Cisto dentígero inflamatório relacionado a dente permanente: considerações etiopatológicas

Documentos relacionados
Patologia Buco Dental Prof. Dr. Renato Rossi Jr.

Cisto Dentígero: Relação entre Imagem Radiográfica do Espaço Pericoronário e Laudo Histopatológico em Terceiros Molares Inclusos

Ângela Ferraz SOUZA Professora Mestre Disciplina de Estomatologia Faculdade de Odontologia PUC/MG Belo Horizonte MG Brasil

Assessoria ao Cirurgião Dentista

CISTO DO DUCTO NASOPALATINO: RELATO DE CASO

Cisto paradental uma atualização e relato de caso

Cisto periodontal lateral: relato de caso clínico

Assessoria ao Cirurgião Dentista papaizassociados.com.br. Publicação mensal interna da Papaiz edição XIII Novembro de 2015

Relação diagnóstica entre folículo pericoronário e cisto dentígero

ENUCLEAÇÃO DE CISTO RADICULAR MAXILAR DE GRANDE EXTENSÃO: RELATO DE CASO

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO CÂMPUS DE ARAÇATUBA - FACULDADE DE ODONTOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA

CISTO DENTÍGERO, UM RELATO DE CASO DENTIGEROUS CYST, A REPORT CASE

Estudo Retrospectivo de Cisto Paradentário na Cidade do Recife, Pernambuco, Brasil

Robrac, 18 (47) 2009 ISSN Nasopalatine duct cyst: microscopic and differential diagnosis considerations

ASPECTOS IMAGENOLÓGICOS DE UM AMELOBLASTOMA MULTICÍSTICO LOCALIZADO NA REGIÃO ANTERIOR DE MANDÍBULA - RELATO DE CASO

Calcifying Odontogenic Cyst: Report of a Case

CEMENTOBLASTOMA BENIGNO: RELATO DE CASO

Tumor odontogênico ceratocístico - levantamento de casos e revisão de literatura

CISTO PERIAPICAL DE GRANDES PROPORÇÕES NA REGIÃO ANTERIOR DA MAXILA. RELATO DE CASO

CONCRESCÊNCIA ENTRE SEGUNDO MOLAR E TERCEIRO MOLAR IMPACTADO: RELATO DE CASO

FACULDADE MERIDIONAL IMED ESCOLA DE ODONTOLOGIA MARILEIA ALVES

Incidência de anormalidades histológicas em tecido correspondente ao espaço pericoronário de terceiros molares inclusos e semi-inclusos

PREVALÊNCIA DE LESÕES ORAIS EM ESCOLARES DO SUDOESTE DA BAHIA

Assimetria Facial Decorrente de Lesão Intra- Óssea de Grandes Proporções. Casos Clínicos.

Cisto Dentígero na Infância Relato de Caso e Revisão de Literatura

Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada ISSN: Universidade Federal da Paraíba Brasil

Etiopatogenia das alterações pulpares e periapicais

Tumor Odontogênico Adenomatoide: Relato de Caso

Determinação da expressão de proteínas no sítio epitélio-mesênquima do Tumor Queratocístico Odontogênico: importância no comportamento tumoral

Transformação Cística como Consequência de Terceiro Molar Inferior Incluso

Odontogenic Keratocyst in the Anterior Maxillary Region: Case Report

Cisto periapical residual: relato de caso clínico-cirúrgico

CISTO DENTÍGERO ASSOCIADO A CANINO INCLUSO EM MAXILA: RELATO DE CASO

ANÁLISE HISTOPATOLÓGICA DA CÁPSULA E EPITÉLIO ODONTOGÊNICO NO TUMOR ODONTOGÊNICO CERATOCÍSTICO SUBMETIDOS A DESCOMPRESSÃO CIRÚRGICA: SÉRIE DE CASOS

TÍTULO: REMOÇÃO DE ODONTOMA COMPOSTO E COMPLEXO, RELATO DE CASO CLÍNICO.

