura ou pressão, um contato com superfícies molháveis ou a solvatação de moléculas capazes de interagir com a eletrosfera da água irá alterar a energia livre da água pura. Portanto, o potencial hídrico pode ser alterado para valores menores que a referência, menores que zero atingindo valores negativos ou maiores que a referência, maiores que zero em direção a valores cada vez mais positivos. 5

Outro fator que altera de forma significativa a energia livre da água é a gravidade, principalmente quando a água forma uma coluna contínua e na vertical, perpendicular à superfície do solo. Devido à força gravitacional a pressão que a água exerce sobre ela mesma depende da altura da coluna contínua de água. Maior a coluna maior a pressão na sua base. Portanto, a pressão hidráulica em uma coluna de água é sempre maior na base rente ao solo. Com essa alteração devido à gravidade o potencial hídrico é alterado ao longo de uma coluna íntegra de água. Por exemplo, a cada 10 m de altura a pressão aumenta 0,1 MPa na base da coluna d água. No, entanto, se a força gravitacional for alterada é claro que a pressão na base da coluna de água será também alterada. Por exemplo, próximo ao equador terrestre a influência da força da gravidade é menor na base dessa coluna. A energia livre da água alterada por solutos, superfícies molháveis, pressão ou força gravitacional é calculada de forma separada e não excludente. Por exemplo, em uma altura da coluna de água a adição de uma superfície molhável ou de um soluto irá alterar imediatamente a energia livre da água nessa altura, mas sem interferir na pressão hídrica na base dessa coluna. Portanto, soluto, superfície e pressão são considerados em separado para se obter a energia livre da água (o potencial hídrico). Da mesma forma, quando é exercida uma pressão a ação da água sobre os solutos ou sobre as superfícies não é alterada de forma significativa. Assim, é possível obter o potencial hídrico por meio da soma das diferentes interferências sobre a energia livre de um volume de água. A letra grega psi maiúscula ( ) do potencial hídrico também é usada para representar cada um dos fatores (pressão, presença de superfícies molháveis, força gravitacional) que podem alterar a energia livre da água de forma simultânea e não excludente. Para indicar cada um desses eventos é utilizada uma letra acompanhante à direta de. A energia livre alterada por pressão é grafada como p, pela gravidade como g, e alterada por superfície como m. Essa última não tem correspondência com a palavra superfície, pois o potencial hídrico alterado por superfície molhável é denominado 6

de potencial matricial, daí m. A energia livre da água alterada por solutos é grafada colocando a letra pi minúscula ( ) ao lado da letra resultando em, o potencial osmótico. Portanto, a energia livre final contida na água, o potencial hídrico da água ( ) é determinado pela somatória de p, g, m e, pois esses componentes não se excluem e são independentes: Ψ = Ψp + Ψg + Ψm + Ψπ (III) Onde: = potencial hídrico p = potencial de pressão g = potencial gravitacional m = potencial matricial = potencial osmótico Na figura 1 estão representados os fatores que condicionam a energia livre da água nas relações hídricas das plantas. Note que a água pode estar livre da atuação de um deles, ou em uma situação quando praticamente todos (como solutos, superfícies, pressão) são importantes atuando simultaneamente para determinar a energia livre da água, o potencial hídrico (. No caso das células vegetais os principais componentes da energia livre da água que definem o valor de são p e sendo p + Para a coluna de água no xilema é a força da gravidade ( g) e a tensão exercida pela sucção da copa, ou seja, a pressão com sinal negativo, a tensão (- p). 7

0,0 MPa Alteração da energia livre da água por gravidade, temperatura, pressão, superfície, soluto e tensão INFLUÊNCIA DA GRAVIDADE Exemplo: aumento da latitude e correspondente aumento da pressão na base de uma coluna de água + INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA Exemplo: exposição da planta ao frio AUMENTO DA 7/ 16 PRESSÃO Exemplo: entrada de água com o correspondente aumento de volume da célula e da pressão de parede + + Água pura sob temperatura e pressão constante - ADIÇÃO DE MOLHÁVEL Exemplo: contato da água com solo, parede celular, papel, vidro - INFLUÊNCIA DA GRAVIDADE Exemplo: diminuição da latitude e correspondente diminuição da pressão na base de uma coluna de água 8 - ADIÇÃO DE SOLUTO Exemplo: adição de solutos como óxidos, sais, proteínas, amido - INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA Exemplo: exposição da planta ou calor - AUMENTO DA TENSÃO Exemplo: tensão da coluna de água no xilema devido à sucção da copa.

