Pº C.P.59/2013 STJ-CC Consulente: Município de.. Sumário: propriedade horizontal em direito de superfície Extinção do direito de superfície causada pela reunião do direito de propriedade do solo e dos direitos de propriedade (superficiária) das frações autónomas Objeto mediato do pedido de registo de aquisição da propriedade do solo. Relatório 1. Sobre um determinado prédio pertencente ao município consulente foi constituído direito de superfície a favor de uma cooperativa de habitação, com vista à construção de habitação social, tendo ficado convencionado no respetivo contrato o pagamento de uma prestação anual. O prédio em causa foi dividido em vários prédios por efeito de loteamento, tendo em cada um deles sido efetuadas as respetivas construções, entretanto submetidas ao regime da propriedade horizontal. 2. Tendo o consulente e os proprietários das frações autónomas chegado a acordo no sentido de extinguir o direito de superfície, mediante a transmissão da propriedade do solo - cuja contrapartida se pretende fazer corresponder ao valor das prestações em falta -, e porque, segundo informação de que o consulente afirma dispor, haveria para o efeito que pagar 185,00 pela celebração de cada escritura pública e 250,00 por cada registo, cuja soma perfaz um valor muito superior ao valor da contrapartida (54,00 ), o que, dada a fraca capacidade económica dos condóminos, inviabilizará a concretização do acordo alcançado, solicitou ao IRN a emissão de parecer no sentido de viabilizar o registo da extinção do direito de superfície no prédio mãe, evitando aos proprietários o encargo adicional de pagar o cancelamento de um registo que a maioria, e em boa verdade, nem tem consciência de ter celebrado e pago. 3. Por se ter considerado a questão melindrosa e complexa, foi superiormente determinada a sua apreciação por este Conselho Consultivo.
Questão prévia Dados os termos em que se mostra efetuada a consulta, e porque não é demais repeti-lo, passamos a transcrever o que, a propósito de outra consulta efetuada em termos muito semelhantes, ainda muito recentemente se escreveu no Pº C.P. 24/2013 STJ-CC 1 : 2. Feita a consulta nestes termos, cumprirá antes de mais dizer que, de acordo com o artigo 75.º-A/1 do Código de Registo Predial (CRP), a entidade competente para o ato de registo é o conservador, pelo que é a este que pertence a apreciação e a decisão do caso concreto, a tomar sempre segundo um critério de estrita legalidade (artigo 68.º do CRP), de forma independente, e livre de qualquer ordem ou influência administrativa que não radique em circular interpretativa ou em instrução geral sobre interpretação jurídica de normas e princípios que devam ser aplicados no exercício da atividade. 2.1. É, por isso, no processo próprio de registo, e através do competente pedido, que os interessados hão de suscitar, pela primeira vez, um juízo de viabilidade do registo, e é ao serviço de registo, através dos seus órgãos, não aos serviços centrais, que, em primeira instância, compete uma resposta para o caso concreto. 2.2. Em regra, só depois de proferida uma decisão pelo serviço de registo pode o superior hierárquico ser chamado a intervir, ainda assim, se desta decisão houver sido interposto recurso hierárquico, nos termos previstos e regulados nos artigos 140.º e seguintes do CRP, e, portanto, quando o interessado se não conforme com o entendimento (negativo) firmado em sede de qualificação registal. 2.3. Vale isto por dizer que a pronúncia que se segue não deverá versar sobre o caso concreto, senão sobre a questão jurídica que, em abstrato, dele podemos extrair, e que, ainda assim, o que aqui ficar escrito, podendo servir de orientação, não assume, todavia, caráter vinculativo ou qualquer restrição ou condicionamento dos poderes de qualificação que legalmente estão cometidos ao conservador, nem, obviamente, o liberta da responsabilidade pela decisão a tomar diante do pedido de registo. Pronúncia: a posição deste Conselho vai expressa na seguinte 1 Disponível em www.irn.mj.pt (Doutrina).
Deliberação 1. Da constituição do regime da propriedade horizontal sobre edifício construído em terreno alheio no exercício de direito de superfície, resulta um afastamento do regime regra constante dos artigos 1420º e 1421º/1/a) e 2/b) do Código Civil, na medida em que o solo fica excluído do estatuto resultante do regime da propriedade horizontal, quer como objeto do direito de compropriedade das partes comuns, quer como objeto do direito de propriedade exclusivo de cada condómino 2. 2. Daquela situação jurídica do prédio - traduzida na coexistência do direito de propriedade do solo e dos direitos de propriedade superficiária das frações autónomas -, conjugada com a transmissibilidade desses direitos ( art. 1534º do Código Civil), decorre a existência de uma diversidade de objetos no plano das eventuais futuras relações jurídicas, à qual deverá corresponder uma adequada formulação dos respetivos pedidos de registo, com referência à ficha genérica ou às fichas subordinadas, respetivamente. 3. Adquirida a propriedade do solo pelos condóminos 3, o registo do facto aquisitivo deve ser efetuado na ficha genérica do prédio, numa única inscrição, nos termos do art. 99º/1/a) do Código de Registo Predial 4. 2 Temos, num primeiro plano, uma diversidade de titularidade da propriedade do solo e da propriedade superficiária e, já no plano desta última propriedade, uma pluralidade de direitos exclusivos. Um primeiro ponto a realçar nesta situação jurídica de propriedade horizontal em direito de superfície, é o de que, após a constituição da propriedade horizontal, continua a existir um único direito de superfície, e não tantos direitos de superfície quantos os condóminos. Por outro lado, e como segundo ponto a realçar, verifica-se que a autonomização jurídica das frações autónomas não produz aqui, ipso iure, ao contrário do que em regra acontece, o efeito da incorporação do solo em qualquer dos direitos que passam a integrar, incindivelmente, os direitos dos condóminos, quer daquele solo que imperativamente integra o direito de compropriedade, quer daquele que pode integrar o direito de propriedade exclusiva. 3 Resultando inequivocamente do regime do instituto da propriedade horizontal (artigos 1414º a 1438º do Código Civil) que o nosso sistema jurídico não confere personalidade jurídica ao condomínio cfr. o tratamento aprofundado desta matéria feito por Carvalho Fernandes, in Da natureza Jurídica do direito de propriedade horizontal, Cadernos de Direito Privado, nº 15, pág.s 6 a 9, - não é sequer conjeturável que a aquisição do solo, neste contexto da extinção do direito de superfície, possa deixar de ter lugar a favor dos condóminos.