FRATURA DE MANDÍBULA SECUNDÁRIA À DOENÇA PERIODONTAL EM CÃO: RELATO DE CASO

GABRIELA DOTTO ISADORA FERNANDA KLEIN

CISTO ODONTOGÊNICO EPITELIAL CALCIFICANTE RELATO DE CASO * CALCIFYING EPITHELIAL ODONTOGENIC CYST A CASE REPORT

TRATAMENTO CIRÚRGICO DE ODONTOMA COMPLEXO EM MANDÍBULA COM O AUXÍLIO DE MOTOR ULTRASSÔNICO. Odontologia de Araçatuba UNESP;

TUMOR ODONTOGÊNICO CÍSTICO CALCIFICANTE EM MANDÍBULA: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA 1 RESUMO

Cisto periodontal lateral em maxila mimetizando cisto residual: Relato de caso incomum

AVALIAÇÃO DA PREVALÊNCIA DE LESÕES PERIAPICAIS EXAMINADAS NO LABORATÓRIO DE PATOLOGIA BUCAL DA FO-PUCRS NOS ANOS DE 1973, 1983, 1993 E 2003

Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada ISSN: Universidade Federal da Paraíba Brasil

Tumor odontogênico adenomatoide: relato de um caso clínico destacando os seus principais diagnósticos diferenciais

CISTO ÓSSEO SOLITÁRIO SOLITARY BONE CYST

The Odontogenic Cyst in Children: Analysis of the Surgical Decompression in 2 Cases

Avaliação histopatológica e histoquímica das células claras em lesões odontogênicas císticas

Cisto dentígero seqüencial: relato de caso

Cisto paradentário: importância dos achados clínicos, radiográficos, trans-cirúrgicos e microscópicos no diagnóstico

CISTO DENTÍGERO: RELATO DE CASO COM BREVE REVISÃO DA LITERATURA

Odontoma complexo relato de caso clínico atípico

Assessoria ao Cirurgião Dentista Publicação mensal interna da Papaiz edição XXVII Setembro de 2017

Assessoria ao Cirurgião Dentista Publicação mensal interna da Papaiz edição XXVIII Novembro de papaizassociados.com.

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

Estudo clínico-histopatológico de 38 odontomas

ESTUDO DA FREQÜÊNCIA DE PARASITAS E DE OVOS NAS CAVIDADES APENDICULARES DAS APENDICITES AGUDAS *

INFORMAÇÕES DE IMAGENS DAS LESÕES DOS MAXILARES

Sala 02 TEMA LIVRE Odontologia Social e Preventiva e Saúde Coletiva

PREVALÊNCIA DE IMAGENS RADIOLÚCIDAS EM DENTINA EM RADIOGRAFIAS PANORÂMICAS DE CRIANÇAS COM 5 A 13 ANOS DE IDADE DA CIDADE DO RECIFE PE

INTERPRETAÇÃO RADIOGRÁFICA POR ACADÊMICO DE ENFERMAGEM: PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO DE TÉCNICAS DE PROCESSAMENTO DIGITAL

Tracionamento ortodôntico: possíveis consequências nos caninos superiores e dentes adjacentes

Displasia Fibrosa Aspectos Radiográficos e Tomográficos

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

GABRIELA DAL PIZZOL BREGOLIN TUMOR ODONTOGÊNICO CERATOCÍSTICO: REVISÃO DA LITERATURA E DESCRIÇÃO DE CASO CLÍNICO

Cisto dentígero: modalidades de tratamento

Marsupialização como tratamento definitivo de cistos odontogênicos: relato de dois casos

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA DISCIPLINA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO NÉLIO BAIRROS DORNELLES JUNIOR

