Composição atual do Conselho Nacional de Saúde: questões para debate Berenice Temoteo Doutoranda em Saúde Pública do ISC/UFBA A participação da sociedade no Sistema Único de Saúde (SUS) foi regulamentada pela Lei nº 8.142/90 com a criação dos conselhos e conferências de saúde. Os conselhos de saúde têm caráter permanente, paritário e deliberativo, atuando na formação de estratégias e no controle e execução da política de saúde nos três níveis de gestão. Estas instâncias colegiadas são compostas por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e entidades de movimentos sociais. A escolha dos conselheiros ocorre durante a realização das conferências de saúde. O objetivo deste texto é discutir a nova composição do Conselho Nacional de Saúde (CNS) eleito para o triênio 2015/2018. A eleição do CNS contou com a inscrição de 161 entidades e movimentos sociais, sendo 108 entidades e movimentos sociais nacionais de usuários do SUS, 9 entidades nacionais de prestadores de serviços de saúde e 44 entidades nacionais de profissionais de saúde. Foram habilitadas 77 entidades de usuários, 5 entidades nacionais de prestadores de serviços e 38 entidades nacionais de profissionais de saúde, respectivamente. Do conjunto das entidades e dos movimentos inscritos, 41 não atenderam aos critérios para habilitação. Enfatiza-se que o número de inscrições neste triênio superou as 114 inscrições do último processo eleitoral 2012/2015 (CONTRAF, 2016). A nova composição do CNS, eleita no dia 5 de novembro de 2015 para exercer a gestão no triênio 2015/2018, está constituída por 144 conselheiros, sendo 48 titulares e 96 primeiros e segundos suplentes. De acordo com o princípio de paridade, 50% dos conselheiros pertencem ao segmento de usuários, totalizando 24 titulares, 25% representam profissionais de saúde e comunidade científica, somando 12 titulares. Os demais 25% estão distribuídos entre o governo federal, com 8 titulares, e prestadores de serviços, com 4 titulares (BRASIL,2016).
Esta forma de compor as entidades integrantes do Conselho de Saúde, conforme a Resolução Nº 333/2003, sugere que profissionais de saúde, gestores e prestadores de serviços de saúde não são usuários do SUS. Embora, originalmente, enquanto cidadãos, todos os brasileiros sejam, de alguma forma, usuários do SUS, os interesses defendidos neste espaço são bastante diversos. A diversidade de interesses advém da sobreposição de posições ocupadas circunstancialmente por estes atores. Deste modo, para além da posição de usuário do SUS, pode um conselheiro vir a assumir a representação de segmento: seja de gestor, prestador de serviço ou de profissionais de saúde. A própria noção de usuário, entendida enquanto indivíduo que usa serviços, não favorece o entendimento das relações entre Estado e sociedade que se materializam no Conselho, enquanto expressão e dinâmica da democracia. Estas relações traduzem os tensionamentos de interesses igualmente diversos. Neste sentido, é oportuna a contribuição de Côrtes (2010) relativamente aos conceitos de atores estatais e societais enquanto condição designativa suficiente para a representação dos conselheiros. Para Côrtes, atores estatais seriam aqueles que ocupam cargos de direção no Executivo ou em organizações governamentais. Segundo o conceito de Estado ampliado de Gramsci, os atores estatais seriam aqueles participantes ativos na construção de consensos e capazes de manter a hegemonia da classe dominante. Os atores societais, por sua vez, compreenderiam os sociais e os de mercado. Os primeiros, atores societais sociais, estariam associados ao conceito de sociedade civil, enquanto os atores societais de mercado, relacionados com a noção de economia de mercado. O conselheiro eleito para presidência do CNS foi Ronald Ferreira dos Santos, representante da Federação Nacional dos Farmacêuticos (FENAFAR), entidade pertencente ao segmento de profissionais de saúde. Juntamente com ele, integram a mesa diretora: Francisca Rêgo Oliveira Araújo, da Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia (ABENFISIO); André Luiz de Oliveira, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Cleoneide Paulo Oliveira Pinheiro, da Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (FENACELBRA); Edmundo Dzuaiwi Omoré da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); Geordeci Menezes de Souza, da Central Única de Trabalhadores (CUT); Jurandi Frutuoso Silva, do Conselho Nacional dos Secretários
