DO SUL DE MINAS GERAIS E DE SUAS MISTURAS

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Transcrição:

DETERMINAÇÃO Determinação DAS COMPOSIÇÕES das composições físico-químicas FÍSICO-QUÍMICAS de cachaças... DE CACHAÇAS 1089 DO SUL DE MINAS GERAIS E DE SUAS MISTURAS Determination of the physical-chemical composition of homemade cachaças produced in the South of Minas Gerais and their mixtures Fernando José Vilela 1, Maria das Graças Cardoso 2, José Masson 3, Jeancarlo Pereira dos Anjos 4 RESUMO Este trabalho teve por objetivo a determinação da composição físico-química de cachaças artesanais produzidas no sul do Estado de Minas Gerais e suas misturas. Foram analisados os teores de etanol, acidez volátil, aldeídos, cobre, ésteres, álcoois superiores totais e metanol, além dos álcoois propanol-1, isobutanol e 3-metil-butanol-1. Os resultados apresentam o perfil peculiar desta bebida, que apresentou teores satisfatórios de álcoois superiores, ésteres e aldeídos. O teor de cobre apresenta-se como preocupante já que algumas amostras excederam o limite de 5 mg.l -1. A produção de misturas foi estudada e esta apresenta-se como uma alternativa viável ao produtor e cooperativas. Termos para indexação: Cachaça, controle de qualidade, cromatografia. ABSTRACT The present study sought the physical-chemical composition of homemade cachaças produced in the south of the state Minas Gerais and of mixtures of the same cachaça samples. The ethanol, aldehyde, copper, higher alcohol, volatile acid and methanol concentrations were determined, in addition to the individual propanol, 2-methyl-1-propanol and 3-methyl-1-butanol concentrations. The results demonstrated the characteristic profile of this beverage, which presented satisfactory concentrations of higher alcohols, esters, and aldehydes. The copper concentrations of some samples exceeded the limit of 5 mg. L -1. The mixtures produced from some of the cachaça samples presented a viable alternative for the producers and cooperatives because the concentrations of the components were more adequate for exportation. Index terms: Cachaça, quality control, chromatography. (Recebido em 4 de outubro de 2005 e aprovado em 3 de outubro de 2006 INTRODUÇÃO A Instrução Normativa número 13, de 29 de junho de 2005, define como cachaça a bebida com graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida de destilado alcoólico simples ou pela destilação do mosto fermentado de canade-açúcar, podendo ser adicionada de açúcares até seis gramas por litro (BRASIL, 2005a). A globalização tem influenciado consideravelmente nos hábitos de consumo de pessoas do mundo todo. Isto faz com que se necessite de um maior controle e conhecimento de produtos comercializados no mercado interno e externo, devendo se efetuar técnicas de padronização, especificação e certificação (FERNANDES et al., 2005). A cachaça é a bebida destilada mais consumida no Brasil. Estima-se um consumo de dois bilhões de litros anualmente, envolvendo um capital de dois bilhões de dólares, distribuídos em todas as classes sociais (DRINKS..., 1994; IMPACT..., 1996). A produção de cachaça de modo artesanal resulta em algumas peculiaridades no produto final. Trabalhos de Faria (1989) relatam que o cobre usado nos destiladores catalisa algumas reações e retira alguns odores desagradáveis encontrados em cachaças produzidas em alambiques de outros materiais, como o aço inoxidável e outros. Em conseqüência do uso destes destiladores, um dos maiores problemas encontrados nas cachaças artesanais é o excesso deste metal. Vários produtores utilizam diferentes materiais para retirar o excesso de cobre. Dentre os mais comuns encontra-se o carvão ativado e as resinas de troca iônica. Dados de Lima et al. (2006) mostraram que as resinas se apresentam como a melhor opção para retirar o excesso de cobre, influenciando pouco na concentração dos congêneres. 1 Graduado em Química Departamento de Química/DQI Universidade Federal de Lavras/UFLA Cx. P. 3037 37200-000 Lavras, MG nandodemolay@yahoo.com.br Bolsista de Iniciação Cientifica pelo CNPq. 2 Doutora em Química Orgânica, Professor Associado Departamento de Química/DQI Universidade Federal de Lavras/UFLA Cx. P. 3037 37200-000 Lavras, MG mcardoso@ufla.br 3 Mestre em Ciência dos Alimentos Centro Federal de Educação Tecnológica de Cuiabá Br 364, Km 329 78106-000 São Vicente da Serra, MT masson_cefetcuiaba@yahoo.com.br 4 Graduando em Química Departamento de Química/DQI Universidade Federal de Lavras/UFLA Cx. P. 3037 37200-000 Lavras, MG jeancarloufla@yahoo.com.br Bolsista de Iniciação FAPEMIG.

