Determinação Geodésica da Altitude da Linha de Preamar Média de 1831 LPM/1831

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Transcrição:

Determinação Geodésica da Altitude da Linha de Preamar Média de 1831 LPM/1831 Vagner Gonçalves Ferreira Mestrando em Ciências Geodésicas UFPR Universidade Federal do Paraná vgf@ufpr.br Obéde Pereira de Lima Doutor em Engenharia Civil FURG Fundação Universidade Rio Grande obede@vetorialnet.com.br Luiz Guimarães Barbosa Doutor em Engenharia de Transportes UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro luizgb@ufrrj.br João Gonçalves Bahia Msc em Engenharia Agrícola UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro jbahia@ufrrj.br Resumo - O Decreto-Lei N 9.760, de 15 de setembro de 1946, é o instrumento jurídico que trata dos bens imóveis da união. Este Decreto define como linha de referência demarcatória para os terrenos de marinha a isoípsa correspondente à da preamar média de 1831. A localização espacial desta linha de referência demarcatória é de resolução possível nos dias atuais. A partir de uma série de dados amostrados de maré de um ano ou mais é possível determinar a preamar média do ano de 1831. A metodologia adotada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) resulta em uma preamar média presumida, permitida pelas normas legais até o aparecimento de prova em contrário; esta metodologia do modo que vem sendo praticada está em desacordo com o Decreto-Lei acima referido. Assim, este trabalho tem por objetivo determinar a altitude da linha da preamar média de 1831, a partir da análise harmônica dos dados amostrados de marés, pela retrovisão das alturas horárias da maré utilizando as componentes harmônicas provenientes desta análise para o ano de 1831 e da variação secular do nível médio do mar, pois a referencia temporal é o ano de 1831. PALAVRAS-CHAVES: Terrenos de marinha; Maré; Observações maregráficas; Hidrografia. Abstract - Decree N º 9,760, of September 15 th, 1946, is the legal instrument that deals with the real properties of the union. This Decree defines as line of boundary reference for margen marine isoline corresponding to the average high-water in 1831. The space localization of this line of boundary reference is of possible resolution in current days. From a series of showed data of tide of one year or more it is possible to determine the average high-water of the year of 1831. The methodology adopted for the Secretariat of the Patrimony of the Union (SPU) results in an average high-water flaunter, allowed for the rules of law until the appearance of test in the opposite; this methodology in the way that it s been practiced is in disagreement with the Decree above related. Thus, this work has for objective to determine the altitude of the line of average high-water of 1831, from the harmonic analysis of the showed data of tides, for the return of the heights with time schedule of the tide using the harmonic components proceeding from this analysis for the year of 1831 and of the secular variation of the mean sea level, therefore the secular reference is the year of 1831. KEY-WORDS: Margen marine; Tide; Tidal gauge observations; Hydrography. 1. INTRODUÇÃO O estudo da demarcação de terras é de vital importância e responsabilidade para o profissional do ramo da Engenharia de Agrimensura. A ação de demarcação consta da determinação de linhas divisórias entre propriedades contíguas.

