Espaço e Religião: uma abordagem pelo cinema brasileiro

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Transcrição:

Carla Monteiro Sales Universidade do Estado do Rio de Janeiro carla.msales@gmail.com Espaço e Religião: uma abordagem pelo cinema brasileiro RESUMO A religião apresenta uma vertente espacial na medida em que suas práticas impõem dinâmicas e diferenciações nos espaços em que se alocam. As expressões espaciais da religião são expressas de diversas maneiras, de tal modo que permitem ser representadas nas paisagens cinematográficas. Assim, temos a verificação dessas espacialidades gerando e ganhando respaldo nas representações fílmicas que visamos analisar através do filme O pagador de promessas (1962) INTRODUÇÃO O estudo da Religião pela Geografia baseia-se na dimensão espacial que esta prática apresenta, uma vez que grupos religiosos vivenciam e praticam sua religião em uma porção espacial que acaba por diferenciar-se de localidades cotidianas, comuns. Tais diferenciações, e outras dinâmicas espaciais originadas pela função religiosa, são perceptíveis no espaço concreto, mas também podem ser notadas em representações ou imaginários. Assim, a religião é uma vertente da cultura, e esta é uma das forças capazes de influenciar os modos de se representar, seja na pintura, nos imaginários sociais ou produções cinematográficas. Desse modo, o presente estudo é aportado nas perspectivas da geografia cultural, no sentido de encontrar um ponto culminante entre dois de seus enfoques: as dimensões estudadas pela Geografia da Religião; e como ocorrem as representações desses espaços nos constructos visuais do cinema, analisando como a paisagem cinematográfia ratifica as dinâmicas espaciais da religião. É sabido que os filmes expressam marcas culturais em imagens de lugar e paisagem (AITKEN, 1994), ao passo que a experiência religiosa impõe singulares formas e funções na paisagem (ROSENDAHL, 2003). Destarte, nossa pesquisa foca na 1

interpretação da paisagem cinematográfica e nas perspectivas da dimensão do lugar nos estudos da Geografia da Religião. Busca-se assim, perceber que as formas espaciais expressas pela religião são utilizadas na construção da espacialidade fílmica, para que assim contribua no fornecimento de sentido e unidade à narrativa. A importância de tal percepção reside no poder influenciador das representações cinematográficas que se intercalam com as próprias noções de realidade e, portanto, torna-se relevante compreender quais parcelas das marcas espaciais da religião são aproveitadas, ou mesmo sofrem manutenção, por essas representações. Assim, cabe a investigação das normas culturais e ideologias que aportam a representação cinematográficas sobre religiões, no sentido de que, os filmes não são representações neutras, mas sim uma criação cultural ideologicamente impregnada, pela qual sentidos de lugar e de sociedade são feitos, legitimados, contestados e ocultados (HOPKINS, 2009). APRESENTANDO O FILME E SUAS MARCAS ESPACIAIS RELIGIOSAS O estágio inicial no qual a pesquisa se encontra limita nossa análise de apenas um filme do Cinema Nacional, mas que acreditamos ter ampla contribuição na temática. O pagador de promessas (1962) foi dirigido por Anselmo Duarte, ganhou premiações como o Festival de Cannes e importantes indicações como para o Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme narra a historia de homem pobre, acusado de associação com a umbanda e por isso, impedido de pagar sua promessa na Igreja de Santa Bárbara, pelo padre da paróquia, gerando conflitos entre as partes. Através das contribuições dessas narrativas e dos espaços cinematográficos desse filme, poderemos discutir conceitos e idéias aportadas na geografia da religião, principalmente de território religioso, sincretismo e simbolismo religioso. 2

Capa do Filme O pagador de promessas. Disponível em: <http://www.partes.com.br/cultura/cinema/o_pagador_de_promessas_blog.jpg>. Acesso em 05/06/2010. A locação de tal filme estreita-se basicamente ao logradouro onde se encontra a Igreja de Santa Bárbara na Bahia. Ainda que diante dessa relativa escassez de cenários, podemos identificar relevantes espacialidades religiosas, pois as tramas desenvolvidas no adro da Igreja expressam a riqueza de dinâmicas envolvidas no exercício da religião. São representadas a territorialidade pelo agente religioso que pode vetar certas manifestações no interior da Igreja, também o caráter profano do redor da Igreja, onde diversas práticas são exercidas, como a própria promessa do personagem principal, e também o simbolismo e sincretismo presentes no ato de lavagem dos degraus da Igreja pelas praticantes do umbanda que também cultuam essa santa, porém resguardada sua divindade própria. Diante dessas ações que tomam forma no espaço e que são regidas pelas particularidades deste, notamos a religião como um ator espacial. Nesse contexto, Rosendahl (1996, p.59) nos define o território religioso: A religião será examinada no contexto geográfico relacionado à apropriação de determinados segmentos do espaço. Os espaços apropriados efetiva ou afetivamente são denominados territórios. Territorialidade, por sua vez, significa o conjunto de práticas desenvolvido por instituições ou grupos, no sentido de controlar um dado território. É nesta poderosa estratégia geográfica de controle de pessoas e coisas, ampliando muitas 3

