Os Primórdios do Ensino Militar Brasileiro O Casarão da Várzea

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Transcrição:

Os Primórdios do Ensino Militar Brasileiro O Casarão da Várzea Juvêncio Saldanha Lemos A primeira escola voltada à formação de oficiais para a força terrestre no Brasil foi iniciativa de Dom Rodrigo de Souza Coutinho, Ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros do Príncipe Regente Dom João. O português teve a sensibilidade de ver que a ocupação e o desenvolvimento das terras brasileiras, imensas e ignotas, exigiam primordialmente a abertura de estradas, construções de pontes e de localidades, domesticação de rios, delimitações de fronteiras, coisas do gênero. Em suma, trabalho para engenheiros. E cuidava-se da cultura também, pois onde tem um engenheiro, tem um professor. No mesmo plano de importância, havia que assegurar a proteção física, armada, para essas realizações, sempre de olho nos castelhanos e nos índios. Trabalho para soldados. Assim, Dom Rodrigo decidiu entregar a formação de engenheiros ao Exército. Matavam-se dois coelhos com uma só paulada. E por Decreto de 4 de dezembro de 1810 foi criada a Academia Real Militar, que começou a funcionar Dom Rodrigo de Souza Coutinho no dia 23 de abril de 1811, nas instalações da chamada Casa do Trem, o Arsenal de Guerra da Corte. No ano seguinte, a Academia trocou de sede e de nome. Foi transferida para o Largo de São Francisco, também no Rio de Janeiro, com a denominação de Academia Real Imperial. No ano de 1822, o nome mudou para Imperial Academia Militar; em 1832, para Academia Militar da Corte; finalmente, em 1840, para Escola Militar. Na verdade, tais escolas, de militar só tinham o nome. O regime da escola era absolutamente paisano e o currículo total- 28 ANO XV / N 0 27

Brigadeiro Raimundo da Cunha Matos Imperial Academia Militar 1822 - Largo de São Francisco - Rio de Janeiro mente científico, com prioridade absoluta para a formação de engenheiros, a maioria dos quais, após diplomados, partiam para a vida civil. Nomeado comandante, em 1835, o calejado Brigadeiro Raimundo da Cunha Matos tentou militarizar um pouco a escola, mas uma conspiração de professores conseguiu o seu afastamento do comando. Aliás, a escola só tinha professores; o primeiro instrutor de armas só foi nomeado em 1839. O reconhecimento oficial dessa realidade, que não era a pretendida por Dom Rodrigo, veio em 1842: os fuzis e demais petrechos bélicos da escola, que só raramente saíam dos depósitos, foram mandados recolher ao Arsenal de Guerra, por desnecessários. Por isso, o Largo de São Francisco passou olimpicamente ao largo das campanhas militares da época, que não foram poucas nem supérfluas: a Revolução Pernambucana de 1817, a Guerra da Independência, a Confederação do Equador, a Guerra Cisplatina, a Cabanagem, a Revolução Farroupilha, a Sabinada, a Balaiada, as revoluções de 1842, em São Paulo e Minas Gerais, a Praieira. Como escreveu o Coronel Jeovah Motta:- É verdade que eram muito tênues, para não dizer inexistentes, então, as relações e correlações entre a Academia e o Exército. As guerras se sucediam e a elas a Academia era imune. Esse quadro irregular começou a mudar logo no início da segunda metade do século XIX, quando, resolvidas as questões políticas internas, o Brasil voltou-se para o exterior, consciente de que era um grande império, poderoso, estabilizado e com recursos inesgotáveis e que, portanto, não podia abdicar de seu papel de potência americana, com interesses estratégicos na região platina, que tinham que ser impostos e defendidos. Fora relativamente rápida e definitivamente vitoriosa a campanha de 1851/1852 contra Oribe e Rosas. Todavia, alertou o governo imperial que um ANO XV / N 0 27 29