Cisto dentígero em criança um caso peculiar tratado por descompressão

PULPOPATIAS 30/08/2011

Correlação clínica e histopatológica de cistos e granulomas periapicais

TUMOR ODONTOGÊNICO ADENOMATÓIDE EM MAXILA ADENOMATOID ODONTOGENIC TUMOR IN MAXILLA

Levantamento retrospectivo dos resultados dos exames anatomopatológicos da disciplina de cirurgia da FOUSP - SP

Os autores analisaram 450 ortopantomografias (radiografias panorâmicas), onde foram observados um total de

REVISÃO DE LITERATURA E RELATO DE CASO

Displasia Cemento-Óssea Florida: relato de caso clínico

ENUCLEAÇÃO DE LESÃO PERIRRADICULAR (CISTO PERIAPICAL) RELATO DE CASO

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

TRATAMENTO DE GRANDES CISTOS RADICULARES POR MEIO DA TÉCNICA DE DESCOMPRESSÃO E POSTERIOR ENUCLEAÇÃO: RELATO DE DOIS CASOS

UNIPAC. Universidade Presidente Antônio Carlos. Faculdade de Medicina de Juiz de Fora PATOLOGIA GERAL. Prof. Dr. Pietro Mainenti

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA CENTRO REGIONAL DAS BEIRAS

Divergências de Tratamento do Cisto Dentígero: Revisão Sistemática. Differences in the treatment of a dentigerous cyst: a systematic review

U.C. I 7ª e 8ª Aulas. DentaScan Joaquim Agostinho - Unidade Clinica I 1

Líquen plano reticular e erosivo:

Rio de Janeiro, Brasil

que consistiu em enucleação cística e exérese do dente supranumerário. PALAVRAS-CHAVE: Cisto dentígero. Dente Supranumerário. Mesiodente.

Métodos radiográficos no diagnóstico de quartos molares mandibulares

Keywords: Odontogenic Cysts; Recurrence; Diagnosis.

Cisto ósseo traumático em mandíbula: relato de caso

Caso Clínico. Paciente do sexo masculino, 41 anos. Clínica: Dor em FID e região lombar direita. HPP: Nefrolitíase. Solicitado TC de abdome.

Pericoronal space mensurement in lower third molars

Cisto Ósseo Simples: Relato de Dois Casos e Revisão da Literatura

Introdução à Disciplina de Patologia Oral

TRATAMENTO CIRÚRGICO DO GRANULOMA CENTRAL DE CÉLULAS GIGANTES: RELATO DE CASO CLÍNICO E REVISÃO DA LITERATURA

PREVALÊNCIA DE CANINOS E MOLARES INCLUSOS E SUA RELAÇÃO COM A REABSORÇÃO RADICULAR

Estudo de 199 casos de cisto dentígero

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA HELLEN BANDEIRA DE PONTES SANTOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA NÍVEL MESTRADO

Faculdade Independente do Nordeste Credenciada pela Portaria MEC 1.393, de 04/07/2001 publicada no D.O.U. de 09/07/2001.

Transcrição:

Revista de Odontologia da UNESP. 2009; 38(3): 143-7 2009 - ISSN 1807-2577 Cisto dentígero inflamatório relacionado a dente permanente: considerações etiopatológicas Vanessa Ávila Sarmento SILVEIRA a, Andresa Costa PEREIRA b, Susana Ungaro AMADEI c, Elaine Dias do CARMO d, Yasmin Rodarte CARVALHO e a Professora Doutora, Disciplina de Anatomia, Faculdade de Pindamonhangaba FAPI, 12422-970, Pindamonhangaba - SP, Brasil b Professora Adjunta, Disciplina de Anatomia, Curso de Odontologia, Universidade Federal de Campina Grande UFCG, 58700-970, Patos - PB, Brasil c Professora Doutora, Disciplina de Diagnóstico Bucal, Faculdade de Pindamonhangaba FAPI, 12422-970, Pindamonhangaba - SP, Brasil d Professora Doutora, Disciplina de Patologia e Semiologia, Universidade Bandeirante de São Paulo UNIBAN, 04537-080, São Paulo - SP, Brasil e Professora Adjunta, Disciplina de Patologia Bucal, Departamento de Biociências e Diagnóstico Bucal, Faculdade de Odontologia de São José dos Campos, Universidade Estadual Paulista UNESP, 12245-000, São José dos Campos - SP, Brasil Silveira VAS, Pereira AC, Amadei SU, Carmo ED, Carvalho YR. Inflammatory dentigerous cysts involving permanent teeth: etiopathologic considerations. Rev Odontol UNESP. 2009; 38(3): 143-7. Resumo: Na rotina laboratorial, casos diagnosticados clinicamente como cisto dentígero, envolvendo a coroa de um dente permanente incluso, podem apresentar achados histopatológicos compatíveis com cisto odontogênico inflamatório. O objetivo deste estudo foi discutir a etiopatogenia de lesões clínicas compatíveis com cisto dentígero que apresentam aspectos histopatológicos de cisto inflamatório. Para tanto, foram selecionados cinco cistos associados a dente permanente incluso, com características inflamatórias ao exame microscópico, sendo os dados tabulados e analisados. A idade dos cinco pacientes quatro leucodermas e um xantoderma variou entre 16 e 50 anos, com média de 34,6; em relação ao gênero, quatro pacientes homens e uma mulher; quanto à localização dos cistos, quatro ocorreram na mandíbula e apenas um na maxila. Histopatologicamente, todos os casos exibiam fragmentos de lesão cística e eram parcialmente revestidos por epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado. Em todos os casos, havia imagem radiolúcida envolvendo a coroa de dente incluso e alterações radiográficas adjacentes, sugestivas de processo infeccioso. Baseando-se na literatura e nas características dos cinco casos apresentados, sugere-se que um processo infeccioso pode ser capaz de originar uma variante inflamatória do cisto dentígero, com aspectos histopatológicos semelhantes aos de um cisto odontogênico inflamatório. Palavras-chave: Cisto dentígero; cistos odontogênicos; inflamação. Abstract: In laboratory routine, cases clinically diagnosed as dentigerous cysts involving the crown of unerupted permanent tooth may present histopathologic findings compatible with an inflammatory odontogenic cyst. The aim of the present study was to discuss the etiopathogenesis of clinical lesions compatible with dentigerous cysts that present histopathological features of an inflammatory cyst. Five cases of cysts associated with unerupted permanent tooth presenting inflammatory characteristics upon microscopic examination were selected, and the data were tabulated and analyzed. Four of the five patients were white and one was Asian, with age ranging from 16 to 50 years (mean of 34.6 years). Four patients were males. Four cysts were located in the mandible and only one in the maxilla. Histopathologically, fragments of a cystic lesion partially lined with nonkeratinized stratified pavement epithelium were observed in all cases. In all cases, there was a radiolucent image involving the crown of the unerupted tooth and adjacent radiographic alterations, suggesting an infectious process in the neighboring region. Based on the literature

