A VARIAÇÃO PREPOSICIONAL EM FRONTEIRAS SENTENCIAIS RELATIVAS EM SALVADOR

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Transcrição:

859 A VARIAÇÃO PREPOSICIONAL EM FRONTEIRAS SENTENCIAIS RELATIVAS EM SALVADOR Eva Maria Nery Rocha * INTRODUÇÃO No português falado atualmente no Brasil, observa-se que as preposições ora podem ser inseridas, ora apagadas em contextos não previstos pela tradição gramatical. Essa flutuação do uso preposicional também ocorre em fronteiras sentenciais iniciadas por QUE relativizador, como foi constatado em pesquisa realizada por Rocha:2000, que tomou como objeto de estudo a fala culta de Salvador. Neste trabalho, procura-se comparar os resultados obtidos da observação do uso das preposições DE e EM, no contexto acima citado, ao uso escrito da mídia em Salvador: notícias locais e editoriais do jornal de maior circulação dessa cidade. 1.O USO DAS PREPOSIÇÕES DE E EM NA LÍNGUA FALADA Rocha: 2000 estudou o uso das preposições DE e EM em fronteiras sintáticas iniciadas por QUE relativizador, tomando por base um corpus representativo da fala culta de Salvador, constituído em duas sincronias: década de 70 e década de 90. O objetivo assumido pela investigação foi o de descrever os contextos lingüísticos em que ocorria o uso canônico ou não canônico do nexo prepositivo, relacionando-o às variáveis sociais gênero e faixa etária do informante. O controle do parâmetro gênero relaciona-se à problemática do prestígio ou desprestígio das variantes, enquanto faixa etária refere-se à observação da variação e mudança em tempo aparente, nas duas décadas, e em tempo real. Apresentam-se, a seguir, os contextos lingüísticos em que se observaram as variantes das duas preposições. 2. CONTEXTOS LINGÜÍSTICOS ANALISADOS Tomando-se como referência o padrão gramatical vigente, o comportamento das preposições DE e EM diante de QUE relativizador, em argumentos oracionais finitos, foi observado, levando-se em conta o uso canônico e o uso não canônico. O último pode significar: a) a supressão da preposição que deveria acompanhar determinado argumento; b) a inserção da preposição num argumento que não deveria ser preposicionado. * FACULDADES JORGE AMADO

860 Na amostra observada, foram encontradas as seguintes possibilidades de ocorrência das preposições DE e EM, ante QUE relativizador: [+EM canônico] (01)... mas a região da caatinga, do tabuleiro, do cerrado são regiões em que, dificilmente, seria possível introduzir uma cultura, se antes não se modificasse o... a natureza do solo. (Inq. 067, fl 16, p. 528-32). [-DE não canônico] e [-EM não canônico] (02) Essas são as pessoas φ que eu me lembro...(inq. 196, fl 05, l. 138-9) (03)... consumindo banana-da-prata em grande quantidade, exatamente naquela época φ que ela está pintadinha... (Inq. 081, p. 193, l. 647-49) [+ DE não canônico] e [+EM não canônico] (04 ) É esse tempo que nós tive... nós temos aqui ce... eh... uma família de que vem se dedicando de... de pai pra filho, não é, e vem se dedicando à homeopatia. (Inq. 335, fl. 02. L. 33-5) (05)...definiria pescaria como aquela diversão em que feita com a vara que de um lado tem um anzol e do outro um idiota... ( Inq. 096, fl. 09, l. 305-6) Em (01), a Prep. EM, precedendo QUE relativizador com função de complemento circunstancial, tem seu uso conforme a prescrição gramatical. Em (02), há elipse da preposição DE que, numa ótica canônica, deveria preceder o QUE relativizador com função de objeto indireto, selecionado pelo verbo lembrar-se e em (03) houve o apagamento da preposição EM que, canonicamente, deveria preceder QUE relativizador com função sintática de complemento circunstancial. No exemplo (04), ocorre a adição da preposição DE precedendo QUE relativizador com função de sujeito, contexto em que, segundo o padrão gramatical vigente, o relativo também não deve ser preposicionado, o mesmo ocorrendo no exemplo (05), com a inserção da preposição EM. Os contextos em que as preposições DE e EM aparecem foram descritos quanto à natureza da estratégia de relativização, conforme a classificação estabelecida por Tarallo ( apud Mary Kato:1996). Os contextos envolvendo a preposição EM também foram analisados quanto à função sintática do pronome relativo, além de se considerar o sintagma nominal antecedente quanto ao seu conteúdo semântico e ao fato de ser preposicionado ou não preposicionado.

