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Transcrição:

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 GRAU DE SEVERIDADE DE DESVIO FONOLÓGICO: UMA ABORDAGEM QUALITATIVA Cristiane LAZZAROTTOVOLCÃO 1 Carmem Lúcia Barreto MATZENAUER 2 RESUMO A literatura mostra que os métodos quantitativo e qualitativo têm dado suporte a propostas de estabelecimento do grau de severidade dos desvios fonológicos. A avaliação com base quantitativa tem a vantagem de ser de fácil aplicação, tornandose acessível a profissionais de diferentes áreas do conhecimento. No entanto, as formas que avaliam uma gramática com desenvolvimento desviante a partir de dados estatísticos apresentam, entre outras, a desvantagem de desconsiderarem a natureza fonológica dos fenômenos determinantes do desvio. Tais formas de avaliação atribuem o mesmo tratamento para uma substituição de uma líquida por outra líquida e de uma líquida por uma plosiva, por exemplo. Além disso, não consideram a possibilidade que a prática terapêutica evidencia ser extremamente freqüente de evitação, pela criança, de itens lexicais que contenham fonemas ainda não estabelecidos em seu sistema, o que pode elevar os índices referentes aos erros de sua fonologia, em se comparando com a línguaalvo. Considerando essa realidade e dando continuidade a pesquisas anteriores (LAZZAROTTO, 2005; LAZZAROTTOVOLCAO e MATZENAUER, 2008), este trabalho traz uma abordagem que classifica os DF a partir da presença/ausência de contrastes nos sistemas fonológicos das crianças. Mantemos as classificações já apresentadas nos estudos anteriores desvio leve, moderado, moderadosevero e severo, mas alteramos a categorização de cada uma delas, com base em um novo modelo de análise e classificação dos DF, chamado de Padrão de Aquisição de Contrastes (PAC) (LAZZAROTTOVOLCAO, em andamento). Evidenciamos que o modelo mostrase adequado em classificar o grau de severidade dos desvios, a partir da presença/ausência de contrastes fonológicos na gramática. PALAVRASCHAVE: desvio fonológico, aquisição fonológica, traços distintivos 1 Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé e Universidade Católica de Pelotas, Centro de Educação e Comunicação, Programa de PósGraduação em Letras. Rua Leonardo da Vinci, nº 80 Loteamento Esperança, Três Vendas, Pelotas/RS Brasil CEP 96000000. cristiane.volcao@unipampa.edu.br 2 Universidade Católica de Pelotas, Centro de Educação e Comunicação, Programa de PósGraduação em Letras. Rua Félix da Cunha, 412. Centro Pelotas/RS Brasil. CEP 96010000. carmenluc@terra.com.br 1

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Introdução As contribuições da Teoria Fonológica para a área da Fonoaudiologia e da Fonologia Clínica têm sido cada vez mais evidenciadas em pesquisas e publicações brasileiras. Esses estudos têm possibilitado aprimorar a avaliação e a terapia dos casos de Desvio Fonológico (DF). Pelas particularidades que os diferentes casos de desvio apresentam, um aspecto que ainda merece ser discutido é a possibilidade de classificação do grau de severidade do DF, tanto para fins de pesquisa, como para diagnóstico e prognóstico terapêutico. Pela relevância e implicações do tema, a literatura relacionada a Desvios Fonológicos apresenta diferentes classificações do grau de severidade do desvio, tendo como base motivações diversas. Considerandose a existência de controvérsias, este trabalho vem aliarse ao debate, apresentando uma proposta de classificação do grau de severidade do desvio que leve em conta a natureza fonológica do sistema desviante. Tendo em vista tal objetivo, a proposta tem suporte em unidade basilar para a teoria fonológica: os traços distintivos e os contrastes que as coocorrências de traços estabelecem nos sistemas fonológicos.esses pressupostos são a base do Modelo Padrão de Aquisição de Contrastes, ainda inédito, o qual permite avaliar e classificar os DF. Ao final deste trabalho, exemplificaremos a proposta de classificação a partir dos dados de quatro sujeitos com DF. 2

