FUSÃO E ESPALHAMENTO NAS LÍNGUAS MATIS E MARUBO (PANO) (FUSION AND DISPERSION ON MATIS AND MARUBO (PANO) LANGUAGES)

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Transcrição:

FUSÃO E ESPALHAMENTO NAS LÍNGUAS MATIS E MARUBO (PANO) (FUSION AND DISPERSION ON MATIS AND MARUBO (PANO) LANGUAGES) Vitória Regina SPANGHERO 1 (Universidade Estadual de Campinas) ABSTRACT: In this work we show how the vocalic nasalisation process works in the Matis and Marubo languages, both from the Panoan family. Considering such a process, similarities and differences are presented. KEYWORDS: Phonology; Nasality; Indigenous linguistics. 0. Introdução O processo de nasalização das vogais tem se mostrado de certa forma semelhante nas línguas naturais. Em especial, as línguas da família lingüística Pano têm apresentado bastante semelhanças no que diz respeito a esse aspecto. Podemos fazer uma breve comparação entre as línguas Matis e Marubo, da mesma família, faladas no Vale do Javari, no Amazonas. Com relação à nasalidade das vogais observamos que a nasalidade vocálica é obtida, ou seja, não há vogais nasais do ponto de vista fonológico, sendo estas nasalizadas por uma consoante nasal. As vogais alvos do processo podem estar contidas na sílaba acentuada ou não. 1. Marubo Segundo Costa (2000) e Soares (1996) as vogais em Marubo se tornam nasalizadas quando estão em contato com a consoante nasal que está no onset da sílaba seguinte e em contato com a consoante que está na coda: 1. /'ι.να/ [' ι)να] 'rabo' 2 2. /ι.'an/ [ ι) 'α)] 'lago' No segundo caso, a vogal que se encontra em outra sílaba também recebe a nasalização. 1 Bolsista da FAPESP. 2 Os exemplos são retirados de Soares (1996) e Costa (2000).

Quando a nasalidade vocálica é obtida por contato com a consoante nasal que constitui o morfema de ergatividade (-n), alguns dissílabos sofrem mudança no plano acentual, o acento passa da primeira para a última sílaba: 3. /ψυσι-ν/ ['ψυσι] [ψυ'σι)] nome próprio nome próprio-ergativo Para dissílabos cuja sílaba acentuada é a segunda (acentuando-se da esquerda para a direita) e, ao mesmo tempo terminam em consoante nasal, com o recebimento da marcação de caso ergativo, há a junção das duas consoantes nasais. Há, assim, uma conseqüente redução dessas duas consoantes a uma só e o surgimento, na superfície, de uma vogal alta final. A consoante nasal responsável pela nasalidade vocálica aparece no onset e não provoca obrigatoriamente a nasalização da vogal pertencente à sílaba imediatamente anterior: 4. /panan-n/ [πα'να)] ['πα)νανυ] / ['πα)να)ν ] nome próprio nome próprio-ergativo Em alguns casos a nasalidade adquirida pela vogal alvo não continua a se propagar à esquerda. O espalhamento da nasalidade não ocorre talvez pelo fato de que na sílaba em que se situa o núcleo vocálico nasalizado ocorre, na posição de onset, uma consoante oral que o separa do próximo núcleo vocálico à esquerda. Essa consoante, por ser opaca bloquearia a passagem da nasalidade, Piggott (1992). 5. /ψυσι-ν/ ['ψυσι] [ψυ'σι)] nome próprio nome próprio-ergativo Há casos em que a nasalidade pode continuar, aparentemente, a se propagar à esquerda quando recebe a marcação de caso ergativo. Isto é explicado pela existência de uma consoante nasal nos onsets da última e da penúltima sílaba. Essa consoante seria a fonte de nasalidade das vogais à esquerda, não havendo aí um verdadeiro processo longo de propagação da nasalidade ao longo de uma seqüência de sílabas, ou seja, não é a consoante nasal da última sílaba que espalha nasalidade até a primeira sílaba, mas cada consoante nasal em onset nasaliza a vogal da sílaba precedente, Soares (1996):

