REABILITAÇÃO DA BARRAGEM DAS CODORNAS. Jorge Felippe da Silva Filho e Élcio Aloísio Barbosa

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Transcrição:

XXIII Seminário Nacional de Grandes Barragens - Belo Horizonte, 1999, Pág. 193 a 200 REABILITAÇÃO DA BARRAGEM DAS CODORNAS Jorge Felippe da Silva Filho e Élcio Aloísio Barbosa RESUMO A barragem das Codornas foi construída nos anos trintas, em concreto armado do tipo gravidade. No período chuvoso 1996/1997, o rompimento de uma barragem de terra a montante, provocou o galgamento da barragem e de sua ombreira esquerda. São apresentadas as medidas tomadas para sua reabilitação, que incluíram a construção de um dique de segurança e um muro de abraço na ombreira esquerda, uma cortina atirantada, uma laje de proteção, um novo sistema de extravasão no topo da barragem e um conjunto de drenos de alívio perfurados na estrutura de concreto, a partir do talude de jusante. 1- INTRODUÇÃO A barragem das Codornas fica situada na região metropolitana de Belo Horizonte, MG. A estrutura é constituída por uma barragem de concreto, construída nos anos trintas, e faz parte do sistema de geração hidroelétrica do Rio do Peixe, da Mineração Morro Velho (MMV). A Figura 1 indica (1)(*), de forma esquemática, as estruturas que integram o sistema. No período chuvoso de 1996/1997 a barragem foi galgada por uma onda de cheia causada pela ruptura de uma barragem de terra localizada a aproximadamente 10 km a montante do reservatório das Codornas, provocando danos significativos, conforme exposto a seguir. 2 - SISTEMA DE CONTROLE DO RESERVATÓRIO A Figura 2 mostra uma seção transversal da barragem das Codornas, indicando as estruturas hidráulicas originais disponíveis para controle do nível do reservatório, que eram as tomadas d'água que alimentam o conduto forçado, a descarga de meio fundo operada por duas comportas, e os sifões. (*) Os números entre parênteses indicam publicação constante nas Referências Bibliográficas

Durante os períodos chuvosos, as comportas eram acionadas manualmente, procurando manter o N.A. normal próximo ao seu nível máximo operacional (NMO) que coincide com o de capta ção dos sifões, gerando uma borda livre de 1,20 metros em relação à crista. Caso a operação não conseguisse manter o reservatório abaixo daquele nível, os sifões entravam em operação, automaticamente, de forma a manter o nível do reservatório no NMO. 3 - HISTÓRICO DO ACIDENTE No período compreendido entre os dias 31/12/96 e 05/01/97, ocorreram em Belo Horizonte chuvas que totalizaram 415,90 mm de precipitação. Naquele período, com as comportas abertas e com o sistema auxiliar de escoamento, constituídos pelos sifões, também operando, o nível de operação do reservatório das Codornas estava sob controle. Entre os dias 01/01/97 e 03/01/97, a operação combinada das comportas e dos sifões não só permitiu o escoamento de toda a vazão que chegava, como deu início ao processo de abaixamento do nível do reservatório, na manhã de 03/01/97. Entretanto, por volta das 20h00 do dia 03/01/97, o nível do reservatório começou a se elevar sem que houvesse um aumento de precipitação que justificasse esta elevação. As águas continuaram a se elevar até que, por volta das 23h30, ainda com as comportas totalmente abertas e os sifões trabalhando ao máximo de sua capacidade, o nível do reservatório sobrelevou-se acima da crista, situação que perdurou até as 4h00, aproximadamente, do dia 04/01/97. Neste período, segundo o operador da barragem, o nível d'água chegou a elevar-se 35 cm acima da crista, mantendo-se neste nível por, aproximadamente, duas horas. Uma vez que a cheia provocada pelas precipitações pluviométricas já estava sob controle, com o nível do reservatório próximo ao NMO, o aporte adicional de água ao reservatório da barragem das Codornas e que causou seu galgamento, deveria ter uma causa dissociada das precipitações pluviométricas. Uma investigação na área da bacia hidrográfica da barragem das Codornas permitiu constatar o rompimento da barragem de terra que mantinha o nível do lago Água Limpa, formado pelo córrego de mesmo nome. O sítio da barragem está situado a aproximadamente 10 km à montante de Codornas e a crista do aterro situava-se na elevação 1260,00. Informações fornecidas por moradores das margens do reservatório indicaram que às 18h00, aproximadamente, do dia 03/01/97, houve galgamento e posterior rompimento da barragem do Lago Água Limpa. Esta barragem tinha uma altura máxima da ordem de 15 metros e um reservatório com 250 metros de largura e extensão de 1,0 km, aproximadamente. Como ocorre em qualquer situação de rompimento de um reservatório, criou-se uma onda de cheia instantânea, que deslocou-se rapidamente para jusante, inicialmente através do Córrego Padre Domingos e em seguida pelo Ribeirão Congonhas dos Marinhos, até atingir o reservatório de Codornas. Esta onda, com sua elevada energia cinética, causou forte impacto sobre os obstáculos encontrados em seu caminho, provocando grande destruição. Isto pôde ser observado pelos voçorocamentos causados ao longo das calhas dos córregos acima mencionados, pela destruição do encontro de uma ponte de concreto, na rodovia dos Inconfidentes, e do quase total descalçamento de suas fundações, constituídas por tubulões escavados em rocha fraturada.

