RURAL E / OU URBANO? UMA REFLEXÃO SOBRE A REALIDADE SÓCIO-ESPACIAL DOS DISTRITOS DO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA (MG)

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Transcrição:

RURAL E / OU URBANO? UMA REFLEXÃO SOBRE A REALIDADE SÓCIO-ESPACIAL DOS DISTRITOS DO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA (MG) Beatriz Ribeiro Soares 1 Silma Rabelo Montes 2 Vera Lúcia Salazar Pessôa 3 Introdução Quando estudamos uma localidade pequena, como um distrito, torna-se necessário fazer uma relação deste espaço local e seu entorno rural, inserindo as transformações econômicas ocorridas no município, pois estas interferem no modo de organização das comunidades impondo-lhes relações sociais. Mesmo estando marcadas por um modo de vida urbano, recebem influência do rural, principalmente, devido às relações de trabalho e produtivas que estão quase totalmente voltadas para o campo. O que pretendemos mostrar neste texto é uma reflexão sobre as transformações sócio-espaciais ocorridas nos quatro distritos do município de Uberlândia: Cruzeiro dos Peixotos, Martinésia, Miraporanga e Tapuirama, inserindo-os no contexto de modernização agrícola no município, ocorrida, principalmente, pós 1970 e que de acordo com Pessôa (1982) permitiu um grande desenvolvimento econômico no município de Uberlândia mas, não trouxe o desenvolvimento social para o homem do campo, inclusive para os moradores dos distritos do município. Outro fator que será analisado neste artigo é a inserção da cidade de Uberlândia em um nível de desenvolvimento regional, a partir da própria modernização agrícola e dos aspectos decorrentes deste processo e que foram incentivados pelas elites dominantes da cidade. 1 Localização e caracterização da área de estudo O município de Uberlândia localiza-se na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. (Mapa 1). Esta mesorregião engloba 66 municípios e Uberlândia destaca-se neste espaço como o município que apresenta a maior concentração populacional, uma das maiores extensões territoriais e o maior grau de desenvolvimento regional. Mapa 1 Uberlândia: Localização na Mesorregião do Triângulo Mineiro e 1 brsoares@ufu.br Profª Drª do curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia 2 silmarabelo@centershop.com.br Mestranda do curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia 3 vlpessoa@triang.com.br Profª Drª do curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia 15119

Alto Paranaíba - 2003 C omo percebemos na tabela 1, na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, 39 municípios possuem apenas o distrito sede e somente sete municípios possuem três ou mais distritos cada. Uberlândia encontra-se neste grupo, com quatro distritos, além do distrito sede. De acordo com esses dados, nos 66 municípios da mesorregião existem 66 cidades, ou seja, distritos sedes e 54 distritos (vilas). Tabela 1 - Mesorregião do Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba Número de distritos por município Municípios com apenas o distrito sede Municípios com mais 1 distrito Municípios com mais 2 distritos Municípios com mais 3 distritos Municípios com mais 4 distritos Municípios com mais 6 distritos 39 13 07 03 03 01 Fonte: IBGE/ Sidra. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda> Acesso em 10/06/04 Org.: MONTES, S. R. (2004). O significado de distrito pode ser melhor compreendido na seguinte citação: 15120

