BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA DA SUSEP



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Transcrição:

MANIFESTAÇÃO PÚBLICA DO SINDICATO DOS CORRETORES DE SEGUROS NO ESTADO DE SÃO PAULO QUANTO A INCLUSÃO DA CORRETAGEM DE SEGUROS NAS APÓLICES E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O ENFRAQUECIMENTO DO MERCADO DE SEGUROS SUMÁRIO EXECUTIVO Com o intuito de fortalecer o mercado brasileiro de seguros, o Conselho Diretor da Superintendência de Seguros Privados ( SUSEP ) propõe, dentre outras medidas a serem implementadas preferencialmente pela auto-regulação, a divulgação da comissão paga pelas seguradoras aos corretores de seguros independentes que distribuem seus serviços. Essa medida provavelmente surtiria efeito diametralmente oposto àquele pretendido pela SUSEP. Em vista da estrutura oligopolizada do mercado brasileiro de seguros, a divulgação da comissão de corretagem facilitaria a uniformização das comissões pagas pelas seguradoras e/ou a imposição de reduções unilaterais dessas comissões sem que tal economia fosse necessariamente refletida no valor do prêmio. Essas condutas levariam ao enfraquecimento do setor de corretagem de seguros e à redução da concorrência entre as seguradoras, em detrimento dos interesses do consumidor. Além disso, esse tema específico não pode ser objeto de auto-regulação, adequada primordialmente ao estabelecimento de padrões éticos e técnicos a serem observados no exercício de uma atividade econômica, cuja implementação depende da presença de três requisitos: (i) cooperação entre aqueles que exercem a atividade econômica, (ii) coincidência entre interesse público e particular e (iii) ausência de restrições jurídicas relevantes à criação de normas por aqueles que exercem a atividade econômica. A cooperação depende do interesse comum e convergente sobre um determinado objeto. É altamente improvável que a classe dos corretores de seguros, vasta e muito heterogênea, seja capaz de cooperar em tema sensível como a divulgação da comissão de corretagem. 1

O motivo é simples: as comissões variam muito entre si, haja vista que os corretores de seguros possuem escalas diferentes assim, por exemplo, um corretor com grande volume de negócios pode praticar comissão que um corretor de menor porte não teria condição de aceitar, sob pena de ter prejuízo em seu negócio. Da mesma forma variam os serviços prestados pelo corretor: quanto melhores e mais amplos, mais elevada deve ser a comissão. É muito difícil imaginar que corretores de seguros que prestam serviços diferenciados aos segurados e recebam comissões mais elevadas tenham condições de aceitar e cumprir a auto-regulação idealizada pela SUSEP. Mesmo que admitíssemos a possibilidade de cooperação, a divulgação da comissão de corretagem não necessariamente atenderia ao interesse público, assim entendido como a escolha pelo consumidor do seguro mais adequado às suas necessidade. Basta pensar no consumidor que escolhesse o seguro atentando especialmente para o valor da comissão do corretor de seguros, sem saber ou sem valorar adequadamente o fato de que uma comissão menor pode significar um serviço de pior qualidade. Há também sérias restrições jurídicas à medida proposta pela SUSEP. A divulgação da comissão de corretagem facilitaria a adoção de certas condutas pelas seguradoras que violariam princípios estabelecidos no artigo 170 da Constituição Federal e configurariam ilícitos concorrenciais, a teor dos artigos 20 e 21 da Lei de Defesa da Concorrência. Algumas medidas simples e adequadas à via da auto-regulação podem, ao contrário da divulgação da comissão de corretagem, promover efetivamente o fortalecimento do mercado de seguros. São elas a elaboração de um código de ética, dispondo, entre outras regras, que a comissão de corretagem não deve influenciar a recomendação do corretor de seguros em prejuízo dos interesses do cliente; e o estabelecimento de padrões mínimos de qualidade no atendimento ao segurado, garantidos por programas de treinamento continuado e reciclagem profissional que aumentem a capacidade do corretor de seguros de identificar as opções mais adequadas a cada consumidor e de informar claramente as vantagens e desvantagens de cada seguro. Medidas dessa natureza já foram adotadas pelos corretores de seguros, figuras imprescindíveis ao bom funcionamento do mercado, que vêm buscando constantemente o aprimoramento dos serviços prestados em prol do bem-estar do consumidor de serviços securitários. 2

I. INTRODUÇÃO 1. O Conselho Diretor da Superintendência de Seguros Privados ( SUSEP ) submeteu a audiência pública questões atinentes à fixação de parâmetros para relacionamento com consumidores nos mercados de seguros, capitalização e previdência complementar aberta, nos termos do Edital nº 05/2006 ( Edital ). Segundo a exposição de motivos que acompanha o Edital, tais parâmetros seriam fixados preferencialmente mediante auto-regulação dos profissionais que atuam nesses mercados. 2. De acordo com a SUSEP, a auto-regulação deveria abranger a edição de código de boas práticas, o estabelecimento de procedimentos mínimos de relacionamento e atendimento ao consumidor, a definição de consumidor hipossuficiente ao qual se aplicariam esses procedimentos e as formas de compensação por prejuízos causados ao consumidor pela sua inobservância. A SUSEP sugere ainda que a auto-regulação estenda-se a normas sobre a transmissão de informações importantes aos consumidores, inclusive o custo de intermediação ou comissão de corretagem. 3. No que diz respeito à distribuição de seguros, a proposta da SUSEP é contraditória por submeter ao modelo auto-regulatório temas que não são passíveis de tratamento por essa via, dentre os quais merece destaque a divulgação da comissão de corretagem aos consumidores. A obrigatoriedade da divulgação, contudo, independentemente da via pela qual fosse adotada, geraria sérios problemas no mercado de seguros. 4. A fim de demonstrar a inadequação da proposta da SUSEP, esta manifestação é dividida em nove tópicos, incluindo esta introdução. No tópico II a proposta da SUSEP será descrita em pormenores. A seguir, no tópico III analisaremos a estrutura e o ambiente concorrencial do mercado de seguros para então confrontá-lo, no tópico IV, com a estrutura do mercado de corretagem de seguros. Ainda no tópico IV abordaremos as atribuições do corretor de seguros e em seguida avaliaremos sua importância para a promoção da livre concorrência no mercado brasileiro de seguros. No tópico V levantaremos os graves problemas que, diante da assimetria de poder entre seguradoras e corretores de seguros, provavelmente ocorreriam caso a divulgação da comissão de corretagem se tornasse obrigatória. No tópico VI teceremos breves considerações teóricas sobre a auto-regulação, seu conceito, âmbito de aplicação, vantagens, limitações e requisitos. Fixados esses pressupostos teóricos, no tópico VII, 3

