RISCOS À SÁUDE DOS TRABALHADORES RURAIS: o cultivo de maracujá em pequenas comunidades rurais na Paraíba 1 Resumo Rodrigo Brito da Silva Graduando do Curso de Geografia da UFPB. Bolsista PIBIC/CNPq Membro do CEGeT-PB rodrigogeo@live.com Maria Franco Garcia Professora do DGEOC/PPGG/ UFPB Coordenadora do CEGeT-PB mmartillo@gmail.com No Brasil, o uso massivo de agrotóxicos tomou proporções assustadoras na última década, transformando o pais no maior consumidor mundial de venenos e principal destino de produtos banidos no exterior. Além do mais, esse processo de envenenamento do espaço agrário está associado à concentração da terra e, ambos os processos, se intensificam na atualidade. O clima seco da região semi-árida permite o cultivo de frutas tropicais, como o maracujá, pela sua resistência ao clima e a quantidade de água controlada. Todavia, muitos agricultores de base familiar usam agrotóxicos irregulares nessa cultura. O controle de pragas é feito com herbicidas, fungicidas e até com medicamentos utilizados em animais, como no Sitio Olho d Agua no município de Picuí, os carrapaticidas. Devido a isto, os riscos para a saúde humana se triplicam. Palavras-chave: agrotóxicos, espaço agrário paraibano, agricultura de base familiar Introdução De acordo com a Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural (ASBRAER, 2011), o cultivo de maracujá-amarelo ou 1 Esse texto faz parte da pesquisa em desenvolvimento junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFPB), intitulado Conflitos Territoriais no Campo Paraibano: faces da degradação da natureza e do trabalho e do plano de trabalho: Uso de Agrotóxicos no Espaço Agrário do Seridó: rebatimentos para o ambiente e saúde dos trabalhadores rurais. Também, integra o Projeto Casadinho/PROCADE intitulado A questão agrária brasileira no século XXI: dinâmicas e conflitos territoriais, sob a orientação da Profª. Drª. María Franco García.
maracujá-azedo (Passiflora edulis Sims f. flavicarpa Deg), na Paraíba despontou como uma alternativa para a agricultura de base familiar. Segundo os dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado da Paraíba (EMATER/PB) no ano de 2009 houve uma produção total de 4.148 toneladas, numa área de 403 hectares, cultivados principalmente com sistema de irrigação, contando com de 338 agricultores familiares assistidos pela EMATER/PB, principalmente no Semi-arido. O clima seco da região semi-árida permite o cultivo de frutas tropicais, como o maracujá, pela sua resistência ao clima e a quantidade de água controlada. No campo as lagartas constituem sério problema no início da cultura. Outras pragas de menor importância são os percevejos, mosca do fruto e ácaros. A fusariose e a podridão do colo são as doenças mais sérias do maracujazeiro, e o único controle é o arranque e queima das plantas atacadas. A fusariose provoca murcha imediata, deficiência de água, colapso e morte das plantas em qualquer estágio de desenvolvimento. Sua importância dá-se pela queda do período produtivo de 4 a 5 anos para 3 a 2, pela morte das plantas, bem como o difícil controle do patógeno, pois este é capaz de sobreviver no solo por longo tempo. A fusariose é o motivo do constante deslocamento da cultura para regiões endemes, caracterizando a cultura como itinerante (EMBRAPA, 2011). Todavia, para que isso não ocorra muitos agricultores usam agrotóxicos irregulares na cultura do maracujá. O controle de pragas é feito com herbicidas, fungicidas e até com medicamentos utilizados em animais, como no Sitio Olho d Agua, os carrapaticidas. Devido a isto, os riscos para a saúde humana se triplicam. A descoberta do maracujá aparece como uma alternativa para os pequenos produtores paraibanos, na esperança de uma melhor condição de vida, alguns municípios no estado se destacam nesse tipo de cultivo, dentre eles alguns tiveram um aumento em sua área plantada nos últimos anos, como por exemplo, o município de Cuité localizado no agreste paraibano a 235 km da capital João Pessoa, teve um crescimento de 200%. O cultivo de maracujá em Picuí iniciou-se no ano de 2010. O aumento da área plantada por município pode ser visualizada na Tabela 1: Tabela 1 Principais municípios produtores de maracujá no estado da Paraíba, 2010