861 3. A PREPOSIÇÃO DE DIANTE DE QUE RELATIVIZADOR: PRINCIPAIS RESULTADOS Diante de QUE relativizador, só foram encontradas as variáveis não canônicas da preposição DE, nas duas décadas: vinte e nove ocorrências na década de 70 e quarenta e quatro na década de 90. Os resultados encontram-se no Quadro 1: Quadro 1 Ocorrências de [+/- DE] em estruturas relativas em 70 e 90 + DE + DE NÃO - DE NÃO TOTAL DE DÉCADA CANÔNICO CANÔNICO CANÔNICO OCORRÊNCIAS 70 90 00 03 26 29 00 00 44 44 3.1 A ELIPSE DA PREP. DE E AS ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO Observou-se que a elipse da preposição DE em orações relativas ocorreu pincipalmente em estratégias de relativização denominada por Tarallo ( apud Mary Kato:1996) relativa cortadora, que aparece para as posições de objeto indireto e outros constituintes preposicionados, como se vêem nos exemplos: ( 6 )Essas são as pessoas φ que eu me lembro... ( Inq. 196, fl. 05, l. 138-39) ( 7 )Tive sim, uma vizinha, que foi uma vizinha de porta uma pessoa φ que eu gostei muito, mas que se mudou com pouco tempo. (Inq. 001/N, fl.22, l. 770-72) A estratégia do pronome resumptivo, conhecida também como relativa copiadora, ocorreu muito pouco. Descreve-se, na Tabela 1, referente aos dados das duas décadas observadas, a freqüência de uso das estratégias de relativização em que ocorreu a elipse da preposição. DE. Tabela 1 Elipse de Prep. DE quanto às estratégias de relativização nas décadas de 70 e de 90 Estratégias de Cortadora Pronome Total de relativização 70 22 91,67% resumptivo 02 8,33% ocorrências 24 90 42 95,46% 02 4,54% 44 A relativa cortadora é a estratégia predominante quando há elipse da preposição DE nas duas sincronias, apresentando freqüência acima de 90%, sendo maior na década de 90:

862 95,46%. O número de ocorrências da estrutura com pronome resumptivo copiadora é o mesmo nas duas décadas, com freqüência maior 8,33% - na década de 70. A análise quantitativa sincrônica de Tarallo, ( apud Kato: 1996), mostra que a relativa cortadora é a preferida pelos falantes quando estão em jogo complementos e adjuntos preposicionados. Diante desta informação, procurou-se observar nas relativas cortadoras encontradas no corpus se havia uma função sintática favorecendo a produtividade dessa estratégia de relativização, nas duas décadas, tendo em vista a relação acima referida, que existe entre a variante apagamento da preposição e a estratégia cortadora. Nas duas sincronias observadas a posição de objeto indireto favorece a relativa cortadora. 4. A PREPOSIÇÃO EM DIANTE DE QUE RELATIVIZADOR: PRINCIPAIS RESULTADOS Foram encontradas setenta e três ocorrências da variável [+/-EM] na década de setenta, e cento e uma na década de noventa, conforme o demonstram os dados reproduzidos no Quadro 2. Quadro 2 Ocorrências de [+/-EM] nas décadas de 70 e de 90 DÉCADA + EM CANÔNICO + EM NÃO CANÔNICO - EM NÃO CANÔNICO TOTAL DE OCORRÊNCIAS 70 90 23 05 45 73 08 01 92 101 A observação do uso de EM nas duas décadas revela a preferência pela variante - EM não canônico, ou seja, o apagamento da preposição. As estratégias de relativização em que houve elipse foram também observadas, como se fez para o apagamento da preposição DE diante de QUE relativizador, e o resultado foi semelhante: o apagamento da preposição EM ocorre predominantemente em estratégia de relativização denominada por Tarallo cortadora. Os resultados desta observação para as duas décadas encontram-se na Tabela 2:

863 Tabela 2 Estratégia de relativização e a elipse e EM Estratégias de Cortadora Pronome Total de relativização resumptivo ocorrências 70 44 97,77% 01 2,23% 45 90 88 95,65% 04 4,35% 92 A estratégia cortadora tem a freqüência no limiar do categórico nas duas décadas: 97,77% na década de 70 e 95,65% na década de 90. Observada a função sintática da relativa cortadora, tal como foi feito para a Prep DE, na década de 70 foram encontradas 43 com a função de complemento circunstancial e 1 com a função de complemento nominal. Na década de 90 houve 87 ocorrências com a função de complemento circunstancial e 1 com a função de objeto indireto. Houve, portanto, a predominância da oração relativa cortadora com função de complemento circunstancial. Observa-se que nessas estruturas em que há o apagamento da preposição EM, o antecedente tem em sua significação a mesma idéia de espaço e tempo que tem a preposição omitida, tornando-se assim, redundante ou dipensável a sua presença, como nos exemplos : (08)... era uma época φ que eu estagiava e fazia faculdade à noite, estagiava o dia inteiro. Então eu não tinha muito tempo pra me relacionar. (Inq. 001/N, fl. 22, l. 767-70 ) (09) E a gente sempre gostou do colégio φ que a gente sempre estudou, não é? (Inq. 006/N, fl. 04, l. 96-97) No primeiros exemplo, o substantivo época têm em sua significação a idéia de tempo, enquanto no segundo exemplo a idéia de espaço é observada no substantivo colégio. O conteúdo semântico do antecedente foi então observado, considerando-se a idéia de ESPAÇO/NOÇÃO e de TEMPO. Os resultados, para cada década, mostram maior taxa de apagamento quando o conteúdo semântico do antecedente é de Espaço/ Noção, nas duas décadas. Entretanto, essa diferença não é muito grande, como é demonstrado na Tabela 3.

864 Tabela 3 Ocorrências de [+/-EM] quanto à idéia de tempo, espaço/noção nas décadas de 70 e 90 CONTEÚDO SEMÂNTICO DO NÚMERO OCORRÊNCIAS ANTECEDENTE DÉCADA DE 70 DÉCADA DE 90 DE TEMPO 20 44,45% 40 41,66% ESPAÇO/ NOÇÃO 25 55,55% 56 58,33% Total de ocorrências 45 92 O antecedente pode ser realizado por um SN não preposicionado, realizado por um SP preposicionado com preposição igual ou diferente da que foi omitida, como ocorre nos exemplos (10), (11) e (12), respectivamente: (10) Fui extremamente autoritário, é a hora φ que você precisa, você precisa chocar...(inq. 010/N, fl.19, l. 591) (11) Bom, nesses trens φ que eu viajava na Europa...(Inq.196, fl. 07, l. 207-08) (12 )... a depender da obra φ que você tá trabalhando... (Inq. 013/N, fl. 08, l. 387) A tabela 4 expõe os resultados encontrados para a observação dessas variáveis lingüísticas:

865 Tabela 4 Ocorrências de [ +/- EM] quanto à natureza do SN antecedente nas décadas de 70 de de 90 Natureza do SN antecedente 70 90 Não preposicionado Preposicionado com igual preposição 27 60% 10 22,22% 55 59,78% 26 28,26% Preposicionado com diferente Preposição 08 17,78 11 11,96% Total ocorrências de 45 92 O resultado encontrado para as duas décadas coincide com os encontrados por Araus, para o espanhol: o apagamento da preposição. EM (ARAUS:1985,33) é maior quando o antecedente é um SN não preposicionado. Em segundo lugar, a maior taxa de apagamento ocorre quando o SN antecedente é preposicionado com preposição igual à que foi omitida e, por último, a menor taxa de elisão se dá quando o antecedente é preposicionado com igual preposição. Os resultados da pesquisa para a língua falada refletem uma característica do português brasileiro atual, que é a preferência pelo apagamento da preposição muito mais que pela inserção, seja canônica ou não canônica, preferência esta que já acontecia desde a década de 70. A análise das variáveis [+/-DE] e [+/-EM], em contexto de relativas, revelou ser este um contexto que favorece o apagamento do nexo prepositivo, indicando um quadro de mudança lingüística. 5. O USO DAS PREPOSIÇÕES DE E EM NA ESCRITA: 5.1 OS DADOS Apresentando reflexões sobre qual seria a verdadeira língua padrão do Brasil, Perini, 2001, define-a como sendo a língua usada nos textos jornalísticos e nos textos

