Chimamanda Ngozie Adichie. Blog. Nigéria. África. Estados Unidos. Diáspora.

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Transcrição:

UM AUTOR, DOIS PAÍSES, TRÊS FALAS Antonia de Thuin (PUC-Rio) Eneida Leal Cunha (PUC-Rio) Americanah, o livro de Chimamanda Ngozie Adichie, conta a história de Ifemelu, mulher nigeriana que, movida por necessidades econômicas e por vontade de sair de um país que passava por um momento de sucateamento do ensino por conta de um governo militar e por uma depressão econômica, vai morar nos Estados Unidos, para acabar os estudos e buscar um trabalho. Nesse processo, se separa do homem que seria o amor de sua vida, se reaproxima da tia, médica, que já tinha ido anteriormente para os Estados Unidos com seu filho, e entra em contato com a comunidade de expatriados africanos nos EUA, bem como com o racismo americano. Para falar sobre isso, a personagem cria um blog. Blog esse que existe e pode ser lido na internet, em separado do livro. Constava do site da autora, mas foi retirado e colocado em um domínio separado. A autora se propõe constantemente também a falar sobre a África, sobre sua vida em constante mudança como sua personagem, ela vive entre Estados Unidos e Nigéria e sobre feminismo. Nesse artigo, pretendo falar sobre as relações entre essas três falas da autora. Como o blog, a sua fala enquanto pessoa pública em palestras pelo mundo e o seu romance se entrecruzam. Chimamanda, que é uma representante do que Goli Guerreiro chama de terceira diáspora africana (2010), em que a internet e as questões econômicas interferem nos deslocamentos que anteriormente eram realizados por via marítima, como demonstrado por Paul Gilroy em O Atlântico Negro, se coloca como pessoa pública em palestras como Ted Talks, discutindo questões políticas de raça e gênero na África e no mundo. O Blog em que sua personagem discute isso é uma interrupção no texto do romance, entrando como a voz da autora sobre questões que a personagem atravessa. Chimamanda Ngozie Adichie. Blog. Nigéria. África. Estados Unidos. Diáspora. 3204

Este artigo pretende examinar um aspecto da literatura de Chimamanda Ngozie Adichie, escritora e ativista nigeriana, especificamente a importância da internet e de sua fala teórica em sua produção literária, e para isso quero chamar a atenção aqui a três momentos de seu trabalho, e a forma como se ligam entre si para criar uma obra. O primeiro momento é sua escrita ficcional propriamente dita, aqui o romance Americanah, o segundo são suas falas em público, especificamente aqui sua fala O perigo de uma história única, feita para o site Ted Talks, e o terceiro, sua atuação na internet por meio de um blog, escrito pela autora como se fosse a personagem do romance. Quero mostrar aqui como se conectam e influenciam, apesar de serem três pontos diferentes da produção da autora. O romance Americanah, conta a história de Ifemelu, mulher nigeriana que, movida por necessidades econômicas e pela vontade de sair de um país que passava por um momento de sucateamento do ensino por conta de um governo militar e de uma depressão econômica, vai morar nos Estados Unidos, para terminar seus estudos e buscar um trabalho. Nesse processo, se separa do homem que seria o amor de sua vida, se reaproxima da tia, médica, que já tinha ido anteriormente para os Estados Unidos com o filho, e entra em contato com a comunidade de expatriados africanos nos EUA, bem como com o racismo dos EUA. Para falar sobre toda essa experiência sobretudo a descoberta do racismo, vivência que não conhecia na Nigéria, a personagem cria um blog. Blog esse que pode ser lido na internet, em separado do livro, e que continuou a ser atualizado após o lançamento do livro parou de ser atualizado, Chimamanda falou em entrevista recente, diante de sua impotência face aos casos de violência policial estadunidense, mas ainda tem seus arquivos disponíveis para leitura na internet. Esse blog constava do site da autora, mas posteriormente foi retirado e colocado em um domínio próprio, sempre alimentado pela personagem. As postagens são assinadas por Ifemelu, não por Chimamanda, e falam da Nigéria para onde a personagem volta, durante a narrativa do livro, de política, de seu namoro com Teto, de comida, de feminismo, questões recorrentes no blog ao longo de todo o livro, mas tratadas aqui em posts mais curtos, evitando os posts longos que aparecem ao longo do livro. Além desses dois registros escritos, que diferem em forma e em meio o livro, por mais que tenha sua narrativa entremeada por um blog, não é um blog, não está online, não permite comentários, não tem a temporalidade diária de mudança a autora se propõe também a falar em faculdades e eventos sobre a África, sobre sua vida em constante mudança como sua personagem, ela vive entre Estados Unidos e Nigéria e sobre feminismo. Recentemente foi notícia por ter tido um filho e não ter publicizado a gravidez. Declarou em entrevistas que buscou não se mostrar grávida como forma de não colocar a gravidez como única alternativa para as mulheres, mas sim uma escolha sua, pessoal. Fez também um texto sobre sua 3205

