ANATOMIA FOLIAR DE ESPÉCIES BRASILEIRAS DE Smilax L.: S. quinquenervia Vell., S. Stenophylla A.DC. E S. subsessiliflora Duham

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Transcrição:

ANATOMIA FOLIAR DE ESPÉCIES BRASILEIRAS DE Smilax L.: S. quinquenervia Vell., S. Stenophylla A.DC. E S. subsessiliflora Duham Alessandra R. Guimarães* Regina Helena Potsch Andreata** Antônio de O. Dias Neto*** Maria Helena D. A. Monteiro **** RESUMO: Smilax L. está representado no Brasil por 32 táxons, conhecidos por salsaparrilha ou japecanga, que possuem grande interesse medicinal. No presente trabalho descreve-se a anatomia foliar de S. quinquenervia Vell., S. stenophylla A.DC. e S. subsessilifl ora Duham., com o objetivo de selecionar caracteres anatômicos que possam subsidiar a taxonomia de Smilacaceae. As folhas foram seccionadas em micrótomo manual do tipo Ranvier. Os cortes obtidos foram corados utilizando uma mistura azul de Astra - Safranina modificada e preparados em lâminas. Foram analisadas as porções medianas da lâmina foliar (região intercostal, bordo e nervura), do pecíolo (com as gavinhas) e da bainha. Secções transversais e paradérmicas foram preparadas de acordo com as técnicas usuais em anatomia vegetal. Os resultados revelam que as espécies possuem características em comum, tais como: epiderme uniestratificada, constituída por células poligonais em secção transversal e células com paredes anticlinais retas a levemente sinuosas em secção paradérmica; mesofilo homogêneo; feixes vasculares colaterais guarnecidos por bainha de fibras de esclerênquima; idioblastos contendo ráfides, imersos no mesófilo e lâmina foliar hipostomática, com estômatos dos tipos anomocítico e paracítico. Os resultados foram analisados em um contexto adaptativo e taxonômico. Sendo assim, a anatomia foliar fornece novas informações para as espécies, que apresentam estrutura foliar bastante semelhante à reportada para Smilacaceae. * Graduada em Ciências Biológicas; Bolsista PIBIC/CNPq no Laboratório de Angiospermas da Universidade Santa Úrsula. E-mail: alessandracastellan@gmail.com ** Doutora em Ciências Biológicas; Bolsista de Produtividade do CNPq; Docente da Universidade Santa Úrsula, Rio de Janeiro. E-mail: regina.andreata@gmail.com *** Graduado em Ciências Biológicas; Bolsista PIBIC/CNPq pela Universidade Santa Úrsula, Rio de Janeiro - Laboratório de Anatomia vegetal. E-mail: antonioanato@yahoo.com.br **** Doutora em Ciências Biológicas; Docente do Laboratório de Anatomia Vegetal na Universidade Santa Úrsula. E-mail: mhduraes@yahoo.com.br

78 Anatomia Foliar de Espécies Brasileiras de Smilax L.: S. Quinquenervia Vell... PALAVRAS-CHAVE: Smilax; Monocotiledôneas; Anatomia Foliar. LEAF ANATOMY OF BRAZILIAN SPECIES Smilax L.: S. quinquenervia VELL., S. Stenophylla A.DC. AND S. subsessiliflora Dunham ABSTRACT: Smilax L. in Brazil is represented by 32 taxa, known as sarsaparilla or japecanga, which have great medical interest. In this paper we describe the anatomy of S. quinquenervia Vell., S. stenophylla A.DC. and S. subsessiliflora Dunham. with the aim of selecting anatomical characters that can support the taxonomy of Smilacaceae. The leaves were sliced with a microtome manual type Ranvier. The sections were stained using a mixture Astra blue - modified Safranin and prepared on slides. It was analyzed the median portions of the leaf blade (intercostal region, edge and nerve), petiole (with tendrils) and the sheath. Cross and paradermic sections were prepared in accordance with the usual techniques in plant anatomy. The results show that species have common characteristics, such as epidermis, consisting of polygonal cells in cross section and cells with anticlinal walls straight to paradermic slightly winding section, homogeneous mesophyll, collateral vascular bundles stuffed by a sheath of sclerenchyma fibers ; idioblasts containing raphides, immersed in the mesophyll and leaf hipostomatic with anomocytic and paracytic types of stomata. The results were analyzed in an adaptive and taxonomic context. Thus, the leaf anatomy provides new information for the species, which have leaf structure quite similar to that reported for Smilacaceae. KEYWORDS: Smilax; Monocotyledonous; Leaf anatomy INTRODUÇÃO Smilax L. pertence às Monocotiledôneas sendo o maior dentro da família Smilacaceae, situada na ordem Liliales estreitamente relacionada à Philesiaceae e Ripogonaceae (APG II, 2003). É representada por cerca de 300 espécies distribuídas, principalmente, nas áreas tropicais e que apresentam sua maior concentração no sudeste asiático (KOYAMA 1983; DAHLGREN; CLIFFORD; YEO, 1985). No Brasil o gênero está representado por 32 táxons, conhecidos por salsapar-