6. /kaman-n/ [κα'µα)] ['κα)µα)ν ] onça onça-ergativo Há uma ausência sistemática de nasalidade na primeira vogal seguida por consoante nasal no onset em formas não ergativas e a presença sistemática de nasalidade na primeira vogal seguida por consoante nasal no onset em formas ergativas, comparando as formas não-ergativas com acento na segunda sílaba e as correspondentes formas ergativas: 7. / παναν-ν/ [πα'να)] ['πα)να)ν ] nome próprio nome próprio-ergativo Segundo Soares (1996) essa ausência ou presença de nasalidade vocálica nesses casos pode ser relacionada à ausência versus presença de acento na primeira sílaba dos exemplos mencionados. Nesses casos a nasalização seria favorecida pela intervenção do acento. A nasalização também pode ultrapassar a fronteira de morfemas, atingindo o núcleo vocálico da sílaba seguinte, se esta for uma sílaba sem onset: 8. /ωιn-αι/ ['ωι)ε) ι)] 'viu' ver-presente/passado imediato Porém, este processo não ultrapassa a fronteira de palavras: 9. /α'νυn α-κα/ [α'νυ) ακα] 'concordar' sim auxiliar-presente Em nenhum desses casos a consoante nasal em coda se ressilabifica, não passando a constituir onset da sílaba seguinte, Costa ( 2000). Nos casos em que o processo ocorrer da esquerda para a direita, como em (8), a nasalização de um núcleo vocálico à direita de uma vogal já nasalizada só se torna possível após a queda da consoante nasal transmissora da nasalidade. Assim, ao não ser ressilabificada e sofrer queda, a consoante nasal permite que a nasalidade adquirida por uma vogal passe para a vogal subseqüente. Esse processo só envolve dois núcleos silábicos estritamente adjacentes e sem consoante interveniente. Portanto, as fronteiras silábicas não bloqueiam a nasalidade.

2. Matis A nasalização das vogais ocorre somente do contato com a consoante nasal que está na coda: 10. /wa.νιν/ [wani)ν] 'mingau' 11. /υ.µαν/ [υµα(ν] 'pupunha' Porém, diferentemente do Marubo, a vogal que se encontra no núcleo da sílaba anterior nunca recebe a nasalização, pois esse processo na língua tem como domínio a sílaba, não se estendendo além dos seus limites. Dessa forma, então, as fronteiras silábicas em Matis não deixam passar a nasalidade: 12. /κωα.ιν/ [κωαι)ν] 'nuvem' 13. /τσα.υν/ [τσαυ)ν] 'peixe' 2.1 Evidências para a existência de Coda nasal Em Matis encontramos algumas evidências para a existência de coda nasal. Observemos as seguintes fronteiras morfológicas: 14. κωα)ν + εκ κωα.νεκ 'vai' (*κωαεκ *κωα)εκ ) ir+ não-passado 15. κωα)ν + ασ κωα.νασ 'foi' (*κωαασ *κωα)ασ ) ir+passado Observa-se em 14 e 15 que a vogal [α] da palavra kwãn aparece nasalizada, seguindo a regra de nasalização, mas em kwanek, esta vogal está desnasalizada. Podemos interpretar esse fato como perda da nasalização devido à ressilabificação da palavra quando se dá em construção morfológica. Assim, ao somar-se um sufixo com onset vazio, a consoante nasal que estava ocupando a posição de coda na palavra isolada preenche esse onset; em seguida a vogal que fica sem seu elemento transmissor da nasalização perde esse traço fonético. Também pode-se verificar a presença da consoante nasal /n/ na junção de duas palavras em Matis, reafirmando a hipótese da presença de coda nasal:

16. m k )ν + ατσυω Σ! µ κ νατσυω Σ 'número 5' mão todos 17. καµυ)ν + ινα! καµυνινα 'rabo de onça' onça rabo Observa-se que nos exemplos 16 e 17 acontece o mesmo processo descrito acima nos exemplos 14 e 15: nas palavras à esquerda a consoante nasal em coda nasaliza a vogal precedente, e nos elementos à direita, ao somar-se uma palavra iniciada por vogal, a consoante nasal antes em coda passa à onset da sílaba seguinte, e a vogal da sílaba anterior perde a nasalização. Com relação ao acento, não há uma mudança no plano acentual quando adiciona-se o morfema de ergatividade (-n): 18. /βινα-ν/ [bι'να] [βι'να)ν] nome próprio nome próprio-ergativo Este fenômeno de espalhamento da nasalidade, ao que tudo indica, encontra uma clara restrição. A consoante nasal, fonte de nasalidade vocálica, quando ocupa a posição de onset não provoca a nasalização da vogal pertencente à sílaba imediatamente anterior: 19. /ωα.νιν/ [ωαν ανι)ν] 20. /δυ.νεκ/ [δυν υνεκ] 'gripe' 'pupunha' A nasalidade adquirida pela vogal alvo não continua a se propagar à esquerda, pois o processo é bloqueado pelo glide w, obstruintes p, t, k, b, d, g, e soantes m, n, Ρ, que se encontram na posição de onset da sílaba em que se situa o núcleo vocálico nasalizado: 21. /δα.τον.γε.τε/ [δατο)νγετε] 'camisa' Diferentemente do Marubo, não ocorre nasalização da esquerda para a direita, a direção do espalhamento é somente da direita para a esquerda. A consoante nasal em onset não passa a nasalidade ao seu núcleo respectivo: 22. /ι.να.ωατ/ [ινα ναωατ] 23. /νε.τε/ [ νετε] 'capivara' 'lança'

3. Conclusão Podemos observar que em Marubo parece ocorrer um processo de espalhamento de nasalidade. Tal processo se dá à direita e à esquerda, sendo que a sílaba não é limite para esse espalhamento. Apesar da nasalização à direita ultrapassar a fronteira de morfemas, ela não opera no nível pós-lexical, pois não ultrapassa a fronteira de palavras. A nasalização, ainda, seria favorecida pela intervenção do acento. O Matis apresenta um processo de fusão, sendo que a nasalização vocálica não se dá fora dos limites silábicos, e seu direcionamento é sempre da direita para a esquerda. Ao contrário do Marubo, ainda, o processo ultrapassa a fronteira de palavras, decorrendo daí, e também nas fronteiras de morfemas, uma ressilabificação, sendo a consoante em coda especificada como /n/. Assim, a nasalização em Matis opera no nível pós-lexical. Com relação ao acento, nas formas ergativas e nas não ergativas o acento se dá da mesma forma. RESUMO: No presente trabalho mostramos o funcionamento do processo de nasalização vocálica nas línguas Matis e Marubo, da família Pano. Apresentamos, assim, as semelhanças e diferenças entre essas línguas com relação a esse aspecto. PALAVRAS-CHAVE: Fonologia; Nasalidade; Lingüística Indígena. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSTA, R. G. R. (1992) Padrões rítmicos e marcação de caso em Marubo (Pano). Dissertação de mestrado. Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro. (2000) Aspectos da Fonologia Marubo (Pano): Uma Visão Não-Linear. Tese de Doutorado. Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro. PIGGOTT, Glyne L. (1992) Variability in feature dependency: the case of nasality. Natural Language and Linguistic Theory. Montreal/Quebec: McGill University. 10, p.33-77, 1992. SOARES, M. F. (1996) Aspectos Lineares e não-lineares de línguas indígenas brasileiras. Letras de Hoje. Porto Alegre. v.31, n.2, p.77-95. SPANGHERO, V. R. (2000) Nasalidade em Matis (Pano): um exercício de análise. Estudos Lingüísticos, v. 29, Universidade do Sagrado Coração, Bauru, SP.