de Saúde (CONASS); e Lenir Santos, da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP) do Ministério da saúde (MS) (BRASIL, 2016). Neste sentido, a mesa diretora está composta por quatro entidades de usuários (portadores de patologias - FENACELBRA, trabalhadores - CUT, povos indígenas - COIAB e igreja católica - CNBB); dois representantes de profissionais de saúde (fisioterapia - ABENFISIO e farmácia - FENAFAR); e dois da gestão federal (SGEP e o CONASS). Das 24 entidades titulares que constituem o segmento de usuários, 8 podem ser agrupadas como portadores de alguma patologia ou necessidades especiais, 5 são entidades sindicais, 2 são representações indígenas, 2 da igreja católica, 1 representação estudantil, 1 entidade da população negra, 1 da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT), 1 do movimento de mulheres, 1 da população moradora de rua, 1 da associação de moradores e 1 da saúde da mama. Prevalecem, neste segmento de usuários, os movimentos de pessoas com patologias ou necessidades especiais. Identifica-se que, entre os titulares e os suplentes, ocorreu uma visível repetição de entidades. Estas, a rigor, pautam as mesmas questões em suas bandeiras de luta. Tal repetição se configura quando uma mesma entidade ocupa o assento de titular e, concomitantemente, assume a suplência, ou mesmo o contrário, em um momento é suplente de uma entidade e posteriormente titular e a sua titular passa a ser sua suplente. Esta forma de acomodar os sujeitos políticos pode significar a fragmentação dos movimentos sociais. Para exemplificar a repetição de entidades, destaca-se a União Nacional dos Estudantes (UNE), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM) que são entidades estudantis; os trabalhadores que estão organizados em diversos sindicatos: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (SINDINAPI), CUT, Força Sindical (FS), Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (COBAP); a população LGBTT que está articulada por meio da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Rede Trans Brasil e Articulação Brasileira de Gays (ARTGAY); os indígenas estão
separados em índios do norte do país, COIAB, e índios do sul Brasil, Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL), e todas estas organizações possuem assento no CNS. A União Brasileira de Mulheres (UBM), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), CUT, CNBB e a COIAB são entidades titulares e ao tempo que também ocupam a primeira e segunda suplência; a Associação Brasileira de Autismo (ABRA) é suplente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB), mas também é titular e a ONCB sua suplente. O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), que foi o ator social de grande destaque no movimento da Reforma Sanitária Brasileira nas duas últimas décadas do século passado, hoje não ocupa posição de destaque na instância máxima de participação social institucionalizada. A categoria médica está na segunda suplência, tanto no segmento de usuários do SUS, com a DENEM, quanto no segmento de profissionais de saúde, com a Federação Nacional dos Médicos (FENAM). Observa-se que dentre as entidades do segmento de usuários do SUS, 71% foram criadas depois da ditadura militar. Este avanço no processo democrático coaduna-se com as regras de um estado democrático, as quais possibilitam, entre outras coisas, a liberdade de expressão do cidadão. O estabelecimento do regime democrático também reflete a inovação dos movimentos que conquistaram poder suficiente para compor a maior instância deliberativa do setor saúde no Brasil, tal como o Movimento Nacional de População de Rua (MNPR), Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde (ANEPS) e ANPG. Constata-se, no entanto, que enquanto novos sujeitos sociais estão representados nos conselhos de saúde, setores não organizados são excluídos destas instâncias participativas. Ao discutir a inovação das plenárias populares e conferências livres, regionais e nacional na 15ª CNS, Coelho (2015) problematiza que a presença dos novos sujeitos nesses espaços foi garantida pelas redes de movimentos sociais que têm acesso aos conselhos de saúde. O segmento de profissionais e da comunidade científica de saúde está representado por 12 titulares que compõem 25% das entidades do conselho. Assim, possuem assento 4 conselhos de profissão: Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), Conselho Federal de Farmácia (CFF), Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO); 4 associações relacionadas sobretudo ao ensino: ABENFISIO,
