EMPREGO DE MATERIAIS COMPÓSITOS NA ELABORAÇÃO DE UM TREM DE POUSO PARA UMA AERONAVE RÁDIO-CONTROLADA

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Transcrição:

EMPREGO DE MATERIAIS COMPÓSITOS NA ELABORAÇÃO DE UM TREM DE POUSO PARA UMA AERONAVE RÁDIO-CONTROLADA EVALUATION OF HYBRID COMPOSITE FOR LANDING GEAR USED IN RADIO-CONTROLLED AIRCRAFT Marcos Estevão Assumpção (1) Gláucio Cardoso Laun Nacif (2) Túlio Hallak Panzera (3) André Luis Christoforo (4) Cristiano Gabriel Persch (5) Resumo O evento SAE Aerodesign acontece anualmente em São José dos Campos desde 1999, visando à competição entre aeronaves de pequeno porte construídas por equipes de alunos de graduação em Engenharia das principais Universidades do Brasil e do Exterior. A aeronave deve apresentar elevada eficiência estrutural e carregar o máximo possível de carga, atendendo às exigências de projeto da competição. A equipe Trem Ki Voa, da Universidade Federal de São João del-rei, participou da competição de 2009 projetando uma aeronave monoplano de asa alta e empenagem bi-plana, com trem de pouso triciclo. Este trabalho apresenta o projeto estrutural do trem de pouso, materiais e os respectivos processos de fabricação, sendo utilizados o Método de Elementos Finitos e ensaios mecânicos para verificação e validação do dispositivo. Além das características estruturais, o trem de pouso deve apresentar uma combinação adequada entre fator de amortecimento e mínima deformação sob carregamento máximo. O método de seleção foi fundamental na escolha do material, garantido as melhores propriedades do compósito híbrido. Os modelos bidimensionais e unidimensionais apresentaram resultados próximos. A metodologia adotada mostrou-se fundamental para a obtenção de uma estrutura com desempenho desejável, além de facilitar o desenvolvimento de futuros projetos. Palavras-chave: Aerodesign. Elementos finitos. Materiais compósitos. Trem de pouso. 1 Acadêmico de Engenharia Mecânica, Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de São João Del-Rei, UFSJ, E-mail: meassumpcao@yahoo.com.br 2 Acadêmico de Engenharia Mecânica, Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de São João Del-Rei, UFSJ, E-mail: glauciolaun@yahoo.com.br 3 Engenheiro Mecânico, Dr. em Engenharia Mecânica, Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de São João Del-Rei, UFSJ, E-mail: panzera@ufsj.edu.br 4 Engenheiro Civil, Dr. em Engenharia de Estruturas, Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de São João Del-Rei, UFSJ, E-mail: alchristoforo@ufsj.edu.br 5 Acadêmico de Engenharia Civil, Departamento de Estruturas e Construção Civil, Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, E-mail: cristianog.persch@bol.com.br

Abstract SAE Aerodesign competition has been held annually in São José dos Campos since 1999. The small-sized aircrafts are built by teams of undergraduate students from the main engineering universities in Brazil and abroad. The aircraft must have a high structural efficiency and maximum load capacity according to the design requirements provided by the competition. The "Trem Ki Voa" team from Federal University of São João del-rei participated in this competition in 2009 by designing a high-wing monoplane and bi-plane empennage aircraft with tricycle landing gear. This work presents the structural design of the landing gear including the material development and the manufacturing processes through the use of finite element method and mechanical testing in order to verify and validate the device. In addition, the landing gear must provide a combination of damping factor and minimal deflection under maximum load. A hybrid composite was set based on the structural analysis ensuring the required properties. The one-dimensional and two-dimensional models showed similar results. The methodology was essential to obtain a structure with desirable performance and facilitate the development of future projects. Keywords: Aerodesign. Finite elements. Composite materials. Landing gear. 1 Introdução A SAE Brasil, Sociedade de Engenheiros da Mobilidade, trouxe dos EUA em 1999 a competição SAE Aerodesign que propõem aos estudantes de engenharias, física e ciências aeronáuticas o desafio de projetar e construir um VANT, Veículo Aéreo Não Tripulado. Além disso, este evento visa propiciar o intercâmbio e a difusão de técnicas e conhecimentos na área de engenharia aeronáutica. As equipes separadas em três classes de projeto, sendo estas regular, aberta e micro. A competição divide-se em duas etapas distintas para avaliação do projeto e do desempenho da aeronave. Dentre os principais quesitos analisados na etapa de projeto estão a aerodinâmica, estabilidade e controle, análise estrutural e desempenho. A segunda etapa consiste na competição propriamente dita, onde a aeronave é testada em sucessivas baterias, transportando cargas úteis sempre crescentes até as condições limites de cada projeto, sendo o vôo controlado e tendo 61 metros em linha para decolagem. A análise estrutural representa uma das etapas mais importantes do projeto, sendo essencial para a segurança em vôo. Dentre os vários componentes mecânicos da aeronave destaca-se o trem de pouso que, segundo Silva Junior (2004), possui as funções de dissipar energia de impacto durante o pouso e de prover os meios de manobra da aeronave em solo.

