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Maria João Valente Rosa* Análise Social, vol. XXXIV (151-152), 1999 (2.º-3.º), 699-705 Notas sobre a população desequilíbrios entre sexos Qualquer que seja a população, dificilmente encontramos um número de mulheres idêntico ao número de homens, tanto em termos globais como nas várias idades. Em termos globais, e segundo as informações dos X e XIII Recenseamentos da População (1960 e 1991), a população portuguesa contava, em 1960, com cerca de 92 homens por cada 100 mulheres, valor que passa para 93 em 1991. Verifica-se, deste modo, no conjunto da população, uma superioridade estatística do sexo feminino. Essa superioridade não é, contudo, extensível a todas as idades (ou grupos de idades). Com efeito, o número de efectivos do sexo masculino começa por ser superior ao número de efectivos do sexo feminino, situação que se vai invertendo consoante se avança na idade (figura n.º 1). Assim, e para todos os momentos censitários considerados, observa-se no primeiro grupo de idades (0-4 anos) que por cada 100 mulheres existem cerca de 105 homens e que, aos 75 e mais anos, existem menos de 60 efectivos do sexo masculino por cada 100 efectivos femininos. Estas variações de equilíbrio entre sexos, consoante as idades, não são fruto do acaso. Expressam o efeito de dois factores: sobremasculinidade de nascimentos e sobremortalidade masculina. Em populações com uma dimensão estatística razoável verifica-se, em princípio, um excedente masculino à nascença, que se traduz numa probabilidade de se ter um filho rapaz superior à probabilidade de se ter uma filha. Teoricamente, esse excedente dos nascimentos do sexo masculino é de 5%, * Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 699

Maria João Valente Rosa ou seja, por cada 100 nascimentos de raparigas nascem 105 rapazes. Na prática, essa razão estatística à nascença pode ser ligeiramente maior ou menor: em Portugal, de 1984 a 1997, o excedente real foi um pouco superior a esse nível teórico, tendo-se cifrado em 106 a relação de masculinidade dos nascimentos. Relações de masculinidade (número de homens por cada 100 mulheres) por grupos de idade, para Portugal, em 1960, 1970, 1981 e 1991 [FIGURA N.º 1] 120 100 80 60 40 20 0 0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 +75 Grupos etários ÿþýü ÿþ ü ÿþ ÿ ÿþþÿ Fontes: Xº a XIIIº Recenseamentos da População, INE, Lisboa (cálculos do autor). 700 Quanto ao segundo factor (sobremortalidade masculina), pode também afirmar-se que, de um modo geral, as mulheres vivem, em média, mais tempo do que os homens, sendo os valores da esperança de vida (indicador que expressa o número médio de anos que um indivíduo com uma certa idade pode esperar viver, caso as condições de vida se mantenham idênticas às do momento de referência) ilustrativos desta maior vantagem feminina. Em Portugal, por exemplo, em 1990/91, a esperança de vida à nascença foi de 70 anos (homens) e de 78 anos (mulheres); aos 40 anos foi de 34 anos (homens) e de 40 anos (mulheres); aos 65 anos foi de 14 anos (homens) e de 17 anos (mulheres); e aos 80 anos foi de 6 anos (homens) e de 7 anos (mulheres). Na actualidade, as excepções a esta «lei» (sobremortalidade masculina) são raras verificam-se apenas em sociedades extremamente pobres ou onde persistem comportamentos sexistas fortemente discriminatórios em re-