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN), Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn); e 4 entidades sindicais: Federação Nacional dos Assistentes Sociais (FENAS), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), Federação Interestadual dos Odontologistas (FIO) e a FENAFAR. Ao debater os desafios à democracia participativa que a 15ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) enfrentaria, Bahia (2015) chama atenção de que uma pauta pela inscrição obrigatória de categorias profissionais nas ações de saúde não pode ser confundida com aquela dos movimentos afirmativos por justiça social e tampouco se ajusta às agendas sindicais típicas. A autora aponta a ênfase colocada por este segmento no reconhecimento de cada profissão e não numa tradição de igualdade social. Também cabe pontuar que os conselhos de profissões da área da saúde há muito tempo participam do CNS, representando o segmento de profissionais de saúde, que possui 25% de cadeiras no Conselho, mas o questionamento que se faz é se o conselho de profissão, sendo uma autarquia estatal, pode representar os profissionais/trabalhadores de saúde. Os prestadores de serviços de saúde estão representados por 4 entidades, a saber: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional de Saúde Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS), Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS). A reflexão sobre a participação dessas entidades no Conselho, com destaque para a CNI e CNC, suscita a seguinte indagação: em que medida elas são, de fato, prestadoras de serviços de saúde para ocuparem este espaço no Conselho? O segmento da gestão federal, por sua vez, possui 8 titulares, sendo 5 representantes do Ministério da Saúde e os outros 3 titulares pertencentes ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social, CONASS e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). As cadeiras do CNS estão ocupadas pelos representantes de organizações que agrupam fragmentos da sociedade civil e da sociedade política. Estas organizações incorporaram os grupos de interesses mais organizados da sociedade brasileira atual. Algumas inquietações, tanto de caráter político quanto de interesse da democracia emergem para o debate: em que medida essas
corporações e movimentos sociais defenderão interesses que se coadunam com um projeto ético e político mais amplo e progressista de sociedade? Quais são os projetos em disputa na sociedade? De quem são os interesses que estão sendo defendidos? Quais os direcionamentos possíveis para a saúde nesta gestão? Esta composição de conselheiros exercerá algum impacto nas políticas de saúde? Qual a trajetória dos agentes que ocupam assento no Conselho? Em qual direção o vetor resultante das forças em conflito apontará? Qual(s) seria(m) a(s) entidades capazes de representar o interesse público? Numa pauta de discussão de democracia e de saúde, quem define quais são os interesses públicos? Quem é, e quem faz o público? Construídas na perspectiva da democracia, estas perguntas provocam o debate e também convidam novas investigações científicas. Referências BAHIA, L. As conferências de saúde: desafios à democracia participativa. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(10):2047-2072, out, 2015. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Composição do Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/expediente/composicao_cns.pdf>. Acesso em: 06 de Fev de 2016. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Notícias. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2015/12dez16_ronald_mesadireora_ 2015_2018.html>. Acesso em: 06 de Fev de 2016. COELHO, V.S.P. Debate. Conferência nacional de saúde: desafios para o país. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(10):2047-2072, out, 2015. CONTRAF. Eleição do Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: <http://www.contrafcut.org.br/noticias/eleicao-do-conselho-nacional-de-saude-cnssera-nesta-quarta-feira-05-em-brasilia-1c9d>. Acesso em: 06 de Fev de 2016. CÔRTES, S.M.V. Conselhos e conferências de saúde: papel institucional e mudança nas relações entre Estado e sociedade. In: FLEURY, S; LOBATO, L.V.C. (org.). Participação, democracia e saúde. Reimpressão. Rio de Janeiro: Cebes, 2010.