Recolocação cirúrgica da glândula da membrana nictitante em canídeos pela técnica de bolsa conjuntival - 23 casos clínicos



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Transcrição:

RPCV (2005) 100 (553-554) 89-94 Recolocação cirúrgica da glândula da membrana nictitante em canídeos pela técnica de bolsa conjuntival - 23 casos clínicos Surgical replacement of the third eyelid gland in dogs using the conjuntival mucosa pocket procedure - 23 clinical cases Esmeralda Delgado Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica e Lisboa, CIISA, Av da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa, Portugal Resumo: O prolapso da glândula da membrana nictitante é uma patologia relativamente comum nos canídeos, e o seu tratamento definitivo é cirúrgico. Apresentam-se 23 casos clínicos de protusão da glândula da membrana nictitante em canídeos. Observou- -se maior prevalência desta afecção em animais com idade inferior a um ano e pertencentes a raças braquicefálicas. Todos foram submetidos a cirurgia para recolocação da glândula da membrana nictitante utilizando a técnica de bolsa conjuntival de Morgan e Moore, sendo a percentagem de sucesso obtida de 87%. Summary: Protrusion rotrusion of the t e nictitating membrane gland is a relatively common condition in the dog, and surgical treatment is necessary. The author presents 23 clinical cases of protrusion of the nictitating membrane gland in dogs. The affection was more prevalent in animals less than one year of age and brachycephalous. They were all submitted to surgery to replace the gland using the conjuntival mucosa pocket technique of Morgan and Moore, with an 87% success rate. Introdução A terceira pálpebra ou membrana nictitante é uma prega semilunar, forrada por conjuntiva, que possui na sua intimidade uma glândula lacrimal, uma cartilagem em forma de T e folículos linfóides. Esta glândula lacrimal é superficial e seromucosa no cão, por oposição aos bovinos, suínos e coelhos onde existe uma glândula lacrimal mais superficial e outra mais profunda que é designada por glândula de Harder. Os canídeos não possuem uma segunda glândula lacrimal mais profunda ao nível da membrana nictitante, ou seja, não possuem glândula de Harder, embora esta designação seja usada frequentemente na prática clínica por analogia com as outras espécies. O prolapso da glândula da membrana nictitante é uma patologia relativamente comum nos canídeos, sendo rara nos felídeos. É vulgarmente designado por «cherry eye» pelos anglosaxónicos, mas esta designação está a cair em desuso, sendo substituída pela correcta. Resulta de uma hipertrofia e hiperplasia da glândula suficientes para que a glândula ultrapasse a margem livre da terceira pálpebra. Um dos factores que predispõe para esta patologia é a presença de um tecido conjuntivo de suporte laxo e fraco, tecido esse que serve para a ancoragem da glândula à periórbita ventral. Histologicamente caracteriza-se por uma adenite e existe controvérsia acerca da sua origem ser primária e propiciar a protusão, ou ser secundária ao processo. Os sinais clínicos mais frequentes incluem epífora, conjuntivite, a presença duma massa rosa no canto medial do olho e irritação local (Figura 1). O diagnóstico diferencial deve ser efectuado em relação à eversão do ramo vertical da cartilagem em T da membrana nictitante, cujo tratamento cirúrgico consiste na remoção da porção evertida (Figura 2). O tratamento médico, reservado aos casos recentes e pouco graves, é feito com a aplicação de pomada oftálmica tópica com antibiótico e corticosteróide, mas geralmente não é eficaz. A esmagadora maioria dos casos necessita de intervenção cirúrgica. Até à década de 70 o tratamento cirúrgico consistia na maioria das vezes na exérese apenas da porção prolapsada da glândula, na tentativa de preservar a maior quantidade possível