vezes o controle sobre espaços, que a religião se estrutura enquanto instituição, criando territórios seus. Diante do exposto, o filme parece ratificar tais noções pela ação do padre da paróquia que impede a entrada do fiel ao tomar conhecimento que sua promessa foi realizada a favor de um animal (o burro que o sertanejo possui) e em um terreiro de umbanda. Desse modo, o padre, como profissional religioso e agente da espacialidade da Igreja, tem o poder de controle sobre o espaço delimitado pelo prédio da Igreja, que pode ser considerado como um espaço sagrado, na medida em que apresenta filtros de acesso e comportamentais. Tais filtros são exercidos justamente pelos agentes religiosos na crença de que exista uma presença divina naquele espaço que deve ser respeitada. Percebemos no filme uma nítida fronteira entre os espaços da dinâmica religiosa: o padre que desaprova a atitude do pagador da promessa pode exercer seu poder de veto no espaço delimitado pelo prédio da Igreja (o espaço sagrado), porém não demonstra desaprovação da permanecia desse fiel no pátio da Igreja, espaço que não mais demanda controles ou filtros, e por isso não necessita da territorialidade exercida pelo profissional religioso. Cena do filme O pagador de Promessas. Disponível em: <http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/pagador-de-promessas/pagador-de-promessas06.jpg>. Acesso em 05/06/2010 A relação que se torna de relevante destaque ocorre entre a representação fílmica e a realidade vivenciada. Com isso, as práticas espaciais da religião são expressas, de fato, espacialmente nas paisagens de diversas cidades. O cinema, ao buscar 4

verossimilhança em suas representações, procura apropriar e simular tais territorialidades discutidas. Entretanto não é possível delimitar influenciador e influenciado nessa relação representativa, uma vez que o cinema precisa apropriar-se do real para adquirir respaldos de verdade, mas também torna-se um poderoso agente influenciador de nossas imagens mentais sobre os espaços e duas dinâmicas, ocorrendo o mesmo para os espaços relacionados com a religião. A possibilidade de territórios temporários ou sobrepostos possibilitou categorias comportamentais entre religiões diferentes que tem suas praticas sobre um mesmo território, a saber: coexistência pacífica; instabilidade e competição; e intolerância e exclusão. Tendo em vista o que já descrevemos sobre a narrativa fílmica analisada, tenderíamos a afirmar a existência de um comportamento intolerante no território da Igreja de Santa Barbara, porém outra cena do filme pode nos apontar para outro comportamento. Estamos nos referindo a tomada das escadarias da Igreja pelas praticantes do umbanda em uma pratica de culto à esta santa. Dessa forma, há uma permissão dos atores católicos regentes da Igreja sobre esta pratica, porém existe a ressalva de ser feita um dia antes do dia destinada à Santa, para que nesse dia a territorialidade e o poder exercido pela Igreja Católica não sejam postos em relatividade. Portanto, temos na diversidade de assuntos abordados no filme, a figuração da questão do hibridismo religioso brasileiro, onde a proibição de certas praticas religiosas culminou na mistura de santos católicos sendo cultuados com o direcionamento à outras divindades de outras religiões, como é o caso de Santa Bárbara. Portanto, percebemos a configuração de certa coexistência pacifica, mas que apresentam momentos de crise quando da inserção de um novo elemento que não figurava nos acordos prévios entre as religiões que utilizam no mesmo espaço. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos apontamentos apresentados, percebemos que existe, de fato, uma espacialidade da religião que possibilita formas espaciais para construção de paisagens cinematográficas que necessitem desse contexto para sua narrativa. Tal relação 5

evidenciada entre as formas espaciais religiosas e as representações fílmicas servem para ratificar a abordagem geográfica da religião por modo de sua expressão nas artes representativas. Porém não pretendemos aqui, provar essa existência na materialidade do espaço, uma vez que o cinema não se passa como respaldo ao real, mas almejamos verificar na própria representatividade a confirmação dessas materialidades, até porque, as representações não são criações inéditas, elas necessitam de um embasamento que tem origem na vida real. (GOMBRICH, 1986) BIBLIOGRAFIA AITKEN, S. C. e Zonn, L. E., Re-presenting the place pastiche. In: AITKEN, S. C. e ZONN, L. E. (orgs). Place, power, situation, and spectacle: a geography os film. 1994. GOMBRICH, E. H. Verdade e Estereótipo. In: GOMBRICH, E. H. Arte e Ilusão: um estudo da psicológica da representação pictórica. São Paulo: Martins Fontes, 1986. HOPIKINS, J. Um mapeamento de lugares cinemáticos: ícones, ideologia e o poder da representação enganosa. In: Corrêa, R.L. e Rosendahl, Z. (orgs). Cinema, Música e Espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009. ROSENDAHL, Z. EdUERJ, 1996. Espaço e Religião: uma abordagem geográfica.rio de Janeiro: 6

ROSENDAHL, Z. Espaço, Cultura e Religião: Dimensões de Análise. In: Corrêa, R.L. e ROSENDAHL, Z. (orgs) Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro, Berthand, 2003. 7