UM ESTUDO ESTATÍSTICO DA DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA EM PARA-RAIOS ZnO INSTALADOS AO LONGO DE LINHAS DE TRANSMISSÃO. R. O. Pedrosa* I. J. S. Lopes* S. C. Assis** *Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica - Universidade Federal de Minas Gerais - Av. Antônio Carlos 6627, 31270-901, Belo Horizonte, MG, Brasil. ** CEMIG Distribuição. RESUMO A instalação de para-raios de linha tem sido uma solução para se melhorar o desempenho das linhas de transmissão frente a descargas atmosféricas. Nas linhas com faixa de tensão abaixo de 230 kv, esta técnica tem se mostrado bastante eficiente. Entretanto, existem poucos trabalhos conclusivos a respeito da capacidade de absorção de energia dos para-raios instalados nessas LT s. Sendo a descarga atmosférica um fenômeno estatístico, os para-raios de linha são submetidos a diferentes tipos de descarga e, consequentemente, a diferentes montantes de energia que podem estressá-los bastante. Este trabalho tem por objetivo avaliar de forma estatística a energia absorvida pelos para-raios quando da incidência de descargas sobre uma linha de transmissão de 138 kv. O estudo estatístico é realizado através da interação entre os programas ATP e MatLab. Foram consideradas as condições de instalação de para-raios isoladamente em uma estrutura atingida ou ao longo de todo o sistema. Adicionalmente, avaliou-se a influência da impedância de aterramento da torre atingida, no montante de energia a que os para-raios são submetidos. PALAVRAS-CHAVE ATP, Coordenação de Isolamento, Descarga atmosférica, Energia de para-raios de óxido de zinco, ZnO, Linha de Transmissão, MatLab, Transitório Eletromagnético. 1 / 8
1. INTRODUÇÃO As descargas atmosféricas são as principais fontes de sobretensões em linhas de transmissão aéreas. Geralmente, nas linhas operando em até 230 kv, mais que metade dos desligamentos não programados são causados pelas sobretensões atmosféricas [1]. De acordo com estatísticas internacionais, elas são responsáveis por 65% dos desligamentos em linhas de transmissão [2,3]. A cada dia, exige-se do sistema elétrico uma confiabilidade cada vez maior. Para se garantir um desempenho aceitável das linhas de transmissão frente a descargas atmosféricas, varias ações corretivas são possíveis [4]. A instalação de para-raios de óxido de zinco (ZnO) em paralelo com as cadeias de isoladores das linhas constitui uma técnica atualmente utilizada para melhorar o desempenho de linhas que apresentam índices de desligamentos elevados. Essa técnica tem se mostrado mais eficiente do que os métodos clássicos de correção no ângulo de blindagem ou da melhoria do sistema de aterramento, principalmente para certas condições de terreno onde a resistividade do solo é alta [5]. Sendo a descarga atmosférica um fenômeno de natureza estatística, os para-raios de linha são submetidos a diferentes intensidades de descarga e, consequentemente, a diferentes montantes de energia que podem estressá-los em demasia. Desta forma torna-se necessário um dimensionamento eficiente do para-raios considerando sua capacidade de absorção de energia, sem no entando onerar a solução e nem violar aspectos mecânicos de instalação. Estudos de energia em para-raios de linha podem ser feitos de forma estatística de modo a se evitar resultados conservativos. Os parâmetros das descargas atmosféricas (amplitude, tempos de frente e cauda) assim como os dados da linha de transmissão em análise, tem grande influência no montante de energia a que os para-raios são submetidos. Visto o alto investimento necessário para aquisição de para-raios ZnO, bem como que a sua capacidade de absorção de energia é um dos parâmetros que influenciam no custo unitário, um dimensionamento adequado frente à energia permite uma redução do investimento inicial, possibilitando a instalação de forma a garantir a disponibilidade de linhas, permitindo faturamento, evitando multas dos agentes reguladores e desgastes da imagem das concessionárias junto aos consumidores. Conforme apresentado em [6], assim como a resistência de aterramento, os parâmetros da descarga atmosférica e o número de torres adjacentes utilizado na modelagem influenciam bastante no montante de energia do para-raios de linha. Descargas com frentes mais rápidas e caudas mais longas contribuem para uma