Guimarães, Andreata, Dias Neto e Monteiro 79 rilha ou japecanga, cuja grande variabilidade morfológica dificulta o reconhecimento de suas espécies (ANDREATA, 1997; 2009). As plantas do grupo possuem importância medicinal reconhecida desde a antiguidade para o tratamento de algumas doenças como a sífilis e afecções cutâneas (MEDEIROS; VALLE; ANDREATA, 2007). Tal aspecto permitiu que as raízes das suas espécies fossem incluídas na Farmacopéia Brasileira (1929), que considera além da morfologia externa aspectos relativos à caracterização microscópica e histoquímica. A identificação taxonômica das espécies associada à caracterização morfoanatômica é de primordial importância para validação das atividades terapêuticas reportadas para o gênero, bem como para o controle de qualidade dos fitoterápicos elaborados a partir desta matéria-prima (ANVISA, 2000). É importante ressaltar, ainda, que a morfologia interna pode fornecer subsídios à taxonomia. Segundo Metcalfe e Chalk (1979) a anatomia pode ser utilizada para solucionar diversos problemas taxonômicos, possibilitando a separação das espécies com base em caracteres anatômicos. Na literatura brasileira são poucos os trabalhos sobre o gênero em questão que abordam tal aspecto, em especial das folhas, podendo-se citar os de Marquete e Pontes (1994) e de Martins e Appezato-da-Glória (2006). Tendo em vista, a importância do gênero na medicina popular, seu potencial para elaboração de fitoterápicos, bem como a escassez de informações sobre a farmacognosia das espécies brasileiras (MONTEIRO; ANDREATA, 1997), esse trabalho tem como objetivo estudar a anatomia foliar de S. quinquenervia Vell., S. stenophylla A.DC. e S. subsessilifl ora Duham., visando contribuir para o conhecimento da morfologia das espécies e para a taxonomia de Smilacaceae. 2 MATERIAL E MÉTODOS O material para estudo foi coletado em um fragmento de Floresta Atlântica no Sitio Xapuri, Município de Miguel Pereira, Estado do Rio de Janeiro, e inserido no Herbário da Universidade Santa Úrsula (RUSU) sob os seguintes números de coleta: C. S. Salgado 309 (S. quinquenervia), C. S. Salgado 307 (S. stenophylla) e A. O. Dias Neto 3 (S. subsessilifl ora). Para a coleta e herborização dos materiais, seguiram-se as técnicas usuais em taxonomia vegetal. As descrições vegetativas das espécies e os dados relativos à distribuição geográfica, habitat, nome popular e usos foram obtidos na bibliografia especializada. O estudo anatômico foi realizado com material fresco e fixado, preservado