O Decreto-Lei de N 9.760, de 05 de setembro de 1946, BRASIL (1946), é o instrumento legal que trata dos bens imóveis da união. Entre outros bens imóveis, este decreto declara em seu Art. 2 : São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831:... Portanto, ao se demarcar tal terreno pertencente à União, deve-se adotar como linha de referência demarcatória a correspondente a da média aritmética das preamares do ano de 1831 (0h de 01 de janeiro de 1831 à 24h de 31 de dezembro de 1831). Durante todo o ano de 1831, foram realizadas medições sistemáticas das alturas do nível do mar, no porto da cidade do Rio de Janeiro, cujo objetivo foi o de definir o nível médio do mar naquela localidade. A partir de 1832 adotou-se como referência a linha de preamar média de 1831; até então, o referencial era à borda do mar nas marés de águas vivas (LIMA, 2002). Segundo MESQUITA (1997) os registros referentes às observações maregráficas no porto da cidade do Rio de Janeiro estão bem guardados no museu da Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil (DHN), na cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, porém, não existe um ponto materializado, onde todas estas alturas foram referidas, de tal modo que, essas observações estão perdidas no espaço. LIMA (2002) apresenta em sua tese sobre a metodologia para determinação geodésica da LPM/1831, fotografias deste maregrama como prova documental desta referência temporal. O Decreto-Lei supracitado diz a cerca da demarcação dos terrenos de marinha: Art. 9 - É da competência do Serviço do Patrimônio da União (SPU) a determinação da posição das linhas do preamar médio de 1831... (BRASIL, 1946). Sendo a SPU responsável pela demarcação dos terrenos de marinha, ela elaborou uma instrução normativa (IN N 2, de 12 de março de 2001) que disciplina a demarcação dos terrenos de marinha onde, no Art. 2, 2 diz: Na determinação da cota básica relativa à preamar média de 1831, deverão ser consideradas a média aritmética das máximas marés mensais (marés de sizígia) daquele ano... (BRASIL, 2001). Confrontando o Art. 2 do Decreto-Lei N 9.760 com o 2 do Art. 2 da IN N 2 teremos duas linhas de referência demarcatória dos bens dominicais, uma referente à média aritmética das preamares e outra à média aritmética das máximas preamares. 2. METODOLOGIA A metodologia empregada nesta pesquisa é a que foi desenvolvida por LIMA (2002) e constitui a sua Tese de Doutoramento em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, na Área de Concentração em Cadastro Técnico

Multifinalitário e Gestão Territorial. Este Trabalho buscou solucionar os problemas na demarcação dos terrenos de marinha e de seus acrescidos, existentes há quase dois séculos. 2.1. Área de Estudo A área de estudo escolhida para determinação da altitude da preamar média de 1831 foi a do Terminal da Ilha Guaíba, RJ. A escolha foi devido a um convenio realizado entre a UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para a regularização fundiária na Ilha da Marambaia, RJ. Neste local não havia observações maregráficas; para que fosse possível calcular a preamar média; portanto, foi necessária a busca de uma estação permanente de mensuração do nível do mar de longo termo, relativamente próxima. Sendo assim escolheu-se a estação do Terminal da Ilha Guaíba, cujas medidas permitiram estimar a preamar média na Ilha da Marambaia, sob a hipótese de que o nível físico do mar é o mesmo em ambas as localidades. Sendo assim, torna-se possível a demarcação dos terrenos de marinha que são bens imóveis pertencentes à União, pela determinação da linha de referência demarcatória, que é a isoípsa correspondente a da preamar média de 1831. 2.2. Obtenção dos Dados Amostrados de Maré Para que seja possível localizar a LPM/1831, é necessária a operação contínua de uma estação maregráfica em um período mínimo de um ano. No local escolhido como área de estudo era inviável a instalação e operação de uma estação maregráfica. Optou-se então por consultas a instituições que utilizam dados de marés em suas atividades rotineiras. Fez-se uma visita à DHN, localizada na cidade de Niterói, RJ, que dispõe de observações de maré realizadas no terminal da Ilha Guaíba, RJ (estação N 50165), no período de 01/02/1996 a 12/12/1996, existentes no Banco Nacional de Dados Oceanográficos (BNDO). Os dados maregráficos da estação Ilha Guaíba foram cedidos pela DHN o que possibilitou a realização deste trabalho, além da economia de recursos financeiros. As séries maregráficas foram analisadas, estatisticamente, quanto a médias, valores extremos, variâncias e desvios-padrão, avaliando-se a existência de valores espúrios que viessem a comprometer a qualidade das informações. Para as séries maregráficas observadas na estação do Terminal da Ilha Guaíba realizou-se uma análise visual criteriosa dos dados. Desse modo, utilizou-se o período de 01 de fevereiro de 1996 a 12 de dezembro de 1996 para a previsão (retrovisão) da maré. A localização e as características da estação maregráfica são as seguintes: a) Descrição de Estação Maregráfica contida na ficha (mod. DHN 6016 A); b) As RRNN têm as seguintes características (Figuras 1 e 2); c) Posição geográfica: Latitude: 22 59 58 S Longitude: 44 01 58 W