Município Área Plantada em ha. 2009 Área Plantada em ha. 2010 Araruna 95 há 115 há Alhandra 47 há 47 há Cacimba de Dentro 50 há 60 há Cuité 15 há 60 há Jacaraú 15 há 15 há Lagoa Seca 16 há 35 há Picuí - 60 há Nova Floresta 80 há 80 h Fonte: IBGE Cidades, 2012 Org: SILVA, R.B. A Revolução Verde atrelada á modernização da agricultura colocou os agrotóxicos no pacote tecnológico do pais. A expansão do capital no campo obrigou, ao tempo que capacitou, aos pequenos produtores e agricultores de base familiar a se inserirem em um novo modelo de produção agrícola. Nele o uso de defensivos químicos transformou-se em uma constante. A terra foi forçada a produzir muito em pouco tempo atendendo as necessidades do mercado, a produtividade por hectare aumentou exponencialmente assim como a freqüência das colheitas. Os agricultores de base familiar e camponeses, com propriedades menores direcionadas tradicionalmente para a produção de alimentos também foram alvo do pacote de insumos do processo de modernização do campo que a Revolução Verde impus, especificamente o uso de venenos químicos nas lavouras. Com a subsistência ameaçada seja, por fatores climáticos associados á falta de investimento público, ou pelo reflexo de uma estrutura fundiária concentrada na mão de poucos, muitos agricultores procurando a qualidade do produto imposta pelo mercado recorreram a praticas próprias das grandes monoculturas capitalistas como é o uso de agrotóxicos, abrindo mão de práticas naturais herdadas e da tradição camponesa. No caso das pequenas propriedades de produção de maracujá na Paraíba, esse novo cultivo apresenta particularidades muitas vezes desconhecidas pelos pequenos produtores. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA (2012) lagartas, percevejos, besouros e moscas, são as principais pragas que atingem o cultivo do maracujá. Para combatê-las é indicado um tratamento com inseticidas fabricados sob as exigências do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) um dos órgãos responsáveis no Brasil pela regulamentação do uso de
agrotóxicos no Brasil. Além dessas pragas os ácaros representam uma ameaça para o cultivo do maracujá, já que ainda não existem agrotóxicos registrados pelo MAPA. Os acaricidas utilizados em maracujazeiros são baseados em resultados experimentais (EMBRAPA, 2012). Nesse contexto, os agricultores de base familiar e os pequenos produtores, buscando soluções para os problemas na produção para a comercilização, entendem que os agrotóxicos aparecem para resolver um dos problemas, todavia gera um muito maior para a sua saúde, para a natureza e, em última instancia, para a sociedade como um todo. O uso dessas substâncias químicas na agricultura apresenta-se como uma solução perfeita onde a segurança da produção está garantida, entretanto é preciso destacar que esses venenos foram desenvolvidos para matar organismos vivos e que seu uso deve ser bastante restrito, com conhecimento e cautela. O uso de agrotóxicos nas lavouras além de comprometer o solo e o produto que chega à mesa do consumidor, repercute diretamente sobre a saúde dos trabalhadores camponeses expostos cotidianamente aos seus efeitos. Pela falta de recursos, conhecimento e orientação técnica oficial, esses trabalhadores aplicam os venenos de forma incorreta, sem a devida proteção (EPI- Equipamentos de Proteção Individual), desviando o uso prescrito para outros usos. Comprometendo assim a sua saúde e a do seu entorno, desde a preparação do solo até a colheita. Sem recursos para investir na produção o agricultor familiar procura novos mecanismos para continuar vivo na competição do mercado, e é ai que mora o perigo, identificamos uma forma proteção contra pragas, desleal com o consumidor e consigo mesmo. O município de Alhandra destaca por apresentar quase a totalidade os estabelecimentos agropecuários e, portanto, das áreas de cultivo de maracujá sob a influencia dos agrotóxicos, como mostra a Tabela 02: Tabela 2 Número de estabelecimentos agropecuários que usaram agrotóxicos nos principais municípios produtores de maracujá Municípios Utilizou Agrotóxicos Totais Estabelecimentos Araruna 99 125
Alhandra 19 20 Cacimba de Dentro 59 152 Cuité 11 32 Lagoa Seca 3 41 Nova Floresta 38 57 Picuí 22 51 Jacaraú 5 36 Fonte: IBGE/SIDRA Org.: SILVA, R.B. A espacialização do cultivo de maracujá no estado é apresentada no Mapa 01 na página seguinte. Mapa 1 Espacialização dos principais municipios paraibanos produtores de maracujá, 2012
Os impactos negativos com a natureza, como as praticas que prejudicam o solo, contaminam as águas superficiais e subterrâneas e o ambiente, como a constante e crescente concentração fundiária, propiciaram ao mesmo tempo a mobilização de trabalhadores rurais, camponeses, sem terras um movimento de resistência. Além, dos pequenos agricultores de base familiar que resistiram a esse processo e garantiram que práticas hoje definidas como agroecológicas se perpetuasse ao longo do tempo, muitos produtores familiares incorporaram a receita da Revolução Verde nas suas plantações, intensificando o uso de defensivos e fertilizantes químicos para garantir a sua produção. Agrotóxicos, defensivos ou venenos? Nosso objetivo nessa pesquisa é procurar entender um conflito latente no campo paraibano que é o uso de agrotóxicos, tanto nas grandes propriedades do agronegócio monocultor como nas pequenas unidades de produção camponesa e familiar, que