Notas sobre a população lação às mulheres (por exemplo, Bangladesh, Índia e Paquistão) 1 tornando-se a supremacia estatística do sexo feminino tanto mais notória quanto mais se avança na idade: em 1991, 58% da população portuguesa com 65 e mais anos era do sexo feminino, passando para 63% a percentagem de mulheres no grupo etário com 80 e mais anos. Afirmar a superioridade estatística das mulheres a partir de uma certa idade, enquanto consequência de uma «lei» de vida que parece vingar em quase todas as populações (e que também é observável em multiplas espécies do reino animal), não significa assumir como fixos os valores das relações de masculinidade nas várias idades (ou grupos de idades). Em Portugal, por exemplo, é precisamente em 1991 (último momento censitário) que os valores das relações de masculinidade são menos baixos, por comparação a momentos anteriores (Figura nº 1). Deste modo, de 1960 para 1991, e no caso da população com 65 e mais anos, o número de homens por cada 100 mulheres passa de 73 para 82 no grupo 65-69 anos, de 68 para 76 no grupo 70-74 anos e de 56 para 59 no grupo 75 e mais anos. Esta evolução observada em Portugal significa que as diferenças entre o número de homens e de mulheres nas idades avançadas se tornaram menores. Mas será que desta verificação pode concluir-se que com o envelhecimento das sociedades a superioridade estatística das mulheres, especialmente notória nas idades avançadas, irá desaparecer? Não, se bem que os sinais evidentes dessa supremacia das mulheres tendam a verificar-se junto das idades cada vez mais avançadas. Passamos a explicar. Não está em causa que, a partir de certa idade, o número de mulheres ultrapasse o número de homens, porque a sobremortalidade masculina não parece estar em vias de extinção. Com efeito, verifica-se que as mulheres cada vez resistem melhor à morte e mais se demarcam do sexo masculino em termos das expectativas de vida, tudo apontando para que o sexo feminino continue em vantagem perante a morte. De facto, é precisamente nas populações mais desenvolvidas que essa superioridade do número médio de anos de vida das mulheres atinge valores mais altos (superiores a 5 anos de diferença entre a esperança de vida à nascença das mulheres e dos homens), notando-se também que em muitas dessas populações aumenta o fosso entre os valores da esperança de vida masculinos e femininos. A atestar esta ideia está a evolução dos valores, para os homens e mulheres, da esperança de vida à nascença e aos 65 anos em Portugal, França e Suécia de 1960 para 1990 (quadro n.º 1). 1 Sobre este assunto, v. Jean-Claude Chesnais, «La sous-mortalité féminine: de la sociologie à la biologie», in Morbidité, mortalité: problèmes de mesure, facteurs d évolution, essai de prospective, AIDELF, nº 8, 1996, pp. 489-497. 701

Maria João Valente Rosa Esperança de vida à nascença e aos 65 anos, em Portugal, França, e Suécia, para 1960 e 1990 (sexos separados) [QUADRO N.º 1] 1960 1990 Taxa de variação (percentagem) 1990-1960 e 0 e 65 e 0 e 65 e 0 e 65 França..... Suécia..... Portugal*.. Homens........ Mulheres....... Diferença em anos Homens........ Mulheres....... Diferença em anos Homens........ Mulheres....... Diferença em anos 66,9 12,5 72,7 15,6 8,7 24,8 73,6 15,6 80,9 19,9 9,9 27,6 6,7 3,1 8,2 4,3 71,2 13,7 74,8 15,3 5,1 11,7 74,9 15,3 80,4 19,0 7,3 24,2 3,7 1,6 5,6 3,7 61,0 13,0 70,4 14,1 15,4 7,7 66,8 15,3 77,6 17,3 16,2 11,1 5,8 2,3 7,2 3,2 Fontes: Estatísticas Demográficas, Eurostat (1996). * Valores referentes aos anos médios de 1960/61 e de 1990/91 (cf. M. João Valente Rosa, «O envelhecimento e as dinâmicas demográficas da população portuguesa a partir de 1960: dos dados ao dilema», in Situação Social em Portugal, 1960-1995, Lisboa, ICS, 1996. O declínio dos níveis de mortalidade pode, deste modo, ligar-se um maior afastamento entre os tempos médios de vida femininos e masculinos, indiciando, estasituação, que as mulheres retiram maiores vantagens dos progressos sobre a morte verificados. Dois grandes tipos de razões são avançados a propósito de o sexo feminino poder figurar como o principal beneficiário em relação aos ganhos no tempo de vida. Por um lado, há quem enfatize a influência dos factores orgânicos, celulares, moleculares ou genéticos 2, sendo a capacidade biológica de adaptação às alterações do meio e das condições de vida do sexo feminino superior à do sexo masculino: por exemplo, diferenças de resistência e de metabolismo entre sexos, tornando mais fácil aos organismos femininos a eliminação de excessos de gorduras alimentares; o genotipo, feminino XX, o qual assegura uma melhor defesa contra o stress, etc. Por outro lado, há também explicações que se ligam a factores de ordem mais comportamental. Assim, e para além dos benefícios óbvios decorrentes 702 2 Esses números são informações de Jill Dias em 1983. Outros dados são fornecidos: para 1850, o número de brancos seria de 1240 e em 1898 a população branca teria crescido para 4 962 (Mourão, prelo, v. bibliografia); Cardoso (1954) calcula que, em 1800, Luanda tinha 6500 habitantes, dos quais 443 eram brancos.