Figura 1. Diagrama de cotas da estação maregráfica do Terminal da Ilha Guaíba. Figura 2 Croqui da estação. Estes dados amostrados das alturas da maré no presente estudo estão dispostos em 316 linhas e, cada linha contém 24 grupos numéricos correspondentes às alturas horárias de cada dia, iniciando a 0 (zero) hora e finalizando cada linha às 23 horas. Ao final da última linha tem-se, no presente caso, 7.584 dados amostrados da maré observada no período de 01/02/1996 a 12/12/1996. 2.3. Vinculação da Estação Maregráfica à Rede Altimétrica do SGB Foi realizado o nivelamento da régua maregráfica, com o intuito de determinar a altitude do zero da régua. O referido nivelamento partiu da referencia de nível RN 3070S, pertencente ao Sistema Geodésico Brasileiro SGB, e tem as seguintes características: Município: Mangaratiba RJ;

Denominação: RN 3070S; Altitude 1,8404m; Classe: Ajustada AP; Posição geográfica: latitude 22 59 58 S e longitude 44 01 51 W; Fonte: GPS de Navegação; Situação da RN: Bom; Ultima visita: 15/04/2002; Localização: Chapa cravada na viga à esquerda do trapiche, a noroeste do prédio da M.B.R, no município de Mangaratiba-RJ. A metodologia adotada para a determinação da altitude do zero da régua de maré seguiu a metodologia descrita em FERNANDES (1996), o valor obtido foi de - 153,6cm em relação ao datum vertical do SGB (Figura 1). 2.4. Analise Harmônica de Maré A análise harmônica da maré é, essencialmente, um método matemático para o processamento de dados amostrados de um maregrama, para a determinação das constantes harmônicas H (alturas) e G (ângulos de fases), das várias componentes (FRANCO, 1997). Os métodos matemáticos, mais utilizados no Brasil, para obtenção das constantes harmônicas (H i e G i ) são: Método de Doodson, que possui duas variantes: o Tidal Liverpol e o método do Almirantado. Ambos trabalham com ajuste de mínimos quadrados do domínio do tempo aplicados a equação 1; sendo que o primeiro é utilizado para séries de observações de 1 mês a 1 ano e o segundo para períodos mais curtos de 1 a 29 dias, onde somente poucas componentes harmônicas são obtidas (FRANCO,1997). Muito utilizado no passado. n ( + + ω t G) Z (t) = R 0 + f i H i cos V i u i i (1) i= 1 Z(t) = altura da maré em relação a um plano de referencia fixo, seja R 0 ; R 0 = é a altura do nível médio do mar acima de uma origem; f = coeficiente de redução de amplitude, fator que varia com um período de 18,61 anos; V 0 = argumento astronômico da onda às 0 h médias de Greenwich, na origem do tempo médio t; u = correção de longo período da fase, ângulo que varia com um período de 18,61 anos; = velocidade horária da onda. H e G são denominados como constantes harmônicas, sendo, amplitudes e fases respectivamente.

Método harmônico do Almirante Alberto dos Santos Franco. Este utiliza o método Fast Fourier Transfom (FFT), Transformada Rápida de Fourier, para aplicar o ajuste pelo método dos mínimos quadrados no domínio da freqüência para análise e previsão de marés; posteriormente faz o uso de método estatístico para determinar os intervalos de confiança de amplitudes e freqüências das previsões. Este método é utilizado hoje pela Marinha Brasileira, (FRANCO, 1997). No presente estudo foi utilizado o programa Previsão de Marés do sistema Marés, segundo LIMA (2002) este programa foi desenvolvido por A. S. Franco. Na amostragem dos dados maregráficos do Terminal da Ilha foram listados 170 componentes harmônicos, dos quais somente 36 passaram pelo teste estatístico em um nível de significância de 95% para rejeição de pequenas componentes. 2.5. Retrovisão Harmônica de Maré A retrovisão harmônica das alturas de preamares e baixa-mares para o ano de 1831 foi realizada a partir dos 36 componentes harmônicos calculados pela análise harmônica dos dados amostrados de maré no terminal da Ilha Guaíba. Com estas componentes pode-se efetuar a previsão para qualquer época, como previsão das alturas horárias para um dia (Figura 3). Figura 3 Exemplo de previsão da maré de um dia. As informações sobre os valores das preamares e baixa-mares com seus respectivos horários foram inseridas em uma planilha de cálculos do programa Excel para análise, plotagem de gráficos e o cálculo do respectivo valor médio da preamar de 1831. A classificação das marés usada nos dias de hoje é estabelecida pelo método de Courtier em função das semi-amplitudes (H) das componentes M 2, S 2, K 1 e O 1. A relação de amplitudes indica o tipo de maré predominante na área, utilizando-se a expressão:

C amplitude de k 1 1 = (2) amplitude de M 2 + amplitude de O + amplitude de S 2 consoante ao seu valor temos: C (0;0,25] maré semidiurna (2 PM e 2 BM por dia); C (0,25;1,50] maré semidiurna com fortes desigualdades diurnas (2 PM e 2 BM desiguais); C (1,25;3,0] maré mista: em alguns dias há 2 PM e noutro só uma; C > 3 maré diurna (1 PM e 1 BM por dia). Sendo: H(k 1 ) = 5,81cm, H(O 1 ) = 11,57cm, H(M 2 ) = 36,19cm e H(S 2 ) = 21,33cm; logo C = 0,30, que é classificada como: semi-diurna com desigualdades diurnas. O maregrama da Figura 4 correspondente aos três primeiros dias do mês de janeiro do ano de 1831, com a finalidade de proporcionar uma melhor visualização do tipo de maré existente no local, como maré do tipo semidiurna com desigualdades diurnas, apresentando em um dia lunar 2 PM e 2 BM desiguais. ALTURAS (m) 1,40 1,20 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 TERMINAL DA ILHA GUAÍBA, RJ - JANEIRO/1831 (DIAS 01 A 03) 00:02 10:04 17:02 05:46 12:10 00:04 06:31 13:04 18:36 Figura 4 Maregrama do Terminal da Ilha Guaíba, RJ. 2.7. Variação do nível do Mar Existem variações do nível do mar não associadas à maré, causadas por diversos fatores, como: variação de pressão, ventos dominantes entre outros. É oportuno lembrar que já decorreram quase dois séculos entre a referência temporal da LPM/1831 e o período atual; com isto, deve-se adotar um valor que corresponda à tendência do nível médio do mar no local em questão.

Em vários lugares do planeta foi observado continuamente o nível do mar, o que permitiu perceber que ele tem apresentado uma contínua elevação (FRANCO, 2005). As variações do nível relativo do mar da atualidade, a partir de 1900, são principalmente de natureza, estérica (expansão térmica), devido ao aquecimento global, eustática (expansão em volume de água do mar), devido ao degelo do planeta, em decorrência, e, também, de natureza crustal (variações decorrentes da crosta e assemelhados) conseqüente ao relaxamento da crosta nas áreas polares (MESQUITA, 2005). Em Charleston, Carolina do Sul (USA), verifica-se a tendência da subida do nível médio do mar de cerca de 32 cm por século Figura 5. 1 0 5 1 0 0 C h a r le s to n - Y e a r ly M e a n S e a L e v e l - 1 9 2 2-1 9 9 9 Heights (cm) 9 5 9 0 8 5 8 0 7 5 7 0 1 9 2 0 1 9 3 0 1 9 4 0 1 9 5 0 1 9 6 0 1 9 7 0 1 9 8 0 1 9 9 0 2 0 0 0 Y e a r s Figura 5 Gráfico da tendência do NMM em Charleston (EUA). Adaptado da Fonte: LIMA(2002). Em Cananéia, SP (38 cm/século), obtida a partir das medidas do marégrafo instalado na Base Sul do Instituto Oceanográfico da USP com registro contínuo desde o ano de 1955. Esta é a mais longa série temporal conhecida do nível do mar no Brasil Figura 6. 1 8 0 C a n a n e ia - Y e a r ly M e a n S e a L e v e l - 1 9 5 5-1 9 9 2 1 7 5 Heights (cm) 1 7 0 1 6 5 1 6 0 1 5 5 1 9 5 5 1 9 6 0 1 9 6 5 1 9 7 0 1 9 7 5 1 9 8 0 1 9 8 5 1 9 9 0 Y e a r s Figura 6 Gráfico da tendência do NMM em Cananéia (SP). Adaptado da Fonte: LIMA(2002).