O distrito é uma subdivisão do município, que tem como sede a vila, que é o povoado de maior concentração populacional. Ele não tem uma autonomia administrativa. Funciona como um local de organização da pequena produção e atendimento das primeiras necessidades da população residente em seu entorno, cujo comando fica a cargo da sede do município. O distrito tem a mesma denominação da sua vila e, somente pode ser criado por meio de lei municipal. No entanto, os requisitos exigidos para a criação de um distrito são estabelecidos por meio de lei estadual. O município não pode, por si só, instalar distritos adotando critérios próprios. Faz-se necessário que um povoado atenda todas as exigências determinadas pela legislação estadual para que o município, por meio de lei municipal aprovada pela Câmara de Vereadores local, o eleve à categoria de distrito (PINTO, 2003, p. 57). A sede distrital localiza-se na zona rural do município, mas a sua população é contada, em censos populacionais oficiais, como sendo população urbana. Na análise de Wanderley (2001, p. 4), [...] o IBGE distingue as situações urbana e rural, tais como são legalmente definidas em cada município. Na situação urbana, consideram-se as pessoas e os domicílios recenseados nas áreas urbanizadas ou não, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas. A situação rural abrange a população e os domicílios recenseados em toda a área situada fora dos limites urbanos, inclusive os aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os núcleos. De acordo com o Censo Demográfico de 2000, feito pelo IBGE, a população total do município de Uberlândia é de 501.214 habitantes, sendo que 488.982 habitantes vivem na área urbana - distrito sede e 4 distritos -, ou seja, 98 % do total e somente 12.232 habitantes vivem no campo. Analisando a tabela 2, percebe-se que do total urbano, os quatro distritos contribuem com 2.429 habitantes, ou seja, cerca de 0,5%. Portanto, o peso da população rural no conjunto da população municipal é pequeno. Isto é diferente na realidade dos distritos, pois a soma da população rural dos distritos de Uberlândia é maior que a das sedes distritais (vilas), apresentando um total de 6.737 habitantes, ou seja, mais de 55% do total da população rural do município. O distrito de Miraporanga destaca-se com 4.880 habitantes rurais. Posteriormente, tentaremos fazer uma análise sobre essa colocação mais rural deste distrito e sobre Tapuirama que apresenta mais habitantes na sede distrital do que na área rural do distrito. 15121

Tabela 2 - Uberlândia: Distribuição da população por distritos e situação de domicílio - 2000 Pop. Urbana % no Total Pop. Rural % no Total Cruzeiro dos Peixotos 388 0,080 786 6,41 Martinésia 330 0,068 541 4,41 Miraporanga 115 0,024 4.880 39,87 Tapuirama 1.596 0,328 530 4,31 Sub Total 2.429 0,5 6.737 55,0 Distrito sede 486.553 99,5 5.495 45,0 Total 488.982 100,0 12.232 100,0 Fonte: IBGE - Censo Demográfico de 2000. Disponível em: <http://www.uberlandia.mg.gov.br> Acesso em: 22 jun. 2003. Org.: MONTES, S. R. (2004). Observando o mapa 2, podemos entender melhor a localização das áreas rurais e urbanas do município de Uberlândia, incluindo o distrito sede e os outros quatro distritos. Mapa 2 - Município de Uberlândia e seus distritos MARTINÉSIA CRUZEIRO DOS PEIXOTOS UBERLÂNDIA TAPUIRAMA MIRAPORANGA N Legenda? DISTRITOS -- DIVISA DE DISTRITOS?? DISTRITO SEDE 0 7 14 km Fonte: Base DAGEO/UFU. Org.: MONTES, S. R. (2004). 15122

Becker (1985, p. 357), ao fazer uma análise sobre a multiplicação de povoados como residência da força de trabalho, mostra que embora considerados rurais segundo critérios convencionais, os povoados constituíam uma manifestação do fenômeno urbano, cuja feição particular está vinculada ao seu papel no padrão global de circulação do produto excedente [...]. Nesta mesma linha de pensamento, Pinto (2002, p.60), destaca que, nestes distritos o modo de vida é tipicamente urbano pois, mesmo possuindo uma ligação forte com o meio rural, que se expressa na prática de atividades do setor primário (agricultura e pecuária), as pessoas que ali residem utilizam telefones celulares, vestem-se de acordo com os padrões urbanos, assistem os programas de televisão que expressam o modo de viver urbano. As suas reivindicações também são caracteristicamente urbanas: calçamento de ruas, rede de esgotos, iluminação pública, postos de saúde, escolas, dentre outras. Quando colocamos em discussão a relação entre rural e urbano temos que avaliar as transformações que ocorrem no território como um todo e não esquecermos que, os contrastes entre campo e a cidade vêm desaparecendo, de vez que, com as facilidades de transportes e comunicação, o campo penetra cada vez mais na cidade e a cidade cada vez mais no campo [...] (ANDRADE, 1995, p. 9). 2 Modernização agrícola no município de Uberlândia: algumas considerações Para entendermos a realidade atual dos distritos de Uberlândia faz-se necessário um estudo sobre a modernização agrícola no município de Uberlândia pós 1970. Entretanto, é importante considerar que: [...] a modernização da agricultura não conduz, necessariamente, ao desenvolvimento rural e sim ao desenvolvimento econômico, porque está diretamente interessada no aumento da produção e produtividade; não leva em conta o homem, elemento importante nesta transformação e em todo o processo de desenvolvimento também, pois as condições sócio-econômicas das pessoas que participam diretamente no processo de produção constituem preocupações do desenvolvimento rural. Para tanto, é importante entendermos o significado de desenvolvimento econômico, para em seguida, destacar o que representa o desenvolvimento rural, tendo sempre presente a interação dos dois circuitos, pois o espaço rural desempenha um importante papel [... ] na economia do país (PESSÔA, 1982, p. 20). 15123