Figura 1 - A linha horizontal representa a referência da energia livre da água (0,0 MPa). Nessa condição a água está livre de solutos e de superfícies molháveis, sob constante condições ambientais de pressão, temperatura e gravidade. As setas indicam o aumento (+) ou decréscimo (-) da energia livre da água alterada pela adição de superfície, soluto, mudança de temperatura, pressão ou gravidade conforme a latitude terrestre. A energia livre da água em uma determinada situação é condicionada por todos esses eventos que podem ser simultâneos. 3 Alteração da energia livre da água por superfície, gravidade, solutos e temperatura, pressão e tensão 3.1 - Alteração por superfícies molháveis O potencial hídrico diminui quando a água entra em contato com superfícies carregadas ou polarizadas, como as superfícies de papel, madeira, tijolo, concreto, amido, gelatina e as superfícies das partículas do solo. Esses materiais apresentam superfícies molháveis, pois são materiais que apresentam polos ou cargas em suas superfícies externa e interna. Adicionalmente, esses materiais podem apresentar uma grande área de contato com a água no seu interior devido à porosidade de seu volume, resultando em pequenos canais denominados de capilares. Alguns materiais molháveis como o amido e a gelatina não apresentam necessariamente poros, mas a água penetra em seus volumes molhando primeiro a parte mais externa e depois o interior. Os volumes capazes de aderir grande quantidade de água no seu interior são denominados de matrizes. A água adere imediatamente no exterior e penetra em direção ao interior da matriz formando uma franja (ou frente) de molhamento. Se a matriz for sólida e apresentar capilares finos (solo, tijolo, papel) a frente de molhamento se locomove rapidamente por esses capilares em direção ao interior da matriz. Se a matriz for semi-sólida e sem capilares (gelatina, massa de amido) a frente de molhamento se locomove mais lentamente em direção ao interior da matriz molhando molécula por molécula ou sucessivos aglomerados de moléculas. 9

A diminuição da energia livre da água por matrizes é grafada como m. A água aderida às superfícies apresenta movimentos de vibração, rotação e posição mais limitados, o que diminui sua capacidade de realizar trabalho químico. Portanto, a água aderida às superfícies molháveis apresenta energia livre menor em relação à mesma água fora da matriz (livre das superfícies de adesão). Dessa forma, a ação das matrizes diminui a energia livre da água por meio de suas superfícies molháveis. A origem da força capilar é a capacidade de adesão da água nas superfícies internas do capilar. Por exemplo, isso ocorre nos capilares do solo formados pelo espaço entre as partículas de argila, silte e areia, nos capilares da parede celular formados pelo espaço entre as fibras de celulose, ou em um capilar formado por um fino tubo de vidro. A água adere nas superfícies internas secas diminuindo a energia livre e se deslocando em direção à região que ainda não foi molhada no interior do capilar. O volume de água no centro do capilar que não tem contato com a superfície molhável apresenta uma energia livre maior e se desloca em direção à região de menor energia livre (próxima à superfície interna do capilar) movimentando o volume de água dentro do capilar em direção às superfícies ainda secas. Esse movimento resulta em um fluxo de água dentro do capilar que pode ser contra a força gravitacional elevando a coluna de água. Matrizes competem por água. É o caso da matriz orgânica como a parede celular (denominada também de matriz extracelular) e de uma matriz inorgânica (partículas de argila, silte e areia no solo). Essas duas matrizes em contato com uma solução competem pela água da solução. A água tende a entrar na parede celular, pois o diâmetro dos capilares da parede celular é menor que dos capilares formados entre as partículas do solo. Ou seja, a força capilar é maior na parede celular que no solo e a água tende a sair do solo e entrar (embeber) a parede celular. Esse é o início da absorção de água por um pelo radicular em contato com a solução do solo. Uma fórmula simples para calcular a energia livre da água em matrizes porosas com capilares: 10