144 Silveira et al. Revista de Odontologia da UNESP and the characteristics of the five cases reported here, we suggest that an infectious process may give origin to an inflammatory variant of dentigerous cysts with histopathologic features similar to those of inflammatory odontogenic cysts. Keywords: Dentigerous cyst; odontogenic cyst; inflammation. Introdução Os cistos dentígeros caracterizam-se pela formação de lesões císticas unidas à junção esmalte-cemento de um dente não irrompido ou em desenvolvimento 1-3. É o tipo de cisto odontogênico de desenvolvimento mais comum, compreendendo cerca de 20% de todos os cistos epiteliais dos maxilares 3. Apesar deste fato, a patogênese destes cistos ainda é bastante discutida 1,3. Dentre as características histopatológicas do cisto dentígero, observa-se uma cápsula de tecido conjuntivo frouxamente arranjado e pequenas ilhas ou cordões de epitélio odontogênico. O epitélio de revestimento da cavidade cística consiste de duas a quatro camadas de células não queratinizadas e a interface epitélio-conjuntivo é plana 3. Muitos casos diagnosticados clinicamente como cisto dentígero, envolvendo a coroa de um dente permanente incluso, podem mostrar achados histopatológicos como epitélio proliferado e exsudato inflamatório, sendo estas características compatíveis com cisto odontogênico inflamatório. Relatos da literatura demonstram que os cistos dentígeros inflamatórios estão geralmente associados ao dente decíduo antecessor 4-6. O objetivo deste trabalho foi descrever cinco casos clínicos de cistos inflamatórios envolvendo dentes inclusos e discutir a possibilidade de que uma infecção focal circunvizinha aos dentes permanentes possa originar estas lesões. Material e método Foram selecionados cinco casos, no período de 2004 a 2006, que apresentavam como diagnóstico histopatológico cisto odontogênico inflamatório, além de história clínica relacionada com dente incluso e/ou hipótese diagnóstica clínica de cisto dentígero. Todos os exames histopatológicos foram obtidos do arquivo do Serviço de Patologia Cirúrgica da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP. As lâminas coradas por Hematoxilina e Eosina (HE) foram reavaliadas e os dados clínicos e histopatológicos tabulados e analisados. Resultado Achados clínicos A idade dos pacientes variou entre 16 a 50 anos de idade, com média de 34,6 anos. Quanto à faixa etária, dois pacientes encontravam-se na faixa de 21-30 anos; um na faixa de 11-20; outro na faixa de 31-40 e outro na faixa de 41-50 anos. Quanto à etnia, quatro leucodermas e um xantoderma e, quanto ao gênero, quatro pacientes do gênero masculino e um, do feminino. De todos os cistos, quatro ocorreram na mandíbula, sendo dois associados aos terceiros molares, um ao segundo molar e um ao canino. O cisto ocorrido na maxila envolveu o canino superior. Apenas dois dos cinco pacientes relataram sintomatologia dolorosa. Foram avaliadas as radiografias de três pacientes, enquanto que os aspectos radiográficos dos outros dois casos foram coletados na ficha clínica dos pacientes. Foi observada imagem radiolúcida envolvendo a coroa de dente incluso e alterações radiográficas adjacentes estavam presentes, sugerindo um processo infeccioso com origem em dentes vizinhos (Figuras 1 e 2). Exceto em um caso, por ser paciente edêntulo, tais imagems radiográficas não foram observadas; contudo, estava presente uma lesão radiolúcida na margem adjacente ao cisto. Achados histopatológicos Ao exame microscópico, observaram-se em todos os casos lesões císticas parcialmente revestidas por epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado. Em alguns espécimes, o epitélio exibiu cones epiteliais hiperplásicos, formando arranjo em arco (Figura 3). Outros casos também apresentaram características hiperplásicas em algumas áreas, enquanto em outras, notaram-se duas ou três camadas de células com a camada basal retificada (Figura 4). A cápsula cística, de tecido conjuntivo fibroso, apresentou infiltrado inflamatório mononuclear de intensidade que variava de discreta a intensa. Por vezes, foram observados ilhas ou cordões de epitélio odontogênico e também focos de material mineralizado; notou-se, ainda, reação inflamatória por corpo estranho, consistindo de células gigantes multinucleadas e fendas claras correspondentes a cristais de colesterol. Discussão Os cistos dentígeros originam-se do epitélio folicular e tem sido sugerido que estes se desenvolvem durante diferentes estágios da formação dentária. Tais cistos surgem precocemente durante a odontogênese, gerados pela degeneração do retículo estrelado do órgão do esmalte, o que pode acarretar hipoplasia do esmalte do dente envolvido. Outra possibilidade é o desenvolvimento do cisto após a completa formação da coroa, quando ocorre o acúmulo de líquido entre a coroa e o epitélio reduzido do esmalte 1-3.