No município de Uberlândia, a modernização agrícola está vinculada a um processo de expansão do capitalismo no campo e à necessidade de atender aos interesses do mercado externo e interno através da produção de matéria-prima e alimentos, o que provoca uma transformação no uso da terra. O município de Uberlândia integra a área de cerrado, beneficiada por programas governamentais que impulsionaram a transformação da agricultura brasileira através da anexação de novas áreas e utilização de novas tecnologias, como o uso de máquinas e fertilizantes agrícolas. Na tabela 3 podemos perceber que no período de 1970-1995/96 houve uma grande transformação na base técnica de produção no município de Uberlândia, principalmente, quanto ao uso de tratores e arado mecânico, com os números se concentrando principalmente, nos anos de 1995/96 com 74,6 % para o trator e 54% para o arado com tração mecânica. Quanto ao uso de fertilizantes e corretivos percebe-se um grande aumento no período de 1970 1995/96. Esses são alguns dos elementos que demonstram a modernização agricola no município de Uberlândia. Tabela 3 - Uberlândia: Uso de máquinas, tratores, arado, fertilizantes, corretivos e defensivos (%) 1970 / 75 / 80 / 85 /95-6 Uso da Máquina Trator / Arado / Estabel. % Fertilizantes/ Corretivos Defensivos Ano Estab. Estabelec. Estabelec. Estab. Tração Tração Colheita Plantio % Animal Mecânica % % % 1970 21,2-13,8 41,4 13,6 12,5 3,8-1975 7,0-23,3 59,1 27,9 56,6 13,6 96,1 1980 32,0 3,7 49,5 27,9 40,3 63,1 21,0 94,7 1985 25,7 5,0 54,3 31,3 55,7 73,4 23,6 95,0 1995-6 28,6 11,0 74,6 7,8 54,0 80,8-95,9 ( - ) O dado, de acordo com a declaração do informante, não existe. Fonte: GOBBI, Wanderléia A. de O. ( 2002, p. 13-14 - 15 ). Org.: MONTES, S. R. (2004). Um outro fator muito importante neste processo de modernização agrícola foi a participação expressiva do Estado. Para Aguiar ( 1986, p. 116), a modernização da agricultura brasileira não pode ser dissociada do processo de internacionalização da economia. Nesse sentido, podese mesmo argumentar que a intervenção estatal constitui a ponte através da qual flui a integração da agricultura com as indústrias fornecedoras de equipamentos e insumos, de um lado, e com as indústrias processadoras de produtos agrícolas, de outro. Tem-se, assim, que a intervenção do Estado, propiciando a modernização, 15124