80 Anatomia Foliar de Espécies Brasileiras de Smilax L.: S. Quinquenervia Vell... em etanol 70ª G.L. (JENSEN, 1962). Os cortes foram obtidos à mão livre com auxílio de micrótomo manual tipo Ranvier, corados utilizando uma mistura azul de Astra-Safranina modificada (BUKATSCH, 1972) e preservados em lâminas semi-permanentes montadas com glicerina a 50%. Foram analisadas as porções medianas da lâmina foliar (região intercostal, bordo e nervura, do pecíolo (com as gavinhas) e da bainha. Para o estudo das epidermes utilizou-se a dissociação pelo método de Jeffrey (JOHANSEN, 1940). O material foi corado posteriormente com Safranina hidroalcoólica (JOHANSEN, 1940). Na realização dos testes histoquímicos foram utilizados: Sudam III (JOHAN- SEN, 1940) para substâncias lipídicas, ácido clorídrico ou ácido acético (HO- WART; WARNE 1959) para detectar a natureza dos cristais. Foram utilizadas as seguintes abreviaturas: VF (vista frontal), ADA (adaxial), ABA (abaxial) e ST (secção transversal). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 MORFOLOGIA EXTERNA 3.1.1 S. quinquenervia Vell. Liana, dióica, caule cilíndrico, liso, provido de 2 ou 3 acúleos robustos nos nós. Ramos cilíndricos, lisos, com 2 ou 3 catafilos incluídos no profilo. Folhas simples, alternas, glabras; pecíolo canaliculado; lâmina ovada ou lanceolada, de coloração escurecida quando seca, coriácea, ápice agudo ou atenuado, base arredondada ou aguda; 5 nervuras principais, sendo o 1º par de nervuras laterais quase da mesma espessura do que a mediana até o ápice, venação proeminente em ambas as faces, reticulado de aréolas laxas. Nome popular: Salsaparrilha e japecanga. Usos: As raízes, cozidas, são usadas contra as moléstias sifilíticas, cutâneas e reumáticas; o extrato fluído é considerado um bom depurativo e anti-reumático e também tem efeito diurético (PECKOLT; PECKOLT, 1888). Distribuição geográfica: Brasil. Estados da Bahia, Mato Grosso, região sudeste, sul. Além do Brasil ocorre também no Peru. Habita preferencialmente as florestas, encontrando-se na floresta atlântica, floresta de tabuleiro, floresta de planície, floresta de restinga e floresta de galeria, sendo ocasionalmente encontrada no pantanal, em altitudes que vão de 50 a 1700 ms.m. Farmacologia: Os extratos brutos das folhas apresentam atividade analgésica significativa no modelo de contorções abdominais (MONTEIRO; ANDRE- ATA, 1997).

Guimarães, Andreata, Dias Neto e Monteiro 81 3.1.2 S. stenophylla A.DC. Liana, dióica, caule cilíndrico, liso ou verrucoso, estriado, acúleos esparsos nos entrenós. Ramo anguloso, liso ou verrucoso, sem catafilos incluídos no profilo. Folhas simples, alternas, glabras; lâmina oblonga ou oblongo-lanceolada, raro ovada, membranácea ou cartácea, de coloração verde-clara ou amarelada quando seca, ápice agudo ou atenuado, com acúmen longo, base aguda ou arredondada, às vezes subcordada, margem plana, levemente espessa; 5 nervuras, 3 principais e 2 conspícuas, nervura mediana mais espessa e clara do que as laterais na face abaxial, venação proeminente em ambas as faces, reticulado de aréolas laxas. Nome popular: Salsaparrilha. Usos: sem dados até o momento. Distribuição geográfica: Brasil. Estados de Minais Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Habita as florestas atlântica e mesófila. Farmacologia: sem dados até o momento. 3.1.3 S. subsessiliflora Duham. Liana, dióica, caule cilíndrico, liso, às vezes áspero ao tato, estriado, acúleos, robustos, localizados nos nós e entrenós. Ramo cilíndrico ou subanguloso, liso ou áspero, sem catafilo incluído no profilo. Folhas simples, alternas, glabras; lâmina ovada ou ovado-lanceolada, membranácea ou papirácea, às vezes com máculas alvacentas, de coloração esverdeada quando seca, ápice agudo, obtuso ou atenuado, com curto acúmen, base arredondada ou subcordada, margem plana, às vezes aculeada; 5 nervuras, 3 principais e 2 inconspícuas, às vezes aculeada na nervura mediana da face abaxial, venação proeminente em ambas as faces, reticulado de aréolas laxas. Nome popular: Japecanga. Usos: sem dados até o momento. Distribuição geográfica: Brasil. Estados da Bahia, Minais Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Habita as florestas atlântica, mesófila e mata de restinga. Farmacologia: sem dados até o momento. 3.2 MORFOLOGIA INTERNA As espécies estudadas caracterizam-se por apresentar lâmina foliar homogênea, hipostomática e glabra. A epiderme, em vista frontal (Figura 1: a - f), exibe

