ENSINO MÉDIO INTEGRADO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Fabrício Ramos do Nascimento 1 Eloisa Maia Vidal 2 1. Introdução A Secretaria de Educação do estado do Ceará (Seduc) implantou uma rede de Escolas de Ensino Médio Integrado a Educação Profissional (EEEP) em 2008, que hoje conta com 110 escolas e cerca de 45.000 alunos. Essas escolas, diferentemente das escolas de ensino médio regular, funcionam em tempo integral, com os alunos cursando as disciplinas de ensino médio no turno da manhã e as disciplinas dos cursos profissionalizantes no período da tarde. A partir de 2010, com a mudanças introduzidas no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), a Seduc também iniciou um processo de mobilização e estímulo para que os alunos da rede pública se submetessem ao Exame, com vistas a conseguir uma vaga nas instituições de ensino superior públicas ou, por meio do Prouni, nas instituições particulares. A adesão maciça por parte dos gestores escolares e toda a comunidade, fez com que nos últimos anos, o Ceará fosse um dos estados da federação que tem, proporcionalmente, mais alunos da rede pública inscritos no Exame. Esse trabalho de adesão encontrou nas EEEP local privilegiado para florescer e vem provocando uma mudança radical na missão inicial dessas escolas, que consistia na formação de profissionais técnicos de nível médio para atuar no mercado de trabalho. O interesse pelo Enem como política pública fez com que as EEEP redimensionassem sua missão, e hoje, parcela significativa de alunos frequentam essas escolas com o objetivo de ter acesso ao ensino superior, não manifestando interesse pela carreira técnica. Considerando o cenário da rede pública de ensino médio cearense, em que os alunos que frequentam as escolas de ensino médio regular possuem uma carga horária diária média de 5 horas e as escolas de ensino médio integrado à educação profissional, cujos alunos possuem uma carga horária diária média de 9 horas, as últimas começam a se destacar em relação aos resultados no Enem. O que vem chamando a atenção no período de aplicação do Enem (2010 2015) é que os resultados apresentados pelas EEEP não são uniformes, com algumas escolas obtendo bom desempenho para parcela expressiva dos alunos e outras que, apesar das mesmas condições e infraestrutura, não conseguiram bons resultados, especialmente na área de Ciências da Natureza. 9591
2 2. Objetivo e metodologia da pesquisa Este trabalho tem o objetivo de investigar aspectos relacionados à gestão pedagógica da área de Ciências da Natureza junto a coordenadores, professores e alunos de uma amostra de EEEP da rede pública do estado do Ceará, considerando os resultados do Enem para esta área de conhecimento. Caracteriza-se como uma pesquisa de natureza qualitativa e como um estudo de múltiplos casos, realizada em seis EEEP localizadas na cidade de Fortaleza, em bairros que abrigam população de baixa renda. O processo de seleção das escolas levou em consideração as médias das notas obtidas pelos alunos que participaram do Enem 2014 na área de Ciências da Natureza, sendo considerados os três melhores e os três piores resultados daquele ano. Em cada escola, foram entrevistados 10 alunos do 3º ano, 1 professor de Física, 1 de Química, 1 de Biologia e 1 coordenador pedagógico. Os envolvidos foram submetidos a entrevistas semiestruturadas, tendo sido elaborados três modelos de questionários, um para cada perfil envolvido (aluno, professor e coordenador). O instrumento aplicado aos alunos focalizava aspectos relacionados ao Enem e suas áreas de conhecimentos; junto aos professores procurou-se investigar aspectos relacionados a metodologias e às estratégias de ensino adotadas para o trabalho com a área de Ciências da Natureza e, por último, procurou-se indagar ao coordenador pedagógico sobre o planejamento das principais atividades docentes e que dificuldades o processo de ensino-aprendizagem da área enfrentava para o exame. 3. Resultados preliminares Os dados, a seguir apresentados, mostram as primeiras impressões dos alunos, professores e coordenadores acerca do Enem, como uma avaliação externa e que tem influência determinante sobre a vida escolar, especialmente pelo fato de a Seduc ter adotado como estratégia de gestão para avaliar os resultados alcançados pela escola e até mesmo estabelecer política de bônus. Quando os alunos foram indagados sobre a área do Enem que encontram mais dificuldades, Matemática foi a mais citada por todos e segundo alguns, não é nem por questão dos cálculos, mas é entender o que a questão está querendo dizer, ou seja, capacidade de leitura e interpretação de textos. O registro de déficits de conhecimentos relacionados aos domínios da matemática e a capacidade de leitura e interpretação de textos têm sido destacados em relatórios produzidos pelo Inep desde as primeiras aplicações do Sistema Nacional de 9592