após especular sobre as possíveis preocupações que levaram a SUSEP a propor a divulgação da comissão de corretagem, demonstraremos que tal proposta confronta os requisitos da auto-regulação, e enfatiza os problemas legais de natureza concorrencial que poderiam advir caso a divulgação obrigatória fosse implementada. Os temas passíveis de auto-regulação no setor de corretagem de seguros serão abordados no tópico VIII. Por fim, o tópico IX cuidará de apresentar as principais conclusões alcançadas ao longo da presente manifestação. II. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA DA SUSEP 5. Com o intuito de fortalecer o mercado de seguros no Brasil, a SUSEP sustenta ser necessário estabelecer regras que disciplinem o relacionamento entre sociedades seguradoras, corretores de seguros e consumidores. O objetivo, segundo a autarquia, é ampliar a transparência e a eficiência na distribuição de serviços securitários. A SUSEP entende ainda que tais regras deveriam ser impostas pelos profissionais que atuam no mercado de seguros, pela via da auto-regulação. 6. De acordo com a proposta levada a debate por meio do Edital, os seguintes temas deveriam ser objeto de auto-regulação: (i) edição de código de boas práticas; (ii) procedimentos mínimos de relacionamento e atendimento ao consumidor, desde a comercialização até o fim do período de vigência contratual; (iii) definição de consumidor hipossuficiente para efeitos desses procedimentos mínimos; (iv) formas de compensação por prejuízos causados ao consumidor pelo não atendimento dos procedimentos mínimos; e (v) transmissão de informações ao consumidor, incluindo o valor da comissão de corretagem. 7. Apesar da intenção louvável de fortalecer o mercado de seguros, a proposta da SUSEP é inadequada por sugerir a utilização da via auto-regulatória não apenas para questões que podem efetivamente ser objeto de regras editadas pelos próprios corretores de seguros, como a edição de código de ética e boas práticas, mas também para temas que não preenchem os requisitos da auto-regulação. 8. Dentre esses temas salta aos olhos, pelas conseqüências desastrosas que teria sobre a concorrência no mercado de seguros e consequentemente sobre o bem-estar do consumidor de serviços securitários, a sugestão de obrigatoriedade de divulgação da comissão paga pelas seguradoras aos corretores de seguros. Além de não ser tecnicamente passível de auto-regulação, a medida proposta pela SUSEP poderia, caso implementada, criar condições propícias à prática de atos que prejudicariam a livre 4

concorrência e a livre iniciativa nos mercados em que atuam seguradoras e corretores de seguros, em flagrante violação a princípios constitucionais e dispositivos legais. A seguir exporemos os fundamentos que conduzem a tal conclusão. III. A ESTRUTURA DO MERCADO BRASILEIRO DE SEGUROS 9. O mercado brasileiro de seguros é caracterizado por elevado grau de concentração econômica. Atualmente existem cerca de 115 seguradoras no mercado brasileiro. Destas, aproximadamente 46 são empresas independentes e as outras 69 seguradoras pertencem aos 29 grupos econômicos atuantes nesse mercado. Computando conjuntamente as empresas independentes e os grupos econômicos, teríamos 75 seguradoras atuando no Brasil. Cerca de 10% delas fazem parte de grandes conglomerados financeiros e as dez maiores respondem por aproximadamente 70% do mercado. 1 10. Esse cenário é bastante estável, pois novas empresas encontram dificuldades para se estabelecer no mercado segurador, quer decorrentes das normas impostas pelo Estado, quer derivadas das características intrínsecas à atividade seguradora. 11. Com o intuito de assegurar o pagamento de indenização que promova a recomposição patrimonial do consumidor em caso de sinistro, o Estado estabelece condições mínimas de higidez econômico-financeira que devem ser observadas pelas sociedades seguradoras. Regulam-se assim questões essenciais ao seu funcionamento, mediante exigência de capital e patrimônio líquido mínimos ou imposição de regras sobre a constituição, manutenção e aplicação de provisões técnicas, por exemplo. 12. Ao lado dessas barreiras regulatórias, uma série de barreiras econômicas dificulta a entrada de novos concorrentes no mercado de seguros e contribui para a perpetuação do cenário aqui descrito. 1 Fonte: http://www.susep.gov.br/menumercado/ses/principal.asp. O cálculo tem como critério prêmio de seguros no período de janeiro a junho de 2006. 5