orienta-se num sentido mais favorável aos interesses gerais do capital, às imposições da divisão internacional do trabalho, privilegiando, em conseqüência, certos locais de valorização. Tal concepção, portanto, permite compreender por que a intervenção do Estado favorece aos produtos de exportação em detrimento das lavouras de consumo interno. Na região do oeste mineiro, incluindo o município de Uberlândia, um dos principais programas governamentais implantados foi o POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados -, criado em 1975, e que tinha como objetivo: promover o desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias da Região Centro-Oeste e do Oeste de Minas Gerais, mediante a ocupação racional das áreas de cerrados e seu aproveitamento em escala empresarial. 4 Braga (1998, p. 101), ao fazer uma análise sobre o POLOCENTRO, destaca parte da entrevista de um ex-técnico da SUDECO, 5 o Polocentro trouxe uma conseqüência que eu considero também séria que é a expulsão da população que habitava o cerrado porque com a mecanização intensa, com a tecnologia, com o capital, essas populações, os pequenos produtores não tinham nem o capital nem a condição tecnológica para absorver os recursos do Polocentro. A autora ainda cita parte de um relatório da Fundação João Pinheiro sobre o POLOCENTRO, mostrando que o referido programa [...] não propiciou os incrementos esperados de emprego, renda e bem-estar. As tendências concentradoras, tanto em termos econômicos, quanto em termos de adensamento espacial da população nas cidades, não foram revertidos, mas, ao contrário, estimuladas com o programa ( BRAGA, 1998, p. 99). Para a autora, a prioridade dos investimentos do POLOCENTRO residiu na construção de estradas, na eletrificação rural, na rede de estocagem e de comercialização e no aumento da produtividade através dos investimentos na correção dos solos com recursos destinados à pesquisa, tecnologia agrária e insumos modernos. Ainda com relação ao POLOCENTRO, Gobbi ( 2002, p. 28), mostra que o mesmo: [...] trouxe também uma maior confiabilidade para a implantação da agricultura no cerrado, posto que com o programa, as 4 SUDECO. Plano de ação governamental. Região Centro-Oeste 1987/1991, Brasília, 1987, p. 1. Ver mais sobre o assunto em BRAGA ( 1998, p. 93-115). 2 SUDECO Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste. Ver objetivos, funções e metas da SUDECO em BRAGA (1998, p. 96-7) 15125

transformações tecnológicas promoveram nos cerrados uma produtividade média acima da produtividade média nacional. Neste contexto, constata-se que as políticas públicas, visando a modernização da agricultura no período de 1965 a 1985 considerado como a idade de ouro (DELGADO, 2001) do desenvolvimento da agricultura capitalista integrada à economia industrial e urbana e ao comércio externo e sob forte intervenção financeira do setor público estimularam a adoção de pacotes tecnológicos da Revolução Verde. Para Delgado (2001, p. 165) estes pacotes eram considerados sinônimos de modernidade, e incentivou-se um enorme aprofundamento das relações de crédito na agricultura mediando a adoção desse pacotes com volumosas subvenções financeiras. O objetivo da Revolução Verde era [...] contribuir para o aumento da produção e da produtividade agrícola no mundo, através do desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para a criação e multiplicação de sementes adequadas às condições dos diferentes tipos de solos e climas e resistentes às doenças e pragas, bem como da descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e eficientes (BRUM, 1987, p. 44). Para Romeiro (1998) a Revolução Verde permitiu a difusão a nível mundial do modelo euro-americano de modernização agrícola. Ele mostra que [...] as atuais práticas agrícolas consideradas como modernas não foram simplesmente, como é freqüentemente afirmado, a única resposta técnica possível ou a mais eficiente para aumentar a produtividade do trabalho e os rendimentos da terra, de modo a fazer face às necessidades impostas pelo crescimento demográfico e pelo processo de urbanização. Seu cerne tecnológico resulta em grande medida do esforço técnico-científico para tornar viável a monocultura e contornar os efeitos de seu impacto ecológico sobre os rendimentos (ROMEIRO, 1998, p. 69). Além disso, a Revolução Verde permitiu aos grupos econômicos internacionais ampliarem a venda de insumos agrícolas modernos: máquinas, equipamentos, implementos, fertilizantes, defensivos, pesticidas etc., expandindo as suas empresas e seus interesses financeiros. Os projetos governamentais que visavam a modernização agrícola privilegiaram as grandes e médias propriedades agrícolas, favorecendo a concentração fundiária, com forte 15126

