1 EFEITO DA GRANULOMETRIA DA CINZA DE BAGAÇO DE CANA DE AÇÚCAR NAS PROPRIEDADES DE UMA ARGILA CAULINÍTICA M. C. Borlini, J. L. C. C. Mendonça, C. M. F. Vieira, S. N. Monteiro Av. Alberto Lamego, 2000, Parque Califórnia, Campos dos Goytacazes-RJ, CEP: 28013-600, Tel/Fax: (22) 2726 1533, e-mail: monicaborlini@yahoo.com.br Universidade Estadual do Norte Fluminense UENF-CCT-LAMAV RESUMO Este trabalho teve por objetivo avaliar a influência da granulometria da cinza de bagaço de cana nas propriedades de queima de uma argila plástica caulinítica proveniente do município de Campos dos Goytacazes-RJ. A cinza foi utilizada com granulometria inferior a 20 (840 µm) e 200 (75 µm) mesh. Foram feitas adições de 0, 5 e 30% em peso de cinza na argila. Os corpos de prova foram preparados por prensagem uniaxial a 20 MPa e queimados nas temperaturas de 900, 1050 e 1200 C. As propriedades tecnológicas de queima avaliadas foram: densidade aparente, retração linear, absorção de água, perda ao fogo e tensão de ruptura à flexão. De maneira geral, não houve melhoria nas propriedades tecnológicas de queima avaliadas da argila com a incorporação de cinza. Isto é devido à elevada quantidade de quartzo na cinza que atuou como material inerte, retardando as reações de sinterização. Palavras-chave: cinza, bagaço de cana de açúcar, incorporação, argila, propriedades tecnológicas. INTRODUÇÃO O Brasil tem uma tradição de queimar sobras de desmatamento e colheitas agrícolas que geram enormes quantidades de cinzas. Em Campos dos Goytacazes - RJ, plantações de cana-de-açúcar normalmente são queimadas para permitir a colheita da cana. As cinzas resultantes caem, muitas vezes, como uma "neve preta em áreas urbanas, comprometendo a qualidade do ar e acarretando problemas de saúde pública.
2 A emissão de materiais particulados (cinzas volantes) de várias fontes industriais causa efeitos muito severos na população, principalmente se estiverem combinados com gases (1). Os efeitos das cinzas, em geral, dependem do tamanho de partícula e constituição química. As partículas menores penetram mais facilmente nas vias respiratórias, podendo provocar doenças respiratórias. Em Campos dos Goytacazes, norte do Estado do Rio de Janeiro, existe uma disponibilidade de cinzas das caldeiras de bagaço advindas da produção de cana de açúcar, com teor de 13% fibra e 6% de cinzas, resultando em uma produção de 28000 t/ano de cinzas. Embora estas cinzas não sejam diretamente liberadas no ar como as da colheita, elas podem poluir o meio ambiente quando descartadas após a limpeza das caldeiras da usina. A incorporação de cinzas em cerâmica é uma solução que pode, inclusive, trazer benefícios ao produto final. Vários trabalhos têm sido realizados utilizando cinzas, em geral, em incorporação à cerâmica (2-9).O objetivo desse trabalho é avaliar a influência da granulometria da cinza de bagaço de cana nas propriedades de queima de uma argila plástica caulinítica proveniente do município de Campos dos Goytacazes-RJ. A cinza foi utilizada com granulometrias inferiores a 840 µm (20 mesh) e 75 µm (200 mesh). Foram feitas adições de 0, 5 e 30% em peso de cinza na argila. As composições foram queimadas nas temperaturas de 900, 1050 e 1200 C. MATERIAIS E MÉTODOS As matérias-primas utilizadas nesse trabalho foram: uma cinza obtida da queima do bagaço de cana de açúcar em caldeiras e uma argila plástica caulinítica proveniente do município de Campos dos Goytacazes - RJ. A composição química da cinza, obtida por fluorescência de raios-x (10) pode ser vista na Tabela I. Através de difração de raios-x (10) identificou-se na cinza as seguintes fases: quartzo, feldspato potássico, mulita, hematita e fosfato de cálcio. Tabela I Composição química da cinza (% em peso). SiO 2 Al 2 O 3 Fe 2 O 3 TiO 2 K 2 O MgO CaO MnO P 2 O 5 ZrO 2 PF Cinza 77,5 4,7 3,8 0,3 5,4 3,0 2,3 0,3 2,3 0,06 0,31