13. Em primeiro lugar, novas empresas precisam atingir uma escala considerável para viabilizar sua atuação. Para que um segurador tenha retorno sobre o investimento inicial e dilua seus custos fixos é necessário que ele angarie um grande número de negócios, pois os custos envolvidos na atividade, especialmente de administração e gestão atuarial, são bastante elevados independentemente do porte da empresa. Ou seja, novas sociedades seguradoras precisam ter porte e garantia de escala de vendas consideráveis para que possam se estabelecer no mercado. 14. É importante notar ainda que, diante das peculiaridades da atividade seguradora, empresas com atuação nesse mercado alcançam níveis de eficiência diretamente proporcionais a seu porte. Isso ocorre porque, de acordo com a Lei dos Grandes Números, quanto maior o porte da seguradora menor será a diferença entre os sinistros esperados e os sinistros verificados, permitindo-lhe calcular com maior precisão os sinistros que deverão ser cobertos. Isso facilita o cálculo do valor de prêmios e a definição quanto à aplicação de suas provisões. Em outras palavras, seguradoras maiores tendem a ser mais eficientes. 15. Finalmente, a entrada de uma nova empresa demanda investimentos iniciais elevados que não poderão ser recuperados pela seguradora ao sair do mercado (sunk costs), tais como formação de bases estatísticas, estabelecimento de rede de distribuição de serviços que lhe permita alcançar a escala necessária para sua atuação, desenvolvimento de planos de seguros e investimentos em propaganda para divulgação de seus planos e da solidez da empresa. 16. Considerando a alta concentração e as dificuldades que novas seguradoras encontram para iniciar suas atividades, o mercado de seguros no Brasil é inequivocamente oligopolizado. Em mercados com essa estrutura, o poder recíproco dos concorrentes faz com que eles tendam a adotar comportamentos paralelos. Isso dificulta incentivos para a redução de preços, pois eventual decisão de uma empresa nesse sentido costuma ser prontamente acompanhada pelos demais concorrentes, que o fazem sob pena de perderem participação no mercado. 17. Em mercados com tais características costumam prevalecer os incentivos para o aumento de preços que, se iniciado por um concorrente e acompanhado pelos demais, pode resultar em aumento de receita para todos. É por isso que um comportamento possível de concorrentes em mercados oligopolizados é o aumento paralelo e sucessivo de preços. Alternativamente, os concorrentes podem tender à 6

estabilidade, tanto de preços quanto de participações no mercado. Trata-se aqui de outra possível manifestação do paralelismo. 2 18. Outra característica importante dos mercados oligopolizados é o baixo custo de obtenção de dados a respeito dos concorrentes. Isso se explica em razão do número reduzido de concorrentes, que facilita a qualquer um deles pesquisar informações sobre os comportamentos dos demais em relação a preço, qualidade e demais variáveis concorrenciais. 3 IV. A IMPORTÂNCIA DOS CORRETORES DE SEGUROS PARA O MERCADO SEGURADOR NO BRASIL 19. A estrutura do mercado de corretagem de seguros é exatamente oposta ao cenário delineado no tópico anterior. Estima-se que atualmente cerca de 59.000 corretores de seguros atuem no Brasil, entre pessoas físicas e jurídicas de porte e estrutura de custos bastante variados. O mercado é, portanto, desconcentrado e caracterizado por intensa concorrência entre os corretores de seguros. 4 20. A fim de preservar a independência dos corretores de seguros, essencial para que eles ajam em prol dos interesses do consumidor, a Lei nº 4.594, de 29 de dezembro de 1964, que regula essa profissão proíbe, no artigo 17, que o corretor e seus prepostos sejam sócios, administradores, procuradores, despachantes ou empregados de sociedades seguradoras. A regra vale também para sócios e diretores de sociedades de corretagem. 21. A distribuição de produtos e serviços de seguros pode ser feita por meio de corretores de seguros independentes ou diretamente pelas seguradoras 5, que para tanto se utilizam de agentes que atuam em seu nome e por sua conta. Os agentes são 2 Cf. Calixto Salomão Filho, Direito Concorrencial As Estruturas, 2ª ed, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 136. 3 Idem, p. 328. 4 Fonte: Fenacor, disponível em http://www.fenacor.com.br/scripts/estatis.dll?p_tipo=r. 5 No caso da comercialização direta, a Lei nº 4.594/64 exige que o percentual que seria devido a título de comissão seja repassado ao Fundo de Desenvolvimento Educacional do Seguro. 7

subordinados às seguradoras, defendendo exclusivamente seus interesses. Os corretores de seguros, por sua vez, são independentes e atuam no interesse do consumidor. 6 22. Com efeito, os corretores de seguros analisam os produtos e os serviços oferecidos por diversas empresas, mediante comparação de preços, qualidade, abrangência das garantias oferecidas, serviços acessórios e solidez das seguradoras. Isso lhes permite identificar e oferecer ao consumidor as alternativas mais adequadas às suas necessidades. O mesmo, entretanto, não se poderia afirmar em relação aos agentes das seguradoras. A razão é óbvia: justamente porque são subordinados a elas, não agirão nunca no interesse do consumidor; seus interesses são, por definição, antagônicos. 23. A atuação de corretores de seguros independentes ameniza a assimetria de poder e informação entre seguradoras e consumidores, que em sua grande maioria têm dificuldade de compreender aspectos técnicos das apólices e até mesmo de identificar eventuais abusos nelas contidos. Incumbe aos corretores de seguros explicar as peculiaridades de cada contrato e detalhar as condições oferecidas por cada seguradora, traduzindo para a linguagem do consumidor termos técnicos utilizados nas apólices. Isso permite que o consumidor compare os principais aspectos dos serviços com base em informações claras e faça sua escolha com base em critérios racionais, não em preferências subjetivas que podem não atender à sua real necessidade. 24. Além dessas atribuições, o corretor de seguros é responsável por proteger os interesses do consumidor perante as seguradoras desde as negociações iniciais até o término do contrato, transmitindo-lhe informações acerca do cumprimento de suas obrigações, representando-o no processo de regulação e liquidação do sinistro e instruindo-o sobre as medidas a serem adotadas. Além disso, o corretor atua junto à seguradora para acompanhar os trâmites necessários ao pagamento da indenização. 25. A importância dos corretores de seguros para as próprias sociedades seguradoras também é evidente. O consumidor que pretende contratar um determinado seguro geralmente entra em contato com alguns corretores, que pesquisarão quais as alternativas disponíveis junto a várias seguradoras. Dessa forma os corretores de seguros asseguram capilaridade à distribuição dos serviços securitários, levando os produtos a um número maior de consumidores do que seria possível para as seguradoras pela via da comercialização direta. 6 O Decreto-Lei nº 73/66 reconhece que o corretor integra o chamado Sistema Nacional de Seguros Privados. 8