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Formas de classificação dos desvios Considerando o registro, na literatura vinculada à área de Desvios Fonológicos e de Fonologia Clínica, de diferentes abordagens relativamente à avaliação e à atribuição de graus de severidade dos DF, apresentamos uma síntese daquelas classificações mais utilizadas na terapia e na pesquisa fonoaudiológica, dividindoas, quanto ao seu modus operandi, em quantitativas e qualitativas. Medidas quantitativas de classificação dos desvios Como exemplar característico de classificação do grau de severidade de DF com base quantitativa, é aqui apresentada a proposta de Shriberg e Kwiatkowski (1982). Os autores criaram um sistema de classificação de desvios, a partir de dados de 43 sujeitos com DF, através do cálculo do Percentual de Consoantes Corretas (PCC). De acordo com essa proposta, as alterações fonológicas podem ser classificadas como é mostrado em (1). (a) desvio severo, com percentuais de consoantes corretas menores do que 50%; (b) desvio moderadosevero, com percentuais de consoantes corretas entre 50% e 65%; (c) desvio médiomoderado, com percentuais de consoantes corretas entre 65% e 85% e (d) desvio médio, com percentuais de consoantes corretas maiores que 85%. (1) classificação dos DF, conforme o PPC No Brasil, dentre outros, há o trabalho de KeskeSoares (2001), que utilizou o PCC na classificação dos DF de 35 sujeitos, falantes do português brasileiro (PB). Além dessa medida, a autora utilizou outros percentuais, a saber: Percentual de Consoantes 3

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Corretas em Onset (PCCO) e em Coda (PCCC), Percentual de Consoantes Incorretas (PCI), Relação de Consoantes CorretasIncorretas (RCCI), Percentual de Consoantes Omitidas (PCO), Percentual de Consoantes Substituídas (PCS), Percentual de Consoantes Omitidas em Onset (PCOO) e em Coda (PCOC), Percentual de Consoantes Substituídas em Onset (PCSO) e em Coda (PCSC), Relação Omissão Substituição (ROS), Relação Omissão Onset/Coda (ROO/C), Relação Substituição Onset/Coda (RSO/C) e Naturalidade e Nãonaturalidade do sistema fonológico. Essas medidas quantitativas, de certo modo, são capazes de mostrar a gravidade, ou não, de um caso de DF, por meio da análise numérica de emprego correto ou incorreto de consoantes no sistema desviante. Contudo, não levam em conta alguns aspectos relevantes para se entender a natureza do desvio apresentado. Essas medidas não levam em consideração a natureza fonológica do erro, uma vez que dão o mesmo tratamento para a substituição de uma líquida por outra líquida e de uma líquida por uma plosiva, por exemplo, sendo este caso menos freqüente do que o primeiro e, portanto, podendo essa diferença configurar em indicativo de severidade do desvio. Além disso, há que se considerar que, muitas vezes, as crianças podem evitar a produção de itens lexicais que contenham fonemas ainda problemáticos, especialmente quando tiverem uma boa consciência de seus erros fonológicos. Nesse caso, teremos uma baixa produção de unidades lexicais que contenham o alvo não adquirido pela criança, podendo elevar os índices de PCC, PCO e PCS, desfigurando a realidade de seu sistema fonológico. Por outro lado, o sujeito pode produzir um maior número de palavrasalvo que apresentam o segmento ainda não adquirido e, dessa forma, os índices acima referidos podem diminuir falsamente. 4