Notas sobre a população dos progressos registados nas áreas médicas femininas (nomeadamente a ginecologia e a obstetrícia, os quais também contribuíram para a diminuição da mortalidade materna), certos traços do comportamento feminino podem influir para esse reforço da vantagem de vida das mulheres. Jacques Vallin 3, a este propósito, afirma, assim, que, pelo facto de, nas sociedades mais desenvolvidas, a mulher se ter tornado mais igual ao homem, isso não significa que o comportamento feminino se tenha tornado masculino. Como tal, a manutenção de certas práticas e vivências pode ajudar a compreender essa maior vantagem de vida feminina, pois as mulheres por exemplo, para além de terem níveis de consumo de tabaco e de álcool mais baixos, desempenham normalmente actividades profissionais menos perigosas para a saúde (em especial no sector terciário de menor risco, como é a administração, o ensino ou as relações públicas, sendo as profissões manuais de maior risco na construção, indústrias extractivas ou transportes mais preenchidas por homens); cultivam mais a conservação do corpo saudável e jovem (o que as leva, por exemplo, a fazerem mais exercício físico e a terem maior cuidado com a alimentação); têm um maior nível de conhecimento sanitário e de vigilância do corpo e frequentam mais habitualmente os serviços médicos (nomeadamente da especialidade de ginecologia, beneficiando da despistagem precoce de muitas doenças); etc. Mas, se uma situação de declínio dos níveis de mortalidade pode significar que as mulheres retiram maiores ganhos dessa evolução, como explicar a diminuição da supremacia estatística do sexo feminino (isto é, que cada vez existam mais homens por cada 100 mulheres), que verificámos para Portugal, nas últimas idades? Esta situação, aparentemente contraditória, pode ser percebida levando em conta o facto de o número de sobreviventes aumentar tanto menos quanto mais próxima estiver a capacidade de sobrevivência à morte do seu limite máximo (significando que ninguém morre). Imaginemos, por hipótese, duas populações: a A, em que ninguém morre até aos 65 anos (isto é, com uma probabilidade de sobrevivência igual a 1), e a B, em que só metade da população sobrevive até aos 50 anos (isto é, com uma probabilidade de sobrevivência igual a 0,5). Se se verificar um aumento da esperança de vida à nascença nessas duas populações, o impacto desta variação sobre o número de sobreviventes aos 65 anos da população A é nulo (porque já todos sobrevivem até essa idade), enquanto, no caso da população B (em que apenas metade da população chegava aos 50 anos), há ainda espaço para crescer o número de sobreviventes. Daqui resulta que, aos 65 anos, por cada 100 pessoas da população A, passarão a existir mais pessoas da população B. 3 Sobre este assunto, v. nota 1. 703