representam uma das faces da violência contra os trabalhadores e agricultores familiares no estado, sobre a sua saúde, e de suas famílias. A questão-problema parte da constatação de que o uso de substancias tóxicas gera riscos para aqueles que as manipulam. Se esse uso for destinado à produção de alimentos, o risco que os venenos causam incide sobre os trabalhadores que os aplicam, a comunidade em volta que sofre com a sua presença no ambiente, o consumidor final do alimento contaminado e a terra, água e ar poluídos resultado dessa prática. As substancias tóxicas são venenos que, ao entrar em contato com um ser vivo, produzem lesões, enfermidades e alterações no organismo e na psique e ao entrar em contato com a natureza a degradam e poluem. As substâncias tóxicas usadas na agricultura recebem o nome de agrotóxicos, e não são mais do que venenos agrícolas. Uma realidade alarmante, uma pequena produção de base familiar, mas totalmente dependente do uso de agrotóxicos em todas as fases desde a preparação do solo, até dias antes da colheita, com o discurso de segurança da produção, o uso descontrolado de vários tipos de agrotóxico, o termo agrotóxico é definido pela Lei Federal nº 7.802 de 11/07/89, como sendo: Os produtos e os componentes de processos físicos, químicos ou biológicos destinados aos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, pastagens, proteção de florestas e também em ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora e da fauna, a fim de preservá-la da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como aqueles empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores do crescimento. Essa definição passou a ser utilizada no campo, para intitular todos os venenos utilizados, seja os adequados para a cultura em questão, seja os ilegais ou até mesmos os venenos que são fabricados para outra necessidade, criminosamente utilizados como defensivos na produção de alimentos. Entendemos por agrotóxicos, substâncias desenvolvidas a fim de controlar o desenvolvimento das pragas ou matar diretamente outros organismos nocivos à produção, e não entendendo como essa prática pode ser benéfica, tanto ao meio ambiente como ao trabalhador que controla a aplicação,
manutenção e colheita da produção, medicamentos de uso humano ou veterinário estariam fora desta denominação. Os produtores inseridos nessa competição necessitam desenvolver mecanismos viáveis em sua pequena produção, e é ai que mora o perigo, nos deparamos com o uso de Carrapaticidas (veneno de uso veterinário),mesmo que na sua embalagem o fabricante que no caso é a Fortdodge estabelece uma série de precauções a quem for manusear o veneno, aparecem: Evitar a contaminação de alimentos e material de ordenha; Evitar contato com a pele do operador especialmente antes de diluir o produto; Não usar a embalagem vazia; Evitar pulverização contra o operador. Lembrando que além do veneno não ser adequado para a agricultura, todas essas precauções são ignoradas no dia a dia, do trabalhador rural, que não dispõe sequer de um kit EPI (Equipamentos de Proteção Individual) uma necessidade básica que ainda não é uma realidade, duas dificuldades existentes nesse processo, primeiro a resistência do trabalhador rural a se dispor a utilizar equipamentos de proteção, segundo um conhecimento coletivo dos riscos contra a sua própria saúde, da comunidade e da nossa, que nos alimentamos diariamente. Esse risco se estende a outras etapas da produção, também existe risco de contaminação no transporte, armazenamento e destino das embalagens. Na Figura 1 a seguir, o líder em venda na região, pela facilidade que o trabalhador tem em encontrar acessível à venda e pelo preço baixo: Figura 1 Carrapaticida líder de vendas para o uso na agricultura