A onda de cheia, ao atingir o reservatório da barragem das Codornas, onde não havia volume de espera suficiente para absorvê-la nem capacidade de escoar seu volume pelo sistema de vertimento disponível, dado o curto intervalo de tempo de sua afluência, provocou o galgamento do maciço da barragem e também de sua ombreira esquerda. Durante o galgamento, estima-se que tenha ocorrido um vertimento máximo, pela crista da barragem, da ordem de 33 m 3 /s (crista com 100 metros de largura e lâmina máxima de 35 cm). 4 - DANOS CAUSADOS AO SISTEMA CODORNAS O galgamento não provocou danos aparentes no corpo da barragem de concreto, que foi minuciosamente inspecionada. Também não foram observados danos nem movimentações na ombreira direita da barragem. Na ombreira esquerda, entretanto, os danos foram extensos. A Figura 3 mostra um estereograma com os resultados do mapeamento das feições geológicas presentes na ombreira esquerda. Embora a combinação do sistema de juntas sub-verticais e juntas suborizontais propiciasse uma condição satisfatória de equilíbrio, em condições normais, a ombreira teve seus blocos individuais removidos um a um pela ação das águas da cheia, seguindo o processo padrão de erosão superficial, atuando de jusante para montante. As águas provocaram dois efeitos, que atuaram concomitantemente sobre os blocos de rocha: aumento das pressões neutras nas bases e faces laterais dos blocos e ação de arraste na superfície dos mesmos. Quando o processo estacionou, pelo término do galgamento, a ombreira havia tido grande parte de seu volume removido, deixando uma escarpa de quase 20 metros de altura, praticamente vertical. A maior parte dos materiais rompidos da ombreira esquerda foram levados pelas á- guas, ficando apenas os blocos de rocha maiores, formando uma berma de equilíbrio no pé da escarpa. A casa do operador da barragem foi virtualmente destruída por uma combinação da força das águas e da movimentação da encosta, que provocou rachaduras nas paredes e ruptura de parte de sua estrutura. Os deslizamentos e as erosões provocaram a movimentação de um pacote de blocos de rochas alteradas, que se constituem na "ombreira esquerda" do canal de fuga do vertedouro original. Este pacote, de grandes dimensões, movimentou-se para jusante, separando-se do maciço da ombreira e dando origem à uma grande fenda, aproximadamente paralela ao eixo da barragem. Esta fenda estendeu-se até a calha do vertedouro, onde a movimentação do pacote de rochas provocou uma trinca na sua parede esquerda. A casa de máquinas foi totalmente inundada, tendo a maior parte de seu equipamento sido destruído pela ação das águas e dos detritos. Como conseqüência, a barragem das Codornas deixou de gerar energia por um período de a- proximadamente 1 (um) ano.