experiência, enfatizando a sua escolha, e a necessidade de divisão de tarefas, um texto que reforça a ideia do feminismo, presente em suas falas. Chimamanda pode ser vista, por estar em constante trânsito entre a Nigéria e os EUA, como representante do que Goli Guerreiro chama de terceira diáspora africana Terceira Diáspora é o deslocamento de signos textos, sons, imagens provocado pelo circuito de comunicação da diáspora negra. Potencializado pela globalização eletrônica e pela web, coloca em conexão digital os repertórios culturais de cidades atlânticas ícones, modos, músicas, filmes, cabelos, gestos, livros. (GUERREIRO, 2010), Nesse processo, a internet e as questões econômicas interferem nos deslocamentos que anteriormente eram realizados apenas por via marítima, como demonstrado por Paul Gilroy em O Atlântico Negro, livro em que discute as repercussões do tráfico de escravos e também da diáspora que se segue às independências que seria para Goli Guerreiro a segunda diáspora na criação de uma cultura compartilhada nos países banhados pelo oceano atlântico. Essa terceira diáspora, que não implica necessariamente em um deslocamento do corpo dos indivíduos, fala de um deslocamento e uma troca cultural permanente e fortalecido pela internet. Chimamanda pode ser vista portanto como um ator nesse cenário, uma vez em que parte do seu trabalho utiliza a internet como ferramenta e como meio. Nascida na Nigéria e vivendo no caminho entre EUA e Lagos, Chimamanda poderia ser vista, apesar de não se considerar, como fazendo parte do que se chama afropolitanismo, termo cunhado pela também escritora Taye Selasi (20015). Uma elite cultural e financeira africana que vive em mudança, passando épocas de sua vida em cada lugar do mundo, entre Europa, EUA e África. Essa elite, africana e global, utiliza a internet como forma de manter contatos, trabalhar e divulgar seu trabalho, e Chimamanda não se identifica como parte desse movimento por se reconhecer diretamente como nigeriana, ao contrário do que fala Taye Selasi em Bye, Bye Babar, texto em que cunha o termo, no qual define o afropolitano como não tendo uma nacionalidade fixa de escolha, um indivíduo que se permite ficar entre nacionalidades, entre continentes e identidades. O afropolitano seria alguém que reconhece seu status de africano porque está na diáspora, que sabe que a diáspora e essa possibilidade de circular entre diversas culturas é parte da sua identidade. Mantendo a sua força de não buscar ser chamada de afropolitana, em sua palestra mais conhecida, Chimamanda fala da necessidade de não se criar uma narrativa única para a África, 3206