26. Ademais, a utilização de corretores de seguros envolve custos muito menores para as seguradoras do que o estabelecimento de uma rede própria de representantes comerciais ou agentes, eliminando encargos trabalhistas e permitindo a repartição de todas as despesas envolvidas na comercialização de seguros entre as várias empresas que utilizam o serviço daqueles intermediários. 27. O corretor de seguros normalmente realiza visitas e inspeções, colaborando na avaliação adequada do risco e na justa precificacão do seguro, zelando pelos legítimos interesses do consumidor. É importante ainda salientar que as seguradoras vêm cada vez mais subsidiando suas decisões nos referidos itens, que atualmente são prestados de forma mais efetiva pelos corretores de seguros. 28. Por fim, os corretores de seguros também cumprem a importante função de identificar as necessidades de certos grupos de consumidores e levá-las ao conhecimento das seguradoras, que podem assim criar novas modalidades de seguros. Desbravando o mercado, os corretores contribuem decisivamente para a inovação da indústria de seguros. 29. Os fatos aqui expostos evidenciam que os corretores de seguros independentes são peça essencial para o estímulo à concorrência no mercado de seguros. Na ausência deles, novas sociedades seguradoras precisariam estabelecer uma rede própria de distribuição por meio de agentes, o que demandaria tempo e altos volumes de investimento. Portanto, a existência de corretores de seguros independentes facilita à entrada de novas sociedades seguradoras no mercado brasileiro. 30. Além disso, os corretores de seguros independentes permitem que os serviços de um grande número de seguradoras sejam levados ao conhecimento do consumidor e postos à sua disposição. A ampliação da oferta de serviços securitários tende a acirrar a concorrência nesse mercado, estruturalmente tendente à adoção de condutas anticoncorrenciais. Assim, os corretores de seguros são fundamentais para viabilizar a redução dos preços praticados e a melhoria dos serviços ofertados pelas seguradoras. 31. Em síntese, a presença do corretor de seguros independente na intermediação das relações entre seguradores e segurados é de suma importância. Restrições à sua atuação desestimulam a concorrência no setor de seguros e consequentemente prejudicam os interesses do consumidor. É necessário, portanto, valorizar essa atividade profissional e fortalecer sua liberdade de atuação, garantida pela autonomia e pelo retorno financeiro adequado na comercialização de apólices. 9

V. PROBLEMAS ASSOCIADOS À DIVULGAÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM 32. A análise da estrutura dos mercados em que atuam seguradoras e corretores de seguros comprova a importância da atuação livre destes últimos para a preservação da livre concorrência e para a proteção dos interesses do consumidor. 33. A divulgação da comissão de corretagem, quer imposta pela autoregulação, quer pela regulação estatal, enfraqueceria os corretores de seguros e poderia acarretar sérios prejuízos à livre iniciativa e à livre concorrência, violando dispositivos da Constituição Federal e da Lei de Defesa da Concorrência, como será detalhado nos parágrafos 67 a 77 abaixo. Tais prejuízos se materializariam independentemente de a divulgação se dar nas apólices emitidas pelas seguradoras ou na fase anterior à contratação do seguro pelo consumidor. 34. Em primeiro lugar, atuando em um mercado já naturalmente tendente à uniformização de condutas e ao paralelismo de preços, as seguradoras teriam um incentivo adicional consistente no acesso ainda mais fácil e direto às comissões praticadas por seus concorrentes para uniformizar também os percentuais pagos a título de comissão de corretagem. Isso faria com que os preços finais aos segurados se aproximassem ainda mais uns dos outros, reduzindo a concorrência entre as seguradoras. 35. Em segundo lugar, as seguradoras dotadas de poder de mercado poderiam impor unilateralmente a redução das comissões com o intuito de neutralizar a desconfiança do consumidor em relação a seguros aparentemente mais benéficos para os corretores e assim fazer com que seus contratos fossem supostamente dotados de um fator adicional de atração: a comissão menor. Alternativamente, as seguradoras poderiam agir de forma coordenada e combinar entre si a redução uniforme das comissões pagas aos corretores de seguros. 36. Em qualquer desses cenários, a redução da comissão não importaria necessariamente em redução do prêmio. Em vista da significativa diferença de poder entre seguradoras e corretores de seguros, o mais provável é que a redução da comissão se desse apenas em detrimento dos corretores de seguros, com reversão integral da diferença pelas seguradoras. Afinal, a estrutura oligopolizada do mercado de seguros 10

