ABSORÇÃO E ATENUAÇÃO DA LUZ E SUA RELAÇÃO COM OS CONSTITUINTES ÓTICOS DAS ÁGUAS DO ESTUÁRIO DA LAGOA DOS PATOS (RS-BRASIL)

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ABSORÇÃO E ATENUAÇÃO DA LUZ E SUA RELAÇÃO COM OS CONSTITUINTES ÓTICOS DAS ÁGUAS DO ESTUÁRIO DA LAGOA DOS PATOS (RS-BRASIL) Jeane P. Rodrigues 1 ; Milton L. V. Araujo 1 ; Priscila Emerich 1 ; Rafael Ávila 1 ; Carlos A. E. Garcia 1 1 jeane.patricio@gmail.com (Universidade Federal do Rio Grande) ABSTRACT In this study we analyzed the absorption and attenuation of light in the waters of the Patos Lagoon s estuary, and their relationships with the seawater optical constituents (dissolved organic matter, chlorophyll concentration and suspended solids). The in situ data were gathered during two cruises carried from the lower to the upper estuary on February and March 2012. An intrusion of oceanic waters was observed in the estuary during the two cruises, due to La Niña climate condition when rainfall rates are below the average for the same period in the region. In this work, we found that the concentration of dissolved organic matter (CDOM) was inversely correlated with salinity (r 2 =0.81, N=20, p<0.01). The best correlations were found when the optically active compounds contributed together to the absorption and attenuation spectra. The absorption spectra measured in the estuary was subdivided into three classes, according to the relative presence of optically active constituent in seawater. This work is part of the Long Term Research Program (PELD) conducted in the estuary of Lagoa dos Patos (RS, Brazil). Keywords: absorption, attenuation, CDOM, chlorofila-a, suspended matter INTRODUÇÃO Ao sul da planície costeira do estado do Rio Grande do Sul, entre as latitudes 30 e 32 Sul, situa-se a maior laguna costeira do Brasil: a Lagoa dos Patos (LP) Sua bacia de drenagem (Figura 1) compreende uma área de 200 km² e nela deságuam o rio Guaíba, que recebe as águas do sistema Jacuí- Taquarí, e o rio Camaquã, sendo o primeiro responsável pela maior descarga de água doce (85%) neste sistema lagunar (Calliari et al., 2008). A LP possui orientação paralela aos ventos predominantes, isto é, NE-SW, tendo 250 km de extensão e, em média, 40 km de largura e 5 m de profundidade. Segundo a classificação de Kjerfve (1986), a LP é uma laguna do tipo estrangulada e, portanto, termina num estreito canal de comunicação com o mar, o Canal da Barra do Rio Grande (CB), de aproximadamente 20 km de extensão, 2 km de largura e 15-20 m de profundidade. Embora estreito, o CB permite a troca entre a água salgada do mar e água doce da laguna, caracterizando assim uma região estuarina, o Estuário da Lagoa dos Patos (ELP). Não há um limite permanente do gradiente salino, pois este, assim como as variações de temperatura e o balanço de nutrientes, depende de forçantes que oscilam em escala temporal de horas (maré), dias (vento), sazonais (descarga fluvial e vento) e interanuais relacionadas aos eventos de El Niño e El Niña (Moller & Fernandes, 2010). No entanto, se assume que o estuário (Figura 1) compreenda um décimo da área total da laguna, estando entre o CB e a ponta da Feitoria (~31 40 Sul). O estuário é um importante ambiente de transição e apresenta características físico-químicas, geológicas e biológicas particulares, pois se trata de um berçário para várias espécies marinhas, assim como é também um filtro sedimentar, embora exporte sedimentos para a plataforma continental adjacente. Do ponto de vista econômico, as principais atividades desenvolvidas na região estuarina estão relacionadas ao porto, à produção industrial, à agricultura e à pesca, tanto industrial como artesanal (Reis & D'Incao, 2000). Assim, tais características de diversidade e de produtividade biológica, bem como as atividades portuárias e de navegação, tem imprimido uma importância histórica ao ELP. Ao longo dos anos essa importância tem se refletido na busca por mais informações e uma melhor compreensão 1615 1