maior absorção de energia do para-raios. Quando para-raios são instalados apenas nas fases da torre onde a descarga incide, o cômputo da energia do para-raios pode ser feito considerando apenas duas torres adjacentes no modelo. Um número maior de torres adjacentes não contribui significativamente no montante de energia do para-raios. Já para sistemas com para-raios instalados em todas as torres é necessária uma análise mais detalhada. Descargas atmosféricas de amplitude elevada e cauda longa podem levar a um aumento significativo na energia do para-raios quando um número maior de torres adjacentes compõe o sistema modelado. O presente trabalho tem por objetivo avaliar, de forma estatística, a energia absorvida pelos para-raios quando da incidência de diferentes descargas sobre uma linha de transmissão de 138 kv. O estudo estatístico é realizado através da interação entre os programas ATP e MatLab. Foram consideradas as condições de instalação de para-raios isoladamente em uma estrutura atingida ou ao longo de todo o sistema. Avaliou-se, também, a influência da impedância de aterramento da torre atingida no montante de energia a que os para-raios são submetidos. 2 / 8
2. MODELAGEM DOS ELEMENTOS Todas as simulações foram realizadas a partir de um caso base feito no programa de transitórios eletromagnéticos ATP, onde se considerou um passo de cálculo de 1ns. Os modelos utilizados para este caso são descritos a seguir. 2.1 Descarga Incidente Para o surto incidente foi utilizado o modelo de onda ideal triangular, mostrada na Figura 1(a), com amplitudes variáveis e tempos de frente e cauda de 2µs e 65µs, respectivamente. Fig. 1. (a) Forma de Onda da Descarga Incidente (50kA, 2/65us). (b) Curva VxI do para-raios utilizado. A amplitude da descarga incidente foi variada entre 1kA e 200kA. As probabilidades de ocorrência das descargas descendentes negativas com amplitudes acima de um determinado valor podem ser estimadas a partir da equação 1, obtida de [7]. Já a probabilidade de ocorrência de taxas de crescimento de correntes superiores a uma taxa considerada, pode ser estimada a partir da equação 2, retirada de [5,7]. 1 P I 26. I 1 31 onde, P I é a probabilidade da corrente de descarga atmosférica I(kA) ser excedida. 1 P di 4 di 1 1 dt 24 onde, P di é a probabilidade da taxa de crescimento (di/dt), em ka/µs, da corrente de descarga atmosférica I(kA) ser excedida. (1) (2) 2.2 Linha de Transmissão A linha de transmissão de 138 kv foi modelada de forma polifásica, considerando o modelo de Bergeron. A geometria dos condutores é mostrada na Figura 2. Os condutores são do tipo LINNET e o cabo guarda 3/8 EHS. Os condutores possuem uma flecha de 8 metros enquanto o cabo guarda possui 5.5 metros de flecha. A linha possui um vão médio de 350 metros. 3 / 8
Fig. 2. Geometria da torre de 138 kv, circuito simples, retirado de [8]. Para evitar reflexões nas terminações da linha, foram consideradas, em ambas as extremidades, linhas de comprimento suficientemente elevado (50 km). 2.3 Torres As torres foram representadas como linhas monofásicas sem perdas [8], modelada através de parâmetros distribuídos. A velocidade de propagação adotada foi 80% da velocidade da luz e a impedância de surto da torre (Zt) foi calculada segundo a Equação 3, de acordo com [9]. 2 2 2 h r Zt 30ln 2 r onde h é a altura da torre em metros e r é o raio do meio da torre em metros. (3) Assim, a impedância de surto da torre, segundo a Equação 3, é 205 Ω. 2.4 Impedâncias de Aterramento O sistema de aterramento foi modelado como resistências concentradas com valores iguais a 70 % do valor da resistência de aterramento em baixa frequencia, conforme apresentado em [7] e [8]. As resistências analisadas foram 14Ω, 70Ω e 115Ω, resultando em impedâncias de aterramento iguais a 10 Ω, 50 Ω e 80 Ω, respectivamente. 2.4 Para-raios O para-raios ZnO foi modelado como um elemento de resistência não linear. A modelagem do pararaios foi feita através da sua curva VxI, mostrada na Figura 1(b). Este para-raios possui tensão nominal de 120 kv, tensão de operação máxima contínua de 98 kv e capacidade de energia de 5,5kJ/kV da MCOV (540kJ), de acordo com [10]. 4 / 8