para todo o continente. Usa para ilustrar o que seria essa narrativa os seus próprios diálogos ao se mudar para os EUA, com uma colega de quarto, com seu editor, com outras pessoas. Pessoas que imaginavam que ela, por ser africana, morava em uma tribo, não tinha o que comer, vivia no meio de uma guerra. A história africana que se conta mais frequentemente é essa. Da pobreza, da guerra, do tradicionalismo. Chimamanda não quer nos contar somente essa história, fala em sua palestra. Durante quinze minutos em sua fala ela mostra que, vindo da África, teve a mesma educação ocidentalizada que tantos de nós, fez os mesmos raciocínios incorretos a respeito de pessoas de fora da capital, da cidade grande, onde morava, que nós fazemos a respeito de todos que moram na África. Chimamanda nos mostra ali que a história tem muitos pontos de vista e muitas possibilidades de mudança. É essa história múltipla que Chimamanda tenta levar para seus livros, tenta mostrar a quem a lê. Especificamente em Americanah, busca mostrar que a África também é o espaço para uma história banal de amor, como a de Obinze e Ifemelu: "Obinze se encaixava ali, naquela escola, muito mais do que ela. Ifemelu era popular, sempre era convidada para todas as festas e, nas reuniões de alunos, era anunciada como uma das três primeiras do ano, mas sentia-se encerrada por um halo translúcido de diferença. Não estaria ali se não tivesse se saído tão bem na prova de admissão, se o seu pai não estivesse determinado a mandá-la estudar numa escola que tanto forma caráter quanto prepara para uma carreira. O ensino fundamental fora diferente, numa escola cheia de crianças como ela, cujos pais eram funcionários públicos, e que andavam de ônibus e não tinham motorista." (ADICHIE, 2015, p. 76) Na palestra feita para o Ted Talks TED é uma organização sem fins lucrativos dedicada à difusão das ideias, geralmente através de palestras curtas e poderosas de até 18 minutos. TED começou em 1984 como uma palestra em que Tecnologia, Entretenimento e Design convergiam, e hoje abrange quase todos os temas, da ciência e negócios a questões globais, em mais de 100 línguas, Chimamanda explica a importância de contarmos diversas histórias a respeito de um lugar, especificamente o continente africano. Ao longo de toda a sua fala, ela nos lembra que uma história única nos priva de todas as outras histórias, além de nos privar muitas vezes de podermos ver as semelhanças por trás das diferenças. E essa incapacidade de ver em que somos parecidos nos leva a colocar o outro como diferente demais de nós para que possamos reconhecer nele um homem: Insistir somente nas histórias negativas é superficializar a experiência e negligenciar as muitas outras histórias que me 3207

formaram. A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira. Eles são incompletos. Eles fazem uma história se tornar a única história. Claro, a África é um continente repleto de catástrofes, mas há outras histórias que não são sobre catástrofes. E é muito importante, é igualmente importante, falar sobre elas. A consequência de uma única história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade, torna o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos parecidos (Chimamanda, 2009, tradução minha) No romance, a banalidade da história de Ifemelu e Teto é o que nos faz ver o perigo da história única. A narrativa, entrecortada, nos oferece quatro vozes diferentes, quatro formas de ver a história, evitando assim a história única, contra a qual Chimamanda nos adverte em seu vídeo. A primeira narrativa é a que abre o livro, de Ifemelu trançando os cabelos em um pequeno salão e pensando na sua volta à África, de onde saiu faz muitos anos. O salão de tranças cria uma narrativa específica do continente. Das pessoas que saíram em busca de algo melhor, das pessoas que permanecem com sua cultura de origem, que ainda pertencem ao local onde não moram mais. Em seguida, a narrativa passa para a história de Ifemelu desde sua infância em Lagos até chegar nesse ponto de sua vida, fazendo as tranças no salão. Entremeado, vemos a vida de Teto, com um narrador que não tem tanta intimidade com o personagem quanto o que narra a vida de Ifemelu. A quarta ponta dessa narrativa no romance surge com a inserção do blog, que aparece como mais uma fala da personagem principal. Aqui não são devaneios ou lembranças dela ou da sua interação com o momento das ações. São falas que a personagem escreveu sobre assuntos que a tocam, em momentos específicos de sua vida. Como as falas das palestras de Chimamanda, discorrem sobre racismo nas américas, sobre negritude e sobre feminismo. Ifemelu fala porque não se vê representada no que a América enxerga nela, tenta compreender o racismo americano, com o qual só teve contato ao morar nos EUA, tenta entender o que é que esperam dela como negra, dentro da sociedade estratificada americana, papel que não compreendia de início, uma vez que para sua cultura de origem, não fazia sentido: Entendendo a América para o Negro Não Americano: O tribalismo americano Nos Estados Unidos, o tribalismo vai muito bem, obrigado. Existem quatro tipos: de classe, ideologia, região e raça. Em primeiro lugar, vamos ao de classe. É bem fácil. Ele separa os ricos dos pobres. Em segundo lugar, o de ideologia. Liberais e conservadores. [ ] Finalmente, o de raça. Existe uma hierarquia de raça nos Estados 3208