exército forte seria necessário daí para a frente. Um exército integrado por oficiais competentes, bem formados e treinados, e que se dedicassem integralmente à profissão militar. E nada de tenentes bacharéis e capitães doutores. Tinha que dar uma remexida na formação dos oficiais. O Ministro da Guerra, em seu Relatório de 1851, escreveu: A nossa Escola Militar tem todos os elementos para fazer sábios; poucos, porém, para formar oficiais. O resultado foi o advento da Lei n o 634, de 20 de setembro de 1851, mandando criar, em Porto Alegre, RS, um Curso de Infantaria e Cavalaria, composto das matérias do 1 o Ano (Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria e Desenho) e do 5 o Ano (Topografia, Tática, Estratégia, Fortificação Passageira, História Militar, Direito Natural e das Gentes, e Desenho) da Escola Militar. Observe-se que a finalidade desse Curso não era propriamente a de formar oficiais, mas sim a de aprimorar intelectualmente os oficiais subalternos que haviam conquistado os seus galões nas duras lides dos corpos de tropa. Tanto que a maioria dos alunos matriculados era formada por capitães e tenentes. Algumas praças e civis também foram matriculados. Concomitantemente, um Curso similar foi criado na Praia Vermelha, RJ, com a denominação de Escola de Aplicação do Exército que, em 1860, foi mudada para Escola Militar e se tornaria o principal estabelecimento de ensino do Exército. Ficava assim a Escola Militar do Largo de São Francisco livre de atividades militares, podendo se dedicar, sem maiores ranços, à formação exclusiva de engenheiros, ainda que subordinada ao Ministério da Guerra. O nome foi alterado para Escola Central. No ano de 1874, foi passada à administração civil e no ano seguinte o nome foi trocado para Escola Politécnica, depois Escola Nacional de Engenharia. Escola Militar da Praia Vermelha, 1855 1904, retratada por Newton Coutinho em óleo sobre tela. 30 ANO XV / N 0 27

Escola de Guerra de Porto Alegre 1906-1910. Voltemos ao sul. O Curso de Infantaria e Cavalaria só começou a funcionar em 2 de abril de 1853, com 70 alunos. Não se sabe em que local, provavelmente algum prédio alugado na cidade. O currículo permaneceu muito teórico e científico, podendo-se até dizer que foi o primeiro curso superior a funcionar no Rio Grande do Sul. Tal pioneirismo cobrou preço: no dia 14 de julho de 1854, faleceu o professor capitão José Jacques da Costa Ourique, vitimado pela explosão de um balão de gás utilizado em suas experiências. Em 1858, uma nova reforma no ensino mandou centralizar na Escola Militar da Praia Vermelha toda a formação de subalternos. Por isso foi extinto o Curso, sucedendo-lhe, talvez para aproveitar a estrutura, um estabelecimento destinado a preparar alunos para ingresso na Escola Militar, cujo currículo, apesar das tentativas em contrário, continuava do- minado pela alta matemática. Aparecia com isso o conceito de Escola Preparatória no ensino militar brasileiro. Na verdade, tais cursos preparatórios já existiam no Exército, mas eram anexos às escolas militares. O curso criado em Porto Alegre, em 1858, com o nome de Escola Militar Preparatória, foi o primeiro a funcionar em estabelecimento próprio e de forma autônoma. Essa escola instalou-se em dois sobrados contíguos, lá no fim da Rua da Praia, atual Rua dos Andradas, mais ou menos defronte ao atual QG da Brigada Militar. Dois anos depois, o nome mudou para Escola Auxiliar e em abril de 1863, para Escola Militar Preparatória da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, com um currículo pesadíssimo a ser completado em dois anos. Ao fim do curso, o formando estava capacitado como subalterno de Infantaria e Cavalaria, com opção de prosseguir os estu- ANO XV / N 0 27 31

General Manoel Felizardo. dos na Praia Vermelha, se pretendesse a Artilharia ou Engenharia. De ressaltar que, no período de 1866 a 1874, essas escolas foram fechadas e seus efetivos em oficiais e alunos envolvidos pela Guerra do Paraguai como voluntários ou convocados. O fato é que essa guerra comprovou que a formação de subalternos no antigo Curso de Infantaria e Cavalaria, testada em combate, tinha dado certo. E o Exército decidiu investir nessa linha. Assim, foi retomada aquela formação, no mesmo local e com a mesma denominação de Curso de Infantaria e Cavalaria. A Escola Preparatória foi extinta. O General Manoel Felizardo, um bravo e respeitado veterano da guerra, muito pugnara para o fim desses cursos preparatórios, sempre afirmando, com base na sua inegável experiência, que para ingressar nos cursos de Infantaria e Cavalaria o candidato não precisava saber mais que as quatro operações. Mas foi voto vencido. E esse Curso de Infantaria e Cavalaria, com duração de dois anos, permaneceu irritantemente científico. Veja-se o currículo: Matemática Superior, Física, Química, Arte Militar, Balística e Topografia. O curso era equivalente ao da Escola Militar e, ao concluí-lo, o formando ia para a tropa como alferes-aluno. Mais um ano e era promovido a alferes. Esse Curso foi solenemente inaugurado no dia 24 de maio de 1874, com sede na chácara alugada de um tal Dr. Moraes, major aposentado, situada no caminho do Bom Fim, atual Avenida Osvaldo Aranha, aproximadamente na frente do atual auditório Araújo Viana. Um cronista da época a descreveu como... uma casa grande, com muitas janelas, tendo na frente, longe da moradia, uma linha de coqueiros altos, estando a casa bastante afastada da estrada. Foram matriculados dois capitães, cinco tenentes, nove alferes, dois sargentos, dois furriéis, cinco cadetes (praças especiais), cinco soldados e cinco paisanos. A turma veterana da guerra continuou insistindo quanto à desnecessidade de grandes ensinamentos teóricos e científicos. E que aquelas matemáticas... não tinham aplicação alguma no serviço próprio dos oficiais da Infantaria e Cavalaria. Conseguiram reduzir o curso para um ano. E mais: no dia 31 de março de 1877, foi alterada a denominação de Curso para Escola. No dia 7 de janeiro de 1879, a Escola saiu da chácara do Dr. Moraes, passando a ocupar o palacete da baronesa do Gravataí, arrendado por cinco anos ao preço de 4.000$000 anuais. Um prédio maior e com amplo terreno para exercícios militares, localizado onde hoje está o orfanato do Pão dos Pobres, então às margens do Rio Guaíba. Palacete da Baronesa de Gravataí. 32 ANO XV / N 0 27