3. METODOLOGIA A partir de um caso base, as simulações foram realizadas de forma automática dentro do programa MatLab, conforme fluxograma da Figura 3, cujas etapas são descritas a seguir. Fig. 3. Fluxograma descritivo das rotinas de interação entre os programas ATP e MatLab. O programa Matlab foi utilizado para gerar os parâmetros da descarga. Foram geradas descargas com frente de onda e cauda fixas, mas de amplitudes variáveis. A geração das amplitudes da descarga foi realizada de forma a cobrir um espectro completo de amplitudes que possam vir a incidir em um sistema de transmissão. Foram simuladas, então, descargas entre 1kA e 200kA, em intervalos de 0.5kA, num total de 400 descargas para cada caso executado. O código desenvolvido modifica o arquivo base ATP, adequando os dados das descargas gerados. Os arquivos gerados são processados através do ATP. Em seguida, em uma etapa de pósprocessamento, lê-se os máximos valores de energia sobre os para-raios. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES A linha foi modelada conforme apresentado no item 2, no programa de cálculo de transitórios eletromagnéticos ATP, variando-se os parâmetros da descarga, assim como a impedância de aterramento da torre onde a descarga incide e as condições de instalação de para-raios, isoladamente em uma estrutura atingida ou ao longo de todo o sistema. A Figura 4 apresenta a máxima energia absorvida pelo para-raios, kj/kv da tensão nominal, em função da frequência de ocorrência. Essa máxima energia ocorre no para-raios instalado na fase C da torre atingida, pois possui menor fator de acoplamento como visto na Figura 2. A Figura 4(a) apresenta a situação em que para-raios é instalado em todas as fases apenas da torre atingida e a Figura 4(b), pararaios instalados em todas as fases de todas as torres do sistema. A impedância de aterramento de todas as torres é de 50Ω. Pode-se notar que para-raios instalados em todas as torres do sistema são submetidos a níveis de energia mais altos comparados ao caso onde para-raios são instalados em apenas algumas estruturas. Verifica-se que, a maior energia a que o para-raios é submetido é de 5 / 8
aproximadamente 3,5 kj/kv. Este valor é cerca de 78% da energia nominal de para-raios de linha classe 2. Independente do valor das impedâncias de aterramento das torres, o resultado anterior é sempre observado. A Tabela I mostra a máxima energia dissipada pelos para-raios, nas duas situações, para diferentes valores de impedância de aterramento da torre atingida, quando uma descarga de 50kA, 2µs de frente e 65µs de cauda incide no sistema. Observa-se que para baixas impedâncias de aterramento, a diferença entre as duas situações é insiginificante, já que nesta situação os para-raios instalados não atuam e, consequentemente, a energia por eles absorvida é mínima. TABELA I ENERGIA DOS PARA-RAIOS PARA UMA DESCARGA DE 50 KA Máxima Energia dissipada pelo PR (kj/kv) Descarga (50kA, 2/65µs) Instalação de para-raios Apenas na torre atingida Impedância de aterramento da torre atingida(ω) 10 50 80 0.005 0.057 0.073 Todas as torres 0.006 0.115 0.184 Fig. 4. Máxima energia dissipada pelo PR em função da frequência de ocorrência. A Figura 5 mostra a máxima energia absorvida pelo para-raios, kj/kv da tensão nominal, em função da frequência de ocorrência, mas variando-se a impedância de aterramento da torre onde a descarga incide e considerando apenas a situação mais crítica de instalação de para-raios, ou seja, para-raios instalados em todas as fases de todas as torres. A Figura 5(a) exibe os resultados para torre com impedância de aterramento de 10Ω e a Figura 5(b) para torre com 80Ω de impedância de aterramento. Observa-se que um aumento de 5 vezes na impedância de aterramento, leva a um aumento da mesma ordem na máxima energia absorvida pelo para-raios (0.7kJ/kV para 3.5kJ/kV) e um aumento de 8 vezes na impedância de aterramento, eleva em 6 vezes a máxima energia absorvida (0.7kJ/kV para 4.2kJ/kV). Apesar da energia absorvida pelo para-raios ser maior quando a impedância de aterramento da torre atingida aumenta, o para-raios classe 2 dimensionado suporta os casos apresentados, visto que a máxima energia absorvida foi de 4.2kJ/kV. 6 / 8
