ESCRAVOS NA TORNA-VIAGEM DA CARREIRA DA ÍNDIA: UMA PRIMEIRA ABORDAGEM ( )

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Transcrição:

ESCRAVOS NA TORNA-VIAGEM DA CARREIRA DA ÍNDIA: UMA PRIMEIRA ABORDAGEM (1504-1635) Marco Oliveira Borges Centro de História (UL) Centro de Estudos Geográficos, IGOT (UL)

1. QUANTIDADE E ORIGEM DOS ESCRAVOS EMBARCADOS O que diz a documentação normativa?

Navios (unidades) Tonelagem (tonéis) Tripulação N.º de escravos 1 200-300 Mestre 2 Piloto 2 Contra-mestre 1 1 300-400 Mestre 2 Piloto 2 Contra-mestre 2 1 400 ou mais Mestre 2 Piloto 2 Fonte: Regimento das Cazas das Índias e Mina. Manuscrito inédito. Pub. por Damião Peres, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1947, pp. 134-135.

Vi chegar um navio carregado de especiarias e que, em baixo, no porão, vinha cheio de Negros mouros, homens, mulheres, com os filhos, jovens rapazes e raparigas, de todos os tipos, em número de trezentos. Trouxeram-nos completamente nus, sem nada a cobri-los, porque não têm nenhuma crença ou vergonha [ ]. FONTE: Lisboa em 1514. O relato de Jan Taccoen van Zillebeke. Coord. de Jorge Fonseca, Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 2014, p. 124.

BNP, res-81-a.

Mapa com pormenor do Índico. Fonte: Abraham Ortelius, 1570 (BPL).

C a f r e s d e M o ç a m b i q u e. F o n t e : J e a n M o c q u e t, V o y a g e à M o z a m b i q u e [ ], p. 5 8. Planisfério de P. du Val, 1665.

C a r t a d e F i l i p e I I I a D. J o ã o C o u t i n h o, v i c e - r e i d a Í n d i a, d e 2 3 d e M a r ç o d e 1 6 1 8, s o b r e a s r e s t r i ç õ e s a o t r a n s p o r t e d e e s c r a v o s e e s c r a v a s, b e m c o m o a r e s p e c t i v a r e s p o s t a e s c r i t a e m G o a, a 1 1 d e F e v e r e i r o d e 1 6 1 9. F o n t e : A N T T, C C, p t. I, m ç. 1 1 6, d o c. 9 7.

2. VIDA DOS ESCRAVOS A BORDO Usados em diversos trabalhos pesados e perigosos. Trabalhavam nas bombas, mecanismos usados para extrair a água dos navios. Nas actividades de marear as naus e menear a artilharia. Eram usados em lutas contra inimigos. Serviam comida e bebida aos seus senhores. Outros não desempenhavam qualquer actividade, sendo transportados presos a ferros durante todo o trajecto.

ESCORBUTO (MAL DE LUANDA) A doença mais temida a bordo Nesta volta [1600] tivemos muitas calmarias, quasi um mês, onde passaram todas as naus muitos trabalhos, e enfadamentos, e em todas houve muitas doenças, particularmente uma a que chamam mal de Luanda [escorbuto], que ordinariamente dá nos escravos, da ilha de Santa Helena até Portugal, e também é mui comum em Angola [ ]. FONTE: Fr. João dos Santos, Etiópia Oriental e vária história de cousas notáveis do Oriente, Lisboa, CNCDP, 1999, p. 162.

I l h a d e S a n t a H e l e n a, s e g u n d o L i n s c h o t e n. A q u i v i v e r a m a l g u n s e s c r a v o s q u e f u g i r a m d o s n a v i o s.

3. GEOGRAFIA DO DESCAMINHO E DO CONTRABANDO DE ESCRAVOS Necessidade de se conhecer as rotinas do descaminho e do contrabando. Locais de escala, portos e enseadas situados algures no trajecto até Lisboa. O envolvimento das naus das Índias Ocidentais.

Angra numa gravura de Linschoten (c. 1589), impressa em 1595. F o n t e : A N T T, C o l e c ç ã o c a r t o g r á f i c a, n. º 9 6.

Área costeira entre Mafra e Sesimbra. Carta presente no Atlas da Costa de Portugal de João Teixeira, 1648 (MM).

S í t i o a r q u e o l ó g i c o d o A l t o d a V i g i a, s i t u a d o i m e d i a t a m e n t e a S u l d a p r a i a d a s M a ç ã s ( S i n t r a ). A p r a i a d a s M a ç ã s f u n c i o n o u c o m o a n c o r a d o u r o e d e s e m b a r c a d o u r o o c a s i o n a l e n t r e o s s é c u l o s X V I - X I X.

C o m p l e x o g e o g r á f i c o n o B a i x o Va l e d o Te j o. A s m e r c a d o r i a s i l e g a i s o u n ã o d e c l a r a d a s t i n h a m d e s e r d e s c a r r e g a d a s a n t e s d a c h e g a d a a L i s b o a. F o n t e : J o r g e F r e i r e, À v i s t a d a c o s t a. A p a i s a g e m c u l t u r a l m a r í t i m a d e C a s c a i s, 2 0 1 2, p. 2 2.

Costa de Sintra e Cascais numa carta do atlas da Península Ibérica de Pedro Teixeira, 1634.

Em décadas recentes foi usada por traficantes de droga para se descarregar fardos que eram levados pela serra de Sintra. Praia do porto do Touro. Foi usada desde a Idade do Ferro até aos nosso dias.

Vista da Galiza com destaque para Vigo. Fonte: Fernando Ojea, Descripcion del reyno de Galizia, c. 1603 (BNE). Venda de escravos em Vigo. Setembro e Outubro de 1603.

Área costeira da barra do Tejo. João Teixeira, 1648 (MM).

Vista para o Paço da Ribeira e Casa da Índia. Fonte: Georg Braun e Frans Hogenberg, Civitates Orbis Terrarum, vol. I, 1572 (ICGC).

OBSERVAÇÕES FINAIS Escravos aparecem desde muito cedo na torna-viagem da carreira da Índia. Chegaram a superar, em número, a população portuguesa de várias naus. Origem dos escravos: Índia, China, Moçambique, Angola, Santiago, etc. A legislação não era respeitada. Geografia do descaminho e do contrabando: Açores, Sintra, Cascais, Sesimbra, etc. A importância dos portos de média e pequena dimensão. História local e estudos portuários: procura por referências à vinda de escravos.

PARA MAIS INFORMAÇÕES: marcoliveiraborges@gmail.com https://lisboa.academia.edu/marcooliveiraborges https://www.researchgate.net/profile/marco_oliveira_borges https://sintraecascais.wordpress.com