presença do latifúndio; baixa absorção de mão-de-obra; êxodo rural e crescimento dos espaços urbanos. Nas áreas de cerrado, a Revolução Verde favoreceu o crescimento, inclusive no município de Uberlândia, das grandes culturas que tinham maior aceitação internacional, como a soja e o milho, desconsiderando a demanda interna de alimentos. Estes cultivos atenderam aos interesses das empresas agroindustriais que se expandiram em Uberlândia e no Triângulo Mineiro. Dentre as indústrias, a da soja produção de farelo, margarina e óleo de soja bruto e refinado foi a que mais cresceu em Minas Gerais (GOBBI, 2002). Para a autora, o perfil agroindustrial do segmento da soja no Triângulo Mineiro, notadamente em Uberlândia, caracterizou-se pela presença de empresas de capital local, e com a chegada da empresa transnacional Cargill, que se instalou nessa cidade aproveitando-se dos incentivos e vantagens de localização próxima entre o centro produtor e consumidor. Até 1985 não havia nenhuma empresa esmagadora de soja em Minas Gerais, sendo a empresa Cargill a primeira a iniciar as atividades com a produção de óleos e farelos em 1986, acompanhando assim, o grande crescimento da produção de grãos do estado (GOBBI, 2002, p. 32). Entretanto, o nosso objetivo neste trabalho é fazer uma análise sobre a evolução da modernização agrícola no município, que sem dúvida promoveu o desenvolvimento do município, principalmente, nas áreas de cerrado, com o aumento da produção agrícola a partir da intensa mecanização do campo e do uso de novas técnicas de produção. Assim, não iremos enfatizar a evolução da agroindústria no município. 3 Nesta linha de raciocínio sobre a modernização agrícola, concordamos com Brum (1987, p. 50) quando afirma que [...] a Revolução Verde não foi acompanhada de uma reforma agrária, mas apenas um sucedâneo desta, resultaram graves conseqüências, tanto de ordem econômica como principalmente sociais. Nestes países a Revolução Verde foi apenas um instrumento de modernização conservadora que ajudou a aprofundar a internacionalização da economia e a agravar a 3 Para maior aprofundamento sobre a evolução da agroindústria no município de Uberlândia, consultar CLEPS JÚNIOR, João. Dinâmica e estratégias do setor agroindustrial no cerrado: o caso do Triângulo Mineiro. 1998. 251 f. Tese (Doutorado em Geografia). IGCE/UNESP, Rio Claro, 1998. 15127

dependência. Uma minoria apenas dos agricultores, aqueles que se estruturaram de forma empresarial a nova burguesia rural foram mais ou menos favorecidos, enquanto os mais fracos os pequenos proprietários rurais foram e vão sendo progressivamente marginalizados do processo. Neste sentido, reforçamos nossas colocações sobre o desenvolvimento rural, ou seja, a melhoria nas condições de vida do homem do campo, e percebemos que, com o processo de modernização agrícola no município de Uberlândia isto não foi levado em conta. O rural não deve ser pensado apenas na sua funcionalidade econômica, principalmente, em relação à sociedade urbana. Devemos fazer um esforço para entendermos o rural a partir da constatação de que ele é muito importante na própria transformação desta sociedade, inclusive urbana. 3 A refuncionalização da rede urbana no Triângulo Mineiro A modernização agrícola afetou, sobremaneira, a urbanização no Brasil, pois de acordo com Corrêa (1995) a partir dela tornou-se possível, nas cidades das regiões agrícolas modernizadas, a adoção de algumas outras inovações, especialmente aquelas ligadas à prestação de serviços, à informação e comunicação e ao mundo financeiro. A implantação destas inovações nas áreas de cerrado implicou numa refuncionalização dos centros já existentes e também na criação de novos centros. No Triângulo Mineiro, a partir dos anos 1970, começa a ocorrer essa refuncionalização dos centros urbanos em decorrência das transformações no campo, da industrialização planejada e das inovações tecnológicas impostas à economia regional, o que levou à projeção de alguns centros urbanos (SOARES, 1995). O êxodo rural na região e o esvaziamento cada vez maior do campo e também de algumas cidades, à medida que a urbanização se concentra em alguns núcleos urbanos, como é o caso de Uberlândia, é evidenciado também por Soares (1995, p. 86) esse crescimento assentado em base forte, que é a agropecuária faz ou não evita que a nossa, seja uma região expulsora de população, o que tem demonstrado uma certa precariedade das condições de vida e, principalmente, êxodo rural, onde o campo está esvaziando cada vez mais; esvaziamento que se estende também a algumas cidades, à medida que a urbanização se concentra em núcleos como Uberaba, Uberlândia e Ituiutaba. Na tabela 4, através das taxas médias de crescimento populacional entre os anos de 1940/1980, são demonstrados os altos índices médios de crescimento da população urbana, 15128

