PALAVRAS-CHAVE: Preservação, Conservação, campo de saber, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade.

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Transcrição:

PRESERVAR, RESTAURAR E CONSERVAR... INTER, MULTI E TRANSDISCIPLINARMENTE Mariah Martins Mestre HCTE mariah@hcte.ufrj.br RESUMO: O campo da Preservação, que vem se desenvolvendo no país a poucas décadas de forma autônoma, necessita de maiores estudos para compreender sua constituição e continuamente repensar seus obstáculos. Este trabalho pretende iniciar uma pesquisa que buscará compreender a formação do campo de conhecimento da Preservação e seus campos correlatos da Conservação e Restauração, considerando seu caráter de estudos inter, multi, e quiçá, transdisciplinares. PALAVRAS-CHAVE: Preservação, Conservação, campo de saber, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade. A busca por uma compreensão nítida e substancial do que é a restauração e conservação, enquanto saber, e sua formação, solicita inicialmente atenção à noção de preservação e principalmente de patrimônio. Difícil apresentar esse tema sem retornar ou deslocar-se, um pouco, para o que já se configurou como patrimônio. Armando Coelho Ferreira da Silva, na oração de sapiência na abertura solene do ano letivo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1997, fala sobre as Ciências do Patrimônio, sendo a conservação e restauração paradigmas entre essas ciências. 1 A ideia de patrimônio vem de uma noção antiga relacionada a bens familiares, herança, em seus desdobramentos jurídicos e econômicos. A palavra, ao longo dos anos, ganhou diversos usos, sendo o patrimônio histórico uma de suas principais significações. Por patrimônio histórico é possível compreender bens designados ao uso pela sociedade, que constituem um grupo de objetos com passado em comum. 2 1 SILVA, Armando Coelho Ferreira da. A(s) Ciência(s) do Património: notas para a fundamentação e enquadramento da conservação e restauro. Revista da Faculdade de Letras: Ciências e Técnicas do Património. 1ª série, v. 1. Porto, 2002. pp. 211-220. 2 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001.

Entretanto, não é tão nítida a significação desta palavra. A constante mudança semântica confirma isto. Para pensar estas alterações podemos utilizar o exemplo das edificações. Será a noção de monumento histórico o expoente da questão. Inicialmente foram considerados como monumentos os castelos, edifícios medievais e da antiguidade conforme apontado pela Comissão dos Monumentos Históricos da França, criada em 1837. Aos poucos esses monumentos iriam se expandir em suas exemplificações, passando não apenas pelas edificações eruditas, e considerando as construções populares e não monumentais, sítios históricos e espaços urbanos, se estendendo além do continente europeu, não cabendo mais no conceito primeiro de monumento. Em 1964, a segunda Conferência Internacional para a Conservação dos Monumentos Históricos, em Veneza, contou com a participação de três países não pertencentes ao continente europeu. Desta forma, para Choay, ocorre uma tripla extensão da noção de bem patrimonial: tipológica, cronológica e geográfica. Estas serão acompanhadas também pela ampliação de seu público. A partir daí, a questão que a autora apresenta refere-se à contradição que a ingerência do patrimônio institui: a medida em que se limitar a ampliação do patrimônio e seus desdobramentos, conservação e salvaguarda, permite a continuidade do objetivo primordial do projeto de bens patrimoniais? Por meio destas questões a autora pretende inserir o patrimônio histórico na reflexão do destino das sociedades contemporâneas. São muitas as disciplinas e saberes que utilizam bens patrimoniais como objetos. Esses usos são específicos de cada respectiva área, com seus métodos, teorias e conceitos para um mesmo tipo de bem. Ao falarmos de patrimônio podemos pensar em acervos e seus documentos, que podem ser institucionais e também pessoais; livros; objetos de arte, materiais científicos e/ou tecnológicos e ainda edifícios e monumentos. O ponto fulcral para a questão do patrimônio é o valor. São reconhecidos distintos valores para os itens, como histórico, artístico ou estético, científico ou de pesquisa, e social ou espiritual, podem ser responsáveis pela preservação de um ou mais desses itens quatro principais espaços de guarda de patrimônio: museus,