2.8. Avaliação da Preamar Média As alturas da maré provenientes da retrovisão são referidas ao NR, que como visto é característico de cada localidade; para o caso do Terminal da Ilha Guaíba, o NR encontra-se a 74 cm abaixo do NM local e a 26,9cm abaixo do NMM (IBGE) conforme figura 1. Observando-se o maregrama da Figura 7, percebem-se as presenças de preamares principais e de preamares secundárias, sendo as secundárias inferiores as principais. Para o cálculo da preamar média deve-se adotar uma altura que a partir dela tem-se somente as preamares principais, mas esta altura deve ser tal que não exclua as preamares de quadratura; observando-se o maregrama vê-se que esta altura para o Terminal da Ilha Guaíba é igual a 85 cm, conforme indicado na Figura 7. Assim, todas as alturas iguais ou superiores a 85 cm foram filtradas e calculado o respectivo valor médio, que neste caso foi igual a 118,81cm acima do NR. 160 140 LUA NOVA LUA CHEIA 120 PM ALTURAS (cm) 100 80 60 40 LUA MINGUANTE FILTRO 20 0 NR LUA CRESCENTE -20 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 EVENTOS Figura 7 Maregrama mensal das preamares (PM) e baixa-mares (BM) no Terminal da Ilha Guaíba, RJ, no mês de janeiro/1831. Como mencionado, o NR encontra-se a 26,9cm abaixo do NMM (IBGE), sendo assim, a altitude da preamar média é de +91,91cm, correspondente à cota básica definida pela SPU. A cota básica definiria a linha de preamar média de 1831 se o nível físico do mar permanecesse o mesmo no decorrer de 1831 até o presente, mas como visto no item 2.7, o mar vem sofrendo variações em seu nível médio. Não há dados amostrados de séries longas de maré no terminal da Ilha Guaíba, o que dificulta estabelecer o valor da variação secular do nível médio do mar.

Observando uma série de dados amostrados no Terminal da ilha Guaíba (200 dias do ano de 1996), verifica-se que o nível médio do mar varia constantemente no período observado, podendo ser comprovado visualmente através da Figura 8, onde se observa, também, a linha de tendência de subida do nível médio do mar. VARIAÇÃO DIÁRIA DO NÍVEL MÉDIO DO MAR 250 200 ALTURAS (cm) 150 100 50 0 1 8 15 22 29 36 43 50 57 64 71 78 85 92 99 106 113 120 127 134 141 148 155 162 169 176 183 190 197 DIAS Figura 8 Variação diária do nível médio do mar no Terminal da Ilha Guaíba. As pesquisas mencionadas no item 2.7 mostram as variações do nível médio do mar, quer em caráter global, quanto regional, calculados a partir de dados amostrados de séries muito longas. O nível médio do mar de 1831 por todas as estimativas conhecidas está abaixo do nível médio do mar atual (2004), pois o nível médio do mar de longo termo está aumentando na costa brasileira. Podem-se utilizar estes valores de tendência do nível médio do mar para retroceder do nível atual para aquela época (1831). Segundo LIMA (2002), na falta de dados de séries extremamente longas sobre o comportamento do nível médio do mar nos locais ao longo da costa brasileira, a variação secular do nível médio do mar em Cananéia, SP pode ser utilizada, pelo menos, na costa sudeste e sul do Brasil. Sendo assim, a variação total de 1831 até 2004 (173 anos) resulta no valor de 65,74cm. Isto equivale a dizer que o nível médio do mar no ano de 1831, nesta localidade, encontrava-se a 65,74cm abaixo do nível médio atual (2004). Em seguida comparou-se este valor de -65,74 cm do NMM para o ano de 1831, com a altura da cota básica igual a +91,91 cm (acima do NMM) resultando em um valor de 26,17 cm (acima do NMM), sendo este valor a cota básica efetiva que define exatamente a linha de preamar média de 1831 segundo os conceitos legais. A precisão planimétrica da LPM/1831 está na incerteza em torno da reta de regressão. Este valor é de ±10cm na determinação do nível médio do mar do ano de 1831.