sobre a dinâmica e as características do estuário. Contudo, os métodos tradicionais de monitoramento e de coleta in situ demandam maior apoio logístico (embarcação, equipe, entre outros), tempo e energia, seja na obtenção dos dados em campo ou no processamento dos dados nos laboratórios da FURG. Aliado a isso, as amostras por serem pontuais, muitas vezes não representam a visão sinótica de todo o estuário. Nesse sentido, as técnicas e métodos de sensoriamento remoto têm muito a contribuir, pois fornecem informações em maiores escala no espaço e no tempo, e requerem menor custo e tempo. Nas últimas décadas, os estudos da cor oceano por técnicas de sensoriamento remoto vêm gerando diversos produtos de interesse oceanográfico (IOCCG, 2000). Entretanto, há poucos estudos com aplicação em ambientes costeiros e estuarinos no Brasil, pois os processos que envolvem a interação da radiação visível com água do mar e seus constituintes oticamente ativos são altamente complexos. A propagação radiação visível na coluna d água é controlada pela absorção espectral, a(λ), e pelo espalhamento espectral, b(λ), que pode ser decomposto em espalhamento para frente, b f (λ), e retroespalhamento, b b (λ). Os efeitos somados da absorção e espalhamento espectral resultam na atenuação da luz, c(λ), que varia em função da interação dos constituintes óticos presente na água com a irradiância solar que penetra na coluna d água. A absorção e o espalhamento, assim como os constituintes oticamente ativos da água do mar são descritos pelas propriedades óticas inerentes (IOP, Inherents Optical Properties) (Preisendorfer, 1976). As IOPS se relacionam com as grandezas óticas aparentes (AOP, Apparent Optical Properties). Por exemplo, a reflectância do sensoriamento remoto da água, Rrs(λ), é proporcional ao coeficiente de retroespalhamento, e inversamente proporcional ao coeficiente de absorção (Gordon et al, 1975;. Morel & Prieur, 1977). No caso dos sensores remotos a bordo dos satélites, Rrs(λ), da parte visível do espectro da radiação fornece informações qualitativas e quantitativas sobre os componentes óticos presentes em águas naturais. Os principais constituintes oticamente ativos presentes nos corpos de águas naturais são: (i) fitoplâncton comumente representada pela concentração de clorofila-a; (ii) matéria orgânica dissolvida colorida (CDOM), também conhecida como substâncias amarelas, gelbstoff ou gilvin; (iii) material orgânico e inorgânico em suspensão. Enquanto em oceano aberto, as propriedades óticas são principalmente governadas pelo fitoplâncton (Gordon & Morel, 1983; Morel & Prieur, 1977; Prieur & Sathyendranath,1981), em águas costeiras e estuarinas a variabilidade da cor do oceano é ainda muito pouco conhecida devido à proporção altamente variável de material dissolvido e de partículas (orgânica ou não) de origem terrestre, juntamente com o fitoplâncton nas águas superficiais. Para a utilização de algoritmos que transformam grandezas óticas em propriedades biogeoquímicas é fundamental compreender os mecanismos que regulam a variabilidade destas propriedades óticas e dos constituintes óticos em zonas costeiras e estuarinas. O presente trabalho busca, de forma inédita e preliminar, examinar e quantificar as relações entre propriedades óticas (inerentes e aparentes) e os constituintes oticamente ativos (clorofila-a, CDOM e material em suspensão) no ELP. Os resultados encontrados poderão posteriormente ser utilizados no estudo da variabilidade espacial e temporal de produtos gerados por sensoriamento remoto na faixa da radiação visível do espetro. METODOLOGIA Para a realização deste trabalho foram utilizados dados obtidos em duas saídas de campo realizadas no ELP a bordo da Lancha Larus da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). As saídas foram feitas em 9 e 10 de fevereiro de 2012 e em 8 e 9 de março de 2012. As 11 (onze) estações de coleta de dados foram ocupadas nas duas saídas de campo, localizadas ao longo do Canal da Barra na região estuarina entre boca do ELP e a Feitoria (Figura 2). Coletas discretas de água foram realizadas utilizando garrafa Van Dorn em três profundidades distintas: superfície, meia água e fundo. As amostras de água foram filtradas a vácuo, utilizando filtro de fibra de vidro GF/F, ainda a bordo da Lancha Larus, para obtenção da concentração do material particulado orgânico e inorgânico em suspensão (MS) e da concentração de clorofila-a (CHL-a). Os filtros foram armazenados em freezer até o processamento em laboratório, onde posteriormente foram extraídos os pigmentos (acetona 90% em freezer por 24h) dos filtros de CHL-a e realizada a 1616 2