de tecido glandular. A partir da década de 80 a excisão passou a ser contra-indicada, dado o reconhecimento do risco acrescido de queratoconjuntivite seca, uma vez que a glândula é responsável por 25 a 40% da produção lacrimal no cão e no gato (Gelatt e Gelatt, 2001). Desde então várias técnicas cirúrgicas têm sido apresentadas para possibilitar a recolocação da glândula, preservando a sua secreção lacrimal. Existem várias técnicas descritas para a recolocação cirúrgica, todas elas visando o regresso da glândula à posição anatómica inicial, que podem ser agrupadas em três tipos: primeiro - as que ancoram a glândula via cartilagem à periórbita com um acesso pelo lado medial, à esclera adjacente ou ao tendão do músculo 89

Delgado, E. RPCV (2005) 100 (553-554) 89-94 Figura 1 1 Prolapso Prolapso da glândula da membrana glândula nictitante da unilateral membrana num Figura nictitante 2 Eversão 2 unilateral do ramo vertical Eversão num da cartilagem do dogue ramo vertical alemão T da membrana da cartilagem em dogue alemão fêmea de 1 ano de idade, com grande exuberância dos sinais clínicos (original). fêmea de 1 ano de idade, com grande exuberância (original). dos sinais clínicos (original). Materiais e Métodos extraocular, impedindo os movimentos da membrana nictitante; segundo - as que ancoram a glândula via cartilagem à periórbita com um acesso pelo lado lateral e terceiro - as técnicas de envelope ou embricação, que a cobrem com mucosa adjacente, sendo necessário evitar danificar os ductos excretores que emergem da glândula na porção média da face bulbar da terceira pálpebra (Gellat e Gelatt, 2001). Ainda segundo Gellat e Gelatt (2001), as técnicas cirúrgicas descritas incluem a técnica de ancoragem da glândula ao músculo oblíquo ventral (Albert, Garrey e Whitley), a técnica de ancoragem à esclera ventral equatorial (Gross), a técnica de ancoragem à fáscia ventral da periórbita pelo lado medial (Blogg), a técnica de ancoragem à fáscia ventral da periórbita pelo lado lateral (Kaswan e Martin), a técnica de embricação de mucosa conjuntival com escarificação e recobrimento com mucosa conjuntival adjacente (Moore) e a técnica de envelope ou bolsa conjuntival (Morgan e Moore). Todas as técnicas têm por objectivos recolocar a glândula prolapsada por detrás da membrana nictitante, não limitar os movimentos da terceira pálpebra e não danificar o tecido glandular nem os ductos excretores (Gellat e Gelatt, 2001). nictitante (original). O nosso trabalho reporta-se a 23 canídeos que se apresentaram à consulta externa na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa em 2002 e 2003, apresentando prolapso da glândula da membrana nictitante, unilateral em 83% dos casos (19/23) e bilateral em 13% dos casos (3/23), dois Boxers (Figura 3) e um Bulldog Inglês. Do total dos pacientes 11 eram machos e 12 eram fêmeas, não se observando prevalência de nenhum dos sexos. A maioria dos animais apresentava idade inferior a um ano (16/23). As raças afectadas na população em estudo foram a raça indeterminada com nove casos, a Shar Pei com três casos, a Pequinês, a Boxer e a Bulldog Inglês com dois casos cada e a Cocker Spaniel, a Serra da Estrela, a Grande Dinamarquês e a Rottweiler com um caso cada. Todos os animais foram submetidos a cirurgia de recolocação da glândula da membrana nictitante, sob anestesia geral. A indução anestésica foi realizada com pentobarbital de sódio a 2,5% (8-10 mg/kg) ou com propofol (4-7 mg/kg) e a anestesia foi mantida com isoflurano. A preparação cirúrgica foi realizada após a indução Figura 3 Protusão bilateral das glândulas da M. N. num boxer macho com 7 meses de idade (original). 90 Figura 4 Prolapso da glândula da membrana nictitante em Shar Pei macho 5 m unilateral esquerdo (original). Figura 4 Prolapso da glândula da membrana nictitante 8 unilateral esquerdo (original).