bem como de decréscimo da população rural do município de Uberlândia. A taxa média total era de 4,45, a urbana era de 6,05 e a rural de 1,89. Assim, as principais cidades dessa rede urbana, atingidas pela modernização da economia, passam a ser o destino dos movimentos migratórios, uma vez que esse processo redefiniu o papel desempenhado pelas mesmas com relação às atividades econômico/sociais da região (SOARES, 1995, p.88). Tabela 4 - Triângulo Mineiro: taxas médias de crescimento populacional 1940 / 1980 MUNICÍPIO TOTAL URBANA RURAL Uberlândia... 4.45 6.05-1.89 Uberaba... 2.09 4.04-1.26 Ituiutaba... 2.54 7.22-2.23 Araxá... 3.28 4.16-1.97 Araguari... 2.18 3.78-1.70 Micro-Uberlândia... 3.17 5.59-0.91 Micro-Pontal T. Mineiro.. 3.63 6.47 2.14 Micro-Uberaba... 2.38 4.27-1.34 Micro- A. Paranaíba... 1.05 3.89-0.90 Micro-Planalto Araxá... 1.36 3.71-1.09 MACRO IV... 2.47 4.67-0.44 MINAS GERAIS... 1.73 4.26 0.34 Fonte: SOARES, B. R. (1995, p. 87). Adaptado por MONTES, S. R. (2004). Ainda nas reflexões de Soares (1995), a economia do município de Uberlândia está voltada para setores de produção, distribuição e consumo de mercadorias e com intercâmbio comercial, principalmente, com São Paulo, Goiás, Mato Grosso e com o próprio Estado de Minas Gerais. Nesse sentido, como decorrência da concentração dessas atividades, Uberlândia canalizou a produção regional, tanto no que diz respeito ao armazenamento de grãos, como na distribuição de bens de consumo e parte da produção agrícola dos cerrados, e, dessa maneira, criou condições para a implantação de um complexo agroindustrial diversificado e de porte expressivo, no contexto regional (SOARES, 1995, p. 99). Todo esse processo de desenvolvimento econômico-produtivo alicerçou a influência regional de Uberlândia e a história político-econômica do Triângulo Mineiro, a partir da 15129

metade do século XX, será a História da consolidação das elites de Uberlândia, no cenário nacional (BACELAR, 2003, p.130). Como a cidade de Uberlândia consegue, através de seu poder hegemônico, exercer uma grande influência a nível regional, em relação a seus distritos não seria diferente. É impossível estudar a estrutura sócio-espacial dos distritos sem levar se em conta o processo de urbanização da cidade de Uberlândia e as mudanças que esta conseguiu provocar. A nossa reflexão sobre os distritos encontra-se embasada nos dados iniciais coletados, uma vez que ainda estamos em início de pesquisa e o que faremos é uma análise preliminar em forma de questionamentos a partir da reflexão sobre a realidade política, econômica e social do município de Uberlândia, apresentada anteriormente. 4 Os distritos do município de Uberlândia e as relações urbano e rural Vimos que as múltiplas interações entre o urbano e o rural no município de Uberlândia foram marcadas pelo desenvolvimento capitalista, principalmente, no campo. A modernização agrícola favorecendo a concentração fundiária e a mecanização do campo contribui para a expulsão do pequeno agricultor e grande parte da mão-de-obra rural. Diante da reduzida oferta de trabalho e da atração exercida pelo modo de vida urbano estes pequenos agricultores e trabalhadores rurais irão se deslocar para as cidades e vilas (distritos). Outro fator que também incentivou a saída do homem do campo foi a mudança nas leis trabalhistas. Para os grandes proprietários é mais vantagem manter apenas trabalhadores temporários, livrando-se de encargos trabalhistas que teriam com o trabalhador permanente. Dessa forma, [...] a contratação dos trabalhadores assalariados temporários é uma opção racional do ponto de vista empresarial, face à conjugação de fatores como os encargos e obrigações trabalhistas e a sazonalidade da demanda de trabalho, ocasionada por descontinuidades no processo de mecanização (GOBBI, 2002, p. 19). Ainda não comprovamos empiricamente esta realidade nos distritos, mas em função dos dados estatísticos apresentados na primeira parte deste texto e de alguns dados complementares, presume-se que no distrito de Miraporanga onde as atividades econômicas estão voltadas para a agricultura e a pecuária, existindo grandes propriedades com pecuária e culturas de soja, milho e a mais significativa delas, a plantação de laranja, pela empresa Cargill haja um equilíbrio entre trabalhadores temporários e permanentes no campo, visto que dos 4.995 habitantes do distrito, 4.880 vivem na área rural do distrito. Já no distrito de Tapuirama, a população que se concentra na sede distrital é constituída 15130