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Medidas qualitativas de classificação dos desvios Em relação à utilização de análises qualitativas para a avaliação da severidade de DF, são aqui citadas as propostas de Grunwell (1997), KeskeSoares (2001) e de Lazzarotto (2005). Grunwell (1997) caracterizou os DF em três categorias de desenvolvimento, apresentadas em (2). a) desenvolvimento atrasado quando a criança apresenta padrões de pronúncia normais, mas a aquisição se dá de forma mais lenta do que o esperado, b) desenvolvimento variável a criança utiliza padrões de estágios diferentes e c) desenvolvimento diferente a criança usa padrões incomuns no desenvolvimento fonológico normal. (2) caracterização dos DF Com essa caracterização, a autora apresenta uma tipificação de DF que se configura como uma gradação da severidade do desvio, levando em conta o funcionamento do sistema da criança. KeskeSoares (2001) propôs uma tipologia para a classificação dos DF, conforme aparece em (3), com base em características encontradas nos sistemas fonológicos dos sujeitos estudados. a) sujeitos com DF com características incomuns cujos sistemas estão bem defasados em relação ao sistema padrão de crianças mais jovens com desenvolvimento normal, sendo caracterizados por processos incomuns e preferência sistemática por um som, b) sujeitos com DF com características iniciais cujos sistemas fonológicos são similares aos encontrados no desenvolvimento inicial da aquisição fonológica e 5

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 c) sujeitos com DF com características atrasadas cujos sistemas fonológicos evidenciam alterações encontradas no estágio final da aquisição fonológica normal. (3) tipologia dos DF Em Lazzarotto (2005), foi proposta uma classificação qualitativa de DF, tendo, como unidade básica de análise, o traço distintivo e considerando, como parâmetro, as quatro grandes classes de consoantes constitutivas dos sistemas fonológicos das línguas naturais: plosivas, fricativas, nasais e líquidas. Assim, nesse trabalho (op. cit.), foram estabelecidas três categorias de sistemas consonantais, discriminadas em (4), representantes de três graus diferentes de DF. a) Categoria 1 sistemas consonantais com um nível mínimo de contrastes presença de segmentos representantes das classes [soante, contínuo] e [+soante, +nasal], com possibilidade de mais um tipo de coocorrência de traços representativa de uma terceira classe de consoantes; b) Categoria 2 sistemas consonantais com um nível médio de contrastes presença de segmentos representantes das classes [soante, contínuo], [+soante, +nasal], [+consonantal, +aproximante], com possibilidade de mais um tipo de coocorrência de traços representativa de uma quarta classe de consoantes; c) Categoria 3 sistemas consonantais com um nível alto de contrastes, embora ainda não apresente todos os contrastes da línguaalvo presença das classes [ soante, contínuo], [+soante, +nasal], [+consonantal, +aproximante] e [soante, +contínuo], com possibilidade de mais um tipo de coocorrência de traços representativa das duas últimas classes a serem adquiridas no processo normal de aquisição da linguagem, segundo a literatura da área, as quais são constituídas por consoantes [soante, +contínuo] e [+aproximante, +consonantal]. (4) Categorias dos sistemas com desvios, a partir de traços Tal proposta, estabelecida a partir da análise da fonologia de três crianças portadoras de DF, tinha seu fundamento nos traços distintivos como unidade fonológica e como unidade essencial na constituição de segmentos e de classes de segmentos. 6