Ψm = 0,291 D 1 (MPa) (IV) Onde: m = potencial hídrico da água em uma matriz porosa com capilares (MPa) D = diâmetro médio dos capilares na matriz porosa ( m) 3.2 - Alteração pela gravidade O efeito da gravidade condiciona o movimento da massa de água para baixo, em direção ao centro da Terra. A coluna de água, portanto, tende sempre a descer, a menos que uma força oposta de igual intensidade ao menos anule a força gravitacional. É possível isso ocorrer na planta. Devido à força de sucção da copa a coluna de água dentro do xilema não só para de descer, mas é elevada a até dezenas de metros em sentido contrário à força da gravidade. Na superfície próxima ao equador a influência da força gravitacional terrestre é menor sobre a energia livre da água. Na superfície próxima aos polos ocorre o contrário. Quando a Terra completa a mesma volta em torno de seu eixo uma referência fixa na superfície próxima ao polo gira em menor velocidade que uma referência fixa na superfície próxima ao equador. Ou seja, a velocidade de um ponto fixo no equador é maior que nos polos enquanto a Terra gira, pois nosso planeta tem a forma aproximada de uma esfera. O formato da Terra é um elipsoide achatado nos polos. Em um mesmo giro a distância circular percorrida pela referência no equador é sempre maior em relação à distância circular percorrida pela referência no polo. Distância maior percorrida no mesmo tempo (um giro completo, duração de 24 horas) só é possível se a velocidade do ponto no equador for maior. Uma consequência dessa maior velocidade é que na região do equador os objetos tendem a ser arremessados para o espaço mais facilmente que nos polos. Portanto, os 11

foguetes são lançados o mais próximo possível do equador e não próximos dos polos. Partindo das estações de lançamento próximas ao equador os foguetes economizam combustível e aumentam a eficiência em relação à carga útil a ser lançada. Portanto, uma coluna de água na região do equador apresenta uma pressão em sua base um pouco menor que a mesma coluna de água colocada no polo, pois no equador a coluna de água tende a ser lançada para fora da Terra mais fortemente, aliviando um pouco o peso em sua base. Assim, no equador a pressão (componente positivo do potencial hídrico) é sempre menor em relação ao polo na mesma altura da coluna de água. A gravidade é, de fato, uma grandeza física variável. Ao nível do mar e a zero grau de latitude, no equador, a aceleração da gravidade é 9,7803 m s -2. A 40 e 80 graus norte ou sul ao nível do mar a aceleração da gravidade aumenta para 9,8017 e 9,8306 m s -2, respectivamente (Lopes, 2008). No entanto, o potencial gravitacional ( g) dificilmente é considerado em função da latitude em Fisiologia Vegetal, pois tratamos as relações hídricas de uma célula, órgão, tecido, indivíduo ou d e uma população de plantas em latitudes e altitudes muito próximas em um mesmo experimento. No caso de plantas, principalmente árvores altas, a gravidade atua alterando a pressão nas diferentes alturas da coluna d água, isso sim é significativo, a massa de água e o peso correspondente na mesma coluna. Nesse caso, a pressão devido à gravidade deve ser considerada em função da altura da coluna. Para fins de Fisiologia Vegetal, a cada 10,0 m a pressão na base de uma coluna de água aumenta em uma atmosfera, cerca de 0,1 MPa. Ou seja, para manter parada a coluna de água na vertical sem que a massa de água desça é necessário aplicar uma força de 0,1 MPa a cada 10 metros de altura nessa coluna d água dentro do xilema. Podemos considerar esse valor como geral para o xilema em todas as plantas vasculares, pois admitimos a massa de água utilizando sempre o mesmo valor da aceleração da gravidade (9,81 m s -2, um valor para latitudes medianas, 45 graus norte ou sul). A força exercida principalmente pela folhagem da copa e denominada de sucção da copa é a responsável por manter a coluna de água contra a força gravitacional ou mesmo 12