Na competição de 2008, o trem de pouso projetado, constituído de um compósito laminado de matriz polimérica reforçada com fibras de aramida (kevlar ), apresentou elevadas deflexões, tornando a aeronave relativamente instável além de limitar o levantamento da carga estimada em projeto. A elevada deflexão do componente promove a mudança do ângulo de ataque para a qual a aeronave foi projetada, diminuindo sua eficiência aerodinâmica, prejudicando a sua performance. Em 2009, a equipe de Aerodesign da UFSJ empenhou-se em projetar um novo trem de pouso para a aeronave. Este projeto teve como principais exigências as características de baixa densidade específica do material e rigidez moderada. A rigidez e resistência do material devem ser suficientes para garantir a segurança da aeronave com relação à falha, permitindo ainda boa absorção da energia do impacto no momento de aterrissagem e pequenas deflexões no momento da decolagem. Este trabalho objetiva apresentar a metodologia utilizada na criação do trem de pouso, geometria e materiais, enfatizando a caracterização dos materiais empregados assim como da importância da análise numérica na verificação do seu desempenho mecânico, permitindo o aperfeiçoamento deste componente estrutural por parte das equipes que venham a representar a UFSJ em eventos correlatos. 2 Materiais e Métodos Inicialmente, o desenvolvimento deste trabalho se deu pela seleção dos materiais compósitos envolvidos no projeto de trem de pouso, seguido das suas respectivas caracterizações via procedimentos experimentais, determinação das suas proporções ideais, simulação numérica do trem de pouso, através do uso elementos finitos uni e bidimensionais, e ensaio mecânico da estrutura para validar a eficiência da abordagem numérica utilizada. 2.1 Seleção dos Materiais A adequada seleção dos materiais a serem utilizados na construção do trem de pouso contou com o auxílio da Equação 1.