bibliotecas, arquivos e galerias conforme indica o guia produzido pelo Conselho de Coleções da Austrália. 3 Estabelecer valores de determinado bem para a comunidade é o primeiro passo para compreender seu caráter patrimonial e consequentemente a necessidade da preservação. A partir disto é possível construir políticas e ações em prol do acesso mais eficiente a esses bens, compreendendo sua história, a cultura e o desenvolvimento de uma determinada sociedade. 4 A preservação se estabelece como campo autônomo que abrange saberes diversos que lidam com o patrimônio. Possui normas e leis, profissionais e campos de atuação específicos deste conhecimento. Em sua semântica preservar encontra os sentidos de proteger, salvaguardar, conservar e manter ao natural. Compreendendo a grande área das Ciências do Patrimômio, a Preservação é o ponto mais amplo e filosófico, inicia com intenções, estudos, definição de conceitos, acolhendo as teorias de suas disciplinas parceiras, como a conservação e a restauração. A continuidade das atividades de preservação caminha também para o estabelecimento de ações práticas. A conservação se estabelece neste momento, tornando a preservação e suas políticas algo concreto. Compreendendo que as principais Ciências do Patrimônio são a Preservação, a Restauração e a Conservação, identifica-se também o estabelecimento dessas em paralelo. A preservação, por exemplo, se estabelecerá, sistematizada, a partir de fins do século XVIII. Marco das teorias de restauração, nomes como Eugène Viollet-le-Duc e Jonh Ruskin, durante o século XIX apresentaram novas concepções relativas ao modo de intervenção nos bens. O primeiro acreditava na necessidade de intervenção para alcançar uma idealização do objeto, mesmo que alterações significativas fossem necessárias. Já o segundo autor preconizava a total consideração pela matéria original. 5 Já no século XX será Alois Riegl o nome que trará novas perspectivas para essa área. Sua contribuição foi fundamental para preservação fundamentar-se como campo autônomo, trazendo a este meio a noção de relativização nas ações. 3 RUSSEL, Roslyn. WINKWORTH, Kylie. Significance 2.0: a guide to assessing the significance of collections. 2ª ed. Collections Council of Australia Ltd. 2009. 4 Idem. 5 KUHL, Beatriz Mugayar. História e Ética na Conservação e na Restauração de Monumentos Históricos. R. CPC, São Paulo, v.1, n.1, p. 16-40, nov. 2005/ abr. 2006

Assim, a conservação manterá as ações em prol da preservação, admitindo uma intervenção, certo de que todo bem, com o passar do tempo, sofre intervenções, e a restauração, reconhecendo valores culturais ao bem, analisará a formação física, seu processo de produção, admitindo a passagem do tempo e suas consequências. A partir das noções de patrimônio emerge também conceitos como conservação e restauração. Como paradigma entre as ciências do patrimônio as questões iminentes da conservação e restauro ganham largo alcance nos tempos modernos onde guardar e lembrar são necessidades constantes das gerações que passam e ainda virão. paradigma entre as ciências do património e de importância nuclear à sua própria essência enquanto conatural ao conceito de património, que simultaneamente implica a preocupação de guardar o melhor possível os testemunhos culturais do passado para, juntamente com os que vão sendo por nós criados, os transmitir as gerações vindouras. (SILVA, 2002, p.213) A conservação e a restauração devem preservar e auxiliar a compreensão dos valores de um bem, obra, artefato ou monumento, sem que as marcas do tempo que ele carregue sejam apagadas. O trabalho dos profissionais envolvidos com a preservação, arquitetos, conservadores, engenheiros, arqueólogos, historiadores, conservadores e etc, é de extrema responsabilidade já que em suas funções se assenta o respeito pelo passado com a compreensão de possíveis novas apreensões pelo presente, e as reflexões futuras. É possível compreender o campo da preservação por outro viés, seu caráter interdisciplinar. Para esta pesquisa inicial utiliza-se os conceitos e fundamentos, primordialmente, do filósofo brasileiro Hilton Ferreira Japiassú, e em segundo plano Ivani Catarina Arantes Fazenda. A interdisciplinaridade se desenvolveu como conceito no Brasil principalmente a partir desses dois teóricos. Japiassú compreende como interdisciplinaridade o estudo sobre o conhecimento que derruba os muros disciplinares. Para ele, disciplina é a ciência, disciplinaridade a reflexão sobre ela, e a interdisciplinaridade a análise do conhecimento levando em consideração as diversas disciplinas, buscando não mais se compactar no isolamento que os estudos disciplinares e suas especializações tem desenvolvido. 6 6 JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