não oferece nenhum incentivo a que as seguradoras repartam eventuais economias e/ou eficiências com os consumidores finais. A divulgação da comissão de corretagem, portanto, acarretaria apenas a redução da receita do corretor, sem que isso se traduzisse em benefícios para o consumidor. 37. Com sua remuneração diminuída, os corretores de seguros precisariam atingir maiores escalas para se manter no mercado. A imposição da redução das comissões poderia assim prejudicar e até mesmo excluir corretores já estabelecidos, além de limitar o acesso de novos concorrentes ao mercado. 38. O enfraquecimento do setor de corretagem de seguros, por sua vez, acarretaria prejuízos diretos ao consumidor. O primeiro e mais óbvio deles é que os corretores de seguros se tornariam menos aptos a prestar serviços de qualidade aos segurados. E o segundo prejuízo talvez menos óbvio, mas certamente não menos importante é que os corretores de seguros se tornariam mais dependentes financeiramente das seguradoras e, portanto, menos resistentes a ações destas em detrimento dos segurados. VI. COMENTÁRIOS SOBRE A AUTO-REGULAÇÃO 39. A auto-regulação é a atividade pela qual uma categoria profissional reúne-se com o intuito formular e implementar normas e padrões que devem pautar o exercício da atividade que lhes é comum. Como ensina Vital Moreira, auto-regulação é a regulação levada a cabo pelos próprios interessados. (...) [e]la implica a formulação de normas e a sua implementação, de modo a influenciar, condicionar, proibir ou constranger a actividade dos agentes económicos. A diferença [em relação à regulação estatal] está em que ela compete aos próprios agentes económicos, colectivamente organizados, que desse modo são, simultaneamente, autores e destinatários da regulação. 7 40. Em vista das limitações de ordem prática e jurídica impostas à autoregulação profissional, aprofundadas nos parágrafos 47 a 52 abaixo, esta atividade adequa-se primordialmente ao estabelecimento de padrões éticos e técnicos aplicáveis a uma profissão, de modo a assegurar a qualidade e a confiabilidade da atuação dos que a exercem. 7 In Auto-regulação Profissional e Administração Pública, Coimbra: Livraria Almeidina, 1997, pp. 52 e 53. 11

41. São exemplos de auto-regulação as normas estabelecidas por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Regional de Medicina e o Conselho de Engenharia e Arquitetura para dispor sobre aspectos técnicos ou padrões éticos dessas profissões. Esse é o caso, por exemplo, da estipulação de regras disciplinando a ética no exercício da advocacia, pois elas existem tanto no interesse dos advogados individualmente que têm a imagem de sua profissão resguardada quanto no interesse dos clientes que têm a garantia da ética na prestação de serviços. 8 42. Como regulação coletiva levada a cabo pelos próprios destinatários das regras, os quais se sujeitam voluntariamente a observá-las, a auto-regulação contrapõese à regulação estatal da economia, em que as regras são impostas por uma entidade externa, o Estado. 43. Inúmeras são as vantagens da auto-regulação sobre a regulação estatal e também sobre a ausência de regulação. Segundo Vital Moreira 9, as principais delas são a maior eficácia, maior flexibilidade e maior economia decorrentes da coincidência entre o grupo de profissionais que define e implementa voluntariamente um conjunto deregras e aquele que deve cumpri-las. 44. As regras impostas pela via auto-regulatória têm maior grau de aceitação e cumprimento por parte de seus destinatários, pois tendem a ser mais adequadas às peculiaridades do objeto regulado e menos prejudiciais à autonomia econômicoprofissional. Além disso, por ser mais flexível que a regulação estatal, a auto-regulação permite o rápido ajuste das regras à mudança de circunstâncias que interfiram na atividade dos regulados. É importante ainda notar que ela promove a economia de recursos estatais não apenas ao eliminar o ônus associado à atividade normativa, mas também ao transferir para o particular os encargos de verificar o cumprimento das regras e aplicar sanções quando necessário. 45. As vantagens usualmente atribuídas à auto-regulação podem distorcer a compreensão sobre o escopo e a finalidade dessa atividade, limitados, como mencionado no parágrafo 40 acima, ao estabelecimento de padrões éticos e técnicos. Isso faz com que a auto-regulação seja vista muitas vezes como panacéia apta a tratar de quaisquer questões relativas ao exercício da atividade econômica sem a interferência desnecessária ou inconveniente do Estado. 8 Outro exemplo bastante recente e relacionado ao mercado analisado nessa manifestação é o Código de Ética do Mercado de Seguros, Previdência Complementar e de Capitalização, lançado em 30 de agosto de 2006 pela Federação Nacional das Seguradoras. 9 Op. cit., p. 91. 12

46. Ao contrário, a esfera de aplicação da auto-regulação é estreita, o que se deve tanto às características específicas do setor econômico em questão quanto aos possíveis objetos da regulação. 10 47. Em regra, a implementação de estrutura auto-regulatória está sujeita ao preenchimento de três requisitos: probabilidade de cooperação, coincidência entre o interesse público e o particular e ausência de restrições jurídicas relevantes à pretensão da categoria profissional. 48. Em primeiro lugar, é preciso haver elevada probabilidade de cooperação espontânea entre os membros da categoria profissional cuja atividade se pretenda regular. Esta será tão maior quanto maior for o interesse comum e a convergência desses indivíduos em relação ao objeto da auto-regulação. Na ausência de interesse comum e convergência, é pequena a chance de cumprimento geral e irrestrito de regras impostas pelos próprios membros da categoria profissional que afetem sua atuação na esfera econômica. 49. Ao lado da cooperação, a auto-regulação depende também da coincidência entre o interesse público, assim entendido como o interesse de todas as partes que podem ser afetadas pela auto-regulação, tais como os consumidores, e o interesse dos profissionais que se auto-regulam. 50. Como bem explica Vital Moreira, esse segundo requisito revela a dualidade inerente a toda a estrutura de auto-regulação profissional: enquanto organismos corporativos, eles visam a satisfação dos interesses específicos dos seus 10 Nas palavras de Vital Moreira, numa ordem econômica baseada no mercado e na concorrência a auto-regulação se defronta com limites objectivos assaz evidentes (op. cit., p. 107). 13

associados; enquanto organismos públicos, eles devem prosseguir o interesse público. 11 51. A auto-regulação profissional deve, portanto, fundar-se na possibilidade de satisfação de interesses públicos mediante a perseguição de interesses particulares dos profissionais que se auto-regulam. Para que isso aconteça, é necessário que a ação coletiva de uma determinada categoria profissional contribua decisivamente para alcançar objetivos públicos. 52. Por fim, a utilização da auto-regulação não deve ensejar a possibilidade de violação da Constituição Federal ou da legislação ordinária. A criação de regras norteadoras do exercício de uma determinada atividade econômica pelo particular não pode resultar em prejuízos à livre iniciativa e à livre concorrência. Caso contrário, tais regras infringirão princípios inscritos na Constituição Federal e dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 ( Lei de Defesa da Concorrência ). VII. CONFRONTO DA GRAFIA DE CORRETAGEM COM OS INTERESSES PÚBLICOS E PRIVADOS 53. A atual ausência de divulgação do percentual da comissão ao consumidor poderia, sob a ótica da SUSEP, fazer com que os corretores de seguros baseassem suas recomendações mais no valor a receber das seguradoras que na adequação do contrato à necessidade do segurado em termos de abrangência da cobertura, serviços acessórios e solidez do segurador, entre outros fatores. 11 Op. cit., p. 107. 14