m 75 P L (1) A Equação 1 é resultado do arranjo algébrico da equação de deflexão máxima em um modelo de viga bi-apoiada com força pontual (P) aplicada no meio do vão, juntamente com o valor da máxima tensão normal de flexão (σ), da máxima deformação longitudinal e da densidade do material (ρ), sendo L a largura da peça, maior das dimensões da seção transversal. Maiores informações sobre o cálculo das tensões e deflexões de vigas, assim como para outros elementos estruturais podem ser encontrados nas obras de Crandall et al. (1978), Popov (1978), Higdon et al. (1981), Beer e Johnston (1995), Gere (2003), Hibbeler (2010) entre outros. A Equação 1 indica que os materiais mais adequados para a fabricação de um trem de pouso leve tendo baixa densidade especifica e elevada resistência a flexão são os que admitem os menores valores possíveis para a razão ρ/σ. Segundo Callister (2007), o inverso desta razão (critério de escolha) é tomado como um índice de desempenho (D), dessa forma, quanto maior o índice, mais adequado é o respectivo material. 2.2 Caracterização dos Materiais Os materiais compósitos estudados neste trabalho são os de fase matriz polimérica de epóxi (resina) e a fase dispersa de fibras bidirecionais de aramida e carbono. Em alguns casos as fibras foram usadas em conjunto, formando um compósito híbrido. Segundo Daniel (1994) um compósito híbrido tem como objetivo combinar propriedades de dois ou mais materiais, tornado possível a obtenção de um compósito que agregue as melhores propriedades de cada material utilizado. Diversas frações e disposições de camadas (condições) foram inicialmente propostas e testadas para fabricação dos corpos-de-prova (Figura 1), dando origem as seis condições experimentais (Tabela1), idealizadas a partir da condição 6 (C6), já desenvolvida e utilizada pela equipe em competições anteriores. As condições avaliadas objetivam verificar a influência da disposição e proporção dos materiais Kevlar e Carbono no desempenho mecânico do trem de pouso, visto a resistência a tração e densidade dos materiais serem diferentes, sendo as do Carbono superiores as das fibras de Kevlar. Dessa forma, uma maior parcela de Kevlar no composto confere menor massa ao trem de pouso, entretanto, conduzindo a uma menor resistência.

TABELA 1 - Disposição das camadas e dos materiais segundo as condições propostas. Condição Disposição das camadas Materiais C1 100% K K (Kevlar) C2 100% C C (Carbono) C3 0,5 C em cima - 0,5 K em baixo C4 0,3 C em cima - 0,5 K centro - 0,2 C em baixo 50% Carbono+50% Kevlar C5 0,2C em cima - 0,5K centro - 0,3C em baixo C6 0,3 C em cima - 0,7 K em baixo 30% Carbono+70%Kevlar Os compósitos foram laminados com dois milímetros de espessura, de acordo com a técnica wet-lay-up. Após o período de cura de sete dias em temperatura ambiente, os corposde-prova foram cortados nas dimensões 100 por 10 mm, obtendo cinco amostras por condição experimental (SILVA et al., 2011). O ensaio mecânico de flexão em três pontos foi realizado segundo as recomendações da norma britânica EN 2662:1997, sendo utilizada uma máquina de ensaios universal EMIC- DL500 com célula de carga de 500N (Figura 2). FIGURA 1 - Corpos-de-prova ensaiados. FIGURA 2 - Máquina de ensaio. A Figura 3 representa a relação entre tensões e deformações para um dos corpos-deprova das condições C1 e C2 juntamente com o de referência, feito apenas de resina epóxi.

FIGURA 3 - Comportamento tensão x deformação em compósitos e na resina epóxi. Ainda da Figura 3 é possível observar que cada um dos materiais avaliados apresenta ao menos uma característica tomada como essencial no projeto do trem de pouso, entretanto, em cada um dos materiais também está agregada uma propriedade não desejável, motivando a busca por um material compósito híbrido que apresente resistência e rigidez moderada. 2.3 Definição da Geometria Segundo os regulamentos da competição uma aeronave da classe regular não pode exceder a carga máxima de 20 kg. No projeto de 2009 a aeronave foi projetada para voar com no máximo 14,5 kg. Segundo Barros (2001), a carga de dimensionamento é definida como sendo o produto entre a massa total da aeronave, aceleração da gravidade, o fator de segurança e o fator de qualidade do material. O fator de segurança aqui adotado é de 1,2, valor este utilizado pela equipe Trem Ki Voa há alguns anos, e um fator de qualidade igual a 1,15, correspondente a classe dos materiais compósitos, conferindo a intensidade de 196,3 N para a carga de dimensionamento do trem de pouso. A deformação do trem pouso durante a corrida de decolagem tem grande influência sobre a eficiência aerodinâmica do projeto. Grandes deflexões podem acarretar em perdas na eficiência aerodinâmica e assim aumentar a distância de decolagem do avião, devido a um