vencendo essa força e puxando a coluna para cima. O mesmo valor da aceleração da gravidade atua ao longo da coluna de água (considerado como 9,81 m s -2 ). A variação da gravidade em função da altura também existe (Lopes, 2008), mas é desprezível mesmo para as árvores mais altas como as sequoias com cerca de 100 m de altura. 3.3 - Alteração por solutos e temperatura O componente que influencia a energia livre da água por meio de solutos e da temperatura é denominado de potencial osmótico ( π). Muitos sólidos podem ser solvatados por água, ou seja, totalmente envolvidos por uma camada de moléculas de água que isola cada uma das partículas do sólido na solução formando uma capa de solvatação envolvendo o sólido solúvel. Não é o caso de óleos, gorduras e de alguns sólidos como os metais que praticamente não apresentam polos ou cargas em suas superfícies e a água pouco consegue aderir no seu exterior. No processo de solvatação do soluto a energia livre da água é alterada. A água interage por meio de polos ou cargas do soluto. Nessa interação a água diminui a energia cinética molecular, pois está conectada eletronicamente ao soluto. Nessa situação, são limitados os movimentos de vibração, rotação e mudança de posição das moléculas de água. Portanto, potencialmente, a energia química da água é menor nessa situação associada ao soluto. A adição de solutos em um volume determinado de água (aumento da concentração do soluto) diminui a energia livre, diminui o potencial hídrico. Onde não há soluto dissolvido como na água pura sem estar sob adicional pressão, tensão ou aderida às superfícies molháveis o valor de potencial hídrico é zero (Figura 1). Ao adicionarmos um soluto à água pura de referência o potencial hídrico diminui, tornando-se negativo ( < 0,0 MPa, Figura 1). 13

Por outro lado, se aumentarmos a temperatura da solução, as moléculas de água aumentam sua vibração, rotação e frequência de mudança de posição. Nessa situação há um aumento da energia cinética das moléculas de água. Nesse caso a energia livre também diminui após o aumento da temperatura, pois parte do trabalho químico possível de ser realizado ocorreu com a maior vibração, rotação e frequência de mudança de posição. Dessa forma, com o aumento da temperatura, o potencial hídrico ou energia potencial da água, é reduzida (Figura 1). O potencial osmótico ( π) considera simultaneamente o efeito da temperatura e da concentração de solutos sobre a energia livre da água em uma solução, em componentes diferentes em uma mesma fórmula. Nesse caso não há soma e sim multiplicação, pois os componentes temperatura e concentração atuam sinergisticamente sobre a energia livre da água. A concentração é expressa em molal para o soluto e a temperatura em Kelvin para a solução (solvente e soluto). O número de moles de um soluto por kg de solvente (molalidade) é a melhor forma de expressar a concentração quando tratamos da energia livre da água em solução. Por meio da molalidade é possível obter a osmolalidade, que considera o número de moles de partículas osmoticamente ativas por kg de solvente, expressa em osmol. A osmolalidade é diretamente proporcional às propriedades coligativas das soluções, como a pressão osmótica, a elevação do ponto de ebulição, de congelamento e a depressão da pressão de vapor após adição de partículas osmoticamente ativas. Dessa forma é importante não só o número de moles do soluto na solução, mas o número de partículas osmoticamente ativas que cada molécula do soluto originou após a solvatação. Por exemplo, um mol de NaCl adicionado a um kg de água origina cerca de 1,8 moles de partículas osmoticamente ativas (Na + e Cl - ) sob 25 C. Poderia originar 2 moles de partículas osmoticamente ativas, mas o que ocorre não é a dissociação total de NaCl nessas condições: 14

[Na + ]+ [Cl ] [NaCl] = 1,8 (V) Cada soluto apresenta uma interação com a água, originando um número de partículas osmoticamente ativas. Por exemplo, a sacarose (C12H22O11) não tem cargas como o cloreto de sódio acima (NaCl) e também não se dissocia na água originando outras partículas osmoticamente ativas. Para cada mol de sacarose em solução aquosa existe o mesmo número (um mol) de partículas osmoticamente ativas. Cada soluto apresenta uma constante de dissociação originando um número determinado de partículas osmoticamente ativas em solução aquosa. Portanto, em conjunto com a temperatura e a concentração, a constante de dissociação também deve ser considerada para o cálculo do efeito de solutos sobre a energia livre da água. A constante de dissociação (i) não apresenta unidades. Essa constante, na verdade, é dependente da temperatura e da concentração do soluto, mas não da pressão sobre uma solução. Em Fisiologia Vegetal o valor de i é geralmente tratado independentemente do número de moles do soluto e da temperatura da solução. Cada soluto apresenta um valor de constante de dissociação. A constante de dissociação pode ser definida como a relação entre o número de partículas do soluto originado da sua dissociação e o número inicial de moléculas do soluto (fórmula V). Alterações nos valores de i para um mesmo soluto geralmente não são considerados em Fisiologia Vegetal, mas podem ser ocasionadas por: 1) soluções com elevada concentração, 2) alterações imprevistas das forças intermoleculares na solução, 3) reações soluto-solvente, 4) formação de moléculas complexas na solução após a adição do soluto. 15