82 Anatomia Foliar de Espécies Brasileiras de Smilax L.: S. Quinquenervia Vell... células de paredes sinuosas na face adaxial e células de paredes retas a levemente sinuosas na face abaxial (exceto para S. subsessilifl ora, que apresenta células de paredes sinuosas em ambas as faces). Os estômatos observados predominantes foram do tipo anomocítico, paracítico em menor número e geminados, estes últimos apenas em S. quinquenervia e S. subsessilifl ora. Em secção transversal a epiderme é simples em ambas as faces, com cutícula espessa na face adaxial e delgada na face abaxial. Figura 1 Morfologia interna - Epiderme (VF). S. quinquenervia: a. Face ABA, b. Face ADA; S. stenophylla: c. Face ABA, d. Face ADA; S. subsessilifl ora: e. Face ABA, f. Face ADA; (Barra = 50μm) O mesofilo apresenta, em posição adjacente à epiderme adaxial, estratos de parênquima compacto formado por células retangulares a poligonais e, em posição adjacente à epiderme abaxial, estratos de parênquima com amplos espaços intercelulares (Figura 2: a, c, e). Idioblastos ocorrem em grande quantidade, dispersos por todo o mesofilo. Nas nervuras de menor porte, o sistema vascular é composto por feixes colaterais envoltos por fibras perivasculares. Canais foram observados em S. quinquenervia na região subepidérmica de ambas as faces. O bordo mostra-se levemente fletido, apresentando na porção distal um reforço de fibras (Figura 2: b, d, f). As células epidérmicas exibem paredes anticlinais e periclinais externas cutinizadas, havendo a formação de pequenas flanges. O mesofilo mantém as características do restante da lâmina foliar, ocorrendo,

Guimarães, Andreata, Dias Neto e Monteiro 83 no entanto, redução no número de camadas de parênquima na porção distal do bordo, a qual apresenta sinais de lignificação. Em relação às demais espécies, S. quinquenervia possui extremidade do bordo estreitada. Figura 2 Morfologia interna - Lâmina foliar e bordo (ST). S. quinquenervia: a. Lâmina foliar, b. Bordo; S. stenophylla: c. Lâmina foliar, d. Bordo; S. subsessilifl ora: e. Lâmina foliar, f. Bordo; (Barra = 100μm) O padrão de reforço de esclerênquima na região distal do bordo também foi mencionado por Marquete e Pontes (1994) para S. fl uminensis Steud., S. spicata Vell. e S. rufescens Griseb. A nervura mediana exibe contorno côncavo-convexo em S. quinquenervia e plano-convexo em S. stenophylla e S. subsessilifl ora (Figura 3: a - c). A epiderme é simples, com cutícula espessa na face adaxial e delgada na face abaxial, formando flanges em S. subsessilifl ora. Pela face adaxial pode ser observado um parênquima com expressiva quantidade de cloroplastos, distribuído em 1-3 camadas. Observa-se, em posição adjacente à epiderme abaxial, a presença de colênquima do tipo anelar. Os feixes vasculares encontram-se envoltos por expressiva bainha de fibras de esclerênquima. S. quinquenervia, S. stenophylla e S. subsessilifl ora apresentam características típicas de plantas xerófitas, tais como: cutícula espessa, mesofilo compacto e tecido mecânico bem desenvolvido (ESAÚ, 1976). A cutícula espessa e o mesofilo homogêneo, representado por pequeno volume de espaço intercelular observado