aumento do arrasto gerado pela asa. Neste projeto, estipulou-se que a deflexão do trem de pouso na condição de carga máxima não deveria exceder três milímetros. A definição da configuração da aeronave depende da escolha do tipo de trem de pouso, sendo esta uma das premissas de projeto. Segundo Barros (2001), a configuração triciclo fixo (Figura 4) apresenta como vantagem grande facilidade de pouso, sendo adotada no projeto Aerodesign 2009. Assim como proposto por Raymer (1992), a dimensão da bitola do trem de pouso foi aqui determinada através do ângulo de turnover. A altura foi definida com base em projetos anteriores, onde a mínima distância entre a ponta da hélice e o solo deve ser de dois centímetros. A altura do trem de pouso calculada é igual a 60 mm (Figura 5), obtida subtraindo-se a distância do solo até a face inferior da estrutura da aeronave do raio da roda, de medida 50 mm. FIGURA 4 - Aeronave TKV 2009 com Trem de pouso em configuração triciclo fixo. FIGURA 5 - Dimensões do trem de pouso. 2.4 Avaliação Numérica do Trem de Pouso Essencialmente, a simulação numérica aqui desenvolvida respalda-se sobre algumas hipóteses simplificadoras de cálculo, como a da consideração de interface perfeita entre os materiais e isotropia das lâminas (camadas), entretanto, o intuito é o de verificar, mesmo com as simplificações assumidas, se os deslocamentos de ambos os modelos são capazes de prever, com boa aproximação, os que de fato ocorrem no compósito híbrido elaborado, permitindo o seu emprego no aprimoramento dos projetos deste componente para futuras competições. O esquema estrutural utilizado nas simulações é o mesmo do ensaio experimental realizado sobre o trem de pouso, ambos desenvolvidos a partir da melhor condição avaliada.

Cabe ressaltar que os deslocamentos de interesse são medidos logo abaixo dos pontos de aplicação das forças, locados nas posições A e B da Figura 5, devendo ser inferiores ao valor limite. As condições de vinculação utilizadas nas simulações foram de apoio fixo em C e móvel em D (Figura 5). A análise numérica do desempenho mecânico do trem de pouso foi realizada por intermédio do software ANSYS, fundamentado no Método dos Elementos Finitos. Para tanto, foram utilizadas duas metodologias distintas de cálculo, uma considerando-se elementos finitos bidimensionais e a outra considerando os elementos finitos unidimensionais (elementos de barra), a fim de verificar a eficiência de ambas mediante a comparação dos valores em deslocamentos encontrados com os obtidos da experimentação do trem de pouso. Para a análise em duas dimensões, estado plano de tensões e deformações, foi-se adotado um modelo bidimensional disposto em camadas (Figura 6), utilizando o elemento PLANE183 (Figura 7). Este elemento possui as versões de elementos quadrados e triangulares, com um numero de oito e seis nós respectivamente, possuindo dois graus de liberdade para cada nó. A espessura e as propriedades dos materiais, como módulos de elasticidades e coeficientes de Poisson são variáveis de entrada. Nesta analise adotou-se a geometria triangular para o elemento finito. FIGURA 6 - Modelo disposto em camadas.

FIGURA 7 - Elemento PLANE183 O elemento utilizado no modelo de vigas foi o BEAM3, elemento unidimensional que possui como características três graus de liberdade para cada nó, sendo dois nós para cada elemento (Figura 8). As variáveis de entrada são a área da seção transversal, momento de inércia da seção e as propriedades elásticas do material. FIGURA 8 - Elemento BEAM3. Para a simulação do trem de pouso com o uso de elementos de barra foi-se utilizado o módulo de elasticidade equivalente dos materiais, obtido através dos ensaios de flexão do compósito escolhido, diferentemente do modelo anterior que consistiu em separar as camadas dos materiais, analisando as propriedades individuais de cada material. Por se tratar de um elemento unidimensional, a definição da geometria consistiu em linhas onde suas coordenadas foram localizadas no centro geométrico da área das seções transversais, permitindo a comparação dos resultados entre os modelos propostos.