A concentração, a temperatura e a constante de dissociação de um soluto são considerados como componentes que determinam π em uma solução, por meio da equação de Van't Hoff: Ψπ = i C R T (VI) em que: R = constante de proporcionalidade (0,00831 kg MPa mol 1 K -1 ) T = temperatura absoluta (em K) C = concentração do soluto na solução, em molal, ou seja, moles de soluto por kg do solvente (mol kg -1 ) i = constante de dissociação. 3.4 - Alteração por pressão e tensão A pressão hidrostática de uma solução é grafada como p. O efeito da pressão aumenta a energia livre da água (Figura 1). Por exemplo, quando há entrada de água na célula ocorre o correspondente aumento de volume, pois não é possível comprimir água líquida. Esse aumento de volume empurra a parede celular. Por reação mecânica a parede empurra o protoplasto com força em sentido contrário pressionando o protoplasto em direção ao interior celular. Essa pressão aumenta a energia livre da água. Um exemplo macroscópico é a pressão de um embolo em uma seringa. Se o embolo é pressionado empurrando a água dentro da seringa a tendência é a água do interior da seringa sair, pois com o aumento da energia livre dentro da seringa a água caminha para (em direção) a região de menor pressão para fora da seringa onde apresentará menor energia livre sem a pressão do embolo. 16

Outro exemplo é a pressão que a coluna de água exerce sobre o seu próprio volume quando a água é posicionada em uma coluna na vertical. A cada 10 metros ocorre uma pressão equivalente a uma atmosfera (cerca de 0,1 MPa, 760 mm Hg, ou 1,0 bar) sobre a coluna de água como descrito no item anterior. Essa pressão existente na coluna de água é consequência da força da gravidade sobre a massa de água posicionada na vertical. Uma árvore com 30 m de altura mantém a coluna de água sem movimentação e na vertical dentro do xilema exercendo uma força contrária à força gravitacional por meio da sucção da copa. Essa força contrária à pressão é denominada de tensão ou força de sucção. Sucção é uma força oposta à pressão e diminui a energia livre da água (Figura 1). Assim, pressão e tensão assumem valores opostos (+ e -, respectivamente), pois apresentam ação oposta na alteração da energia livre da água. A copa deve exercer sobre a coluna de água uma intensa sucção não só para manter essa coluna parada na vertical, mas também para movimentá-la em direção às folhas no sentido contrário ao da gravidade. Dentro do xilema, a coluna de água está em constante tensão, em movimento em direção à copa, e com valores negativos de energia livre (Figura 1). Síntese A água líquida é o meio e o veículo essencial para o metabolismo vegetal. A água é reativa e apresenta energia potencial química por meio de sua eletrosfera. A água é coesa e se movimenta em um fluxo em massa e apresenta energia potencial por meio de seu movimento ou posição em uma coluna hídrica. A energia potencial da água pode se manifestar a qualquer momento e pode ser alterada por meio de solutos, superfícies, pressão, sucção, gravidade e temperatura. A solvatação de solutos e a adesão da água em superfícies ocorrem devido à interação de polos ou cargas desses sólidos com os polos positivo e negativo da água. A pressão sobre a água aumenta o valor do potencial hídrico 17

devido ao movimento cinético potencial que proporciona, ou seja, um fluxo potencial em massa. Por outro lado, a sucção ocasiona uma tensão no volume, no sentido contrário da pressão e diminui a energia livre da água. A variação da força gravitacional não é considerada significativa nos problemas de Fisiologia Vegetal, pois tecidos, indivíduos e populações de plantas são analisados geralmente em uma mesma latitude e altitude na Terra, sem variação significativa do valor da aceleração da gravidade. A influência da temperatura sobre o potencial hídrico é tratada de maneira conjunta com a concentração de solutos por meio da lei de Van t Hoff. O aumento da temperatura causa maior vibração, rotação e mudança de posição das moléculas de água diminuindo o potencial hídrico, pois uma parte desse trabalho já foi executado por meio da maior cinética molecular imposta pelo aumento da temperatura. As variáveis como pressão, gravidade, superfícies de adesão e concentração de solutos são independentes e não se influenciam significativamente na determinação do potencial hídrico. No entanto, a temperatura deve ser considerada em conjunto com a concentração expressa em molal na fórmula de Van t Hoff. 18