Escola de Guerra de Porto Alegre em 1911, Foto de Hugo Freyler. Escola Militar de Porto Alegre na década de 1940/50 Antigo Casarão da Várzea Foto de Wessel. ANO XV / N 0 27 33

Escola Militar de Porto Alegre na década de 1940/50 Já havia praça ajardinada e chafariz Foto de autor desconhecido Vista aérea recente Vê-se na foto, o quadrilátero do Colégio Militar de Porto Alegre, antigo Casarão da Várzea. 34 ANO XV / N 0 27

Dois anos depois, o Curso foi extinto. Em seu lugar surgiu a Escola Militar da Província do Rio Grande do Sul, com uma missão bem mais complexa: formar oficiais das quatro Armas (Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia). Em 1889, essa denominação mudou para Escola Militar de Porto Alegre. Aí veio a República. As ideias de Benjamim Constant passaram a nortear o ensino no Exército, na que ficou conhecida como reforma filosófica. Um currículo teórico e pouquíssima prática, como se depreende do seu objetivo:... aperfeiçoar e complementar o ensino nas escolas destinadas à instrução e educação militar, de modo a atender aos grandes melhoramentos da arte da guerra, combinando as suas exigências com a missão altamente civilizadora, eminentemente moral e humanitária que de futuro está destinada aos exércitos no continente sul-americano. A primeira consequência disso foi envolver a juventude militar nas complicadas questões político-partidárias da época, mas o escopo deste trabalho não permite a abordagem desse assunto, que fica para outra oportunidade. Fontes consultadas BENTO, Claudio Moreira e GIORGIS, Luiz Ernani Caminha História do Casarão da Várzea (1885 2008) Academia de História Militar Terrestre do Brasil, 2009. CIDADE, General F. de Paula Cadetes e Alunos Militares através dos Tempos Bibliex, 1961. CORUJA FILHO (Dr. Sebastião Leão) Datas Rio-Grandenses SEC/RS, 1962. FRANCO, Sérgio da Costa Porto Alegre Ano a Ano Ed. Letra e Vida, 2012. MEDEIROS, Laudelino T. Escola Militar de Porto Alegre Editora da UFRGS, 1962. MOTTA, Coronel Jeovah Formação do Oficial do Exército Bibliex, 2001. SVARTMAN, Eduardo Munhoz Formação profissional e formação política na Escola Militar do Realengo in Revista Brasileira de História, SP, v.32, 2012. Revista do Clube Militar Número especial dedicado ao Sesquicentenário da Academia Militar das Agulhas Negras Jan/Mar 1961 nº 158 Rio de Janeiro. Pesquisa no Museu Histórico do Colégio Militar de Porto Alegre. Pesquisa no Museu Joaquim Felizardo Prefeitura Municipal de Porto Alegre. JUVÊNCIO SALDANHA LEMOS Nasceu em Porto Alegre, RS, no dia 24 de janeiro de 1940. Fez os estudos preliminar e ginasial no Colégio Anchieta. Assentou praça no Exército em março de 1956, mediante concurso para ingresso na Escola Preparatória de Porto Alegre (EsPPA). Prosseguiu os estudos na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN Resende, RJ), sendo declarado Aspirante-a- Oficial da Arma de Infantaria em 30 de dezembro de 1961 e destinado ao 17 o RI (Cruz Alta, RS). Como tenente, serviu no Batalhão Suez, integrante das forças de paz das Nações Unidas, em missão na Faixa de Gaza, Egito. Serviu em guarnições da fronteira brasileira, foi instrutor da Academia Militar, oficial do Gabinete do Ministério do Exército (Brasília, DF), comandou o 8 o BI Mtz (Santa Cruz do Sul, RS) e foi Chefe da 3 a Seção do Comando Militar do Sul (Porto Alegre, RS), função na qual foi transferido para a reserva, no posto de Coronel. ANO XV / N 0 27 35