2.5 Construção e Ensaio do Trem de Pouso O molde para fabricação do trem de pouso foi construído em madeira, devido seu baixo custo agregado. A técnica empregada para a laminação das camadas foi a mesma utilizada na confecção dos corpos-de-prova. Depois de laminado, este foi colocado em uma bolsa de vácuo em uma estufa a temperatura de 90 C por cinco horas. Passados sete dias (período de cura) o trem de pouso foi retirado do molde e cortado nas dimensões de projeto, sendo ensaiado posteriormente. O ensaio para a determinação da deflexão máxima do trem de pouso foi realizado na Maquina Universal de Ensaios Emic-DL500, segundo o modelo de flexão estática a quatro pontos. Como comentado anteriormente, os dados deste ensaio foram utilizados para avaliar a eficiência dos modelos em elementos finitos utilizados na simulação do desempenho mecânico do trem de pouso. 3 Resultados e Discussões Os resultados obtidos das experimentações para as seis condições testadas assim como os das simulações numéricas do trem de pouso são apresentados nos itens subseqüentes. 3.1 Resultados experimentais dos compósitos investigados Os resultados aqui apresentados foram escolhidos com base na condição experimental (disposição e porcentagem de material por camada) que mostrou ser a mais adequada estruturalmente para a fabricação do trem de pouso. A Tabela 2 apresenta as propriedades físico-mecânicas dos materiais ensaiados juntamente com os seus respectivos índice de desempenho mecânico (D), tendo este último como unidade o quadrado da razão entre comprimento (metros) e tempo (segundos).

TABELA 2 - Propriedades dos materiais ensaiados Tensão máxima Módulo de Young Densidade D Condição Experimental (MPa) (GPa) (g/mm³) (m/s) 2 C1 151,62 8,68 1,05 1,44 10-5 C2 408,17 35,28 1,26 3,25 10-5 C3 304,12 17,36 1,18 2,58 10-5 C4 476,21 34,87 1,21 3,94 10-5 C5 335,65 21,12 1,21 2,78 10-5 C6 335,4 22,32 1,16 2,90 10-5 A Tabela 2 apresenta um comparativo entre os materiais investigados, lembrando que a escolha do mesmo é feita elegendo o de maior índice D. Constata-se que a condição C4 pode ser considerada a mais adequada, exibindo um valor de D igual a 3,94 10 5 (m/s) 2. Este comportamento pode ser atribuído pela elevada resistência a tração exibida pela fibra de carbono em comparação a fibra de aramida (Kevlar ). Por este motivo, a fibra de carbono foi usada nas posições mais afastadas do centro geométrico, onde as tensões normais são maiores. As fibras de aramida foram adicionadas entre as camadas de fibras de carbono garantindo uma menor densidade do compósito final. 3.2 Resultados das simulações numéricas Após a seleção do material que apresentou maior índice de desempenho partiu-se para simulação numérica do trem de pouso. Para a análise em camadas utilizou-se uma malha constituída por 9.008 elementos finitos, perfazendo um total de 18.893 nós, sendo necessários aproximadamente 15 segundos para o processamento. O valor do deslocamento obtido nesta simulação foi de 2,7556 mm (Figura 9), na direção do eixo y, medido nos nós 13.743 e 13.751, situados respectivamente nas faces superiores dos pontos A e B da Figura 5.

FIGURA 9 - Deslocamento em mm na direção y do modelo bi-dimensional em camadas. A análise numérica segundo o elemento de barra foi realizada com o emprego de 430 elementos finitos, sendo um milímetro a dimensão de cada elemento, totalizando 431 nós. O valor de deslocamento obtido nesta simulação foi de 2,7226 mm, na direção do eixo y, medido nos nós 138 e 139, com um tempo de processamento de aproximadamente 1,83 segundos. Os resultados em deslocamentos desta simulação estão apresentados na Figura 10. FIGURA 10 - Deslocamentos em mm na direção y do modelo barra. A Figura 11 exibe o gráfico que relaciona forças e deslocamentos obtidos durante o ensaio de flexão estática a quatro pontos do trem de pouso para a condição C4. Pela forte tendência de proporcionalidade entre força e deslocamento obtidos deste ensaio, inclusive para valores de deslocamentos superiores ao limite de deflexão máxima de projeto (3 mm), foi-se utilizado o método dos mínimos quadrados para o ajuste da função de reta (Figura 11), com R 2 igual a 0,97, permitindo relacionar os valores das forças aplicadas com os deslocamentos verticais obtidos. Sobre esta função, para um valor de força de intensidade 196,3 N o deslocamento obtido foi de 2,7924 mm. Cabe ressaltar que esta é a carga de dimensionamento calculada anteriormente, gerando um deslocamento muito próximo aos encontrados pelas simulações numéricas.