Maria João Valente Rosa Retomando o exemplo português. Um aumento de esperança de vida à nascença dos 61 para os 70 anos, como o que registou o sexo masculino entre 1960 e 1990, significou que a probabilidade de se sobreviver até aos 65 anos passou de 0,61 para 0,73 (ou seja, por cada 100 homens nascidos chegariam aos 65 anos cerca de 61, de acordo com as condições de mortalidade observadas em 1960/61, e 73, segundo a situação observada em 1990/ 91). Quanto às mulheres, o aumento da esperança de vida à nascença verificado no mesmo período, de 67 anos para 78 anos, significou um aumento da probabilidade de sobrevivência até aos 65 anos de 0,73 para 0,87 (ou seja, por cada 100 mulheres nascidas chegariam aos 65 anos cerca de 73, de acordo com as condições de mortalidade observadas 1960/61, e 87, segundo a situação observada em 1990/91). A diferença entre os sobreviventes femininos e masculinos aos 65 anos diminuiu, passando de 20% para 19% (figura n.º 2). Acresce ainda que, estando as mulheres muito mais próximas da probabilidade máxima de sobreviverem até aos 65 anos (e que é igual a 1), o acréscimo do número de sobreviventes mulheres que atingem os 65 anos não poderá ser tão significativo (porque a sua quase totalidade já chega a esta idade) como o do sexo masculino (que está bem mais longe desse nível de sobrevivência máxima). Com base nas tábuas-tipo 4 de mortalidade, é ainda possível levar esse exercício mais longe, imaginando o que aconteceria se a esperança de vida à nascença passasse para os 85 anos, no caso das mulheres, e para os 76 anos, no caso dos homens (o que corresponderia a um aumento da diferença entre os valores da esperança de vida à nascença femininos e masculinos para 9 anos). Nesta circunstância teórica, a diferença entre as percentagens de sobreviventes femininos e masculinos que chegariam aos 65 anos (83% dos homens e 97% das mulheres) baixaria bastante em relação à assinalada em 1990/91, passando de 19% para 13% (figura nº2). Assim, o número de homens que sobrevivem à morte aos 65 anos torna- -se cada vez mais próximo do número de mulheres, situação que vai reflectir-se nas relações de masculinidade das idades seguintes. Com efeito, mesmo tendo os homens expectativas de vida menores do que as mulheres, o facto de passarem a ser cada vez mais aos 65 anos faz aumentar a sua representatividade numérica em todas as outras idades idosas. Nestas circunstâncias, a superioridade de efectivos femininos nas idades avançadas poderá diminuir. Ela só ficaria reforçada caso o aumento do valor da esperança de vida feminina aos 65 anos compensasse esse significativo aumento dos sobreviventes do sexo masculino aos 65 anos. Para isso não bastaria que a 704 4 Durée de vie: les femmes creusent l écart», in Population et sociétés, INED, n.º 229, 1988.

Notas sobre a população esperança de vida feminina aos 65 anos aumentasse mais do que a masculina. Era preciso também que esse aumento fosse bastante mais significativo do que o do sexo masculino, o que não aconteceu em Portugal, onde o diferencial dos aumentos da esperança de vida aos 65 anos entre sexos, de 1960 para 1990, foi relativamente fraco, comparativamente ao que, por exemplo, aconteceu noutros países (quadro n.º 1). Percentagem de sobreviventes aos 65 anos (sexos separados) correspondentes às condições de mortalidade observadas em Portugal em 1960/61 e 1990/91 e às tábuas-tipo [modelo Oeste: e 0 (H) = 76 anos e e 0 (M) = 85 anos] [FIGURA N.º 2] tábua-tipo diferença = 13% 1990/1991 diferença = 19% 1960/1961 diferença = 20% 0% 50% 100% Mulheres Homens Fontes: X e XIII Recenseamentos da População e Estatísticas Demográficas, Lisboa, INE e «New regional model life tables at high expectation of life» in Population Index, vol. 56 (n.º 1), 1990 (cálculos do autor). O quadro explicativo para o fosso entre as esperanças de vida feminina e masculina está longe de estar completo. No entanto, e em virtude da interferência de mecanismos biológicos e comportamentais é, para já, improvável a hipótese de vir a verificar-se uma significativa igualização dos sexos perante a morte. Mas, e embora as mulheres devam continuar a contar com uma duração média de vida significativamente superior à dos homens, a supremacia estatística das mulheres poderá atenuar-se, passando a manifestar-se de uma forma particularmente evidente junto das idades cada vez mais avançadas. 705

Maria João Valente Rosa ERRATA Por lapso, na Análise Social n.º 151-152, Inverno 2000, no artigo de Maria João Valente Rosa, «Notas sobre a população desequilibrios entre sexos» (pp. 703-709), houve um erro no que se refere às notas 2, 3 e 4, pelo que, respectivamente nas páginas 706, 707 e 708, deverão ler-se as seguintes notas: 2 Sobre este assunto, v. nota 1. 3 «Durée de vie: les femmes creusent l écart», in Population et Sociétés, INED, n.º 229, 1988. 4 Cf. «New Reginal life tables at high expectation of life», in Population Index, vol. 56 n.º 1, Modelo Oeste. 706

Notas sobre a população 707