Nesta configuração, interdisciplinar, as disciplinas se tornam um meio de se alcançar o conhecimento, e não seu fim, indo de encontro ao caráter dogmático que carregam. A esta realidade de reflexão se estabelece a maior possibilidade de compreensão da ciência por parte da sociedade, que através da amplitude de conceitos pode participar de forma ativa da reflexão, indo além da assimilação que o conhecimento disciplinar introduz. O saber fragmentado que as especialização disciplinares fundamentaram por fim, tem gerado constante estagnação, não percebida pelos produtores, a seu desenvolvimento. As disciplinas evoluem com suas descobertas microscópicas e permanecem impondo suas verdades ao mundo que não acompanha ao nível do saber. A divulgação científica popularizada pelas ciências disciplinares é a manutenção deste poder através de dogmas que são impostos a comunidade em geral. A proposta dos teóricos citados está no estabelecimento e expansão da interdisciplinaridade e sua práticas, enquanto forma de conhecimento que busca dominar disciplinas e seus métodos, mas desenvolver-se além das barreiras que as sustentam, de maneira democrática, ética e política, para que seja desenvolvida a nível epistemológico e pedagógico primordialmente. A interdisciplinaridade não é a única proposta conceituada pelos autores. A multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade são definidas enquanto conhecimentos que não alcançam o nível interdisciplinar, pois permanecem produzindo resultados disciplinares, apesar de apresentarem a possibilidade de se pensar um determinado tema pelo viés de distintas disciplinas e até se correlacionarem neste exercício (conforme indicado por Japiassú para a pluridisciplinaridade). Entretanto é a transdisciplinaridade, apresentada por Japiassú, o espírito que o pensar e a educação necessitam desenvolver para ultrapassar a estagnação que o conhecimento se encontra perante o mundo contemporâneo. Como abordagem científica que se pretende ser, mas como abordagem cultural e social que é, o transdisciplinar diz respeito ao que está entre as disciplinas, através delas e além de cada uma. Seu projeto utópico? Contextualizar e globalizar, isto é, ver e avaliar um problema sob todos os seus ângulos e em todas as suas dimensões, implicando a construção de uma visão ao mesmo tempo transcultural e transhistórica permitindo-nos

compreender o mundo atual em sua complexidade e o ser humano em suas ambiguidades e contradições. 7 Desta maneira, este trabalho se constitui como inicio de uma pesquisa e proposta de avaliar o campo da preservação, e seus subcampos, da conservação e restauração, como conhecimentos interdisciplinares. Entretanto, no se fecham nesta atuação, possuem práticas multi e pluridisciplinares também. Mas está um seu caráter interdisciplinar a principal inovação. É compreendido atualmente como um conhecimento autônomo constituído pela presença de várias disciplinas, entretanto apenas por meio de olhares variantes, proposições de diversas áreas, e principalmente por um caráter flexível na tomada de decisões, seu desenvolvimento é viável. Além disso, será na ampliação deste caráter, pelo caminhar transdisciplinar, que a Preservação poderá conquistar os melhores resultados em seu trabalho de responsabilidade sobre o patrimônio para a sociedade. Pela importância desta atividade para a comunidade geral e também acadêmica e educacional, identificamos que ainda serão incluídas no desenvolver destas atividades muitas áreas do conhecimento. Assim não serão apenas os profissionais dedicados à preservação os contribuintes e atuantes nesta área, o que corrobora a necessidade singular de ampliação das práticas transdisciplinares na área. 7 JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar: e as razões da filosofia. Rio de Janeiro Imago, 2006, p.1.

REFERÊNCIAS CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001. JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.. O sonho transdisciplinar: e as razões da filosofia. Rio de Janeiro Imago, 2006, KUHL, Beatriz Mugayar. História e Ética na Conservação e na Restauração de Monumentos Históricos. R. CPC, São Paulo, v.1, n.1, p. 16-40, nov. 2005/ abr. 2006. RUSSEL, Roslyn. WINKWORTH, Kylie. Significance 2.0: a guide to assessing the significance of collections. 2ª ed. Collections Council of Australia Ltd. 2009. SILVA, Armando Coelho Ferreira da. A(s) Ciência(s) do Património: notas para a fundamentação e enquadramento da conservação e restauro. Revista da Faculdade de Letras: Ciências e Técnicas do Património. 1ª série, v. 1. Porto, 2002. pp. 211-220. SOARES, Isis Salviano Roverso. OLIVEIRA, Claudia Terezinha de Andrade. Preservação arquitetônica: teoria, legislação e prática. Revista CPC, São Paulo, n.15, p. 137-162, nov. 2012/abr. 2013.