A ordem pronominal do português brasileiro atual: uma análise via Teoria da Otimidade Rubia Wildner Cardozo 1 1 Introdução Apresentamos um estudo acerca da ordem pronominal do português brasileiro (PB) atual falado no sul do Brasil. Focamos nos pronomes em posição de objeto direto do verbo em orações simples, colocando o foco ora no objeto, ora no sujeito, como mostram os exemplos: (1)A: Quem a Maria viu ontem? (foco no objeto) B: A Maria viu ele. (2) A: Quem viu o João ontem? (foco no sujeito) B: A Maria viu ele. Os julgamentos de gramaticalidade das frases em análise são feitos com base em nossa intuição de falantes nativos, e usamos a Teoria da Otimidade (doravante OT) (PRINCE; SMOLENSKY, 1993; McCARTHY; PRINCE, 1993) para as nossas análises. 2 Hipóteses Nossas hipóteses são as de que: a) houve uma mudança na direção de cliticização do PB (NUNES, 1996); b) os pronomes retos estão sendo aceitos em função acusativa; 1 Mestre em Estudos da Linguagem pela UFRGS (bolsa Capes). E-mail: rubia.wildner@gmail.com. 593
pessoa. c) o PB está tentando recuperar sua ordem SVO; d) a inovação do pronome pleno como objeto direto começou com os pronomes de 3ª 3 A colocação dos pronomes no PB No PB, há três estratégias para se usar o pronome na posição de objeto: a) Pronome proclítico, como em A: Quem viu o João ontem? B: A Maria o viu ; b) Pronome tônico, como em A: Quem viu o João ontem? B: A Maria viu ele ; c) Pronome nulo, como em A: Quem viu o João ontem? B: A Maria viu (ø). Investigamos, neste trabalho, as alternativas (a) e (b) mais especificamente sua concorrência. No que se refere à colocação dos pronomes no português, os trabalhos de Cyrino (1990a, 1990b, 1996) apontam ênclise até o século XIX e próclise a partir da segunda metade do século XIX e os trabalhos de Pagotto (1992, 1996) mostram a oscilação próclise > ênclise > próclise. Corroborando este entendimento, Castilho (2010) afirma que os clíticos do PB nunca foram tão bem-comportados, já que há oscilação entre a ênclise e a próclise ao longo dos séculos (ênclise > próclise > ênclise), mostrando que a mudança linguística não tende a um fim. No que tange aos clíticos, Nunes (1996) sustenta que estão caindo em desuso, e sua manutenção é devida à ação normativa da escola (NUNES, 1996; MATTOS; SILVA, 2004; OLIVEIRA, 2007), pois aparecem primeiro na escrita (CORREA, 1990). 4 O pronome tônico como objeto direto Fizemos uma distinção entre pronomes atípicos (você, ele, a gente e seus respectivos plurais, no caso dos dois primeiros, vocês e eles) e genuínos (eu, tu, nós e seus respectivos clíticos, me, te e nos), tendo em vista a discussão de Camara Jr. (2004[1972]) sobre as diferenças que tais pronomes apresentam, em que o autor admite que você e a gente têm origem em expressões nominais. Ele se assemelha aos demonstrativos e aos nomes por se acrescentar a este pronome desinências de 594
feminino e plural (CAMARA JR., 2004[1972]). Por este motivo, agrupamos ele, você e a gente (e seus respectivos plurais) ao mesmo grupo. 5 Teoria da Otimidade Para a nossa análise, usamos a OT (PRINCE; SMOLENSKY, 1993; McCARTHY; PRINCE, 1993), uma teoria que não trabalha com princípios nem regras, mas admite restrições violáveis. Esta é a arquitetura da OT padrão: INPUT informação sobre a estrutura argumental GEN gera todos os candidatos possíveis a output CANDIDATOS candidatos a output, gerados por GEN EVAL avalia os candidatos a output de acordo com o conjunto de condições de boa formação ou restrições (CON) OUTPUT candidato ótimo Adaptado de McCarthy (2002, p. 10). Recorremos a algumas restrições conhecidas na literatura para darmos início às análises: STAY: movimentos não são permitidos. ALINHEFOCO: um constituinte que é foco informacional deve ocupar a posição mais à direita da frase. DIREÇÃOCLITICIZAÇÃO (DIRCL): em PB, a direção do clítico é da esquerda para a direita. 6 Próclise x ênclise Tableau 1 (Quem a Maria viu ontem?) STAY ALINHEFOCO DIRCL a. A Maria o viu.!* * b. A Maria viu-o. * 595
Tableau 2 (Quem a Maria viu ontem?) STAY ALINHEFOCO DIRCL a. A Maria me viu.!* * b. A Maria viu-me. * Até aqui, as análises apontaram para o candidato ótimo até a metade do século XIX, em que imperava a ênclise (CASTILHO, 2010). Tomando-se por base que a análise aqui feita esteja correta, a hierarquia para o PB até metade do século XIX é a seguinte: STAY >> ALINHEFOCO >> DIRCL. Contudo, houve uma mudança na direção do clítico, que mostramos por meio dos tableaux: Tableau 3 (Quem a Maria viu ontem?) DIRCL ALINHEFOCO STAY a. A Maria me viu. * * b. A Maria viu-me.!* Tableau 4 (Quem a Maria viu ontem?) DIRCL ALINHEFOCO STAY a. A Maria o viu. * * b. A Maria viu-o.!* Tomando-se por base que a análise aqui feita esteja correta, a hierarquia para o PB a partir da segunda metade do século XIX é a seguinte: DIRCL >> ALINHEFOCO >> STAY. 7 Próclise x pronome pleno 596