54. Para lidar com essa questão, a SUSEP propõe que os próprios corretores de seguros de seguros editem regras sobre a divulgação da comissão de corretagem. Como se demonstrará a seguir, tal proposta não tem condições mínimas de prosperar. Além de não preencher os requisitos da auto-regulação, a divulgação da comissão de corretagem - qualquer que seja a via pela qual se imponha - certamente conduziria ao enfraquecimento do mercado de seguros no Brasil por facilitar a adoção de práticas anticoncorrenciais pelas seguradoras. 55. Como visto no parágrafo 48 acima, o primeiro requisito para a autoregulação é a probabilidade de cooperação, que depende da existência de interesse comum e convergente dos membros da categoria profissional sobre o objeto da autoregulação. 56. O mercado de corretagem de seguros é caracterizado pelo número expressivo de concorrentes e pela grande heterogeneidade entre eles. Atuam nesse mercado desde pessoas físicas a pessoas jurídicas ligadas a grandes conglomerados financeiros. Portanto, existem enormes diferenças de escala e estrutura de custos entre os corretores de seguros. 57. Nesse cenário é muito difícil, para não dizer impossível, existir cooperação entre os corretores de seguros quanto a tema relacionado justamente à variável essencial à concorrência entre eles: o preço pelo serviço prestado. A divulgação da comissão permitiria que corretores de maior porte dotados de maior escala baseassem a propaganda de seus serviços nos percentuais recebidos das seguradoras, alardeando, por exemplo, trabalhar com as menores comissões do mercado. Esse fato prejudicaria severamente corretores de seguros cuja estrutura de atendimento requer o pagamento de comissões mais elevadas. 58. É muito improvável, portanto, que os corretores de seguros aceitassem cooperar entre si com vistas ao estabelecimento de regras relativas à divulgação de comissões. E mesmo que o fizessem, não teriam como assegurar o cumprimento da auto-regulação por parte de todos eles. Essa impossibilidade levaria, na prática, à desconfiança entre os corretores de seguros e os estimularia a descumprir o acordo com base em interesses particulares. 59. Está ausente, portanto, o requisito necessário para que os corretores de seguros possam cooperar quanto às regras sobre divulgação de comissões. A proposta da SUSEP parece encontrar obstáculo de ordem prática intransponível, qual seja, a falta 15

de interesse comum e convergente dos membros de uma categoria profissional sobre o objeto a ser auto-regulado. 60. Constatada a improbabilidade de cooperação entre os corretores de seguros, cumpre analisar o segundo requisito para a auto-regulação, qual seja, a coincidência entre o interesse público e o interesse particular. 61. Mesmo que se admitisse que a divulgação da comissão de corretagem atenderia ao interesse particular da categoria profissional dos corretores de seguros, tal medida não contribuiria para alcançar a satisfação do interesse público, consubstanciado aqui na proteção do consumidor. 62. Sob a perspectiva do consumidor, o interesse público reside na possibilidade de escolher o serviço mais adequado às suas necessidades. A medida pretendida pela SUSEP, contudo, não garantiria tal escolha. Ao contrário, introduziria um fator que poderia induzir o consumidor a erro. 63. Com efeito, as comissões pagas pelas sociedades seguradoras podem variar expressivamente. Comissões mais elevadas costumam estar relacionadas à prestação de serviços mais amplos e melhores ao consumidor. Além disso, muitas vezes são necessários investimentos por parte dos corretores de seguros na angariação de novos negócios. 64. No entanto, ao analisar as alternativas oferecidas o consumidor tenderia a ver com desconfiança aquelas que garantissem maiores remunerações ao corretor de seguros, reputando-as mais adequadas aos interesses dele do que à sua própria necessidade. Assim, o consumidor poderia preterir um determinado seguro por imaginar que o negócio seria benéfico apenas para o corretor, ainda que aquele seguro fosse efetivamente o mais adequado aos seus interesses. 65. Por outro lado, uma comissão menor não significa necessariamente que uma venda não seja a mais vantajosa comercialmente para o corretor de seguros. Isso ocorre porque um grande volume de vendas das apólices de determinada seguradora 16

pode permitir que o corretor aceite comissão menor por apólice isolada e, ainda assim, obtenha ganhos mais expressivos no cômputo geral do que na comercialização de apólices que garantam comissões individualmente maiores. 66. Em síntese, a divulgação da comissão de corretagem introduziria mais um fator a ser levado em conta pelo consumidor no momento de contratar um seguro, fator este que poderia levá-lo a escolhas inadequadas. Percebe-se, portanto, que a medida proposta pela SUSEP não contribuiria para a satisfação do interesse público sob a ótica do consumidor. 67. Por fim, o terceiro requisito para a auto-regulação a ausência de restrições jurídicas relevantes tampouco seria preenchido neste caso. Como veremos a seguir, a divulgação da comissão de corretagem pode implicar a violação de dispositivos da Constituição Federal e da Lei de Defesa da Concorrência. 68. A Constituição Federal de 1988 dispõe, no artigo 170, que a ordem econômica é fundada na livre iniciativa e tem na livre concorrência um de seus princípios fundamentais. 12 69. A livre iniciativa corresponde à liberdade de iniciativa econômica e compreende, dentre outros aspectos, a liberdade de comércio e indústria, a faculdade de criar e explorar uma atividade econômica e a proibição de formas de atuação que 12 Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV - livre concorrência; [...] 17