2009; 38(3) Cisto dentígero inflamatório relacionado a dente permanente: considerações etiopatológicas 145 Figura 1. Imagem radiolúcida envolvendo a coroa do 47 e alterações radiográficas na porção distal do 48 e 45, sugerindo processo infeccioso. Figura 2. Imagem radiolúcida envolvendo a coroa do terceiro molar incluso e alterações radiográficas no primeiro e segundo molar, sugerindo processo infeccioso. Toller 7 concluiu que a expansão dos cistos dentígeros está fortemente relacionada ao aumento secundário da osmolaridade do líquido cístico. Os cistos dentígeros estão comumente associados a terceiros molares, seguido por caninos superiores 2,3. Esta proporção foi confirmada no presente estudo, em que dois dos cinco casos envolveram os terceiros molares inferiores e dois casos estavam associados a caninos embora um destes dois casos tenha ocorrido em canino inferior. Os cistos dentígeros podem ocorrer em uma ampla faixa etária, embora sejam diagnosticados principalmente entre 10 e 30 anos de idade. Uma leve predominância em leucodermas tem sido relatada 3. No presente estudo, a idade dos pacientes variou amplamente de 16 a 50 anos, estando de acordo com a literatura em termos de gênero e etnia. Embora a maioria dos cistos dentígeros seja considerada de desenvolvimento, existem casos em que uma origem inflamatória é aventada. Benn, Altini 5 sugeriram que o cisto dentígero pode se desenvolver ao redor da coroa de um germe dentário permanente como resultado de um processo inflamatório periapical do antecessor decíduo. Godoy 8 propôs a existência de uma variante inflamatória dos cistos dentígeros. De acordo com o Autor, a etiologia desta variante está relacionada ao processo inflamatório oriundo de um dente decíduo antecessor ao dente envolto pela lesão. Esta variante apresenta diferentes características clínicas, tais como: um aparecimento precoce, geralmente na primeira década de vida; um acometimento, principalmente, da região de pré-molares, e uma associação com sintomatologia dolorosa. As características histopatológicas dessa variante inflamatória incluem lesão cística com cápsula de tecido conjuntivo fibroso ricamente vascularizado, exibindo intenso infiltrado inflamatório mononuclear e o limitante epitelial hiperplásico, por vezes com projeções em arco. Os achados histopatológicos observados no presente estudo concordam com aqueles descritos por Godoy 8, enquanto que os clínicos diferem dos relatados por este autor. Essa diferença pode ser explicada pelo fato de que os cistos dentígeros inflamatórios estudados neste trabalho estavam associados com dentes permanentes e não com dentes decíduos antecessores. Outros autores também sugeriram a origem infecciosa, ligada a processos do dente decíduo, como causa dos cistos dentígeros inflamatórios. Aguilo, Gandia 4 relataram um caso de um paciente de cinco anos de idade com cisto dentígero envolvendo um segundo pré-molar incluso. O dente decíduo antecessor tinha sido removido fazia um ano. Foi feita marsupialização e o dente permanente erupcionado apresentou alterações no esmalte. Os Autores sugeriram que existe a possibilidade de esse cisto ter ocorrido durante os estágios iniciais do desenvolvimento dentário. Da Silva et al. 6 descreveram um cisto dentígero inflamatório associado com um pré-molar incluso, cuja etiologia estava relacionada com o tratamento endodôntico de um molar decíduo. Azaz, Shteyer 9 reportaram cinco casos de cistos dentígeros associados com segundo prémolar em pacientes com história de extração, cárie ou perda de vitalidade do primeiro molar decíduo e com tecido edemaciado na região. Os Autores concluíram que a inflamação periapical de dente decíduo não vital ocasionou uma irritação crônica no folículo do dente permanente incluso. Possivelmente, esta irritação levou à formação do cisto dentígero, envolvendo a coroa do dente permanente. Os estudos mencionados sugerem que um processo inflamatório em dente decíduo pode levar à formação de cistos dentígeros inflamatórios em dente permante incluso 4-6,8,9. Considerando-se esta possível histogênese, acredita-se que