866 científicos, por apresentar uma uniformidade gramatical e mesmo estilística em todo o Brasil. Essa opção difere da apresentada pelos gramáticos, que partem da língua literária para a definição da língua padrão. Escolheu-se, portanto, para esta análise, a língua escrita de dois tipos de textos integrantes do Jornal A Tarde, de Salvador: notícias locais e editoriais. As notícias locais foram escolhidas por serem um gênero de texto que não passa por uma revisão muito minuciosa, devido ao seu caráter efêmero, podendo apresentar mais facilmente o uso observado na fala, e por se querer ter a certeza de que eram redigidas em Salvador. Foram então selecionadas as notícias locais publicadas durante dez dias: de 13 a 22 de agosto de 2004, totalizando 50 páginas de notícias. Os editoriais foram escolhidos por se esperar nesse tipo de texto um maior cuidado de revisão, já que expressam o posicionamento, a voz do jornal diante dos fatos ocorridos. Foram lidos 22 editoriais de algumas edições publicadas entre 16 de julho e 04 de setembro de 2004. Inicialmente, buscavam-se as variáveis [+/-DE] e [+/-EM], considerando-se a presença canônica da preposição x ausência não canônica, e presença não canônica da preposição X ausência canônica, dos nexos preposicionais DE e EM, mas, como não foi encontrado nenhum caso de presença não canônica inserção da preposição, buscou-se a presença canônica da preposição ou a ausência não canônica, como nos exemplos (13) e (14): (13) Essa é uma fase em que os adolescentes ficam muito expostos a vários tipos de modismos... p. 4, 15/08/2004 (14) No trecho que operava a antiga Rede Ferroviária Federal está agora o grupo Ferrovia Centro Atlântica. p. 6, 19/08/2004 5.2 OS RESULTADOS Contextos envolvendo a variável [+/-EM] foram encontrados nos dois tipos de textos.como se suspeitava, há na língua escrita a predominância da variante canônica [+EM CANÔNICO] mas também ocorrem casos da variante não canônica [ EM NÃO CANÔNICO]. Nas notícias locais, foram encontradas 12 ocorrências da variante canônica, exemplos e 05 casos da variante não canônica- elipse da preposição. Os exemplos 15 e 16 ilustram o uso canônico, enquanto as os exemplos 17 e 18 ilustram o uso nõ canônico: ( 15 ) Essa é uma fase em que os adolescentes ficam muito expostos a vários tipos de modismos... p. 4, 15/08/2004 (16)... a atual administração do Petromar nada informa aos moradores, inclusive por desconhecer o estágio em que se encontra o programa de implantação do Bahia Azul.p. 4, 16/08/2004 (17) É a segunda vez este ano φ que uma baleia encalha nas praias da capital baiana.p. 6,14/02/2004 (18) É a primeira vez φ que isso acontece nos cinco anos de fundação do abrigo... p. 3, 14/02/2004