quantificação da concentração de CHL-a em fluorímetro Turner Designs, modelo TD-700, através do método sem acidificação (Welschmeyer, 1994). A metodologia para obtenção do MS está descrita em Baumgartnen et al. (2010). Durante as saídas de campo, também foi utilizado um sistema integrado com os seguintes instrumentos: AC-9 (WET Labs, Inc.), que mede a atenuação e absorção da água do mar sem a contribuição das próprias moléculas de água do mar, em 9 (nove) comprimentos de onda do espectro visível (412, 440, 488, 510, 532, 555, 650, 676 e 715 nm); medidor do retroespalhamento da água do mar em 532 e 660 nm (WET Labs, Inc. ); dois fluorímetros (WET Labs, Inc), para medidas de fluorescência estimulada da clorofila-a e da matéria orgânica dissolvida; e, um CTD Microcat SBE37SI para medições da temperatura, salinidade e pressão (SeaBird, Inc.). Estes instrumentos foram acoplados a uma gaiola ótica e seus dados foram registrados em um Datalogger (WET Labs,USA), a medida que a gaiola desceu/subiu na coluna de água. Os dados óticos e físicos foram unidos num só arquivo utilizando o software WAP (WETLabs Archive Program). Dados anômalos (ex. spikes ) foram eliminados por simples inspeção visual dos mesmos. Através da reta de calibração original do instrumento os dados de fluorescência estimulada da matéria orgânica dissolvida foram convertidos para concentração de matéria orgânica dissolvida (CDOM). O sensor AC-9 foi calibrado, antes de cada saída de campo, seguindo a metodologia e os requisitos básicos descritos no protocolo de calibração e operação do instrumento (AC Meter Protocol Document - Wetlabs 2009). Em todas as medidas do AC-9, foram aplicadas as correções dos efeitos da temperatura e salinidade (Twardovski et al., 1999) e espalhamento residual do tubo de absorção pelo método proporcional (Zaneveld et al., 1994). No caso do sensor do retroespalhamento da luz, aplicou-se a correção de salinidade (Morel, 1974). Somente dados entre as profundidades de 0.125 e 1.5m foram utilizados neste trabalho para o cálculo dos valores médios de superfície. A fim de se identificar classes espectrais de absorção foi realizada uma análise de agrupamento de cluster, onde as médias das concentrações dos constituintes óticos foram calculadas para cada classe encontrada. Modelos de regressão linear simples e múltipla entre IOPs e as concentrações dos constituintes óticos (CHL-a, CDOM, MS) foram testados neste trabalho. Finalmente, o software ODV (Ocean Data View) foi utilizado para a geração de mapas de distribuição superficial dos dados bio-óticos e físicos para fevereiro e março aplicando o método de interpolação DIVA. RESULTADOS E DISCUSSÃO Distribuição superficial Os valores de média, desvio padrão, máximo e mínimo dos dados bio-óticos e físicos, obtidos em fevereiro e março de 2012 no estuário da Lagoa dos Patos, estão apresentados nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. Através dos mapas de distribuição superficial de salinidade (Figuras 3 e 9), observa-se a penetração de água oceânica (mais salina) no interior do estuário em ambos os períodos de amostragem, embora em março de 2012 o estuário encontrava-se menos salino com a cunha salina mais recuada. Em fevereiro, a média de salinidade para o ELP foi de 29,92+8,38, com máxima de 35,25 no estuário inferior e mínima de 5,37 próximo a desembocadura do Rio São Gonçalo. Em março, a salinidade média foi de 15,48+10,1, com máxima de 32,67 na região inferior do estuário e mínima de 5,77 próximo a desembocadura do Rio São Gonçalo. Estes valores altos de salinidade na parte superior do ELP concordam valores observados no passado sob condições meteorológicas climáticas similares. As coletas foram realizadas em um período de ocorrência do fenômeno La Niña, que se caracteriza pela diminuição do regime pluviométrico da região, e que, portanto, favorece a salinização do estuário. Dados meterorológicas da região de Rio Grande mostram que a média pluviométrica para o primeiro trimestre foi baixa (~2,25mm/dia) comparada com sua média do mesmo período. O material particulado em suspensão (Figuras 4 e 10) apresentou uma distribuição horizontal semelhante ao da salinidade, com maiores concentrações na região inferior do estuário (máximas de 117 mg.l -1 em fevereiro e 85 mg.l -1 em março) e menores concentrações na região superior do 1617 3