Fonte: Trabalho de campo,2012. Entretanto essa prática que está dando certo na produção se agrava na medida em que existe uma socialização o que gera um sério problema de saúde pública, segundo a Vigilância de Saúde Ambiental- Os agrotóxicos estão entre os mais importantes fatores de risco para a saúde da população, particularmente para a saúde dos trabalhadores expostos e para o meio ambiente - Sem capital para investir na produção o pequeno produtor procura novos mecanismos para continuar vivo na competição do mercado, o município possui uma característica muito comum da região, uma área produtiva muito pequena onde a segurança da produção tem uma importância ainda maior, com as estratégias de sedução, os agrotóxicos vem ganhando cada vez mais espaço nessas áreas, desencadeando uma série de impactos negativos tanto ao meio ambiente, como a saúde do trabalhador rural e sua família, o agrotóxico toma esse tipo de área sempre de forma semelhante, não existe tempo para orientação, consequentemente o uso é desordenado. Os efeitos dos agrotóxicos contra a saúde do trabalhador exposto no seu uso podem ser: a) de tipo agudo: a intoxicação é mais visível e aparece durante ou logo após o contato do individuo com o produto, com características bem marcantes e; b) de efeitos crônicos, que são aqueles que podem aparecer semanas, meses, anos ou até gerações após do período de uso/contato com o produto, com destaca o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas SINITOX (2007): [...] vale a pena ressaltar que os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde podem ser de dois tipos: efeitos agudos, que são aqueles mais visíveis e que aparecem durante ou após o contato da pessoa com o produto e apresentam características bem marcantes e efeitos crônicos, que podem aparecer semanas, meses, anos, ou até mesmo gerações após o período de uso/contato com o produto. ( p. 83)
Na propriedade visitada o Sitio Olho d Água, região serrana do município de Picuí- PB, microrregião do Seridó ocidental paraibano cerca de 250km da capital do estado, com podemos identificar sua localização no Mapa 1 a seguir: Essa propriedade representa uma resistência na região, tendo em vista que a maioria das propriedades está sem produzir, a seca sendo o fator determinante para o fracasso da produção, o meeiro Raimundo responsável pela produção de maracujá e tomate, possui apenas quatro hectares de maracujá plantado, não chegando a 50% do total de área da propriedade, o alto custo do investimento e a segurança da produção ameaçada explicam essa cautela, acompanhamos a primeira colheita que demorou seis meses até o maracujá ficar no ponto, considerando o uso de carrapaticida a cada quinze dias, a planta sofreu doze aplicações direta de um veneno impróprio, feito para matar organismos vivos. O tempo de replantio é de dois anos, ainda considerando a aplicação do veneno a cada quinze dias, em sua vida a planta sofrera quarenta e oito, aplicações.
Resultados Preliminares As preocupações continuam, de acordo com estudos, mesmo com o chamado uso adequado, o modelo convencional não está adaptado as necessidades humanas, como alerta o engenheiro agrônomo, Caporal: É sabido que as externalidades negativas relacionadas diretamente com o uso de agrotóxicos, constituem um problema de difícil equacionamento se não houver mudança no padrão técnico da agricultura. Enquanto o modelo convencional continuar sendo adotado, os impactos dos venenos agrícolas à saúde e ao meio ambiente não se resolvem, nem mesmo com o chamado uso adequado e/ou mediante ações educativas para o bom uso, o que está sendo amplamente demonstrado pela realidade. (Caporal,2003) O que nos faz pensar que as necessidades a serem cumpridas não são as humanas e sim as do mercado, um mercado onde o lucro é o objetivo, e que práticas desconhecidas são diariamente desenvolvidas, seja no processo de plantio com uso de venenos, seja no transporte, onde a falta de conservantes pode prejudicar a chegada do alimento a prateleira, esse alimento que se transforma em produto, tendo que ser produzido sobre qualquer custo e numa alta velocidade, imitando a indústria. Referências Bibliográficas Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural ASBRAER. Disponível em: <http://www.asbraer.org.br/noticias.php?n=26413>. Acesso em: [25.06.12] BOMBARDI, Larissa. Intoxicação e morte por agrotóxicos no Brasil: a nova versão do capitalismo oligopolizado. Boletim Data Luta, v. 45, p. 1-21, 2011 Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado da Paraíba EMATER/PB. Disponível em: <http://emater.no-ip.org/v3/>. Acesso em: [25.06.12] Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA. Disponível em:www.embrapa.br. Acesso em: [22/08/2012] Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX) e as intoxicações humanas por agrotóxicos no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 12 (1): 73-89, 2007.
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