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Em 2008, LazzarottoVolcão e Matzenauer fazem uma revisão desta proposta, desmembrando a categoria 3 em duas novas categorias, a partir da necessidade de não deixar no mesmo grupo sistemas fonológicos de natureza distinta. Amostra disso é a possibilidade de reunir gramáticas que não apresentam, em seu quadro fonológico, apenas a líquida /R/ e gramáticas que não apresentam as fricativas coronais e as líquidas nãolaterais. Em (5) apresentamos a proposta das autoras. a) Categoria 1 sistemas consonantais com um nível mínimo de contrastes presença de segmentos representantes das classes [soante, contínuo] (plosivas) e [+soante, +nasal] (nasais), com possibilidade de mais um tipo de coocorrência de traços representativa de uma terceira classe de consoantes; b) Categoria 2 sistemas consonantais com um nível médio de contrastes presença de segmentos representantes das classes [soante, contínuo] (plosivas), [+soante, +nasal] (nasais), [+consonantal, +aproximante] (líquidas), com possibilidade de mais um tipo de coocorrência de traços representativa de uma quarta classe de consoantes; c) Categoria 3 sistemas consonantais com um nível médioalto de contrastes, com a presença das classes [soante, contínuo] (plosivas), [+soante, +nasal] (nasais), [+consonantal, +aproximante] (líquidas) e [soante, +contínuo] (fricativas), sendo que, dentre as duas últimas classes, a quantidade permitida de coocorrências de traços relativos a ponto é de, no máximo, quatro; d) Categoria 4 sistemas consonantais com nível alto de contrastes, com a presença das quatro classes principais de consoantes (plosivas, nasais, líquidas e fricativas), tendo presentes cinco ou mais coocorrências de traços relativos a ponto de articulação. (5) categorias para a de classificação dos DF, com base em traços, revista Com isso, as autoras passam a classificar os DF conforme a proposta em (6) a) desvio leve nível que integra crianças que apresentam sistemas pertencentes à Categoria 4, conforme discriminação em (5); b) desvio moderado nível que integra crianças que apresentam sistemas pertencentes à Categoria 3, conforme discriminação em (5); c) desvio moderadosevero nível que integra crianças que apresentam sistemas pertencentes à Categoria 2, conforme discriminação em (5), e d) desvio severo nível que integra crianças que apresentam sistemas fonológicos enquadrados na Categoria 1, conforme discriminação em (5). (6) classificação dos DF 7

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Considerando as limitações das medidas quantitativas, de acordo com referências exemplificativas, propomos, neste artigo, uma nova classificação dos desvios cuja base está relacionada ao comportamento de coocorrências de traços distintivos, responsáveis pelos contrastes dos sistemas fonológicos. A presente proposta é um recorte da tese de doutorado de LazzarottoVolcão (em andamento) e tem por base o Modelo Padrão de Aquisição de Contrastes (PAC). A proposta será avaliada a partir da análise dos sistemas de quatro crianças com DF. Uma nova forma de classificação A aquisição de contrastes fonológicos pressupõe o funcionamento das coocorrências de traços e constituem condição para que as classes naturais se configurem nos sistemas fonológicos. Com essa base, o Modelo PAC é proposto em LazzarottoVolcão (em andamento), para analisar e classificar os DF. Neste modelo estão previstas quatro etapas para o processo de aquisição da fonologia e a classificação dos DF dáse com base na aquisição dos contrastes previstos para cada etapa. Em (7) apresentamos esses contrastes, conforme a etapa prevista pelo modelo, bem como as coocorrências de traços responsáveis por esses contrastes (LAZZAROTTOVOLCAO, em andamento). 8

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Etapas de Traços aquisição adquiridos do PAC 1 [+soante] [labial] [dorsal] [anterior] [+voz] Total da etapa: 5 2 [+contínuo] marcados Total da etapa: 1 Total da gramática: 6 3 [+aproximante] 4 Total da etapa: 1 Total da gramática: 7 Total da etapa: 0 Total da gramática: 7 Coocorrências formadas [+consonantal, +soante] [soante, labial] [soante, dorsal] [+soante, labial] [+soante, coronal, anterior] [soante, coronal, +voz] [soante, labial, +voz] [soante, dorsal, +voz] Total da etapa: 8 [soante, +contínuo] [+continuo, labial] [+contínuo, coronal, +voz] [+contínuo, labial, +voz] Total da etapa: 4 Total da gramática: 12 [+soante, +aproximante] [soante, +contínuo, coronal, anterior] [soante, +contínuo, coronal, anterior, +voz] Total da etapa: 3 Total da gramática: 15 [+aproximante, +contínuo] [+aproximante, coronal, anterior] [+aproximante, dorsal] Total da etapa: 3 Total da gramática: 18 contínuo, +contínuo, Contrastes estabelecidos a partir das coocorrências Soantes versus obstruintes Plosivas coronais versus labiais Plosivas coronais versus dorsais Plosivas labiais versus dorsais Nasais coronais versus labial Nasais coronais anterior versus nãoanterior Plosivas coronais surda versus sonora Plosivas labiais surda versus sonora Plosivas dorsais surda versus sonora Total da etapa: 9 Plosivas versus fricativas Fricativas coronais versus labiais Fricativas coronais surda versus sonoras Fricativas labiais surda versus sonora Total da etapa: 4 Total da gramática: 13 Nasais versus líquidas Fricativas coronais anteriores versus nãoanteriores Fricativas coronais nãoanteriores surdas versus sonoras Total da etapa: 3 Total da gramática: 16 Líquidas laterais versus nãolaterais Líquidas laterais anterior versus nãoanterior Líquidas nãolaterais coronal versus dorsal Total da etapa: 3 Total da gramática: 19 (7) etapas do PAC e os contrastes fonológicos de cada uma delas 9