estuário (mínimas de 23,5 mg.l -1 em fevereiro e 15,5 mg.l -1 em março). A concentração de clorofila-a encontrada em março foi no geral maior que a encontrado em fevereiro. As maiores concentrações de clorofila-a (Figuras 6 e 12) foram encontradas em região média do estuário (máximas de 4,24 mg.m -3 em fevereiro e 10,7 mg.m -3 em março) e menores concentrações foram encontradas na região superior do estuário (mínimas de 0,56 mg.m -3 em fevereiro e 2,3 mg.m -3 em março). A matéria orgânica dissolvida colorida (Figuras 5 e 11) apresentou uma distribuição horizontal inversa da salinidade, sendo sua concentração mais elevada na região superior do estuário(máximas de 20,83 mg.m -3 em fevereiro e 29,42 mg.m -3 em março) e mais reduzida na região inferior do estuário (mínimas de 8,43 mg.m -3 em fevereiro e 6,59 mg.m -3 em março). A relação entre a concentração de CDOM e salinidade em águas de caso complexas, também ditas caso 2, é geralmente inversamente proporcional como mostrado por Bowers & Bret (2008), que discute essa relação em águas estuarinas. Na região de estudo, o coeficiente de determinação entre a concentração de CDOM e a salinidade foi de 0,81 (n=20) (Figura 15). Grande parte do CDOM nesta região está associado a águas fluviais, porém há uma parcela de CDOM de origem local, possivelmente da decomposição do fitoplâncton ou outros materiais, como macroalgas ou macrófitas que geralmente são encontradas em regiões rasas do ELP. A boa correlação entre a concentração de CDOM e salinidade pode permitir o mapeamento da salinidade do espaço (Morel & Gentili, 2009) na região estuarina da Lagoa dos Patos, se no futuro forem encontradas relações robustas entre o sinal ótico recebido pelos satélites e a concentração de CDOM. Binding & Bowers (2003) têm mostrado como esta relação entre CDOM e salinidade pode ser usado para mapear a salinidade do Mar Clyde, Escócia, usando os dados de satélite da cor do oceano. Classes espectrais de absorção Os espectros de absorção da luz foram classificados em 3 classes distintas (Figura 16). As classes não apresentaram grandes diferenças na sua forma espectral, com os valores de absorção crescendo em direção aos menores comprimentos de onda. As diferenças entre as classes resultam principalmente das magnitudes dos valores de absorção nos menores comprimentos de onda (Figura 16). Uma pequena diferença na forma espectral pode ser notada na classe 2 (C2) que apresentou um pequeno aumento da absorção em 510nm, o que pode possivelmente estar relacionada com a relativamente maior concentração do material em suspensão para esta classe. As médias de concentrações de clorofila-a, CDOM e material em suspensão de cada classe podem ser observadas na Tabela 3. A classe 1 (C1) apresentou a maior concentração de CDOM (33,14 mg.m -3 ) em relação às outras classes. A classe 2 (C2) apresentou a maior concentração de material em suspensão (58,41 mg.l -1 ) e a classe 3 (C3) a maior concentração de clorofila-a (3,19 mg.m -3 ). Observa-se que em C1 a curva do espectro encontra-se com maior inclinação na região do azul onde este absorve fortemente o CDOM, sugerindo que o CDOM possa ser o constituinte ótico de maior contribuição para absorção de luz nessas águas. A C3 mostrou menor inclinação da curva e as menores magnitudes de absorção, mesmo apresentando o maior valor de concentração de clorofila-a. Possivelmente, as baixas magnitudes de absorção dessa classe encontram-se relacionadas relativamente com a menor concentração de CDOM e secundariamente de material em suspensão. Regressão linear múltipla A regressão linear simples entre os constituintes óticos e absorção e atenuação espectral não resultou em correlações significativas entres os dados. Entretanto, análises de regressão linear múltipla entre a absorção e os constituintes óticos (MS, CDOM, e CHL-a) mostraram valores de coeficiente de determinação bem significativos (r 2 >0.56, p<0.05, em 412nm) e resultados ainda melhores para atenuação (r 2 >0.72, p<0.05, em 412nm). As figuras 17 e 18 mostram a dependência de a(412) e c(412), respectivamente, com os constituintes óticos MS, CDOM e CHL-a. Estudos anteriores em outros estuários ao redor do mundo (Vant, 1990; Warnock et al., 1999) também utilizaram análises de regressão linear múltipla para mostrar que são as contribuições do conjunto de constituintes óticos que interfere na absorção de luz das águas desses estuários, e não a contribuição individual de um único constituinte. 1618 4