3 A argila foi passada em peneira de abertura de 840 µm (20 mesh) e a cinza foi utilizada em duas granulometrias. A cinza foi destorroada em almofariz de porcelana até passar totalmente pelas peneiras de aberturas de 840 µm (20 mesh) e 75 µm (200 mesh). Foram feitas incorporações de 0, 5 e 30% de cinza na argila, conforme indicado na Tabela II. Os códigos das composições significam: o número antes do C corresponde à porcentagem de cinza incorporada e o número depois do C à granulometria da cinza. Corpos de prova retangulares (100 x 30 x 10 mm) foram preparados por prensagem uniaxial, secos ao ar livre por 24 horas e posteriormente em estufa a 110 C por mais 24 horas. A queima foi realizada em um forno elétrico em temperaturas de 900, 1050 C e 1200 C, com taxa de aquecimento de 3 C/min. Nos corpos de prova foram determinadas as seguintes propriedades: densidade aparente, retração linear, perda ao fogo, resistência mecânica à flexão em três pontos e absorção de água. Tabela II - Composições estudadas (% em peso) Composições Cinza Argila A0C 0 100 A5C20 5 95 A30C20 30 70 A5C200 5 95 A30C200 30 70 A absorção de água foi determinada de acordo com o procedimento padrão (11). A retração linear foi obtida por medida do comprimento das amostras, antes e após a queima, usando um paquímetro Mitutoyo com precisão de ± 0,01 mm. A perda ao fogo foi determinada utilizando a massa seca e a massa queimada das composições. A resistência à flexão em três pontos foi determinada, segundo a norma (12), em uma máquina de teste universal Instron 5582, usando velocidade de carregamento de 0,5 mm/min. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela III apresenta a densidade aparente dos corpos de prova a seco. Observa-se que os corpos de prova a seco, sem e com incorporação de cinza,
4 apresentam praticamente a mesma densidade aparente. Isto indica que a incorporação não alterou o empacotamento das partículas apesar das diferentes granulometrias investigadas. Tabela III Densidade aparente a seco das composições estudadas (g/cm 3 ) A0C A5C20 A30C20 A5C200 A30C200 Densidade aparente (g/cm 3 ) 1,59 ± 0,01 1,60 ± 0,01 1,61 ± 0,02 1,59 ± 0,01 1,60 ± 0,01 A Tabela IV apresenta a densidade aparente dos corpos de prova queimados. Observa-se que a 900 C, os corpos de prova apresentam praticamente a mesma densidade. A 1050 C, a densidade diminuiu nos corpos de prova com 30% de cinza. A 1200 C, também se observou que a densidade diminuiu com a adição de cinza. Em relação à granulometria dos corpos de prova incorporados, observou-se nessa temperatura que os corpos de prova com granulometria da cinza mais fina (75 µm) apresentaram valor um pouco mais alto da densidade quando comparados aos corpos de prova com granulometria mais grosseira (840 µm). Como a densidade a seco das composições é praticamente a mesma, a densidade dos corpos de prova queimados também deveria ser a mesma para uma mesma temperatura. Mas, como a cinza é um material com composição diferente da argila, esta atuou diferentemente da argila na etapa da sinterização, causando um decréscimo da densidade, portanto, um decréscimo no empacotamento das partículas do material queimado. Tabela IV Densidade aparente dos corpos de prova queimados (g/cm 3 ) Densidade aparente (g/cm 3 ) Composições 900 C 1050 C 1200 C A0C 1,52 ± 0,01 1,65 ± 0,001 2,25 ± 0,01 A5C20 1,52 ± 0,01 1,64 ± 0,01 2,13 ± 0,02 A30C20 1,51 ± 0,02 1,59 ± 0,001 1,86 ± 0,01 A5C200 1,53 ± 0,002 1,61 ± 0,02 2,16 ± 0,01 A30C200 1,49 ± 0,01 1,58 ± 0,01 1,92 ± 0,01
5 Como pode ser visto na Figura 1, a granulometria da cinza praticamente não influenciou nos resultados de retração linear das composições nas temperaturas estudadas. Apenas na temperatura de 1200 C, com incorporação de 30% de cinza na argila, é que foi observada maior retração linear para a composição que contém a cinza com granulometria mais fina (75 µm). As composições com incorporação de cinza apresentaram retração linear menor que a argila pura em todas as temperaturas de queima avaliadas. A argila A0C apresenta uma retração linear mais significativa, principalmente a 1200 C devido, principalmente, à grande quantidade de partículas finas, menores que 2 µm, conhecidas como argilominerais, que são extremamente reativas durante o processo de sinterização. Retração linear (%) 20 15 10 5 900 C * 900 C ** 1050 C * 1050 C ** 1200 C * 1200 C ** 0 0 5 10 15 20 25 30 % de cinza incorporada Figura 1 - Retração linear dos corpos de prova queimados. * Cinza utilizada com granulometria inferior a 840 µm, ** Cinza utilizada com granulometria inferior a 75 µm. A Figura 2 apresenta a absorção de água em função da porcentagem de cinza incorporada na argila. Observa-se que esta absorção diminuiu com a temperatura de queima, sendo os resultados mais significativos a 1200 C. Observa-se também que a 900 C praticamente não houve mudança na absorção de água com a incorporação de cinza na argila. Também não houve diferença nos resultados para os corpos de prova com cinza de granulometrias distintas. A 1050 C, observa-se um ligeiro aumento da absorção com a adição de cinza, exceto para a composição A5C200. A