Unidos. Os brancos estão sempre no topo, especificamente os brancos, de família anglo-saxã e protestante, conhecidos como wasps, e os negros sempre estão no nível mais baixo, enquanto o que está no meio depende da época e do lugar." (ADICHIE, 2015, p. 201) Assim, o livro, como foi dito por Chimamanda (2014) em entrevistas, fala de amor, raça e cabelos. Assuntos que dialogam da mesma maneira que as falas da autora em diferentes meios dialogam. Os ecos da história única, a palestra da autora no evento Ted Talks, podem ser vistos ao longo de todo o livro, que procura, sempre que possível, dar diferentes pontos de vista para a África que não sejam apenas o da miséria espetacularizada. Ifemelu não vem de uma família miserável, mas de uma família que luta para se manter numa estrutura política que a cada dia torna mais complicada a subsistência. Teto, o Obinze, seu namorado, é filho de uma professora universitária, e possui uma situação financeira mais estável. A tia de Ifemelu conhece o lado rico, é amante de um militar e com isso tem dinheiro e mordomias que os outros personagens não têm. As histórias que vemos passam por toda uma gama de possibilidades de vida no seu país natal, Nigéria, que são apenas sugeridos em sua fala no evento. Vemos todas as classes sociais serem discutidas, e vemos também questões políticas da Nigéria serem discutidas. Chimamanda fala a respeito de golpes militares e coloca a dificuldade de se manter como universitária em seu país de origem, ela não esconde os problemas de forma alguma, mas mostra como, apesar deles, há vida intelectual e amorosa, há outras histórias que independem dos problemas políticos. As três falas da autora se juntam, então, para nos mostrar a sua versão da história da África, uma história cosmopolita, de constante mudança, que permite esse trânsito diaspórico, uma história que não se prende apenas ao que se espera da África, de guerra e fome. Na África do blog de Ifemelu também vemos essa busca por contar a vida fora dessa chave lugar comum que nos foi vendida da África. O blog fala de uma vida em Lagos que permanece comum. Idas ao restaurante com o namorado. Discussões sobre política, falas sobre cabelo e feminismo negro. É realmente a continuação da história quase banal, da nossa humanidade compartilhada, pelo blog. A história múltipla de Chimamanda, então, envolve a vida de uma mulher, que conhece a cultura de seu país de origem e de outros países, que sabe porque mantém seu cabelo em tranças, mesmo que tenha entendido isso apenas quando chegou aos EUA e percebeu que não conseguiria emprego se mantivesse as tranças. A história da África que vemos aqui não é a história única das revistas e dos jornais, a lucrativa história da fome e da guerra. Ela é a história de uma África que não está eternamente em guerra, que tem, sim, problemas, mas com a qual temos mais trocas e semelhanças culturais que diferenças. 3209

Referências ADICHIE, Chimamanda Ngozi Vídeo encontrado no site TED http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br visto em 20/04/2016. Americanah, São Paulo: Companhia das Letras, 2014. https://americanahblog.com/, visto em 31/10/2016 GUERREIRO, Goli. Terceira Diáspora, culturas negras do mundo atlântico, Salvador: Corrupio, 2010 GILROY, Paul. O atlântico negro, Modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Kapel Moreira. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Afro Asiáticos, Universidade Candido Mendes, Editora 34, 2001. SELASI, Taye, Bye, Bye, Babar visto em http://thelip.robertsharp.co.uk/?p=76 visto em 31/10/2016 3210