CONCLUSÃO O presente trabalho reafirma a complexidade em se estudar propriedades óticas em águas estuarinas (caso 2), mostrando que nessas situações os constituintes óticos (CDOM, CHL-a, MS) devem ser analisados de forma conjunta. O CDOM apresentou forte correlação inversa com a salinidade, sugerindo que esse constituinte pode ser usado nos estudos de sensoriamento remoto como um importante traçador da salinidade no ELP. A separação em classes de espectros de absorção se mostrou útil para auxiliar na interpretação da absorção espectral de acordo com as concentrações relativas dos constituintes óticos presentes na superfície da água. Os estudos da interação da luz com os constituintes óticos no ELP ainda são incipientes, porém novos cruzeiros estão previstos para o futuro e espera-se que com o aumento do número de dados possamos encontrar relações robustas entre propriedades óticas (ex. reflectância espectral) e constituintes oticamente ativos das águas estuarinas, permitindo assim o monitoramento destes por sensoriamento remoto do espaço. REFERÊNCIAS Baumgarten, M. G. Z., Wallner-Kersanach, M., Niencheski, L. F. H. 2010. Manual de Análises em Oceanografia Química. 2 a Edição. Editora da FURG. 330 p. Binding, C.E., Bowers, D.G., 2003. Measuring the salinity of the Clyde Sea from remotely sensed ocean colour. Estuarine, Coastal and Shelf Science 57, 605e611. Bowers, D.G. & Brett, H.L. (2008). The relationship between CDOM and salinity in estuaries: An analytical and graphical solution. Journal of Marine Systems 73, 1 7. Calliari, L. J., Winterwerp, J.C., Fernandes, E., Cuchiara, D., Vinzon, S.B., Sperle, M. & Holland, K. T. 2008. Fine grain sediment transport and deposition in the Patos Lagoon Cassino beach sedimentary system. Continental Shelf Research, doi:10.1016/j.csr.2008.09.019. Gordon, H.R.; Brown, O.B.; Jacobs, M.M. 1975. Computed relationships between the inherent and apparent optical properties of a flat homogeneous ocean. Appl. Opt. 14: 417-427. Gordon, H.R., and A. Morel (1983). Remote assessment of ocean color for interpretation of satellite visible imagery. A review, Springer-Verlag, New York (USA). Get PDF reprint IOCCG 2000. Remote Sensing of Ocean Colour in Coastal, and Other Optically-Complex, Waters. In: Sathyendranath, S. (ed.) Reports of the International Ocean-Colour Coordinating Group. IOCCG, No. 3. Kjerfve, B. 1986. Comparative oceanography of coastal lagoons. In : Wolfe, D.A. (ed.), Estuarine Variability. Academic Press, New York. 63 81pp. Möller O.O., Fernandes, E.H.L. (2010) Hidrologia e hidrodinâmica. In: Seeliger U, Odebrecht C (Eds.) O estuário da Lagoa dos Patos: Um Século de Transformações. Rio Grande: FURG, 17-27. Morel, A. (1974). Optical properties of pure water and pure seawater. p. 1-24, In: Jerlov & E. Steeman Nielsen (eds.). Optical aspects of oceanography. Academic Morel, A. & Prieur, L. 1977. Analysis of variations in ocean color. Limnology and Oceanography. 22: 709-722. Morel, A. and B. Gentili (2009). A simple band ratio technique to quantify the colored dissolved and detrital organic material from ocean color remotely sensed data. Remote Sensing of Environement, 113, 998-1011, doi:10.1016/j.rse.2009.01.008 Prieur, L., and S. Sathyendranath, An optical classification of coastal and oceanic waters based on the specific spectral absorption curves of phytoplankton pigments, dissolved organic matter, and other particulate materials, Limnol. Oceanogr., 26, 671-689, 1981. Reis, E. G.; D incao, F. 2000. The present status of artisanal fisheries of extreme Southern Brazil: an effort towards community-based management. Ocean and Coastal Management, 43(7): 585-595. 1619 5