deteriam a concorrência. 13 O dispositivo constitucional protege a livre iniciativa não só de restrições e interferências indevidas do poder público, mas também de impedimentos ou dificuldades criadas pelo poder econômico privado. 14 70. A livre concorrência complementa e instrumentaliza a livre iniciativa, equivalendo ao princípio econômico segundo o qual a fixação dos preços dos bens ou serviços não deve resultar de atos de autoridade, mas sim do livre jogo das forças em disputa no mercado. 15 A livre concorrência depende da liberdade de acesso e da liberdade de permanência no mercado, sendo portanto ameaçada pela existência de barreiras à entrada de novos concorrentes ou de práticas tendentes a excluir artificialmente atores econômicos do mercado. 16 71. A Constituição Federal consagra ainda, no artigo 173, 4º o princípio da repressão ao abuso de poder econômico, ao dispor que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 17 Esse princípio é a pedra angular do direito concorrencial brasileiro e foi cristalizado na Lei de Defesa da Concorrência, que visa a coibir o exercício do poder econômico contrário aos interesses sociais, enquadrando os atos tendente à dominação de mercados e à eliminação da concorrência como ilícitos concorrenciais. 72. A análise da possibilidade de que determinado comportamento (individual ou coletivo) configure ilícito concorrencial depende da avaliação de seu potencial quanto à geração de um dos efeitos anticompetitivos previstos no artigo 20 da Lei de Defesa da Concorrência: dominação do mercado ou exercício abusivo de posição 13 Cf. Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica e a Constituição de 1988, 3ª. ed, São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 223 e 226. 14 Nas palavras de José Afonso da Silva, Acontece que o desenvolvimento do poder econômico privado, fundado especialmente na concentração de empresas, é fator de limitação à iniciativa privada, na medida em que a concentração capitalista impede ou estorva a expansão de pequenas iniciativas econômicas. (In Curso de Direito Constitucional Positivo, 22ª. ed, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 771). 15 Cf. L.G.P.B. Leães, O dumping como forma de abuso do poder econômico, in Revista de Direito Mercantil 91, citado por Calixto Salomão Filho, op. cit., p. 37. 16 Vide Calixto Salomão Filho, op. cit., pp. 36 e 37. 17 Sobre o sentido e funções do citado artigo, vide Calixto Salomão Filho, Direito Concorrencial As Condutas, São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 106 a 108. 18

dominante. É necessário também identificar a natureza desse comportamento e verificar se tipifica alguma das condutas enumeradas no artigo 21 da mesma lei. 73. Como visto nos parágrafos 32 a 38 acima, diante das diferentes estruturas dos mercados em que atuam seguradoras e corretores de seguros a divulgação da comissão de corretagem facilitaria ainda mais a uniformização das comissões pagas a estes últimos. Além disso, a medida incentivaria a imposição unilateral ou coordenada de redução das comissões pelas seguradoras. 74. Essas condutas reduziriam a concorrência entre as seguradoras e dificultariam o livre exercício da profissão de corretor de seguros, infringindo assim os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa. Cumpre ressaltar que tais condutas têm capacidade de gerar o efeito previsto no artigo 20 da Lei de Defesa da Concorrência, qual seja, a dominação do mercado relevante de serviços securitários. 18 75. Os atos tendentes à dominação de mercados são caracterizados pela adoção de comportamento estratégico por parte dos atores econômicos dotados de poder de mercado, que se aproveitam de situações como elevado poder de barganha para restringir a concorrência. Como ensina Calixto Salomão Filho, dominação de mercado haverá toda vez que existir risco de limitar a concorrência em seu sentido institucional, isto é, reduzir a escolha do consumidor. Isso ocorrerá tanto quando 18 Dispõe a Lei de Defesa da Concorrência: Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; IV - exercer de forma abusiva posição dominante. (grifos nossos) 19

houver risco de exclusão de concorrente ou de colusão entre concorrentes que possa ter impacto sobre o mercado, limitando a escolha do consumidor. 19 76. De resto, as referidas condutas podem, a depender da forma como se manifestem, ser enquadradas em um ou mais dos seguintes tipos previstos no artigo 21 da Lei de Defesa da Concorrência: Art. 21. As seguintes condutas, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: I fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; II obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; [...] XI impor, no comércio de bens e serviços, a distribuidores, varejistas e representantes, preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros; [...] 77. Em vista do exposto, a divulgação da comissão de corretagem criaria campo fértil para a prática de ilícitos concorrenciais pelas seguradoras, impondo dificuldades à atuação dos corretores de seguros independentes e desestimulando o ingresso de novos corretores no mercado, em prejuízo da livre iniciativa. Ao lado disso, a medida reduziria ainda mais a já frágil concorrência no mercado brasileiro de seguros, 19 V. Calixto Salomão Filho, Direito Concorrencial As Condutas, pp. 121 e 122. 20

