JURIDICIDADE DO AUMENT UMENTO O DA JORNAD ADA A DE TRABALHO ALHO DE SERVIDORES PÚBLICOS Leonardo Costa Schüler Consultor Legislativo da Área VIII Administração Pública ESTUDO MARÇO/2002 Câmara dos Deputados Praça dos 3 Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF
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JURIDICIDADE DO AUMENT UMENTO O DA JORNAD ADA A DE TRABALHO ALHO DE SERVIDORES PÚBLICOS Leonardo Costa Schüler Opresente trabalho discute, sucintamente, a juridicidade da elevação unilateral, por parte da Administração Pública, da jornada de trabalho de seus servidores. Primeiramente, há de se estabelecer grave distinção entre os regimes trabalhista, de natureza contratual, e estatutário, típico do ramo do Direito do Público, no qual o Estado se apresenta em condição de supremacia perante o particular. Dessa supremacia decorre, nos dizeres de Bandeira de Mello 1, a possibilidade, em favor da Administração, de constituir os privados em obrigações por meio de ato unilateral daquela. Implica, outrossim, muitas vezes, o direito de modificar, também unilateralmente, relações já estabelecidas. Com a derrogação, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, da norma constitucional que determinava a unicidade do regime jurídico dos servidores públicos (CF, art. 37, caput, em sua redação original), convém resgatar os seguintes ensinamentos constantes de edições anteriores da clássica obra Direito Administrativo Brasileiro, do saudoso e insigne administrativista Helly Lopes Meirelles 2 : Regime estatutário é o modo pelo qual se estabelecem as relações jurídicas entre o funcionário público e a Administração, com base nos princípios constitucionais pertinentes e nos preceitos legais e regulamentares da entidade estatal a que pertence. Sob esse regime, a situação do funcionário público não é contratual, mas estatutária. Isso significa que o Poder Público federal, estadual ou municipal não faz contrato com os funcionários, nem com eles ajusta condições de serviço e remuneração. Ao revés, estabelece unilateralmente, em leis e regulamentos, as condições de exercício das funções públicas; prescreve os deveres e direitos dos funcionários; impõe requisitos de eficiência, capacidade, sanidade, moralidade; fixa e altera vencimentos e tudo o mais que julgar conveniente para a investidura no cargo e desempenho de suas funções. Tais preceitos é que constituem o estatuto em sentido amplo. Pela investidura no cargo os 3
funcionários ficam sujeitos às disposições estatutárias que lhes prescrevem obrigações e lhes reconhecem direitos, mas daí não decorre que a Administração se obrigue para com eles a manter o estatuto vigente ao tempo do ingresso no serviço público. Absolutamente, não. O Poder Público pode, a todo tempo e em qualquer circunstâncias, mudar o estatuto, alterar as condições do serviço público, aumentar ou reduzir vencimentos, direitos ou obrigações dos servidores, desde que não ofenda ao mínimo de garantias que a Constituição lhes assegura (arts. 91 a 111), porque o funcionalismo é meio e não fim da Administração. O fim da Administração é o serviço público para a satisfação do interesse coletivo; o funcionalismo é apenas o instrumento de que se serve para atingir seus objetivos. Por isso o interesse público há de prevalecer sempre sobre o interesse individual dos funcionários. É por essas razões que, no regime estatutário, o servidor não adquire direito à permanência das condições de serviço, do valor da remuneração, à amplitude dos direitos e dos limites das obrigações estabelecidos no estatuto sob o qual foi investido. No interesse do serviço público, aquelas condições e aquele valor podem ser alterados, ainda que em seu prejuízo pessoal; os seus direitos podem ser restringidos e as suas obrigações ampliadas, sem necessidade de sua aquiescência e sem que possa opor-se às modificações unilaterais da Administração.... Regime trabalhista é o modo pelo qual se estabelecem as relações jurídicas entre a Administração Pública e os servidores contratados nos termos da CLT (Decreto-lei federal 5.452, de 1º. 5. 