6 1200 C a granulometria da cinza também não influenciou nos resultados. Nessa temperatura houve uma redução significativa da absorção de água quando comparada com os resultados obtidos às temperaturas mais baixas estudadas. Os valores de absorção de água estão relacionados com a efetivação do processo de sinterização por fase líquida. Nessa temperatura, a maior reatividade da argila devido às partículas com diâmetro esférico equivalente inferior a 2 µm (argilominerais) contribuiu para maior redução da absorção de água da composição A0C. 30 25 Absorção de água (%) 20 15 10 5 900 C * 900 C ** 1050 C * 1050 C ** 1200 C * 1200 C ** 0 5 10 15 20 25 30 % de cinza incorporada Figura 2 - Absorção de água dos corpos de prova queimados. * Cinza utilizada com granulometria inferior a 840 µm, ** Cinza utilizada com granulometria inferior a 75 µm. Observa-se na Figura 3 que a perda ao fogo diminuiu com a adição de cinza e que não houve influência da granulometria da cinza nos resultados obtidos. Isto é devido ao fato da cinza ser composta principalmente de quartzo e este estar atuando como material inerte durante a queima. Também pode ser visto na Fig. 3 que a perda ao fogo aumentou com a temperatura. A perda ao fogo é um parâmetro importante a ser determinado, pois indica perdas de massas associadas a eventuais desidroxilações, matéria orgânica e contribui para o incremento da porosidade da peça queimada.
7 Perda ao fogo (%) 21 900 C * 900 C ** 20 1050 C * 19 1050 C ** 1200 C * 18 1200 C ** 17 16 15 14 13 12 0 5 10 15 20 25 30 % de cinza incorporada Figura 3 Perda ao fogo dos corpos de prova queimados. * Cinza utilizada com granulometria inferior a 840 µm, ** Cinza utilizada com granulometria inferior a 75 µm. A Figura 4 apresenta a variação da resistência à flexão em três pontos em função da porcentagem de cinza incorporada à argila. Observa-se que a 900 C a resistência mecânica diminuiu com o aumento da incorporação de cinza. Por outro lado, nas temperaturas de 1050 e 1200 C, a incorporação de 5% de cinza praticamente não influenciou nos valores de resistência mecânica. A diminuição da resistência mecânica com a incorporação de cinza está atribuída a grande quantidade de quartzo presente na cinza. As partículas de quartzo apresentam uma variação volumétrica a 573 C, formando trincas, que contribuem para o decréscimo da resistência mecânica (13). Em particular, pode ser observado na Fig. 4 que todas as composições com incorporação de cinza apresentam um ligeiro aumento da resistência mecânica com a temperatura de queima, principalmente a 1200 C. Provavelmente, nessa temperatura, ocorreu maior formação de fase líquida. Em relação a granulometria da cinza, observa-se que esta não interferiu nos resultados, com exceção das composições com 30% de cinza incorporada queimadas na temperatura de 1200 C. Nessa temperatura, a composição A30C200 (granulometria inferior a 75 µm) apresentou valor de resistência mecânica maior que a composição A30C20 (granulometria inferior a 840 µm). Quanto menor o tamanho de partícula,
8 mais fácil a formação de fase líquida e a sinterização do material. Portanto, o que ocorreu com essas composições foi aparentemente maior densificação do material A30C200 devido à menor granulometria das partículas de cinza. Este fato está comprovado com os resultados apresentados na Tabela IV. Resistência à flexão (MPa) 33 30 27 24 21 18 15 12 9 6 3 0 900 C * 900 C ** 1050 C * 1050 C ** 1200 C * 1200 C ** 0 5 10 15 20 25 30 % de cinza incorporada Figura 4 - Resistência à flexão em três pontos dos corpos de prova queimados. * Cinza utilizada com granulometria inferior a 840 µm, ** Cinza utilizada com granulometria inferior a 75 µm. CONCLUSÕES Neste trabalho foi avaliado o efeito de duas diferentes granulometrias de uma mesma cinza de bagaço de cana de açúcar nas propriedades de queima, em distintas temperaturas, de uma argila caulinítica com diferentes quantidades de cinza incorporada. Os resultados permitem as seguintes conclusões: - A granulometria da cinza praticamente não influenciou nas propriedades tecnológicas de queima estudadas. Apenas para as composições com 30% de cinza incorporada, e queimadas na temperatura de 1200 C, houve uma influência da granulometria da cinza nos resultados de retração linear e resistência mecânica. Isso ocorreu provavelmente devido a grande quantidade de quartzo presente na cinza, atuando como material inerte. - Apesar das composições apresentaram praticamente a mesma densidade a seco, após a queima apresentaram densidades sensivelmente diferentes.