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 A partir disso, demonstramos quais os critérios utilizados pelo modelo para classificar o grau de severidade dos desvios em severo, moderadosevero, moderado e leve. Desvio severo Para ser classificado como severo, o sistema fonológico com desvio deve apresentar: ausência de contrastes das 3ª e 4ª etapas; presença de, no máximo, dois contrastes da 2ª etapa; presença de, no máximo, 6 contrastes da 1ª etapa. Com isso, neste grau de severidade estão incluídas gramáticas que apresentam: nasais (podendo alguma coocorrência de ponto estar ausente); plosivas (podendo algumas coocorrências de ponto ou sonoridade estar ); e, no máximo, duas subclasses de fricativas (podendo estar todas as fricativas ), como exemplo: fricativas labiais surda e sonora (contrastes plosivas versus fricativas e fricativas labiais surda versus sonora), ou fricativas surdas labial e coronal anterior (contrastes plosivas versus fricativas e fricativas surdas labial versus coronal) ou a aquisição dos contrastes de sonoridade previstos, mesmo que os segmentosalvo estejam 10

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 (contrastes fricativas labiais surda versus sonora 3 e fricativas coronais anterior surda versus sonora). A diferença entre a proposta de LazzarottoVolcão e Matzenaeur (op cit.) e a deste trabalho reside no fato de que o PAC prevê que a terceira classe de consoantes a surgir no sistema é a classe das fricativas. Além disso, a partir desta proposta estamos limitando o número de contrastes entre plosivas e nasais, também como fator de classificação do grau de severidade. Desvio ModeradoSevero A partir do PAC, é considerado moderadosevero o desvio que apresente as seguintes características: ausência de contrastes da 4ª etapa; presença de, no mínimo, um e, no máximo, dois contrastes da 3ª etapa; presença de, no mínimo, dois e, no máximo, três contrastes da 2ª etapa; presença dos contrastes da 1ª etapa, podendo estar no máximo três coocorrências relativas a ponto e/ou sonoridade. Assim, são considerados um desvio moderadosevero os casos de crianças que já deveriam ter adquirido a fonologia do PB e que apresentam gramáticas com: nasais; plosivas; 3 Conforme explicado em 4.3.3, o PAC analisa a aquisição dos contrastes, independetemente da aquisição dos segmentos. 11

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 fricativas labiais e coronais anteriores (devendo estar ausente apenas uma das seguintes subclasses: fricativas labiais ou fricativas coronais anteriores ou fricativas labiais e coronais anteriores surdas) fricativas coronais nãoanteriores ou o contraste de sonoridade entre essas fricativas (mesmo que os segmentosalvo estejam na gramática) e/ou líquida lateral anterior. Nessa proposta de classificação do grau de severidade, são agregadas algumas condições que a torna mais específica que aquela utilizada por LazzarottoVolcão e Matzenauer (2008). Estáse prevendo, aqui, apenas uma coocorrência relativa à classe das líquidas (contraste da 3ª etapa) e que, pelo menos, duas consoantes fricativas estejam presentes (resultado da obrigatoriedade de haver, no mínimo, dois contrastes da 2ª etapa). Desvio moderado O PAC prevê que os desvios moderados passem a ser atribuídos às gramáticas que tenham as seguintes configurações: presença de todos os contrastes das duas primeiras etapas; presença de, no mínimo, um contraste e, no máximo, dois contrastes da 3ª etapa; presença de, no máximo, um contraste na 4ª etapa, podendo estar todos. 12