Seeliger U, Kjerfve B (2001) Coastal Marine Ecosystems of Latin America. Ecological Studies, v. 144, p. 352. Twardowski, M.S.; Sullivan, J.M.; Donaghay, P.C.; Zaneveld, J.R.V. (1999). Microscale Quantification of the Absorption by Dissolved and Particulate Material in Coastal Waters with an AC- 9. Journal of Atmospheric and Oceanic Technology, v. 16, p. 691-707. Vant, W. N., 1990. Causes of Light Attenuation in Nine New Zealand Estuaries. Estuarine, Coastal and Shelf Science 31, 125-137 Warnock RE., Winfried W.C. Gieskes, Sandor van Laar 1999. Regional and seasonal differences in light absorption by yellow substance in the Southern Bight of the North Sea. Journal of Sea Research 42,169 178 Welschmeyer, 1994 Fluorometric analysis of chlorophyll a in the presence of chlorophyll b and pheopigments. Limnol. Oceanogr, 39(8), 1994, Zaneveld, J.R.V.; Kitchen, J.C.; Moore, C.C. (1994). The scattering error correction of reflecting-tube absorption meters. In: Jaffe, J.S. (Ed.), Ocean Optics XII. SPIE, v. 2258, p.44-55. Tabela 1. Valores de média, desvio padrão, máximo e mínimo dos dados bio-óticos e físicos obtidos em fevereiro de 2012 no estuário da Lagoa dos Patos. Temp.( o [MS] [CDOM] [Chl-a] a(412) c(412) C) Sal. (mg.l -1 ) (mg. m-³) (mg. m-³) (m- 1 ) (m- 1 ) Média 25.00 29.92 69.14 13.07 2.04 1.51 11.55 D.P. 0.94 8.38 24.66 4.21 1.04 0.75 5.32 Máximo 26.56 35.25 117.00 20.83 4.24 2.80 23.11 Mínimo 23.90 5.37 23.50 8.43 0.56 0.72 4.86 Tabela 2. Valores de média, desvio padrão, máximo e mínimo dos dados bio-óticos e físicos obtidos em março de 2012 no estuário da Lagoa dos Patos. Temp.( o [MS] [CDOM] [Chl-a] a(412) c(412) C) Sal. (mg. L -1 ) (mg. m-³) (mg. m-³) (m- 1 ) (m- 1 ) Média 27.32 15.48 33.12 18.26 4.38 1.49 8.07 D.P. 0.71 10.10 20.54 6.73 2.27 0.71 3.44 Máximo 28.16 32.67 85.00 29.42 10.70 2.84 4.52 Mínimo 26.34 5.77 15.50 6.59 2.30 0.74 3.93 Tabela 3. Médias de concentração de clorofila-a, CDOM e material em suspensão por classe espectral e o numero de espectros (n) encontrado para cada grupo. CLASSES n CHL-a CDOM MS (mg. m-³) (mg.m-³) (mg.m-³) C1 4 2.35 33.14 46.18 C2 14 2.58 19.26 58.41 C3 3 3.19 14.93 47.93 1620 6