146 Silveira et al. Revista de Odontologia da UNESP Figura 3. Epitélio da cavidade cística, exibindo cones epiteliais hiperplásicos. Aumento original 100, HE. Figura 4. Epitélio da cavidade cística ora hiperplásicos, ora atrófico. Aumento original 100, HE. existe a variante inflamatória do cisto dentígero; contudo, esta variante pode ter origem não somente de um processo infeccioso em dente decíduo, mas também em dente permanente vizinho, como nos casos presentes. Outro cisto odontogênico inflamatório é o paradentário, que pode se apresentar como cisto da bifurcação vestibular; porém, pode também envolver a coroa de um dente impactado, geralmente os terceiros molares 10,11. O cisto paradentário ou cisto da bifurcação vestibular pode ser considerado ainda uma variante do cisto dentígero, segundo Regezi et al. 2. Originalmente, esse cisto foi descrito aderido à raiz vestibular de um terceiro molar inferior parcialmente erupcionado, mas o envolvimento de outros molares inferiores pode ocorrer. Apresenta aspectos microscópicos idênticos aos do cisto dentígero, com ou sem infiltrado inflamatório. Radiograficamente, os cistos paradentários são caracterizados por uma radiolucência bem circunscrita no lado vestibular da região da furca. Por vezes, pode ser observado o envolvimento da região vestibular da coroa em radiografias oclusais 2. Tanto o cisto paradentário quanto o cisto da bifurcação vestibular devem ser incluídos no diagnóstico diferencial do cisto dentígero inflamatório. O diagnóstico final pode ser estabelecido com base nos aspectos radiográficos, uma vez que o cisto dentígero envolve a coroa de um dente totalmente incluso. Todos os casos relatados apresentavam lesão cística envolvendo dentes inclusos, excluindo, portanto, a hipótese de cisto paradentário e de cisto da bifurcação vestibular. Segundo Colgan et al. 10, a diferenciação radiográfica pode ser dificultada nos casos em que o dente envolvido pela lesão apresenta-se impactado. Assim sendo, o cisto dentígero pode estar deslocado lateralmente, devido a uma expansão assimétrica do folículo. Nestes casos, o diagnóstico diferencial com o cisto paradentário pode-se basear na preservação do espaço folicular distal observado na radiografia. A variante inflamatória dos cistos dentígeros e os cistos dentígeros de desenvolvimento apresentam aspectos histopatológicos distintos. No entanto, a presença de características clínicas específicas para a variante inflamatória dos cistos dentígeros permanece em discussão. Em relação à faixa etária relatada por Godoy 8, visto que as lesões foram associadas com os dentes decíduos, podia ser esperada a predominância destes cistos na primeira década de vida. Contudo, se a infecção local é relacionada à dentição permanente, uma ampla variação em relação à idade pode ser observada. A ocorrência de dor é explicada pela presença do processo inflamatório agudo, mas alguns casos podem apresentar uma evolução crônica desta condição e, desta maneira, não manifestar sintomatologia dolorosa. Em relação à região mais afetada, sabe-se que a incidência de cáries é maior em dentes posteriores do que em anteriores, com maior probabilidade de uma infecção local do decíduo dar origem ao cisto dentígero em pré-molares permanentes do que em dentes anteriores permanentes. Por outro lado, os dentes inclusos mais comumente observados na dentição permanente são os caninos e molares; assim, espera-se uma maior incidência de cistos dentígeros inflamatórios associados aos dentes permanentes nestas regiões do que na região de pré-molares. Portanto, a variante inflamatória ocorrida a partir de uma infecção do dente permanente vizinho pode apresentar aspectos clínicos similares àqueles observados nos cistos dentígeros de desenvolvimento. Visto que o acúmulo de líquido entre a coroa e o epitélio reduzido do órgão de esmalte pode dar origem ao cisto