Delgado, E. RPCV (2005) 100 (553-554) 89-94 Figura 5 Primeiro passo da técnica cirúrgica de «bolsa de Morgan e Figura 6 Realizar uma incisão na mucosa conjuntival dorsal à glândula 5 Primeiro passo da técnica cirúrgica de «bolsa de Morgan e Moore» - após Moore» - após eversão da membrana nictitante, realizar uma incisão na em forma de meia-lua (original). mucosa conjuntival ventral à glândula em forma de meia-lua (original). Figura 6 Realizar uma incisão na mucosa conjuntival dor eversão da membrana nictitante, realizar uma incisão na mucosa conjuntival ventral à anestésica e consistiu na lavagem das pálpebras e região ocular em com forma solução de de meia-lua povidona (original). iodada diluída meia-lua Resultados (original). glândula em água a 1:50 e à irrigação do saco conjuntival com A percentagem de sucesso obtida com esta técnica soro fisiológico estéril, não sendo necessário efectuar foi de 87% (20/23), tendo estes animais recuperado tricotomia. A técnica cirúrgica utilizada em todos os tanto funcional como esteticamente ( follow-up compreendido entre 3 e 27 meses, média de 14 meses). A casos foi a bolsa conjuntival de Morgan e Moore, que é uma técnica de embricação ou de envelope. Com percentagem de recidivas foi de 13% (3 casos), tendo a ajuda de um blefarostato na retracção das pálpebras, ocorrido nos animais pertencentes às raças Bulldog Inglês (1 caso), Grande Dinamarquês (1 caso) e Pequi- everte-se a membrana nictitante com duas pinças hemostáticas tipo mosquito, expondo a sua face bulbar. nês (1 caso). O Bulldog Inglês apresentava protusão Realiza-se uma incisão em forma de meia-lua ventral bilateral das glândulas e recidiva também foi bilateral, embora tenha ocorrido em alturas diferentes. Os à glândula e outra incisão dorsal, com a ajuda de uma lâmina de bisturi nº 15 num cabo de Baird-Parker nº 3. outros dois casos apresentavam prolapsos unilaterais. Utilizando um fio de sutura reabsorvível multifilamento, como vicryl 3 ou 4-0, coloca-se o primeiro ponto na hipertrofia e inflamação das glândulas conduzindo a Estes insucessos deveram-se provavelmente à enorme face externa da terceira pálpebra, atravessa-se para a uma pressão excessiva sobre a sutura da mucosa conjuntival nos dois primeiros casos, e a autotraumatismo face interna e realiza-se uma sutura simples contínua, finalizando na face externa da membrana nictitante no terceiro, visto que o proprietário lhe retirou o colar com um nó de cirurgião (Figuras 4 a 10). isabelino. Estes 3 animais foram submetidos a exérese No pós-operatório recomenda-se a aplicação de pomada tópica à base de antibiótico três ou quatro vezes ser sugerido nova tentativa de recolocação, e detectou- parcial das glândulas por opção dos donos, apesar de por dia e se a glândula estiver muito inflamada, carprofen 2 a 4 mg/kg sid 5 dias. Recomenda-se o uso de vite seca unilateral dois meses após a segunda cirurgia, se que o Bulldog Inglês desenvolveu queratoconjunti- colar isabelino durante 8 a 10 dias. com valores de Teste de Schirmer de 6 mm/minuto no Figura 7 Colocação de um primeiro ponto na face externa da membra- Figura na nictitante 7 (original). Colocação de um primeiro ponto na bolsa face conjuntival Figura 8 externa (original). Realização da membrana de sutura nictitante contínua 12 «enterrando» a gl (original). (original). Figura 8 Realização de sutura contínua «enterrando» a glândula na 91

Delgado, E. RPCV (2005) 100 (553-554) 89-94 Figura 9 Aspecto final da sutura com fio reabsorvível 4-0 (original). olho esquerdo e valores normais no olho direito, enquanto que 9 o Aspecto Pequinês final continuou da sutura com valores com fio de reabsorvível tes- pálpebra deve ser 4-0 considerada (original). quando as tentativas de recolo- Segundo Nasisse, a remoção parcial da glândula só Figura te de Schirmer normais ( follow-up de 26 meses). O cação falharam, uma vez que pode reduzir a secreção Grande Dinamarquês perdeu-se no follow-up porque lacrimal, e só deve ser feita quando os valores de produção lacrimal documentados previamente com o Tes- morreu por atropelamento. te de Schirmer excedem os 20 mm/minuto. Pode remover-se metade do tecido glandular, tendo o cuidado de Discussão não afectar a cartilagem (Nasisse, 1997). Outros autores consultados são omissos em relação a esta possibilidade, provavelmente devido aos riscos acrescidos de queratoconjuntivite seca (Slatter, 1992; Ward, 1999; Ramsey, 2001; Gelatt e Gelatt, 2001). No que se refere ao risco acrescido para o desenvolvimento de queratoconjuntivite seca, existe um estudo de Morgan sobre 89 casos de cães que apresentavam prolapso da glândula: 48% dos cães que realizaram