1090 VILELA, F. J. et al. Na cachaça são encontradas inúmeras substâncias. Algumas apresentam características indesejáveis, dentre essas estão o formaldeído e o carbamato de etila e o furfural, potencialmente carcinogênicos. Dentre os narcóticos estão o formaldeido e o benzaldeído. Estes compostos fazem parte da fração orgânica da bebida e sua produção pode ser influenciada pela cana-de-açúcar, pela fermentação, pelo método de destilação e pelo envelhecimento (CARDOSO, 2006; SIEBALD et al., 2002). Os álcoois superiores com 3 a 5 átomos de carbono são freqüentemente encontrados em bebidas destiladas. Estes, conhecidos com o óleo fúsel, geralmente apresentam um odor característico de flores, e, juntamente com os ésteres, são responsáveis pelo flavour da cachaça. Os principais álcoois superiores encontrados em cachaças são os álcoois isoamílico (2-metilbutanol-1), amilico (pentanol), isobutílico (2-metilpropanol-1) e propílico (propanol) (PIGGOTT et al., 1989). Trabalhos de Sousa et al. (1978) descrevem que grandes quantidades de óleo fúsel diminuem o valor comercial e a qualidade das cachaças e que o teor de álcoois superiores normalmente deve acompanhar proporcionalmente os ésteres em uma cachaça de boa qualidade. Segundo Giudici et al. (1990), a produção de álcoois superiores parece ser uma característica das leveduras em geral, e as quantidades produzidas variam com as condições de fermentação, com o gênero, espécie, e provavelmente com a cepa utilizada. Estes analisaram a capacidade de produção de álcoois superiores em 100 cepas de Saccharomyces cerevisae e constataram que a produção de álcool superior é uma característica individual da cepa. Estes resultados foram confirmados por Oliveira (2001). Diante do exposto, com o presente trabalho objetivou-se determinar as composições físico-química de cachaças produzidas artesanalmente no sul de Minas Gerais e de suas misturas. MATERIAL E MÉTODOS Foram coletadas vinte e uma amostras de cachaças aleatoriamente em diferentes regiões do Sul de Minas Gerais, Brasil. Realizaram-se as análises de grau alcoólico, acidez volátil, cobre, metanol, álcool superior, ésteres e aldeídos segundo metodologia de Brasil (2005b). Todas as análises foram realizadas em triplicata. Os álcoois superiores propanol, butanol, 2- metilpropanol-1 e 3-metilpentanol-1 foram identificados e quantificados por cromatografia gasosa no cromatógrafo Shimadzu CG 17A, injeção manual, detector de ionização de chama (FID), coluna DB-WAX, fase estacionária polietileno glicol (30 m x 0,25 mm x 0,25 mm). A temperatura foi de 150 0 C para o injetor e o detector. O programa de temperatura utilizado foi de 60 0 C (2,5 min), subindo 2 0 C min -1 até 80 0 C (2,0 min). O volume de amostra injetado foi de 1,0 ml; a taxa de split foi de 1:30; os gases utilizados foram: para arraste o nitrogênio e para a formação de chama, o hidrogênio e ar sintético; todos com pressão de 3 kgf. cm -2 ; o fluxo de coluna foi de 1,38 ml min -1, a pressão 14,9 psi e a velocidade linear foi de 32,73 cm s -1. Os padrões utilizados foram das marcas Merck para o propanol, butanol, 3-metilbutanol-1 e pentanol e Supelco para o 2-metilpropanol-1. Construíram-se curvas analíticas plotando-se a área do cromatograma versus a concentração da solução. Foi preparada uma mistura com as cachaças que apresentavam um menor teor de cobre, visando um produto que atendesse à