3. CONCLUSÃO A metodologia empregada mostrou-se eficiente na solução do problema. A precisão planimétrica da LPM/1831 está em função da declividade do perfil praiano e da oscilação do nível médio do mar em torno da reta de regressão que indica a tendência de elevação do mesmo. Com o procedimento técnico adotado neste trabalho, defini-se a LPM/1831 nos termos do Decreto-Lei 9.760/46 sem que haja prejuízos aos proprietários das parcelas alodiais aos terrenos de marinha. Prejuízos estes provenientes da falta de técnica adequada na localização da preamar média de 1831, fazendo com que os terrenos de marinha avancem sobre as parcelas alodiais, obrigando os proprietários destas parcelas a pagarem encargos a União. A linha de referência demarcatória dos terrenos de marinha está fixa temporalmente no ano de 1831 pelo Decreto-Lei 9.760/46. A subida do nível médio do mar fez com que, em muitos lugares da costa brasileira, o nível médio dos mares ficasse abaixo do datum altimétrico nacional e também dos data locais. Como decorrência da subida do nível médio do mar a União está perdendo com o passar dos tempos porções de terrenos de marinha. 4. AGRADECIMENTOS À DHN (Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha) através do BNDO (Banco Nacional de Dados Oceanográficos) por ceder às observações maregráficas, sem as quais seria impossível a realização deste trabalho. 5. REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA BRASIL, Leis, Decretos, Regulamentos, etc. Decreto-Lei n o 9.760, de 05 de setembro de 1946. Dispõe sobre os bens imóveis da União, e dá outras providências. Rio de Janeiro: Diário Oficial da União (DOU) de 06/09/46. BRASIL, Leis, Decretos, Regulamentos, etc./spu - Secretaria do Patrimônio da União. Instrução Normativa N o 2, de 12 de março de 2001. Brasília: Diário Oficial da União (DOU) de 12/03/01. FERNANDES, A. R. Geodésia. Ed. Diretoria de Hidrografia e Navegação, Niterói, vol. 1. 1ª ed. 1996. FRANCO, A. dos S. Marés: fundamentos, análise e previsão. Ed. Diretoria de Hidrografia e Navegação, Niterói, 1997.. Utilização do NM para Fins Ambientais e Geodésicos. Instituto Oceanográfico da USP. Disponível em: <www.mares.io.usp.br.aagn/4103.html>. Acesso em: 21 mar 2005.

LIMA, O. P. de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. Florianópolis, SC, 2002. xix, 251p. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) Universidade Federal de Santa Catarina. MESQUITA, A. R. de. Marés, Circulação e Nível do Mar na Costa Sudeste do Brasil. Documento preparado para a Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas FUNDESPA, pelo Laboratório de Marés MAPTOLAB, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo IOUSP, dezembro 1997. Disponível em: <http://www.io.usp.br/dof/labs.html>. Acesso em 02 ago 2005.. Nível Relativo do Mar (O Enigma) e os Terrenos de Marinha. Apresentação feita no CPETC/INPE Seminário dos Usuários das Previsões Numéricas de Mudanças Climáticas e seus Impactos Regionais. MCT, CPETEC/INPE, IEA/USP, São José dos Campos/ Cachoeira Paulista. 19 e 20 de outubro de 2004. Disponível em: <http://www.mares.io.usp.br>. Acesso em: 27 de set 2005.