5 - RECUPERAÇÃO DO SISTEMA CODORNAS 5.1 - INTRODUÇÃO Os estudos levados a efeito para a recuperação do sistema Codornas tiveram dois objetivos: O primeiro foi o de definir um elenco de medidas que restaurassem sua operacionalidade. O segundo foi o de prover a barragem de um sistema que impedisse a repetição dos danos, na hipótese de repetição do acidente. Este segundo objetivo assume importância, quando se leva em conta o fato de que existem outras barragens a montante do reservatório das Codornas, construídas de forma semelhante ao da barragem que causou o acidente. Conforme discutido, existiam dois problemas principais a resolver para que a barragem das Codornas pudesse voltar a operar com segurança: - estabilização da ombreira esquerda - proteção contra novos galgamentos A seguir são discutidas as várias etapas dos estudos levados a efeito para atingir estes objetivos. 5.2 - LEVANTAMENTOS DE DADOS Foram realizados os seguintes levantamentos: - levantamento topográfico da ombreira esquerda; - levantamento topobatimétrico do reservatório - investigações subsuperficiais na ombreira esquerda - instalação de piezômetros na ombreira esquerda - retirada de amostras em área de empréstimo - ensaios de campo e de laboratório 5.3 - ESTUDOS GEOTÉCNICOS 5.3.1 - Introdução As investigações geotécnicas foram desenvolvidas, basicamente, para permitir a definição de soluções de engenharia para as obras de estabilização da ombreira esquerda da barragem e também das estruturas auxiliares necessárias para garantir a segurança da ombreira contra a eventualidade de novos galgamentos.

5.3.2 - Descrição Geotécnica dos Materiais da Ombreira Das investigações geológico-geotécnicas levadas a efeito, pode-se inferir que as condições gerais da ombreira esquerda da barragem são as seguintes: As camadas superiores são constituídas por materiais areno-argilosos, com SPT acima de 20 e espessura variando de 2 a 8m. Esta espessura aumenta a medida que os furos de sondagem se afastam da estrutura de concreto em direção à ombreira. Os materiais rochosos, subjacentes aos materiais areno-argilosos, são compostos basicamente por quartzitos cinzentos, friáveis e muito fraturados. Estes materiais são classificados como rochas de má qualidade e de baixa resistência. Estas rochas são ainda muito susceptíveis à dissolução, tornando-se muito porosas e desagregáveis quando submetidas a fluxos de água. O mapeamento das estruturas rochosas na área da ombreira esquerda, conforme indicado na Figura 3, mostrou que existem essencialmente três conjuntos (famílias) de estruturas geológicas: - fraturas de deslizamento: planos suborizontais - foliação dos filitos/partição dos quartzitos: planos subverticais paralelos ao eixo da barragem - fraturamento principal: planos subverticais perpendiculares ao eixo da barragem Os planos subverticais formados pela foliação dos filitos e pela partição dos quartzitos, correspondem às estruturas que propiciam o tombamento de blocos, claramente observáveis no campo. A existência destas estruturas torna a ombreira esquerda bastante susceptível à ação de fluxos de água, quer superficiais ou subsuperficiais. 5.4 - ARRANJO DAS ESTRUTURAS Com base nos estudos hidrológicos e hidráulicos, nos levantamentos topográficos e nas investigações geológico-geotécnicas dos materiais que compõem a ombreira esquerda, foram estudados vários arranjos (lay-out) para a implantação das medidas julgadas necessárias para atender as finalidades acima discutidas, tendo-se ao final decidido pelo arranjo indicado na Figura 4. As estruturas que compõem o arranjo indicado são as seguintes: - uma estrutura de contenção para a ombreira esquerda - um dique de terra compactada, localizado na margem esquerda - um muro de abraço, construído em concreto ciclópico - construção de uma estrutura de vertimento no topo da barragem