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Com isso, prevemos que sujeitos com desvio moderado tenham em seus inventários fonológicos as seguintes classes de sons: nasais; plosivas; fricativas labiais; fricativas coronais anteriores; pelo menos, uma líquida. Podem estar as seguintes classes ou segmentos: as duas fricativas coronais nãoanteriores (desde que haja contraste de sonoridade entre elas); somente o /S/ ou somente o /Z/; três líquidas. Com essa proposta, a classificação proposta pelo PAC altera alguns aspectos daquilo que consta em LazzarottoVolcão e Matzenauer (2008), ao considerar que as coocorrências podem ser relativas a ponto e/ou sonoridade, no contexto das fricativas, e ponto e/ou modo, no contexto das líquidas. Além disso, ao considerar essas possibilidades, o número máximo de coocorrências no contexto das fricativas e líquidas passa a ser seis 4 e, não mais, quatro. Desvio leve 4 [+contínuo, labial], [+contínuo, coronal, +anterior], [+contínuo, labial +voz], [+soante, +aproximante], [+contínuo, coronal anterior] ou [+contínuo, coronal, anterior, +voz], [+aproximante, contínuo, coronal, anterior] ou [+aproximante, +contínuo] ou [+aproximante, +contínuo, dorsal] ou [+aproximante, +contínuo, coronal]. 13

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Na classificação dos desvios a partir do PAC, consideramos como desvio leve o sistema que apresentar as seguintes configurações: presença de todos os contrastes das duas primeiras etapas; presença de, no mínimo, dois contrastes da 3ª etapa; presença de, no mínimo, dois contrastes da 4ª etapa. Assim, são considerados como desvio leve, os sistemas que apresentam as classes de sons e segmentos abaixo: nasais; plosivas; fricativas (podendo estar ausente a subclasse das coronais nãoanteriores ou o contraste de sonoridade entre elas); líquidas (pelo menos duas laterais e uma nãolateral ou viceversa). Em relação à primeira proposta de classificação, esta se diferencia por exigir a presença de, no mínimo, 5 coocorrências relativas a ponto e/ou sonoridade na classe das fricativas e/ou, na classe das líquidas, coocorrências relativas a ponto e/ou modo. Caracterização dos sistemas fonológicos dos sujeitos deste estudo Os sujeitos deste estudo têm seus sistemas fonológicos arquivados no AQUIFONODES 5.. Suas idades variam de 5:3 a 9:0. Em se referindo ao Nível Fonético, 5 Banco de Dados em Aquisição Fonológica com Desvios, do Programa de PósGraduação em Letras da UCPel. 14