867 Obsevando-se os contextos lingüísticos em que houve a variação, os resultados são semelhantes àqueles obtidos para a língua falada. Os casos de apagamento da Prep. EM apresentaram os seguintes contextos lingüísticos: 1. A predominância da estratégia de relativização cortadora com a função sintática de complemento circunstancial; 2. Apagamento predominante da preposição quando o SN antecedente não apareceu preposicionado- cinco ocorrências. Os dois outros casos apresentara o SN antecedente com igual preposição. Nos editoriais, não foram encontradas ocorrências das variáveis [+/-DE] e [+/-EM] em dezesseis dos vinte e dois editoriais consultados. Essas variáveis apareceram em apenas seis edições, sendo 05 casos da variante [+ EM CANÔNICO] e uma da variante [+DE CANÔNICO]. Portanto, ao contrário das notícias, os editoriais revelaram um grau elevado de observância às normas da língua padrão vigente no Brasil, considerando-se como padrão a língua prescrita pela tradição gramatical, como se observa nos exemplos (19) a (23): [+ EM CANÔNICO] (19)... vieram a público opinar sobre um tema destinado a perdurar como gerador de controvérsias, dúvidas e inquietação, se a proposta for mantida nos moldes em que está vazada. P.2,15/08/20040 (20) Na mesma edição em que fala da largada, ainda esta semana, de uma forçatarefa com o propósito de identificar pontos de agressão ambiental ao Rio São Francisco na região oeste da Bahia, este jornal noticia algo aparentemente auspicioso... p.2, 26/08/2004 (21) O primeiro representa alívio para a cidade e sua população, informadas sobre o resultado de ação bem-sucedida da polícia neste caso em que mais de 60 pessoas são apontadas como envolvidas, inclusive policiais militares. P.2, 23/08/2004. (22) É o traço recorrente desses dias em que se focaliza com respeitosa memória essa passagem trágica da recente história brasileira. P.2,24/08/2004. (23)... sabendo-se que surgiu num tempo em que trabalhador praticamente não tinha direito algum. P.2,24/08/2004 Os contextos envolvendo a variável [+/-DE] também foram encontrados nos dois tipos de textos, embora em número bem menor. Nas notícias, só foram encontrados três casos da variante [-DE NÃO CANÔNICO], elipse da preposição, dos quais dois aparecem em transcrição de língua falada, e nos editoriais só ocorre um caso da variante [+ DE CANÔNICO]. A variante padrão não ocorreu nas notícias, tal como não ocorreu na língua falada culta, nas duas sincronias observadas. Esse fato nos leva à necessidade de uma maior investigação em outros gêneros textuais, tanto na língua escrita como na língua falada, para melhor definir se realmente se trata de um caso de variação ou de mudança lingüística já bastante implementado no português do Brasil Comparando-se os resultados obtidos no corpus de língua escrita à pesquisa sobre a fala, nota-se que os indícios de mudança lingüística observados na fala culta já avançam, embora mais timidamente, para a língua escrita. Reafirma-se, portanto, a conclusão de Rocha :2000: Esses resultados demonstram a existência de uma gramática da modalidade oral do Português do Brasil, bem diferente do que

868 estabelece a tradição gramatical, apontando para uma reflexão sobre as práticas pedagógicas, com o objetivo de se ter um equilíbrio entre a prescrição e o uso deste tipo de estruturas lingüísticas. A pesquisa sobre esses fatos de variação deve seguir, incluindo também o português europeu, na tentativa de se descortinar e explicar esses fatos de variação. REFERÊNCIAS ARAUS, Maria Luz Gutiérrez. Sobre la elisión de preposición ante que relativo. LINGÜÍSTICA ESPAÑOLA ACTUAL VII.. n. 7, Madrid, 1985. p. 15-36. ARJONA, Marina. Anomalias en el uso de la preposition de en el español de México. ANUARIO DE LETRAS. n. 16, México, 1978. p 68-90. ARJONA, Marina. Usos anómalos de la preposition de en el habla popular mexicana. ANUARIO DE LETRAS. México, n 18, 1979, p. 1167-184. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. BENTIVOGLIO, Paola. Queísmo e dequeísmo en habla culta de Caracas. In: AID, F., & RESNICK, Melvyn C., (Orgs.) 1975 Colloquium on Hispanic Linguistics. Washington: Georgetown University Press, 1976. P 1-18. BENTIVOGLIO, Paola. El dequeísmo en Venezuela: un caso de ultracorreción? In: Boletim de filologia en homenaje a A. Rabanales. n. 31. Caracas: BUFUh,1980/81. 705-719. HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. KATO, Mary A. Recontando a história das relativas numa perspectiva paramétrica. In: ROBERTS, Ian & KATO, Mary (orgs.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. 2 ed. Campinas/SP: UNICAMP, 1996. LABOV,WILLIAM. Sociolinguistique. (Trad. francesa de Alain Kihm). Paris: Minuit, 1976. MOLLICA, Maria Cecília. (De) que falamos? Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ, Departamento de Lingüística e Filologia, 1995. MOLLICA, Maria Cecília. Queísmo e dequeísmo no português do Brasil. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, Departamento de Lingüística e Filologia, 1989. PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1995. RABANALES, Ambrósio. Queísmo y dequeísmo en el español de Chile.In: Estudos filológicos e lingüísticos. Caracas: Instituto Pedagógico, 1974. p. 413-44. ROCHA, Eva Maria Nery. O uso de preposições em fronteiras sentenciais na fala culta de Salvador: análise em duas décadas. Dissertação (Mestrado em Letras) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2000.