- construção de uma laje de proteção para o maciço de rocha fraturada - muretas de concreto, localizadas na crista da barragem - drenos de alívio na estrutura de concreto 5.4.1 - Estrutura de Contenção A construção de uma cortina atirantada, com tela e concreto projetado, foi a solução encontrada para o problema de estabilização da ombreira esquerda. Um sistema de drenos suborizontais profundos complementou a solução. 5.4.2 - Dique de Terra e Muro de Abraço Como conseqüência da erosão ocorrida na ombreira, o reservatório ficou muito próximo da área instabilizada pelo galgamento. Com a volta da barragem em operação, o fluxo de água oriundo do reservatório passaria a ser um sério elemento de instabilização, em função da geometria resultante do acidente. Assim, uma das formas de incrementar a segurança contra novos deslizamentos dos taludes da ombreira esquerda, seria aumentar o caminho de percolação da água oriunda do reservatório. Para atingir esta objetivo, decidiu-se pelo projeto de um dique de terra, cuja função seria manter o reservatório a uma distância adequada da escarpa. Por sua vez, a construção do muro de abraço de concreto ciclópico, foi necessária dadas as condições geométricas da ombreira, que não permitiram que o dique de terra fosse engastado diretamente na face de montante da barragem das Codornas. 5.4.3 - Construção do Vertedouro de Crista A implantação do vertedouro de crista exigiu o desenvolvimento das seguintes atividades: - rebaixamento da crista atual da barragem de concreto - construção de uma estrutura de vertimento no topo da barragem - construção de uma laje de proteção para o maciço de rocha fraturada - construção de muretas de concreto na crista da barragem - construção de uma passarela sobre o novo vertedouro para acesso aos controles e à margem direita Os estudos hidrológicos e hidráulicos que levaram à opção pelo vertedouro de superfície, concluíram que a crista vertedora deveria situar-se na elevação 1.198,00.

Uma vez que a elevação original da crista da barragem situava-se no nível 1.199,20, para implementar a condição de projeto deveria ser efetuado um corte de 1,20 metros na estrutura de concreto, atingindo-se assim a elevação desejada para a construção do perfil hidráulico, coincidente com o nível da soleira do sifão. A extensão máxima deste corte, e portanto da extensão da estrutura de vertimento, considerando as características estruturais da barragem e levando em conta a segurança das ombreiras, é de 60 metros, sendo seu início na parede direita do vertedouro de meio-fundo e terminando na ombreira direita. Nos trechos onde existem as casas de máquina para operação das comportas de fundo e da tomada d água, proteções especiais foram projetadas para evitar inundações quando o vertedor estiver em operação. A laje de proteção, por sua vez, foi construída com a finalidade de proteger o maciço fraturado situado a jusante da barragem, evitando eventuais processos erosivos, por ocasião das cheias. A Figura 5 mostra um detalhe da demolição do topo da barragem original para implantação do novo vertedouro, cuja crista coincide com a base da região demolida. Na Figura 5 estão ainda indicadas as muretas de concreto que permitiram dotar o reservatório de um volume de espera capaz de absorver volumes da ordem daqueles gerados por ocasião do acidente. O topo das muretas de concreto coincide com as cristas do muro de abraço e do dique de terra. 5.4.4 - Drenos de Alívio Os drenos de alívio na seção máxima da barragem de concreto foram introduzidos com a finalidade de melhorar suas condições de estabilidade (2), diminuídas em conseqüência da perda de massa devida à demolição da crista e pelo aumento da altura efetiva da barragem, com a construção das muretas de concreto, do muro de abraço e do dique de terra na ombreira esquerda. Os drenos foram perfurados a partir da face de jusante da barragem, por rotopercussão. Os furos têm 100mm de diâmetro, espaçados de 2,0m entre si. 6 - CONCLUSÕES O conjunto de medidas adotadas, embora algumas sejam pouco usuais, parecem ter atingido seus objetivos. A barragem entrou novamente em operação no segundo semestre de 1998 e tem funcionado de forma satisfatória, embora não tenha sido ainda submetida a nenhuma cheia que permitisse uma avaliação mais adequada da eficiência das medidas implementadas. 7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - A. R. Zeller - "Sistema Hidrelétrico do Rio do Peixe - Conversão de 50H para 60H", Primeiro Simpósio Brasileiro Sobre Pequenas e Médias Centrais Hidrelétricas, CBGB, Poços de Caldas, MG, 1998. 2 - J. F. da Silva e A. J. de Carvalho - Estabilização da Barragem das Codornas" - XXIII Seminário Nacional de Grandes Barragens - Belo Horizonte - março/1999.

Barragem da Lagoa Grande Barragem das Codornas Córrego da Lagoa Barragem do Miguelão Barragem Capitão do Mato Ribeirão Capitão do Mato UHE Codornas Ribeirão dos Marinhos UHE B UHE G Rio do Peixe UHE D UHE F UHE E UHE EE Rio das Velhas Figura 1 : Sistema Hidrelétrico do Rio do Peixe