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 tomandose como referência as quatro grandes classes de segmentos, é mostrado em (8) um resumo dos dados dos quatro sujeitos estudados. S1: nenhuma classe de consoantes está completa, sendo que da classe das líquidas não há qualquer representante; S2: apenas a classe das líquidas está incompleta, com a ausência de duas delas; S3 apenas a classe das líquidas está incompleta, estando ausente em sua fala apenas uma delas; S4 as classes das fricativas e das líquidas estão incompletas, com a ausência de um som em cada classe (8) Inventários fonéticos dos quatro sujeitos Quanto ao Nível Fonológico, em (9) está registrada uma síntese do funcionamento da gramática das consoantes dos quatro sujeitos pesquisados, no espaço de Onset. S1: o espaço fonológico das obstruintes não integrantes do seu sistema é ocupado por outras obstruintes (plosivas dorsais); o espaço fonológico das nasais não integrantes do sistema não é ocupado, tendo um zero fonético em seu lugar, enquanto que o espaço das líquidas é ocupado por glides ou por um zero fonético; S2: o espaço fonológico das plosivas não integrantes de sua gramática é ocupado por outros segmentos [contínuo] (plosivas e nasais); o espaço fonológico das fricativas é ocupado pelo zero fonético ou por outras fricativas (labiais por coronais e viceversa); o espaço da nasal não presente em seu sistema é preenchido pela nasal e pelo zero fonético e o espaço das líquidas é preenchido pelo zero fonético e por segmentos [+soante] (líquidas, nasais e glides). S3 o espaço fonológico das fricativas coronais em seu sistema é ocupado por outras fricativas (labiais e coronais) e o espaço da nasal labial não adquirida é preenchido por plosivas, também, labiais. A classe das líquidas é a que se mostra mais instável, evidenciando que, para este sujeito, as líquidas não são interpretadas como uma única classe. O espaço das laterais é preenchido pelo zero fonético e por outros segmentos coronais, incluindo plosiva, nasal e líquida nãolateral. Já o espaço da líquida nãolateral ainda ausente em seu inventário é preenchido pelo zero fonético ou pelo alvo correto. S4 a classe das fricativas não se mostra estável no sistema: o espaço das fricativas [cor, +ant] é ocupado por fricativas [cor, ant], enquanto que o espaço fonológico da líquida não integrante do sistema é ocupado pela líquida [l]. (9) Inventários fonológicos dos quatro sujeitos deste estudo 15

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 A seguir apresentamos, de forma esquemática, os sistemas fonológicos dos sujeitos que terão seus desvios avaliados pela presente proposta. Sujeito 1 S1 p b k g f v m Sujeito 2 S2 p k g s z S m n Sujeito 3 S3 p b t d k g f v s z m n ˉ R 16

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 Sujeito 4 S4 p b t d k g f v S Z m n ˉ l Em relação aos contrastes da língua, mostramos em (10) quais os contrastes presentes, e em aquisição em cada gramática, conforme as 4 etapas do PAC. Etapas Contrastes e segmentos PAC previstos 1 1) Soantes versus obstruintes 2) Plosivas coronais versus labiais 3) Plosivas coronais versus dorsais 4) Plosivas labiais versus dorsais 5) Nasais coronais versus labial 6) Nasais coronais anterior versus nãoanterior 7) Plosivas coronais surda versus sonora 8) Plosivas labiais surda versus sonora 9) Plosivas dorsais surda versus sonora S1 S2 S3 S4 1, 2, 4, 5, 8 9 3, 6, 7 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 2 10) Plosivas versus fricativas 11) Fricativas coronais versus labiais 12) Fricativas coronais surda versus sonoras 13) Fricativas labiais surda versus sonora 12, 13 11, 10 10, 12, 13 11 10, 11, 12, 13 10, 11, 12, 13 3 14) Nasais versus líquidas 15) Fricativas coronais anteriores versus nãoanteriores 16) Fricativas coronais 16 15, 16 14, 15 14, 16 17

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 nãoanteriores surda versus sonora 16 4 17) Líquidas laterais versus nãolaterais 18) Líquidas laterais anterior versus nãoanterior 19) Líquidas nãolaterais coronal versus dorsal 14, 15 14 19 15 17, 18 17, 18, 19 17, 18, 19 17, 18 Ausentes 19 (10) Situação dos contrastes em cada gramática dos sujeitos deste estudo A categorização da severidade dos desvios dos sujeitos deste estudo, com base na presença/ausência de contrastes Com base nessa nova proposta, podemos categorizar os sujeitos deste estudo da seguinte forma: O sujeito 1 apresenta um desvio severo, uma vez que satisfaz as seguintes condições: ausência de contrastes das 3ª e 4ª etapas; presença de, no máximo, dois contrastes da 2ª etapa, S1 apresenta dois; presença de, no máximo, 6 contrastes da 1ª etapa, S1 apresenta cinco. O sujeito 2 apresenta um desvio moderado severo, pois atende aos seguintes critérios: ausência de contrastes da 4ª etapa, S2 não possui nenhum dessa etapa; presença de, no mínimo, um e, no máximo, dois contrastes da 3ª etapa, S2 apresenta dois; presença de, no mínimo, dois e, no máximo, três contrastes da 2ª etapa, S2 apresenta três; 18