Figura 1. Bacia de drenagem da Lagoa dos Patos e seu estuário. Extraído de Seeliger & Kjerfve 2001. Figura 1. Localização das estações realizadas no Estuário da Lagoa dos Patos. 1621 7

Figura 3. Mapas de distribuição superficial da salinidade da saída de campo em fevereiro de 2012. Figura 4. Mapas de distribuição superficial da concentração de material em suspensão (mg.l -1 ) da saída de campo em fevereiro de 2012. 1622 8

Figura 5. Mapas de distribuição superficial da concentração de matéria orgânica dissolvida colorida (mg.m 3 ) da saída de campo em fevereiro de 2012. Figura 6. Mapas de distribuição superficial da concentração de clorofila-a (mg.m 3 ) da saída de campo em fevereiro de 2012. 1623 9

Figura 7. Mapas de distribuição superficial do coeficiente de absorção em 412nm da saída de campo em fevereiro de 2012. Figura 8. Mapas de distribuição superficial do coeficiente de atenuação em 412nm da saída de campo em fevereiro de 2012. 1624 10

Figura 9. Mapas de distribuição superficial da salinidade da saída de campo em março de 2012. Figura 10. Mapas de distribuição superficial da concentração de material em suspensão (mg.l -1 ) da saída de campo em março de 2012. 1625 11

Figura 11. Mapas de distribuição superficial da concentração de matéria orgânica dissolvida colorida (mg.m 3 ) da saída de campo em março de 2012. Figura 12. Mapas de distribuição superficial da concentração de clorofila-a (mg.m 3 ) da saída de campo em março de 2012. 1626 12

Figura 13. Mapas de distribuição superficial do coeficiente de absorção em 412nm da saída de campo em março de 2012. Figura 14. Mapas de distribuição superficial do coeficiente de atenuação em 412nm da saída de campo em março de 2012. 1627 13

Figura 15. Correlação linear entre a concentração de CDOM e a salinidade. A linha representa a reta da regressão linear simples, cuja equação encontra-se também na figura. Figura 16. Espectros de absorção separados por classes espectrais. Em azul a classe 1 (C1), em vermelho a classe 2 (C2) e em verde a classe 3 (C3). 1628 14

Figura 17. Regressão linear múltipla entre a(412) e CDOM, MS e CHL-a Figura 18. Regressão linear múltipla entre c(412) e CDOM, MS e CHL-a. 1629 15