1943).... Nesse regime, o vínculo empregatício é de natureza contratual, equiparando-se a Administração ao empregador comum, sem quaisquer prerrogativas especiais. Assim sendo, não lhe é lícito alterar unilateralmente as condições pactuadas, diversamente do que ocorre no regime estatutário.... As decisões judiciais se harmonizam com os ensinamentos doutrinários recém transcritos. Já no ano de 1951 o Supremo Tribunal Federal decidia (Recurso Extraordinário nº 15.530/BA, DJ 30.08.51, p. 8.104): - A situação do funcionário perante o Estado não é contratual mas estatutária. Se a mesma Constituição, que não permite à lei prejudicar o direito adquirido, só não faculta a redução de vencimentos no tocante aos magistrados (art. 95 nº III) para o resguardo da independência de suas funções e conseqüente proteção de seus jurisdicionados, deixou claro que, em regra, são redutíveis por lei os proventos dos demais funcionários públicos, e que, na garantia do direito adquirido, não se compreende a irredutibilidade de tais proventos. Desde então, a Corte Máxima reiterou inúmeras vezes esta posição de que pela natureza estatutária das relações do funcionário público com a Administração, pode tal regime ser modificado por lei, sem que isto ofenda o princípio constitucional de garantia ao direito adquirido (Recurso Extraordinário n.º 99.592-7/ RJ, RTJ 108, p. 382), tornando a jurisprudência mansa e pacífica. Especificamente a respeito da elevação da jornada de trabalho, pode-se invocar o acórdão proferido pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região nos autos da Apelação Cível n.º 1998.010.00.94274-0/MG (DJ 24.04.2000, p. 72), de cuja ementa consta que: Observando o limite constitucional, a Administração é livre, por ato normativo, para modificar horário de trabalho, ampliando ou reduzindo a jornada, segundo critérios de conveniência do serviço público, sem que importe a redução da remuneração de seus servidores, a qual não se escalona por jornada fixa ou variável, ou seja, por quantidade de horas trabalhadas, mas pelo padrão de vencimentos e outorga de vantagens previstas em lei. Ainda sobre a mesma matéria, o Colegiado recém citado, ao decidir a Apelação Cível n.º 1998.010.00.64955-3/MG (DJ 15.03.99, p. 60), manifestou-se no sentido de que: Inexistindo direito adquirido a determinado regime jurídico de trabalho e observados os limites constitucionais e legais, lídimas as normas que estabeleceram a jornada de trabalho de servidor público federal em 08 (oito) horas e 40 (quarenta) semanais, independentemente de acréscimo salarial. 4
Finalmente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a majoração da jornada de trabalho dos servidores públicos não apenas é lícita como ainda sequer enseja direito a compensação remuneratória. O voto do Ministro Felix Fischer, relator do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 8.072/GO (DJ 25.02.98, p. 94), assim repele a tese: Quanto à irredutibilidade salarial, não se pode dizer que o princípio restou violado e, para tanto, é necessário perquerir qual o significado da garantia constitucional. Na realidade, o legislador quis levar em conta o valor nominal da remuneração, ou seja, ao interpretar o conteúdo do princípio chega-se a conclusão que a intenção da norma foi evitar redução quantitativa dos ganhos do trabalhador. O funcionário público tem sim, depois do advento da Constituição de 1988, direito adquirido aos vencimentos já incorporados ao seu patrimônio jurídico, entretanto, não pode exigir da Administração Pública que, ao legitimamente tomar medidas para melhor atender aos interesses sociais, seja obrigada a elevar a remuneração a pretexto de atender a norma constitucional que estabelece o princípio de irredutibilidade. Em suma, o Estado detém poder discricionário para alterar unilateralmente o conjunto de direitos e obrigações, legalmente instituído, a que estão subordinados os ocupantes de cargos públicos, inclusive a jornada de trabalho a cujo cumprimento estão obrigados. Já para os ocupantes de empregos públicos, sempre se haverá de respeitar o convencionado entre as partes, respeitando o direito adquirido,. NOTAS DE REFERÊNCIAS 1 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo: 9ª ed. 1997, p. 30. 2 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais Ltda., São Paulo: 12ª ed. 1986, pp. 344-346 e 349-350. 200655 200655 5