7.1 Foco no objeto a) Pronomes de fato Tableau 5 (Quem a Maria viu ontem?) DIRCL STAY ALINHEFOCO a. A Maria viu eu. - b. A Maria me viu.!* * c. A Maria viu-me.!* Nesta parte das análises, todos os tableaux apontavam como candidato ótimo o candidato a., não importando a ordem das restrições. Sentimos aqui a necessidade de sugerir uma nova restrição para dar continuidade às análises: *PRONOME NOMINATIVO COMO COMPLEMENTO VERBAL (*PRONOPOD): proibido usar pronome nominativo em posição de objeto direto. Tableau 6 (Quem a Maria viu ontem?) DIRCL *PRONOPOD STAY ALINHEFOCO a. A Maria viu eu. -!* b. A Maria me viu. * * c. A Maria viu-me.!* Tableau 7 (Quem a Maria viu ontem?) DIRCL STAY ALINHEFOCO *PRONOPOD a. A Maria viu eu. - * b. A Maria me viu.!* * c. A Maria viu-me.!* 597
Tomando-se por base que a análise aqui feita esteja correta, as hierarquias para o PB atual no que se refere aos pronomes de fato quando o foco recai sobre o objeto são as seguintes: DIRCL >> *PRONOPOD >> STAY >> ALINHEFOCO. (favorecendo a próclise) DIRCL >> STAY >> ALINHEFOCO >> *PRONOPOD. (favorecendo o pronome pleno em posição de objeto) b) Pronomes com características nominais (você, ele, a gente) Tableau 8 (Quem a Maria viu ontem?) DIRCL STAY ALINHEFOCO *PRONOPOD a. A Maria viu ele. - * b. A Maria o viu.!* * c. A Maria viu-o.!* Tomando-se por base que a análise aqui feita esteja correta, a hierarquia para o PB atual no que se refere aos pronomes com características nominais quando o foco recai sobre o objeto é a seguinte: DIRCL >> STAY >> ALINHEFOCO >> *PRONOPOD. 7.2 Foco no sujeito a) Pronomes de fato Tableau 9 (Quem te viu ontem?) DIRCL *PRONOPOD STAY ALINHEFOCO a. A Maria viu eu. -!* * b. A Maria me viu. * * c. A Maria viu-me.!* * 598
Tomando-se por base que a análise aqui feita esteja correta, a hierarquia para o PB atual no que se refere aos pronomes de fato quando o foco recai sobre o sujeito é a seguinte: DIRCL >> *PRONOPOD >> STAY >> ALINHEFOCO. b) Pronomes com características nominais (você, ele, a gente) Tableau 10 (Quem viu o João ontem?) DIRCL STAY ALINHEFOCO *PRONOPOD a. A Maria viu ele. - * * b. A Maria o viu.!* * c. A Maria viu-o.!* * Tomando-se por base que a análise aqui feita esteja correta, a hierarquia para o PB atual no que se refere aos pronomes com características nominais quando o foco recai sobre o sujeito é a seguinte: DIRCL >> STAY >> ALINHEFOCO >> *PRONOPOD. 8 Conclusão O ranqueamento das restrições relativas à colocação pronominal na gramática do PB: 1) Quando o foco informacional recair sobre o pronome complemento do verbo: (a) DIRCL >> *PRONOPOD >> STAY >> ALINHEFOCO. (favorecendo a próclise pronomes típicos) (b) DIRCL >> STAY >> ALINHEFOCO >> *PRONOPOD. (favorecendo o pronome pleno em posição de objeto pronomes típicos) (c) DIRCL >> STAY >> ALINHEFOCO >> *PRONOPOD. (pronomes atípicos) 599
2) Quando o foco informacional recair sobre o sujeito: (a) DIRCL >> *PRONOPOD >> STAY >> ALINHEFOCO. (pronomes típicos) (b) DIRCL >> STAY >> ALINHEFOCO >> *PRONOPOD. (pronomes atípicos) Em resumo, mostramos que o PB está seguindo duas gramáticas no que tange à colocação pronominal: DIRCL >> *PRONOPOD >> STAY >> ALINHEFOCO (pronomes típicos foco no sujeito e no objeto (próclise)) DIRCL >> STAY >> ALINHEFOCO >> *PRONOPOD (pronomes típicos foco no objeto (pronome pleno); pronomes atípicos foco no sujeito e no objeto) Referências BRISOLARA, Luciene Bassols. Os clíticos pronominais do português brasileiro e sua prosodização. Tese. (Doutorado em Linguística) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Ele como um acusativo no português do Brasil. In:. Dispersos. Rio de Janeiro: FGV, 2004 [1972]. CASTILHO, A. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. CORRÊA, V. R. Objeto nulo no português do Brasil. Dissertação. (Mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991. CYRINO, S. M. L. O objeto nulo no português do Brasil: uma investigação diacrônica. ms., Unicamp, 1990a.. O objeto nulo no português do Brasil: uma mudança paramétrica?, ms., Unicamp, 1990b.. O objeto nulo no português do Brasil: um estudo sintático-diacrônico. Tese (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994.. Observações sobre a mudança diacrônica no português do Brasil: objeto nulo e clíticos. In: ROBERTS, Ian; KATO, Mary (Orgs.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Unicamp, 1996.. O objeto nulo no português do Brasil: um estudo sintático-diacrônico. Londrina: UEL, 600
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