legislação vigente. RESULTADOS E DISCUSSÃO Perfil físico-químico das cachaças analisadas Os resultados das análises físico-químicas mostraram a diversidade das cachaças sul-mineiras, representando o espaço amostral amplo. Os resultados estão apresentados na Tabela 1. Com relação à concentração de ésteres, percebe-se que as cachaças analisadas não apresentam quantidades acima do limite máximo permitido pela legislação, que é de 150 mg.100 ml -1 de álcool anidro. Este resultado era esperado, já que todas as cachaças utilizadas eram recémdestiladas, e a concentração deste composto aumenta durante o envelhecimento. A concentração de aldeídos na maioria das amostras não apresenta-se em excesso, porém, quatro amostras estão em situação preocupante. Estas são as amostras 20 e 15 (acima do teor máximo permitido) e as amostras 16 e 5 (com concentração relativamente alta). O valor máximo permitido pela legislação é 30 mg.100 ml -1 de álcool anidro. O aldeído é um composto que diminui a qualidade da cachaça e, quando ingerido, interfere no sistema nervoso central, portanto é importante quantificálo, sendo que sua concentração deverá ser o mínimo possível. Com relação aos álcoois superiores, pode-se perceber que nenhuma amostra tem concentração superior ao valor máximo permitido. (360 mg/100 ml álcool anidro). A baixa concentração de álcoois superiores pode estar relacionada com os cuidados no corte da cana, assim como no tempo de espera para a moagem e fermentação.

Determinação das composições físico-químicas de cachaças... 1091 TABELA 1 Concentrações dos congêneres nas amostras analisadas. Cachaças Grau Alcoólico Cobre mg.l -1 Real a 20 ºC % v/v Acidez Volátil mg.100ml * Álcool Superior mg.100ml Aldeídos em Aldeído Acético mg.100ml Ésteres em Acetato de Etilamg.100mL Álcool Metílico mg.100ml 1 5,210 ± 0,104 42,00 ± 0,84 81,370 ± 1,627 181,100 ± 3,622 15,920 ± 0,318 59,080 ± 1,182 0,005 ± 0,001 2 8,190 ± 0,164 42,50 ± 0,85 77,400 ± 1,548 127,900 ± 2,558 11,270 ± 0,225 31,730 ± 0,635 0,001 ± 0,001 3 0,810 ± 0,016 46,00 ± 0,92 34,920 ± 0,698 204,600 ± 4,092 8,400 ± 0,168 26,510 ± 0,530 0,012 ± 0,001 4 8,230 ± 0,165 40,00 ± 0,80 93,710 ± 1,874 137,530 ± 2,751 18,240 ± 0,365 80,957 ± 1,136 0,014 ± 0,001 5 6,780 ± 0,136 42,00 ± 0,84 56,820 ± 1,136 260,920 ± 5,218 28,830 ±0,577 41,850 ± 0,837 0,015 ± 0,001 6 1,210 ± 0,024 38,00 ± 0,76 68,440 ± 1,369 189,030 ± 3,781 4,380 ± 0,088 57,310 ± 1,146 0,002 ± 0,001 7 5,110 ± 0,102 44,00 ± 0,88 34,770 ± 0,695 296,300 ± 5,926 17,750 ± 0,355 45,540 ± 0,911 0,012 ± 0,001 8 4,770 ± 0,095 41,00 ± 0,82 93,290 ± 1,866 213,830 ± 4,277 11,680 ± 0,234 88,780 ± 1,776 0,006 ± 0,001 9 7,570 ± 0,151 40,00 ± 0,80 30,600 ± 0,612 242,450 ± 4,849 18,380 ± 0,368 21,780 ± 0,436 0,020 ± 0,001 10 6,370 ± 0,127 43,00 ± 0,86 288,550 ± 5,651 124,000 ± 2,480 4,600 ± 0,092 92,090 ± 1,842 ND # 11 3,480 ± 0,070 44,00 ± 0,88 130,620 ± 2,612 171,640 ± 3,433 8,580 ± 0,172 78,210 ± 1,564 ND 12 5,140 ± 0,103 38,75 ± 0,78 79,770 ± 1,595 162,000 ± 3,240 10,990 ± 0,220 45,960 ± 0,919 0,029± 0,001 13 3,048 ± 0,061 47,00 ± 0,94 161,480 ± 3,230 136,180 ± 2,724 10,050 ± 0,201 110,240 ± 2,205 0,025± 0,001 14 0,480 ± 0,010 41,00 ± 0,82 18,290 ± 0,366 206,740 ± 4,135 2,950 ± 0,059 27,900 ± 0,558 ND 15 7,380 ± 0,148 41,00 ± 0,82 90,210 ± 1,804 173,180 ± 3,464 33,930 ± 0,679 77,560 ± 1,551 ND 16 5,720 ± 0,114 37,00 ± 0,74 112,700 ± 2,254 156,470 ± 3,129 27,820 ± 0,556 74,680 ± 1,494 ND 17 4,950 ± 0,099 44,00 ± 0,88 33,290 ± 0,666 170,420 ± 3,408 7,850 ± 0,157 24,750 ± 0,495 0,049± 0,001 18 1,320 ± 0,026 36,50 ± 0,73 79,640 ± 1,593 118,780 ± 2,376 14,620 ± 0,292 36,620 ± 0,732 0,005 ± 0,001 19 6,010 ± 0,120 40,00 ± 0,80 85,500 ± 1,710 231,560 ± 4,631 12,980 ± 0,260 39,600 ± 0,792 ND 20 9,010 ± 0,180 47,00 ± 0,94 70,670 ± 1,413 169,650 ± 3,393 41,130 ± 0,823 114,890 ± 2,298 0,004 ± 0,001 21 6,480 ± 0,130 44,00 ± 0,88 57,270 ± 1,145 238,710 ± 4,774 7,250 ± 0,145 50,400 ± 1,008 ND # ND = não detectado *.= Álcool anidro

1092 VILELA, F. J. et al. A análise do teor de acidez volátil mostrou que somente duas amostras apresentaram teor acima do permitido, que é de 150 mg.100 ml -1 de álcool anidro, sendo que a amostra 10 apresentou um teor muito elevado. Uma alta concentração de acidez volátil pode ser reflexo de uma má fermentação ou má higienização do alambique. A concentração de metanol apresentou valores bastante baixos ou quantidades não detectadas para todas as amostras. Este é um bom sinal, pois, como já foi mencionado, este álcool é extremamente indesejável. A presença do metanol na bebida pode estar ligada à má filtragem do caldo, o que possibilita a presença de bagacilhos no processo fermentativo, que podem ser degradados a metanol. Quanto ao grau alcoólico, somente duas cachaças apresentaram-se com teor abaixo do permitido, estando todas as outras dentro dos padrões. Os valores permitidos pela legislação são de 38 a 48% v/v de etanol. Os valores das concentrações de cobre são preocupantes. Diante das análises, constatou-se que quatorze amostras estão acima do limite permitido, três estão em condições limites e somente duas estão abaixo do índice ideal para a exportação. Este metal é proveniente de uma má assepsia do alambique, pois nos alambiques confeccionados com cobre, há normalmente a formação do azinhavre, carbonato básico de cobre [CuCO 3 (OH) 2 ], que, no momento da destilação, é arrastado pelos vapores ácidos e alcoólicos da cachaça. Preparação de uma mistura das amostras Para que se pudesse produzir um produto com composição aceitável, preparou se uma mistura com as cinco amostras que apresentavam menores teores de cobre. Esta mistura deve ser produzida com extremo controle da qualidade físico-química das cachaças utilizadas, e, conforme a concentração de congêneres desejados, deve-se calcular a quantidade de cada amostra utilizada. O resultado de três misturas com diferentes proporções das cinco cachaças com menor teor de cobre está apresentado pelo Gráfico 1. As misturas produzidas apresentaram concentrações aceitáveis de todos os componentes, viabilizando assim a sua comercialização. As proporções estão apresentadas abaixo: Mistura1: 20% amostra 13; 25% amostra 14; 25% amostra 3; 15% amostra 6; 15% amostra 18 Mistura2: 30% amostra 18; 30% amostra 3; 20% amostra 6; 10% amostra 14; 10% amostra 13 Mistura3: 30% amostra 18; 20% amostra13; 20% amostra 6; 15% amostra 14; 15% amostra13 Análises cromatográficas A análise dos álcoois superiores por cromatografia gasosa foi realizada somente para as cinco cachaças com menor teor de cobre e para a mistura preparada com igual proporção entre elas. Os resultados obtidos estão apresentados no Gráfico 2. GRÁFICO 1 Concentração de congêneres das misturas preparadas com diferentes proporções das cinco cachaças de melhor qualidade físico-química.