2009; 38(3) Cisto dentígero inflamatório relacionado a dente permanente: considerações etiopatológicas 147 dentígero 1-3, acredita-se que o exsudato e o edema característicos de um processo inflamatório podem ser responsáveis por este acúmulo. Desta maneira, uma lesão periapical adjacente ao folículo dentário pode contaminá-lo, causando seu espessamento e até o desenvolvimento do cisto. Por outro lado, a presença de um componente inflamatório no cisto odontogênico que mostra aspectos clínicos e radiográficos de um cisto dentígero pode ser resultado de uma infecção secundária e não a causa da formação do cisto. Waldron 3 relatou que é impossível determinar histopatologicamente se a presença de um componente inflamatório no cisto dentígero é primário ou secundário. Entretanto, de acordo com Benn, Altini 5, a inflamação secundária de um cisto dentígero pré-existente pode levar a uma hiperplasia focal no epitélio cístico. No entanto, acredita-se que, dependendo da intensidade do infiltrado inflamatório, as características do epitélio cístico podem ser alteradas focalmente ou em toda sua extensão, sendo, desta forma, impossível determinar se a inflamação atuou no desenvolvimento do cisto ou se é secundária. Conclusão Baseando-se na literatura e nas características dos cinco casos relatados neste estudo, sugere-se que o processo infeccioso envolvendo tanto o dente decíduo antecessor quanto o dente permanente vizinho pode dar origem à variante inflamatória do cisto dentígero, com aspectos histopatológicos similares àqueles observados nos cistos odontogênicos inflamatórios. Referências 1. Al-Talabani NG, Smith CJ. Experimental dentigerous cysts and enamel hypoplasia: their possible significance in explaining the pathogenesis of human dentigerous cysts. J Oral Pathol. 1980; 9:82-91. 2. Regezzi JA, Sciubba JJ, Jordan RCK. Cysts of the jaw and neck. In: Regezzi JA, Sciubba JJ, Jordan RCK. Oral pathology: clinical pathologic correlations. St. Louis: Saunders Elsevier; 2008. p. 237-59. 3. Waldron CA. Odontogenic cysts and tumors. In: Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Oral and maxillofacial pathology. Philadelphia: Saunders; 2002. p. 589-609. 4. Aguilo L, Gandia JL. Dentigerous cyst of mandibular second premolar in a five-year-old girl, related to a nonvital primary molar removed one year earlier: a case report. J Clin Pediatr Dent. 1998; 22:155-8. 5. Benn A, Altini M. Dentigerous cysts of inflammatory origin. A clinicopathologic study. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 1996; 81:203-9. 6. Da Silva TA, De Sá AC, Zardo M, Consolaro A, Lara VS. Inflammatory follicular cyst asociated with endodontically treated primary molar: A case report. J Dent Child. 2002;69:271-4. 7. Toller PA. The osmolality of fluids from cysts of the jaws. Br Dent J. 1970;129:275-8. 8. Godoy GP. Cisto dentígero inflamatório: uma nova entidade? Rev Bras Patol. 2004;3:48-9. 9. Azaz B, Shteyer A. Dentigerous cysts associated with second mandibular bicuspids in children: report of five cases. J Dent Child. 1973;40:29-31. 10. Colgan CM, Henry J, Napier SS, Cowan CG. Paradental cysts: a role for food impaction in the pathogenesis? A review of cases from Northern Ireland. Br J Oral Maxillofac Surg. 2002; 40:163-8. 11. Philipsen HP, Reichart PA, Ogawa I, Suei Y, Takata T. The inflammatory paradental cyst: a critical review of 342 cases from a literature survey, including 17 new cases from the author s file. J Oral Pathol Med. 2004;33:147-55. Autor para correspondência: Profa. Dra. Elaine Dias do Carmo elaineddc@gmail.com Recebido: 03/10/2008 Aceito: 15/06/2009