4. Aquela reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade (art.1536º/1/d) do Código Civil) constitui causa da extinção daquele direito 5. 4 A questão submetida a consulta no plano da intenção de concretização de acordo existente entre o consulente (proprietário do solo) e os condóminos do prédio (proprietários superficiários), no sentido de aquele transmitir a estes o seu direito de propriedade do solo, extinguindo o direito de superfície - é a de saber se, efetuada uma escritura de aquisição do solo por cada condómino ( na proporção da respetiva permilagem), será possível, por razão dos custos associados, efetuar um só registo de aquisição do solo na descrição genérica, ao invés de efetuar tantos registos de aquisição (nas descrições subordinadas, cada um com referência à respetiva quota na compropriedade) quantas as frações autónomas. Configurámos no texto a hipótese, que é a que subjaz à consulta, de se ter dado a aquisição do solo por parte de todos os condóminos, com base em vários títulos, e de, assim, o pedido de registo ter por objeto mediato a totalidade da propriedade do solo. Parece estar implícito na forma como é colocada a questão, que haverá que efetuar uma escritura para a aquisição de cada condómino, o que, segundo nos parece, não corresponde a uma exigência legal. Bem pelo contrário, a unidade de estatuto a que se encontra sujeito o edifício submetido ao regime de propriedade horizontal e a existência de um único direito de superfície, conjugadas com a vontade do proprietário do solo e dos proprietários superficiários na extinção do direito de superfície, apontam inequivocamente para considerar como legalmente mais coerente a solução de outorga de um só título. Em qualquer caso ou seja, também naquele em que, tendo sido celebrados vários títulos, não seja efetuado um único pedido de registo de aquisição da totalidade da propriedade do solo o(s) registo(s) não pode(m) deixar de ser efetuados na ficha genérica, sendo que, nesta hipótese, a extinção do direito de superfície só se mostrará publicitada quando vier a estar registada a aquisição da totalidade da propriedade do solo a favor dos condóminos. De referir ainda, neste ponto, que o registo seria igualmente efetuado na ficha genérica no caso de aquisição do solo por terceiro (não superficiário), hipótese que cabe na previsão de transmissibilidade constante do art. 1534º do Código Civil. Em suma: esta forma de atuação do princípio da instância e de publicitação da aquisição do solo é a que decorre do que anteriormente se disse ( cfr. nºs 1 e 2 desta deliberação e nota 2) quanto à reunião, na situação jurídica do prédio, dos regimes dos institutos do direito de superfície e da propriedade horizontal, não tendo aqui aplicação a doutrina reiteradamente defendida por este Conselho para a situação comum( de prédio exclusivamente em propriedade horizontal), de que a partir do registo da constituição da propriedade horizontal, não é possível efetuar (definitivamente) qualquer registo de facto que tenha o prédio por objeto mediato, ou seja, na descrição genérica ( Cfr., a título de exemplo, o Pº R.P. 121/2009 SJC-CT, disponível em www.irn.mj.p (Doutrina)). Se, na situção comum, a descrição originária, ao tornar-se genérica, deixou de ser a «imagem» do superado e não já atuante «prédio-coisa unitária, como se escreveu naquele processo, neste caso, apesar de ter deixado de ser aquela imagem, a descrição genérica passa a ser o suporte da publicitação dos factos respeitantes ao solo. Vindo a dar-se a extinção do direito de superfície, com a incorporação do solo no direito de proprieddade horizontal, aí sim, a descrição passa a assumir um integral caráter genérico. 5 Claro está que a identidade subjetiva ( mesma pessoa ) é aqui aferida em razão qualidade de condóminos e da coincidência entre as quotas de compropriedade adquiridas quanto ao terreno e os valores das percentagens ou permilagens atribuídos no regime da propriedade horizontal(art. 1418º do Código Civil), situação que o registo não poderá deixar de patentear. Referindo-se o consulente ( cfr. citação feita no ponto 2 do Relatório) a registo de cancelamento da inscrição de direito de superfície, importa notar que a extinção do direito de superfície por confusão não dá
Deliberação aprovada em sessão do Conselho Consultivo de 17 de outubro de 2013. Luís Manuel Nunes Martins, relator. Esta deliberação foi homologada pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo em 31.10.2013. lugar ao cancelamento da respetiva inscrição ( Cfr. Pº C.P. 43/2007 DSJ-CT, disponível em www.irn.mj.pt (Doutrina). Publicitando os registos, como devem publicitar, quais os factos registados (aquisição em(ou do) direito de superfície e aquisição do solo, respetivamente) bem como os respetivos sujeitos ativos, a extinção do direito de superfície é indiretamente revelada ( publicitada ) pela existência daqueles dois registos que, somados, correspondem ao registo da propriedade plena.