Determinação das composições físico-químicas de cachaças... 1093 GRÁFICO 2 Concentrações de álcoois superiores analisados por cromatografia gasosa. Pela análise dos dados do Gráfico 2, pode-se perceber que as amostras analisadas apresentaram os álcoois propanol-1, isobutanol e 3-metil-butanol-1 (isoamílico). Estes compostos são produzidos durante o processo fermentativo, sendo que suas proporções podem variar conforme a levedura utilizada (GIUDICI et al., 1990). As amostras analisadas apresentaram uma boa proporção entre esses álcoois, sendo que apenas a amostra III apresentou uma elevada concentração de propanol, o que, deprecia a qualidade da bebida. A quantificação do butanol- 1 na mistura, sendo que este composto não foi quantificado nas amostras individuais, pode ser indício de contaminação na amostragem ou na análise cromatográfica. CONCLUSÃO Com os resultados obtidos pode-se perceber que as cachaças analisadas apresentam boa qualidade físicoquímica, ressaltando-se que se deve dispensar uma atenção especial à concentração de cobre. A produção de uma mistura apresentou-se como uma boa alternativa para atender a demanda externa, desde que seja preparado a partir de cachaças com de boa qualidade. Com o aumento da demanda, este produto tende a apresentar cada vez mais características homogêneas, visando a padronização de um produto de qualidade, facilitando assim a produção de misturas. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer ao CNPq, FAPEMIG e aos produtores por cederam as amostras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Instrução normativa nº 13, de 29 de junho de 2005. Aprova o regulamento técnico para fixação dos padrões de identidade e qualidade para aguardente de cana e para cachaça. Diário Oficial da União, Brasília, jun. 2005a. BRASIL. Instrução normativa nº 24, de 08 de setembro de 2005. Manual operacional de bebidas e vinagres. Diário Oficial da União, Brasília, set. 2005b. CARDOSO, M. G. Produção artesanal de aguardente. Lavras: UFLA, 2006. DRINKS international. [S.l.], 1994. FARIA, J. B. A influência do cobre na qualidade das aguardentes de cana (Saccharum officinerum). 1989. Tese (Doutorado) Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.

1094 VILELA, F. J. et al. FERNANDES, A. P.; SANTOS, M. C.; LEMOS, S. G.; FERREIRA, M. M. C.; NOGUEIRA, A. R. A.; NOBREGA, J. A. Pattern recognition apllied to mineral caracterizaton of Brazilian coffes and sugar-cane spirits. Spectrochimica ACTA, Part B, [S.l.], 2005. GIUDICI, P.; ROMANO, P.; ZAMBONELLE, C. A biometric study of higher Alcohol production in Saccharomyces Serevisae. Canadian Journal of Microbiology, Ottawa, v. 33, n. 2, p. 61-64, Jan. 1990. IMPACT international. [S.l.: s.n.], 1996. LIMA, A. de J. B.; CARDOSO, M. G.; GUERREIRO, M. C.; PIMENTEL, F. A. Emprego do carvão ativado para remoção de cobre em cachaça. Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 247-250, 2006. OLIVEIRA, E. S. Características fermentativas, formação de compostos voláteis e qualidade da aguardente de cana obtida por linhagens de leveduras isoladas em destilarias artesanais. 2001. 135 f. Tese (Doutorado em Tecnologia de Alimentos) Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. PIGGOTT, J. R.; SHARP, R.; DUNCAN, R. E. B. The sciense and technology of whiskies. New York: Longman, 1989. SIEBALD, H. G. L.; CANUTO, M. H.; LIMA, G. M.; SILVA, L. B. B. Alguns aspectos toxicológicos da cachaça. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 23, n. 217, p. 59-62, 2002. SOUSA, L. G.; LLISTÓ, A. M. S. M. Alguns componentes do coeficiente não álcool da aguardente de cana: determinação por cromatografia de fase gasosa. Brasil Açucareiro, Rio de Janeiro, n. 3, p. 109, 1978.