FIGURA 11 - Força (N) x deslocamento (mm). A Tabela 3 apresenta os valores dos deslocamentos obtidos da análise experimental juntamente com os encontrados da análise em elementos finitos. TABELA 3 - Comparação do deslocamento entre análise numérica e experimental. Deslocamento em Y Erro Tipo de Modelo (mm) (%) Número de Elementos Experimental 2,7924 - - Camadas 2,7556 1,3178 9008 Barras 2,7226 2,4996 431 O resultado do deslocamento obtido da análise numérica em camadas apresentou um erro percentual relativo de 1,3178% quando comparado ao encontrado na experimentação, mostrando ser uma excelente estratégia numérica utilizada na simulação do trem de pouso. Em relação à análise numérica com o emprego dos elementos de barra, o erro percentual encontrado foi de 2,4996%, mostrando ser esta uma metodologia alternativa à ser empregada na análise do trem de pouso. 4 Conclusões Dentre as seis condições avaliadas, o arranjo de materiais da condição C4 mostrou ser o mais eficiente. Esta condição foi capaz de reduzir o peso da aeronave em 54,2% do peso em

relação ao projeto de 2008, além de não apresentar deflexões que interferissem nas condições de decolagem e aterrissagem durante a competição de 2009. Mesmo com o uso de algumas hipóteses simplificadoras de cálculo assumidas para a análise numérica do trem de pouso, ainda sim os dois modelos propostos foram capazes de prever, com boa precisão, os deslocamentos encontrados do ensaio experimental. Entretanto, pela ordem de aproximação das simulações e pelo trabalho computacional envolvido, concluise que o modelo de barras se apresenta como o mais eficiente, devendo ser empregado na análise do projeto do trem de pouso para futuras competições. 5 Referências ANSYS Inc. Manual do software ANSYS 12.1. BARROS, C. P. 2001. Uma Metodologia para o Desenvolvimento de Projeto de Aeronaves Leves e Subsônicas. Belo Horizonte; CEA-EEUFMG. BEER, F. P.; JOHNSTON JR., E. R. Resistência dos materiais. 3 ed., Makron Books, São Paulo, 1995. 1255 p. CALLISTER, W. D. Jr. Materials Science and Engineering: an Introduction. 7a ed., Ed. John Wiley & Sons, Inc., 2007. CRANDALL, S. H.; DAHL, N. C.; LARDNER, T. J. An introduction to the mechanics of solids. 2. ed. Massachusettes Institute of Technology. McGraw-Hill, Inc, 1978. 628 p. DANIEL, I. M.; ISHAI, O. 1994. Engineering Mechanics of Composite Materials. New York: Oxford University Press. EN 2662, 1997. Carbon Fibre Reinforced Plastics Unidirectional Laminates Flexural Test Parallel to the Fibre Direction. British Standard Aerospace Series. GERE, J. M. Mecânica dos Materiais. Pioneira Thomson Learning Ltda., 2003. 698 p. HIBBELER, R. C. Resistência dos materiais. 7 ed., Person Prentice Hall, São Paulo, 2010. 637 p. HIGDON, A.; OHLSEN, E. H.; STILES, W.; WEESE, J. A.; RILEY, W. F. Mecânica dos Materiais. Editora Guanabara Dois S. A., Rio de Janeiro - RJ, 1981. 550 p. POPOV, E. P. Introdução à mecânica dos sólidos. Prentice-Hall, Inc, Englewood Cliffs, New Jersey, EUA, 1978. 534 p.

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