fls. 199 SENTENÇA Ação: 1105519-79.2016.8.26.0100 - Procedimento Comum Requerente: Marcos Luis Miranda da Costa e outro Requerido: Esp 91/13 Empreendimentos Imobiliários Ltda. (even) Vistos. MARCOS LUIS MIRANDA DA COSTA e SEBASTIANA PEREIRA DA COSTA moveram a presente ação de conhecimento contra ESP 91/13 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA alegando, em síntese, que em 27/04/2014 as partes celebraram contrato para aquisição da unidade nº 141 do empreendimento denominado "Condomínio Edifício Clube Jardim Vila Maria". Já entregaram à construtora a quantia de R$ 89.527,17. No entanto, resolveram desistir do negócio. A ré, por sua vez, disse que concordaria mediante a devolução de percentual muito aquém daquele pretendido pelos autores, e de forma parcelada. Requereram a procedência de seu pedido para que o contrato seja declarado rescindido, condenando-se a ré na devolução de quantia equivalente a 90% dos valores pagos, ou seja, R$ 80.574,46. Com a inicial vieram documentos. A ré ofertou contestação. Teceu considerações sobre a Construtora Even e que embora pertencente ao mesmo grupo econômico da ré, é pessoa jurídica dela distinta. O contrato foi celebrado entre autores e a ré. Não há solidariedade entre ré e a Even. Com relação ao mérito disse que concorda com o distrato, desde que sejam respeitadas as cláusulas VIII e XIV do contrato celebrado entre as partes. Referidas cláusulas são válidas. O contrato faz lei entre as partes. Em caso de condenação não pode haver incidência de correção monetária ou juros antes do trânsito em julgado. Pugnou pela improcedência do pedido. Trouxe documentos. Houve réplica. Autos nº 1105519-79.2016.8.26.0100 - p. 1
fls. 200 A ré, equivocadamente, ofertou outra defesa. É o relatório. Fundamento e DECIDO. O feito comporta imediato julgamento, afigurando-se desnecessária a designação de audiência ou a produção de outros subsídios probatórios, tendo incidência na espécie, a regra do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Cumpre salientar, em primeiro lugar, que se aplicam ao caso dos autos as disposições previstas no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), pois devidamente configurado a ré como fornecedora de bens e serviços (art. 3º), e os autores como consumidores (art. 2º), tratando-se o imóvel de bem de consumo. Ultrapassada a questão da legislação aplicável, passa-se ao exame das razões das partes. Os autores celebraram contrato particular de compromisso de compra e venda de um apartamento residencial com a ré, e eles, diante da impossibilidade de honrar com o pagamento integral do preço, buscaram a rescisão do contrato e a consequente devolução integral de pelo menos 90% das parcelas já pagas. As partes concordam em rescindir o contrato, apenas divergindo quanto aos valores a serem devolvidos. A disposição contratual que regula a multa na hipótese de rescisão do contrato dispõe: VIII. No caso de rescisão, serão apuradas as quantias pagas pelo COMPRADOR atualizadas de acordo com o critério utilizado para pagamento das prestações, e elas serão descontadas as seguintes despesas, Autos nº 1105519-79.2016.8.26.0100 - p. 2
fls. 201 também atualizadas monetariamente: (a) custos administrativos e de promoção de venda à taxa de 10% (dez por cento) sobre os valores até então recebidos pela VENDEDORA; (b) contribuição ao PIS à taxa vigente na ocasião, sobre os valores até então recebidos pela VENDEDORA; (c) contribuição ao COFINS à taxa vigente na ocasião, sobre os valores até então recebidos pela VENDEDORA; (d): outros impostos, tributos ou contribuições incidentes sobre este negócio imobiliário, ainda que venham a ser criados no curso do contrato; (e) Multa compensatória de 10% (dez por cento) sobre o valor total deste contrato (art. 410 do Código Civil Brasileito); (f) outras despesas comprovadas pela VENDEDORA. "XIV Recorrendo a VENDEDORA à Justiça ou se, simplesmente contratar advogado para a satisfação de obrigações não atendidas, suportará o COMPRADOR, ainda, as despesas judiciais, extrajudiciais e os honorários de advogado desde já arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor do débito, em caso de cobrança extrajudicial, em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, no caso de cobrança judicial." Segundo dispõe o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa fé e a equidade. In casu, as referidas cláusulas contratuais que estabelece deduções que possam ultrapassar mais de 90% dos valores pagos é abusiva, porque representa prejuízo injustificado ao comprador e, por outro lado, promove o enriquecimento sem causa do vendedor. No entanto, a jurisprudência tem autorizado o promitente vendedor a reter parte do valor pago quando a rescisão se deu por culpa do promissário comprador, como na hipótese dos autos, que desistiram do negócio. Necessário, portanto, fixar um percentual de retenção que Autos nº 1105519-79.2016.8.26.0100 - p. 3
fls. 202 possibilite ao promitente vendedor o ressarcimento das despesas efetivadas com o negócio desfeito, bem como às necessárias à venda do imóvel. No que tange a este valor, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça entende que o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas quitadas pelos compradores revela-se razoável e suficiente para o reembolso dos custos da vendedora. Nesse sentido: "COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PERDA DAS PRESTAÇÕES PAGAS. CONTRATO PACTUADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NULIDADE DA CLÁUSULA. RETENÇÃO PELA CONSTRUTORA. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. - Nula é a cláusula que prevê a perda da metade das prestações pagas, de contrato de compromisso de compra e venda celebrada na vigência do Código de Defesa do Consumidor, podendo a parte inadimplente requerer a restituição do quantum pago, com correção monetária desde cada desembolso, autorizada a retenção, na espécie, de dez por cento (10%) do valor pago, em razão do descumprimento do contrato". (4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, REsp n. 184.148- SR unânime, DJU de 01.02.99). Assim, confirmada a rescisão do contrato, a restituição deve ocorrer de forma atualizada a contar do efetivo desembolso de cada parcela, considerando-se o total pago pelos autores conforme planilha de fls. 55, ou seja, R$ 89.527,17, e deduzindo-se desse total 10% (dez por cento) a título de despesas, e acrescida de juros legais a contar da citação, nos termos do artigo 405 do Código Civil, cujo valor resulta em R$ 80.574,46. Com isso, não há que se falar em correção e juros de mora somente a partir do trânsito em julgado. A segunda cláusula invocada pela ré, quanto a honorários advocatícios, não tem aplicação ao presente caso porque foram os compradores Autos nº 1105519-79.2016.8.26.0100 - p. 4
fls. 203 que moveram ação e não o contrário. Eventuais argumentos do processo não analisados não o foram por não serem capazes de infirmar as conclusões retro (art. 489, IV, do CPC). Posto isso, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados por MARCOS LUIS MIRANDA DA COSTA e SEBASTIANA PEREIRA DA COSTA contra ESP 91/13 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, declarando nula a cláusula VIII do contrato encartado nos autos, o qual fica rescindido, determinando à ré que devolva aos autores, em parcela única, os valores por eles pagos (R$ 80.574,46), corrigidos monetariamente pelos índices da Tabela de Atualização de Débitos do Tribunal de Justiça de São Paulo a partir de cada desembolso e acrescido de juros moratórios legais de 1% (um por cento) ao mês incidentes desde a citação, ficando autorizada apenas a retenção de 10% (dez por cento) deste valor. Em virtude da sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 10% do valor da condenação à luz do disposto no artigo 85, 2º, do Código de Processo Civil. Após o trânsito em julgado aguarde-se, em cartório, pelo prazo de um mês o início da fase executória. Na inércia, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 21 de agosto de 2017. Juíza de Direito Dra. FERNANDA DE CARVALHO QUEIROZ Documento assinado digitalmente nos termos da lei 11.419/2006, conforme impressão à margem direita Autos nº 1105519-79.2016.8.26.0100 - p. 5