3 Avaliação da Educação Básica (Saeb) (INEP, 2004). Considerando os valores desejados para o 3º ano do ensino médio, 375 para Língua Portuguesa e 400 em Matemática os resultados de 2011 se mostram abaixo em 30,5% e 33,9%, respectivamente, sendo a região Nordeste a que apresenta situação mais crítica. Sobre a área de Ciências da Natureza, os alunos defendem a proposta de ter mais aulas práticas e vão além, propondo ter aulas práticas de todas as matérias e também dinamizar mais para que a gente se interesse. Nesse sentido, percebe-se uma crítica efetiva acerca das práticas docentes, e que estas veem levando à desmotivação e desinteresse discente. Em muitas situações, a concepção de aulas práticas não se refere especificamente a aulas laboratoriais, mas a uma abordagem didática mais contextualizada e problematizadora, que suscite no aluno o interesse e a curiosidade pelo assunto. Os professores, por sua vez, quando indagados sobre o direcionamento das aulas para o Enem afirmam que na medida do possível a gente tenta contextualizar nossas aulas, principalmente de Física, tanto voltado para o dia a dia, quanto para o mercado de trabalho, como contextualizar nas questões do Enem voltado para a prov.... Com a adoção da matriz de referência do Enem, os docentes foram forçados a adequar desde o planejamento curricular e, principalmente as práticas pedagógicas, aos objetivos do exame, em que a interdisciplinaridade é o grande desafio. Os docentes sentem necessidade de ampliar além da sua área específica os assuntos abordados nas aulas, além da sua área específica e criar caminhos que favoreçam uma aprendizagem significativa para, dessa forma, contribuir com a formação de alunos críticos e que possam resolver problemas na sua comunidade e no seu local de trabalho. Sobre aspectos relacionados ao planejamento das aulas, um professor afirma que (...) o nosso planejamento, apesar da gente não ser professor da área técnica, a gente tenta voltar também um pouco do tempo em relação ao curso em si, então acaba que o planejamento não dá tempo só para pensar em Enem. Então eu acho que não é suficiente. Nas EEEP o currículo escolar possui duas vertentes: a base técnica e a base comum regular. Os professores relatam que, muitas vezes, não dá para fazer um trabalho focalizado no Enem, pois o curso técnico exige uma formação específica que se diferencia do conteúdo cobrado no exame nacional. 9593
4 Um coordenador pedagógico, por sua vez, relatou que as principais atividades voltadas para o Enem realizadas na escola consistem em se reunir com toda a equipe pedagógica da escola, coordenação, direção e os professores para traçar atividades e a gente vê o que é mais viável para se aplicar dentro da realidade da escola, estrutural e material. Também costuma se reunir com os alunos para ver quais as expectativas deles, quais sugestões de trabalhos podem desenvolver durante o ano dentro da escola para que eles possam ter êxito na prova do Enem. Quando indagado sobre a área do Enem que demanda mais trabalho pedagógico, outro coordenador afirma que Pela análise que a gente tem dos resultados da escola dos Enem anteriores, a área que mais tem dado esse trabalho para a escola é a área das Ciências da Natureza.... Os alunos chegam no Ensino Médio com falta de base, por exemplo, nas disciplinas de Física, de Química e de Biologia, o que dificulta a implementação do próprio currículo do Ensino Médio. Acaba os professores tendo que fazer antes um trabalho de nivelamento com esses alunos para preparar para eles absorverem esses conteúdos. Acaba um pouco atrasando esse conteúdo e dificulta realmente nessa preparação para o estilo da prova no estilo das questões. Os alunos chegam ao ensino médio com déficits de aprendizagem, principalmente, nas disciplinas de Ciências da Natureza. Geralmente as dificuldades estão relacionadas à ausência deste conteúdo no ensino fundamental. Nas EEEP os professores realizam um nivelamento para tentar preparar uma base de conhecimentos nos alunos nos seis primeiros meses do 1º ano. Em seguida, se inicia a matriz curricular do ensino médio, atrasando o conteúdo programado e cobrado pelo Enem. Para amenizar essa situação, as escolas adotam estratégias de ensino, como as oficinas dos sonhos, em que alunos e professores escolhem temas de interesse em comum para estudarem, além de aulões preparatórios nos fins de semana ou à noite. 4. Considerações Finais Na última década, as escolas públicas cearenses vêm se adaptando a seleção para o ingresso nas universidades públicas do país por meio do Enem. Professores, alunos e gestores vêm planejando e implementando novos métodos de ensino que consigam melhorar o desempenho dos alunos nessa avaliação. Embora a média de notas do Enem de muitos alunos que frequentam escolas públicas seja inferior à média dos alunos das escolas privadas, uma parcela desses jovens provenientes das escolas públicas graças as 9594
5 políticas de cotas está conseguindo ter acesso as principais universidades públicas, o que tem representado um avanço em termos de equidade educacional. No entanto, os dados levantados na pesquisa mostram que as boas práticas, que vem sendo desenvolvidas, dependem muito mais de iniciativas próprias de coordenadores e professores, do que de uma política de formação em serviço estabelecida pela Seduc visando elevar a qualidade dos serviços educacionais de forma igualitária para todos. Referências BRASIL. Ministério de Educação. Matriz de Referência do ENEM. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/matriz_referencia_ enem.pdf. Acesso em: 15 jan. 2016. CEARÁ. Secretaria de Educação. Lei n 14.273. de 19.12.08 (D.O. 23.12.08). Dispõe sobre a criação das Escolas Estaduais de Educação Profissional EEEP, no âmbito da Secretaria da Educação, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Ceará, Fortaleza, 19 dez. 2008. HAGUETTE, A. & PESSOA M. K. M. Des escolas, dois padrões de qualidade. Imprensa Universitária. Fortaleza 2005. MEC/ INEP. Qualidade da Educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 3 a série do Ensino Médio. Brasília, 2004. 1 Acadêmico do Curso de Mestrado em Ciências da Educação - Universidad Interamericana - fabramos1@yahoo.com.br 2 Profa. Dra. do Departamento de Física - Universidade Estadual do Ceará - eloisamvidal@yahoo.com.br 9595