fazendo com que seu resultado provável a médio e longo prazo seja o aumento dos prêmios pagos pelos consumidores e não o fortalecimento desse mercado, como seria possível imaginar à primeira vista. 78. A intenção louvável da SUSEP, no entanto, pode ser alcançada caso sua proposta restrinja-se a medidas simples, eficazes e adequadas à via auto-regulatória, como se verá a seguir. VIII. CONVERGÊNCIA DA AUTO-REGULAÇÃO COM OS INTERESSES PÚBLICOS E PRIVADOS 79. Como visto no parágrafo 40 acima, a esfera de aplicação da autoregulação cinge-se ao estabelecimento de padrões éticos e técnicos aplicáveis à atuação de determinada categoria profissional. À luz desse fato e dos requisitos da autoregulação, os temas passíveis de tratamento pela via auto-regulatória no segmento da corretagem de seguros são os procedimentos de relacionamento e atendimento ao segurado e o código de ética e de boas práticas. 80. Como existe interesse comum e convergente dos corretores de seguros em disciplinar os referidos temas e resguardar a imagem de sua profissão, é grande a probabilidade de cooperação nessa seara. Pode-se presumir também que há coincidência entre o interesse público e o interesse particular, pois o estabelecimento de padrões mínimos de qualidade no atendimento dos corretores de seguros aos segurados, assim como o respeito a normas éticas pelos corretores, são fatores de interesse de toda a categoria e também do público em geral. Por fim, a edição de normas que versam sobre esses temas não importa violação a dispositivo constitucional ou legal. 81. Essas normas valorizam a classe dos corretores de seguros aos olhos de seus clientes e constituem justificativa adicional para o pagamento da comissão. De outro lado, os consumidores são beneficiados por maior profissionalismo na atuação dos corretores de seguros. 21

82. O estabelecimento de padrões mínimos de qualidade no atendimento dos corretores de seguros aos segurados pode ser atingido por meio de programas de treinamento continuado e reciclagem profissional. A habilitação do corretor ao exercício da profissão já depende da obtenção de aprovação em exame promovido pelas instituições autorizadas. 20 As normas fixadas pela auto-regulação devem se concentrar no aprimoramento dos corretores de seguros habilitados mediante cursos, palestras e seminários de participação obrigatória para ministrar treinamento. Tais iniciativas aumentariam sua capacidade de identificar as soluções mais adequadas a cada segurado e de informar com clareza e completude as vantagens e desvantagens de cada seguro, contribuindo para a melhoria dos serviços prestados. 83. O código de ética, por sua vez, estabelece princípios que formam a consciência profissional do corretor e devem nortear sua conduta no mercado. Entre outras normas de conteúdo ético, pode estipular que a comissão de corretagem não deve influenciar a recomendação do corretor em prejuízo da satisfação dos interesses do segurado. 84. A maior parte dessas medidas já vem sendo adotada pelos corretores de seguros, que além de ter editado um código de ética adequado aos padrões recomendados internacionalmente, promovem freqüentemente cursos e treinamentos para aprimorar os serviços prestados pela sua categoria profissional, contribuindo assim para o bem-estar do consumidor de serviços securitários. IX. CONCLUSÕES 85. Apresentamos a seguir as principais conclusões da presente manifestação: 20 Como determinam o art.123, 1º do Decreto-Lei n º 73/66 e o art. 2º da Resolução CSNP nº 29/89. 22

i) A estrutura oligopolizada do mercado brasileiro de seguros gera tendência à adoção de comportamentos paralelos e de comportamentos anticoncorrenciais pelas seguradoras. A figura do corretor de seguros independente é essencial para a preservação da concorrência nesse mercado, pois elimina uma das barreiras à entrada de novas seguradoras e garante a capilaridade da distribuição dos serviços securitários, ampliando sua oferta. Portanto, a função do corretor de seguros independente deve ser valorizada e a categoria precisa ter liberdade de atuação, assegurada pela autonomia e pelo retorno financeiro compatível com sua importância; ii) A divulgação da comissão de corretagem geraria sérios problemas no mercado de seguros, por criar ambiente propício para que as seguradoras uniformizassem as comissões pagas aos corretores de seguros ou impusessem a redução dessas comissões. Tais problemas ocorreriam independentemente da via pela qual a medida fosse imposta e aconteceriam tanto se a divulgação fosse feita nas apólices emitidas pelas seguradoras quanto se fosse feita na fase anterior à contratação do seguro pelo consumidor; iii) Apesar de possuir vantagens sobre a regulação estatal, a auto-regulação não pode ser vista como solução para o tratamento de quaisquer questões relativas ao exercício da atividade econômica. Ao contrário, sua capacidade está limitada a estabelecer padrões éticos e técnicos de uma atividade; iv) Para que o estabelecimento da auto-regulação seja viável, devem estar presentes três requisitos: (a) probabilidade de cooperação, (b) coincidência entre interesse público e particular e (c) ausência de restrições jurídicas relevantes. No que tange à divulgação da comissão de corretagem, a proposta da SUSEP confronta os requisitos para a auto-regulação; v) A grande heterogeneidade entre os inúmeros corretores de seguros que atuam no Brasil inviabiliza a cooperação quanto ao ponto que constitui a variável essencial para a concorrência nesse setor: o preço do serviço prestado; 23

vi) Também não há coincidência entre interesse público e particular. Ainda que os corretores de seguros aderissem a divulgação da sua comissão, essa medida não contribuiria decisivamente para a satisfação do interesse do consumidor, consistente na escolha do seguro mais adequado à sua necessidade e não daquele que poderia na verdade representar apenas maior ganho para o corretor. A medida poderia induzir o consumidor a escolhas equivocadas; vii) Há restrições jurídicas relevantes à adoção da medida, que incentivaria condutas que violariam dispositivos constitucionais e configurariam ilícitos concorrenciais tipificados na Lei de Defesa da Concorrência; viii) Ao contrário do que pretende a SUSEP, a divulgação da comissão de corretagem por qualquer meio enfraqueceria o setor de corretagem de seguros e com isso reduziria ainda mais a concorrência entre as seguradoras, em prejuízo do bemestar dos consumidores. A medida teria assim efeito inverso ao pretendido; e ix) O objetivo louvável de fortalecer o mercado de seguros no Brasil, contudo, poderia ser atingido caso a auto-regulação versasse sobre o estabelecimento de padrões éticos e técnicos para o exercício da atividade de corretagem de seguros, incluindo normas sobre treinamento e reciclagem profissional. São Paulo, 07 de Fevereiro de 2007. P - 24 - Leoncio de Arruda 24