84 Anatomia Foliar de Espécies Brasileiras de Smilax L.: S. Quinquenervia Vell... pontualmente nas espécies estudadas, são características que reduzem a perda de água pelos tecidos. Os reforços mecânicos da folha, em especial na nervura mediana e no bordo, por outro lado, podem estar associados à proteção contra o murchamento da lâmina foliar (CUTTER, 1986). No entanto, alguns autores destacam que características xerófitas podem estar presentes mesmo em plantas mesófitas, uma vez que algumas delas são influenciadas por fatores ambientais, como disponibilidade de água ou nutrientes e luminosidade. (ESAÚ, 1976; CUTTER, 1986). O pecíolo apresenta contorno côncavo-convexo em S. quinquenervia. Esta característica é pouco acentuada em S. stenophylla e S. subsessilifl ora (Figura 3: d, e, f). A epiderme é glabra, com cutícula espessa, chegando a formar flanges. Localmente observa-se a presença de estômatos. A região parenquimática é ampla. Idioblastos contendo ráfides de oxalato de cálcio são observados em grande quantidade. O sistema vascular, do tipo colateral, é constituído de feixes guarnecidos por bainhas de fibras. A presença de idioblastos, localizados no mesofilo e pecíolo em maior quantidade, foi reportada para outras espécies de Smilax por Guaglianone e Gattuso (1991). A gavinha apresenta contorno cilíndrico e características semelhantes às encontradas no pecíolo, o que pode demonstrar que sua origem seja uma expansão peciolar (Figura 3: g - i), como foi proposto por Arber (1920) e por Andreata (1997) e constatado em S. polyantha Griseb. por Martins e Appezato-Da-Glória (2006). A bainha foliar apresenta contorno côncavo - convexo (Figura 3: k - l). A epiderme é glabra, uniestratificada, com cutícula espessa na face adaxial e delgada na face abaxial. A região parenquimática é ampla. A bainha de fibras circunda os feixes vasculares. O estudo da anatomia foliar desenvolvido neste trabalho aponta aspectos estruturais que podem ser úteis na caracterização de S. quinquenervia, S. stenophylla e S. subsessilifl ora. Revela também características inerentes ao gênero Smilax, pois as espécies aqui abordadas apresentam padrões citados para outras do grupo como S. spicata, S. rufescens, S.fl uminensis e S. polyantha. Contudo, torna-se necessário estudar as espécies sob o ponto de vista da morfoanatomia do órgão caulinar em sua região basal, que é importante para fins taxonômicos e, na maioria das vezes, falta nos exemplares herborizados (AN- DREATA 1997), bem como realizar testes histoquímicos e investigações farmacológicas para verificar os aspectos medicinais de S. stenophylla e S. subsessilifl ora, sem dados até o momento.

Guimarães, Andreata, Dias Neto e Monteiro 85 Figura 3 Morfologia interna - Diagramas. S. quinquenervia: a. Nervura mediana, d. Pecíolo, g. Gavinha, j. Bainha; S. stenophylla: b. Nervura mediana, e. Pecíolo, h. Gavinha, k. Bainha; S. subsessilifl ora: c. Nervura mediana, f. Pecíolo, i. Gavinha, l. Bainha; (Barra = 200μm) AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas concedidas a Alessandra Ribeiro Guimarães (PI- BIC/CNPq/USU), a Antônio de Oliveira Dias Neto (PIBIC/CNPq/USU), a Regina H. P. Andreata (Produtividade de Pesquisa) e ao apoio financeiro recebido

86 Anatomia Foliar de Espécies Brasileiras de Smilax L.: S. Quinquenervia Vell... para realização de parte do trabalho (processo 473850/2006-0). REFERÊNCIAS ANDREATA, R. H. P. Revisão das espécies brasileiras do gênero Smilax Linnaeus (Smilacaceae). Pesquisas: Botânica, n. 47, p. 5-243, 1997.. A New Species of Smilax and a Key to All Species from Minas Gerais, Brazil. Systematic Botany, v. 34, n. 1, p. 28-31, 2009. APG II. An update of the Angiosperm Phylogeny group classification for the orders and families of flowering plants. Botanical Journal of the Linnean Society, v. 141, n. 4, p. 399-436, 2003. ARBER, A. Tendrils os Smilax. Botanical Gazette, v. 69, p. 438-442, 1920. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Resolução RDC nº 17, de 24 de fevereiro de 2000. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 fev. 2000. BUKATSCH, S. Bemerkumgem Zur Doppelsarbung. Astrablau Safranin. Mikrokosmos, v. 61, n. 8, p. 255, 1972. CUTTER, E. G. Anatomia Vegetal. São Paulo: Roca Ltda., 1986. 304 p. DAHLGREN, R. M. T.; CLIFFORD, H. T.; YEO, P. F. The families of the Monocotyledons: structure, evolution and taxonomy. Berlim: Springer Verlag, 1985. ESAÚ, K. Anatomia de plantas com sementes. São Paulo, SP: Edgard Blücher Ltda., 1976. GUAGLIANONE, R.; GATTUSO, S. Estudios taxonómicos sobre el genero Smilax (Smilacaceae) I. Boletín de la Sociedad Argentina Botánica, v. 27, n. 1/2, p. 105-129, 1991. HOWART, W. O.; WARNE, L. G. G. Practical Botany for the tropics. Lon-

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