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 presença dos contrastes da 1ª etapa, podendo estar no máximo três coocorrências relativas a ponto e/ou sonoridade, S2 já adquiriu todos os contrastes dessa etapa. O sujeito 3 apresenta uma desvio moderado, pois atende às características a seguir: presença de todos os contrastes das duas primeiras etapas, S3 possui; presença de, no mínimo, um contraste e, no máximo, dois contrastes da 3ª etapa, S3 apresenta dois; presença de, no máximo, um contraste na 4ª etapa, podendo estar todos, S3 apresenta apenas um contraste. O sujeito 4 apresenta também um desvio moderado, pois atende aos quesitos a seguir: presença de todos os contrastes das duas primeiras etapas, S4 apresenta todos; presença de, no mínimo, dois contrastes da 3ª etapa, S4 possui dois; presença de, no mínimo, dois contrastes da 4ª etapa, S4 possui dois. Considerações finais Evidenciamos, com este estudo, que uma proposta de classificação dos desvios, com base na presença/ausência de contrastes parece ser uma alternativa válida para pesquisadores e clínicos, uma vez que leva em consideração a natureza dos segmentos presentes em cada gramática. Evidentemente que essa única abordagem, com base em contrastes, pode não ser suficiente para analisar um maior número de sujeitos, podendo ser associada às medidas 19

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243 quantitativas, para uma determinação do grau de severidade. Diante disso, acreditamos que essa proposta tenha que ser aplicado a um número maior de sujeitos. Referências bibliográficas GRUNWELL, Pamela. Clinical Phonology. 2ª ed. London: Croom Helm, 1987. KÉSKESOARES, Márcia. Terapia fonoaudiológica fundamentada na hierarquia implicacional dos traços distintivos aplicada em crianças com desvios fonológicos. Tese. Porto Alegre: PUCRS, 2001. LAZZAROTTO, Cristiane. Avaliação e planejamento fonoterapêutico para casos de Desvio Fonológico com base na Teoria da Otimidade. Dissertação. Pelotas: UCPel, 2005. LAZZAROTTOVOLCÃO, Cristiane. Modelo Padrão de Aquisição de Contrastes. Uma proposta de análise e classificação dos desvios fonológicos. Tese. Pelotas: UCPel, em andamento. e MATZENAUER, Carmen L.B. A severidade do desvio fonológico com base em traços. Letras de Hoje. Porto Alegre, v 43, n.3, p.4753, 2008. SHRIBERG, L.D. e KWIATKOWSKI, J. Phonological disorders I: a diagnostic classification system. Journal of Speech and Hearing Disorders. v. 47, p. 22641, 1982. YAVAS, Mehmet. Desvios fonológicos na criança: implicações da lingüística. Letras de Hoje. v. 18, n. 4, p. 77103, 1985. Bibliografia consultada CHOMSKY, Noam e HALLE Morris. The Sound Pattern of English. New York: Harper and Row, 1968. CLEMENTS, George N. e HUME, Elisabeth V. The internal organization of speech sounds. In: GOLDSMITH, J. A. (org.) The handbook of phonological theory. Cambridge: Blackwell, 1995. p. 245306. LAMPRECHT, Regina R. et. al. Aquisição fonológica do português. Perfil de desenvolvimento e subsídios para terapia. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003. 20

(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia LimaHernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 9789729929243, MATZENAUERHERNANDORENA, Carmen L. e LAMPRECHT, Regina R. Avaliação fonológica da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 21