Fig. 5. Máxima energia dissipada pelo PR em função da frequência de ocorrência. A Figura 6 apresenta a máxima energia absorvida pelo para-raios, kj/kv da tensão nominal, em função da frequência de ocorrência, mas variando-se a impedância de aterramento das torres adjacentes e considerando novamente para-raios instalados em todas as fases de todas as torres. Na Figura 6(a), torres com impedância de aterramento de 50Ω e na Figura 6(b), torres adjacentes com 10Ω de impedância de aterramento e 50Ω na torre atingida. Observa-se que ambas as situações são bastante parecidas, sugerindo que, na situação de para-raios instalados em todo o sistema, o valor da impedância de aterramento das torres adjacentes não influencia significativamente no montante de energia a que os para-raios são submetidos. Fig. 6. Máxima energia dissipada pelo PR em função da frequência de ocorrência. 5. CONCLUSÃO Este trabalho analisou de forma estatística, a energia absorvida pelos para-raios quando da incidência de diferentes descargas sobre uma linha de transmissão de 138 kv, através da interação entre os programas ATP e MatLab. Foram consideradas as condições de instalação de para-raios isoladamente em uma estrutura atingida ou ao longo de todo o sistema. Também, avaliou-se a influência da impedância de aterramento da torre atingida na energia absorvida pelos para-raios. Os resultados mostram que para todas as situações os para-raios classe 2, tradicionalmente instalados nas linhas de transmissão, não serão extressados exorbitantemente. A máxima energia dissipada pelo para-raios foi aproximadamente 4.3 kj/kv, para uma onda com amplitude de 200 ka, tempo de frente 2µs e cauda 65µs. A capacidade de energia de um para-raios Classe 2 é de 4.5kJ/kV. Através da análise estatística, percebe-se que um para-raios classe 2 instalado em linha de transmissão de 138 kv, com características semelhantes à analisada possuem boa margem de segurança. Energias 7 / 8
acima de 3kJ/kV foram raras no sistema proposto. A probabilidade de esta energia ser obtida ou superada é da ordem de 0.004%. Tendo em vista este resultado, os autores trabalham agora num estudo mais detalhado levando também em consideração a probabilidade da descarga atmosférica atingir uma determinada torre. Com essa probabilidade será possível determinar a probabilidade do número de descargas que poderão atingir torres sem para-raios e causar desligamentos e, ainda, dimensionar correntamente os para-raios considerando a capacidade energética dos mesmos. 6. AGRADECIMENTOS "O presente trabalho foi realizado com o apoio financeiro da CAPES Brasil e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Brasil. BIBLIOGRAFIA [1] CIGRE WG C4.301, Use of Surge Arresters for Lightning Protection of Transmission Lines, Dez. 2010. [2] A. B. Lima, Método para Cálculo da Impedância de Malhas de Aterramento de Torres de Linhas de Transmissão, Dissertação de Mestrado, Dept. Eng. Elétrica, Univ. Fed. de Minas Gerais, 2010. [3] J.C.C.Viana, Estudo de Aplicação de Pára-raios ZnO em Linhas de Transmissão em Regiões de Nível Ceráunico e Resistência de Aterramento Elevados, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009. [4] Handbook for Improving Overhead Transmission Line Lightning Performance, EPRI, Palo Alto, CA: 2004.1002019. [5] L.C. Z. Junior, Transitórios Eletromagnéticos em Sistemas de Potência, EDUSP, 2003. [6] R.O.Pedrosa, I.J.S.Lopes, Influência dos Parâmetros das Descargas Atmosféricas e da Modelagem da Linha de Transmissão na Absorção de Energia dos Para-raios de ZnO, Sixth IEEE/PES Transmission and Distribuition: Latin America Conference and Exposition, Montevidéu, Uruguai, 2012. [7] S.C. Assis, E.B.G. Filho, R.M. Coutinho, J.H.M. Almeida, A.M.N. Teixeira, J.L. Franco, Metodologia de Análise de Desempenho de Linhas de Transmissão Frente a Descargas Atmosféricas Considerando Para-raios ZnO, IV Simpósio Brasileiro de Sistemas Elétricos, Goiania GO, 2012. [8] A. Soares, S. Visacro, M.A.O. Schroeder, L.C.L. Cherchiglia, A.M. Carvalho, Investigação sobre o aterramento de torres do sistema de transmissão da Cemig para melhorias de desempenho de linhas frente a descargas atmosféricas, International Symposium on Lightning Protection, São Paulo Brasil, 1997. [9] General Electric Company and Electric Power Research Institute, Transmission Line Reference Book, 345kV and Above, Electric Power Research Institute, Palo Alto, California 1982. [10] BALESTRO, Para-raios Poliméricos para Linhas de Transmissão (TLA). Disponível em: < www.balestro.com/web/pdf/nov11/pbpe-lt_07-10.pdf>. Acesso em: 24 out. 2012. 8 / 8