basicamente de trabalhadores rurais, pequenos comerciantes e pequenos proprietários rurais. A atividade econômica mais importante é a pecuária e atualmente vem se expandindo as lavouras de milho e soja, possuindo inclusive no distrito, dois silos de armazenagem de grãos. Estes cultivos têm atraído pessoas de outras regiões que vêm morar no distrito e se empregam de forma temporária nas atividades rurais do distrito e áreas vizinhas. Sobre os outros distritos: Cruzeiro dos Peixotos e Martinésia ainda não levantamos maiores informações econômicas mas, os moradores destes distritos assim como dos demais sofrem com o desemprego porque embora contem com uma infra-estrutura razoável esgoto, água tratada, asfalto e escolas [...] tem se intensificado nos últimos tempos: a falta de oportunidade de trabalho. Como o comércio é praticamente inexistente e não há indústrias ou propriedade rurais que empregam um grande número de pessoas, a possibilidade de crescimento com base local é praticamente nenhuma (TADEU, 2003, p. 3). Diante destas informações não podemos afirmar que a população das sedes distritais desenvolvam atividades essencialmente urbana ou essencialmente rural. Em censos demográficos ela é contada como população urbana e como já falamos anteriormente, possui um modo de vida urbano se considerarmos que vivem em casas com água encanada, energia elétrica e com ruas asfaltadas, têm telefones, vêm televisão, entre outras coisas. Mas quando se observa a forma de trabalho, geralmente temporário, em propriedades ligadas à agricultura e à pecuária, percebe-se fortes relações com o espaço rural. De acordo com Abramovay (2003), a partir de uma análise da literatura internacional, as características mais gerais do meio rural estão ligadas a três aspectos: a relação com a natureza, a importância das áreas não-densamente povoadas e a dependência do sistema urbano. [...] a dispersão populacional pode representar um valor importante nas sociedades contemporâneas em dois sentidos. Por um lado, pela oposição aos transtornos e à insegurança da vida urbana e metropolitana, um dos fatores que produzem mundialmente um movimento migratório, inclusive de camadas de média e alta rendas e com boa formação educacional, para áreas não-densamente povoadas. Por outro lado, nas áreas não-densamente povoadas é, com freqüência, menor o sentimento de solidão trazido pelo 15131