9 - De uma maneira geral, a incorporação de cinza na argila causou decréscimo da retração linear, perda ao fogo e resistência mecânica à flexão e aumento da absorção de água. - A temperatura de queima influenciou em todas as composições estudadas, sendo os resultados mais significativos na temperatura de 1200 C que melhorou o valor das propriedades comparativamente com as outras temperaturas. - Como conclusão final pode-se afirmar que, mesmo com uma granulometria mais fina, a cinza não contribuiu para melhoria das propriedades tecnológicas de queima. A alta quantidade de quartzo na cinza possivelmente contribuiu para que essa praticamente não reagisse com a argila e acarretasse maior porosidade na estrutura. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq, CAPES, FAPERJ e FENORTE/TECNORTE o apoio financeiro e bolsas concedidas a esta pesquisa. REFERÊNCIAS 1. B. C. Meikap, M. N. Biswas, Separation and Purification Technology 36 (2004) 177. 2. M. Dondi, M. Marsigli, B. Fabbri, Tile & Brick Int. 13, 3 (1997 a) 218. 3. M. Dondi, M. Marsigli, B. Fabbri, Tile & Brick Int. 13, 4 (1997 b) 302. 4. L. M. H. Quintana, J. M. D. Soares, P. P. Frizzo, L. D. Bohrer, Anais do 43 Congresso Brasileiro de Cerâmica, Florianópolis, SC, Junho de 1999, p. 15001. 5. J. M. D. Soares, L. M. H. Quintana, M. Rampazzo, Anais do 44º Congresso Brasileiro de Cerâmica, São Pedro, SP, Maio de 2000, p. 15501. 6. M. C. Borlini, Dissertação de Mestrado, DEMAR/FAENQUIL, Lorena-SP (2002), 189 p. 7. M. Dondi, G. Ercolani, G. Guarini, M. Raimondo, Journal of the European Ceramic Society 22 (2002 a) 1729. 8. M. Dondi, G. Guarini, M. Raimondo, I. Venturi, Journal of the European Ceramic Society 22 (2002 b) 1737. 9. M. Dondi, G. Guarini, M. Raimondo, A. Ruffini, Journal of the European Ceramic Society 22 (2002 c) 1749.
10 10. M.C. Borlini, H. F. Sales, C.M.F. Vieira, R.A. Conte, D.G. Pinatti, S. N. Monteiro, in Global Symposium on Recycling, Waste Treatment and Clean Technology - REWA S 2004, Madrid, Espanha, 2004, p. 767. 11. ASTM - American Society for Testing and Materials, Water Absorption, Bulk Density, Apparent Porosity, and Apparent Specific Gravity of Fired Whiteware Products, C 373-72, 1972, USA. 12. ASTM - American Society for Testing and Materials, Flexural Properties of Ceramic Whiteware Materials, C 674-77, 1977. 13. V. Kilikoglou, G. Vekinis, Y. Maniatis, Acta Metall. Mater. 43, 8 (1995) 2959. EFFECT OF THE GRANULOMETRY OF AN ASH FROM SUGAR CANE BAGASSE IN THE PROPERTIES OF A KAOLINITIC CLAY ABSTRACT This work had as its objective to evaluate the influence of the granulometry of an ash from sugar cane bagasse in the firing properties of a kaolinitic plastic clay from the municipal area of Campos of Goytacazes-RJ. The ash was used with granulometry lower than 20 (840 µm) and 200 (75 µm) mesh. Additions of 0, 5 and 30% in weight of ash were made in the clay. Specimens were molded by 20 MPa uniaxial pressure and fired at 900, 1050 and 1200 C. The firing technological properties evaluated were: apparent density, linear shrinkage, water absorption, loss on ignition and flexural rupture strength. In general, there was no improvement in the technological properties of the clay ceramic with the ash incorporation. This is due to the high amount of quartz in the ash that acted as inert material, delaying the sintering reactions. Keywords: ash, sugar cane bagasse, incorporation, clay, technological properties.