excisão da glândula desenvolveram queratoconjuntivite seca em média 3 anos depois; nos cães em que o problema não foi resolvido, 43% desenvolveram queratoconjuntivite seca. Nos cães em que a glândula foi recolocada cirurgicamente, apenas 14 % desenvolveram queratoconjuntivite seca, enquanto que nos cães com olhos «normais» apenas 5% desenvolveram queratoconjuntivite seca, o que levou os autores a suspeitar que a protusão da glândula andava associada a um ris- Esta patologia foi mais frequente em cães jovens, com idade inferior a um ano, o que está de acordo com o que é referido na bibliografia (Gelatt e Gelatt, 2001). Existe maior susceptibilidade das raças braquicefálicas (Slatter, 1992), o que também é expresso na nossa casuística, com 6 casos a surgiram nas raças Pequinês, Boxer e Bulldog Inglês, o que sugere a herança de um defeito anatómico (Slatter, 1992). Noutra referência as raças referidas como predispostas são o Beagle, o Bulldog Inglês, o Boston Terrier, o Cocker Spaniel e o Shar Pei (Ramsey, 2001), e na nossa casuística a raça Shar Pei aparece bem representada com 3 casos. É importante realçar que todas as raças predispostas para o prolapso da glândula também são predispostas para o desenvolvimento de queratoconjuntivite seca, e a interrelação destes dois factores não está bem esclarecida (Ward, 1999). Segundo alguns autores, a melhor técnica para os casos recentes ou que não são recidivas é a técnica de imbricação em bolsa (Morgan et al, 1993; Nasisse, 1997; Ramsey, 2001; Gelatt e Gelatt, 2001). Esta técnica conserva os movimentos da membrana nictitante e não danifica o tecido glandular ou os seus ductulos excretores. Foram estas mesmas razões que levaram à escolha desta técnica no tratamento cirúrgico destes 23 casos. Há autores que recomendam a utilização de fio de sutura mais fino, vicryl 7-0 (Nasisse, 1997), para a realização desta técnica. No caso de existir uma recidiva, terá de se efectuar uma nova cirurgia semanas mais tarde (Gelatt e Gelatt, 2001), realizando uma técnica de ancoragem da glândula via cartilagem à periórbita (Bedford, 2004, com. pes.). 92 Figura 10 O ponto final da sutura é realizada novamente na face externa da terceira pálpebra (original). Figura 10 O ponto final da sutura é realizada novamente 16 Figura 11 Recomendar o uso de colar isabelino, que os donos podem decorar a seu gosto (original)

Delgado, E. RPCV (2005) 100 (553-554) 89-94 co acrescido de desenvolver queratoconjuntivite seca (Morgan et al., 1993). Num estudo efectuado no Japão em 5 cães Beagle aos quais foi removida a glândula, verificaram-se alterações ao nível da quantidade e da qualidade da produção lacrimal que influenciaram a estabilidade da película précorneal e ao fim de 1 ano verificou-se a existência de microdanos no epitélio queratoconjuntival (Saito et al., 2001). No caso do Bulldog Inglês incluído neste estudo, a exérese parcial das glândulas foi bilateral e até ao momento só um olho é que desenvolveu queratoconjuntivite seca ( follow-up de 19 meses). Mais investigação terá de ser realizada sobre a correlação entre estas duas entidades patológicas, antes que se possa chegar a uma explicação definitiva. Na opinião dos autores, esta técnica é de fácil execução e apresenta boas taxas de sucesso, não havendo justificação para que se continue a realizar a exérese sistemática da glândula da membrana nictitante injustificadamente. Bibliografia Gellat, K. e Gellat, J. (2001). Surgical procedures for protusion Surgical procedures for protusion of the gland of the nictitating membrane or «cherry eye». In: Small Animal Ophthalmic Surgery : Practical Techniques for the Veterinarian, Elsevier Science, Edinburgh, pp166-172. Morgan, R., Duddy, J. E McClurg, K. (1993) Prolapse of the gland of the third eyelid in dogs a retrospective study of 89 cases (1980-1990). J. Am. Anim. Hosp. Assoc. 29: 56-62. Nasisse, M. (1997). The Veterinary Clinics of North America Small Animal Practice. Surgical Management of Ocular Disease. 27(5):1052-1058. Ramsey, D. (2001). Conditions of eyelids and ocular adnexa in dogs and cats. Proceedings of the Waltham/OSO Symposium, Small Animal Opthalmology. Saito, A., Izumisawa, Y., Yamashita, K. E Kotani, T. (2001). Long term effect of removal of third eyelid in dogs. Vet. Ophthalmol., 4(1), pp. 13-18. Slatter, D. (1992). Tercer párpado.. In Fundamentals of Veterinary Ophthalmology Second Edition, W. B. Saunders Co., Philadelphia, pp. 267-278. Ward, D. (1999). Diseases and surgery of the canine nictitating membrane. In Veterinary Opthalmology, 3rd edition, editor K. N. Gellatt, Lippincott Williams & Wilkins, Baltimore, U.S.A., pp. 609-618. 93