anonimato da vida metropolitana: sobretudo quando essas áreas podem representar a recuperação e o esforço de relações de proximidade familiar, comunitária e de vizinhança. Que estes valores possam transformar-se em fontes de desenvolvimento e geração de renda vai depender tanto da organização dos habitantes e das instituições rurais, como, sobretudo, do tipo de relação que conseguem estabelecer com as cidades (ABRAMOVAY, 2003, p. 33). Entretanto, para Abramovay (2003) ocorre uma relação de dependência do meio rural com o sistema urbano porque a relação do meio rural com as cidades tem uma dupla natureza: por um lado, as áreas rurais são sempre polarizadas por pequenos ou médios assentamentos onde se concentram alguns serviços e infraestrutura [...] Por outro lado, é fundamental o estudo da relação entre estas regiões rurais com os centros metropolitanos de que dependem mais ou menos diretamente (ABRAMOVAY, 2003, p. 35). Hoje não é mais possível estudar o rural separado do urbano. Sabemos que o modo de vida urbano modifica valores, atitudes e padrões de comportamento em áreas rurais, promovendo transformações no espaço mas para isto não é necessário promover uma destruição deste rural. Atualmente há uma difusão de urbanidades no campo e novas ruralidades 4 na cidade, promovendo a gestação de relações que podem estar presentes também nos distritos e de acordo com Rua ( 2001, p.39) não podem ser explicadas apenas pelas concepções tradicionais de urbano e rural. Na concepção de Carneiro ( 2001) ocorre uma revitalização do mundo rural, mesmo permanecendo na posição de subordinação e de complementariedade ao urbano[...], o mundo rural não representaria mais uma ruptura com o urbano e as transformações que lhes são atribuídas na atualidade não resultariam na sua necessária descaracterização mas em uma possível reemergência de sociabilidade e de identidades tidas como rurais (CARNEIRO, 2001, p. 4). Hoje em dia, diante da facilidade de locomoção através de meios de transportes mais eficientes e as vias de comunicação modernas, há uma maior fixação dos moradores em suas vilas de origem, o que contribui para reforçar os laços de pertencimento a uma dada 15132

localidade através da manutenção de antigas redes de sociabilidade como a de parentesco e de vizinhança (CARNEIRO, 2001, p. 7). No caso dos distritos do município de Uberlândia, apesar de existir uma distância pequena entre as sedes distritais e a cidade e de haver linhas de transporte urbano que ligam estes distritos à cidade, precisamos avaliar melhor o deslocamento permanente de moradores destes distritos para a cidade de Uberlândia, atraídos pela maior possibilidade de emprego e por acesso à educação, que ao que parece é deficitária nos distritos, alguns oferecendo apenas o ensino fundamental. Considerações finais Como vimos em tópicos anteriores, a cidade de Uberlândia se consolidou como cidade hegemônica em termos regionais a partir da influência de elites locais e exerce um poder político-econômico sobre o Triângulo Mineiro e consequentemente sobre os seus distritos. Esse desenvolvimento de bases capitalistas reforça a divisão social do trabalho, onde a cidade passa a comandar o trabalho intelectual e o poder. Para que ocorra um desenvolvimento rural, com inclusão social é preciso melhorar as condições de vida dos moradores do campo e realizar novas atividades no campo, baseadas num processo de descentralização política e de valorização de saberes tradicionais. Isto deve acontecer também nos distritos, que fazem parte da área rural do município, apesar de sua população ser considerada urbana. Porém, diante dos dados históricos-econômicos, políticos e sociais coletados constatamos que não houve uma valorização por parte da administração municipal de Uberlândia, das áreas de sedes distritais do município, estando estas carentes de melhoramentos que visem principalmente, novas oportunidades de trabalho e a única opção que os moradores dos distritos possuem acabam se voltando para as oportunidades oferecidas no campo, aumentando-se as relações destes habitantes urbanos com o espaço rural. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. In:. O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: UFRGS, 2003. p. 17-36. AGUIAR, Ronaldo C. Estado e modernização desigual da agricultura. In:. Abrindo o pacote tecnológico: Estado e pesquisa agropecuária no Brasil. São Paulo: Polis; Brasília: CNPq, 1996. p. 56-110. ANDRADE, Manuel C. de Geografia rural: questões teórico-metodológicas e técnicas. Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro, v. 25, n. 49/50, p. 3-13, 1995. BACELAR, Winston K. de. A. Os mitos do Sertão e do Triângulo Mineiro: as cidades de Estrela do Sul e de Uberlândia nas teias da modernidade. 2003. 211f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de Geografia, UFU, Uberlândia, 2003. 4- Ver mais sobre urbanidades e novas ruralidades em Rua (2001). 15133

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