Qualidade e aproveitamento de peles de caprinos Manuel Antonio Chagas Jacinto Pesquisador do IPT/CTCC Doutorando em Zootecnia na FCAVJ-UNESP, Campus de Jaboticabal A qualidade da pele e do couro, após o curtimento, está relacionada com o manejo do animal durante sua criação, aos processos de abate (contenção do animal, abate, linhas de corte, esfola) e ao curtimento (conservação das peles, armazenamento das peles conservadas e curtimento). As peles de caprinos curtidas sem o pêlo seguem metodologia de curtimento semelhante às peles bovinas, entretanto, se o objetivo é a preservação do pêlo, o processo é iniciado na etapa de píquel, suprimindo aquelas que promovem a depilação. Na produção de couro as peles passam por operações mecânicas como descarne, divisão, enxugamento, rebaixamento, estiramento, vácuo, lixamento, amaciamento, prensagem e medição, e por processos químicos que utilizam a água como veículo na difusão dos produtos químicos, como, remolho, caleiro, desencalagem, purga, desengraxe, piquelagem, curtimento, neutralização, recurtimento, tingimento, engraxe, acabamento (THORSTENSEN, 1976). No caleiro, a camada epidérmica é eliminada da derme, com os pêlos. Nesta etapa, as peles podem ser tratadas com hidróxido de cálcio (cal), sulfeto de sódio, aminas e enzimas. O contato das peles com produtos alcalinos favorecem o intumescimento, muito importante no início do processo de limpeza da estrutura fibrosa da pele. Na desencalagem, etapa que se segue ao caleiro, é feita a eliminação dos produtos utilizados no caleiro na forma de sais solúveis, preparando a pele para receber a purga. A purga é realizada com enzimas visando a limpeza da estrutura fibrosa pela eliminação dos constituintes da pele que não fazem parte da rede de colágeno, atuando sobre as proteínas globulares, glândulas, gorduras naturais e componentes queratínicos degradados no caleiro. A purga é realizada em limites controlados de ph e temperatura do banho para que apresente seu melhor desempenho. Após a purga as peles ainda apresentam gorduras naturais entre a estrutura fibrosa que devem ser eliminadas para não prejudicar as etapas subseqüentes. Os sistemas de curtimento modernos empregam o desengraxe desde o caleiro até o curtimento, utilizando tensoativos, solventes e enzimas adequados ao ph
de cada etapa. No píquel, etapa que antecede o curtimento, as peles são preparadas para receberem os agentes curtentes que podem ser inorgânicos de origem mineral, ou orgânicos de origem vegetal, sintético, e aldeídos. Na composição do píquel, além da água utilizada podem ser empregados ácidos orgânicos e inorgânicos e cloreto de sódio. No final do píquel os ácidos empregados são combinados com a proteína determinando um ph próximo de 3,0, nesta condição a rede de fibras de colágeno poderá receber o agente curtente para transformá-las em couro, material estável e imputrescível (THORSTENSEN, 1976). A estabilidade à ação da água quente consiste no método de verificação da quantidade de curtente incorporado pela pele e combinado com o colágeno, sendo muito empregado na avaliação das peles curtidas ao cromo. No final do curtimento, utilizando o cromo, os couros recebem a denominação de wet blue, pois apresentam a cor azul própria daquele curtente. Nessas condições, podem ser armazenados por longos períodos, se receberem o tratamento com fungicidas e forem mantidos envoltos em plástico para evitar a desidratação. Após o curtimento, os couros são enxugados e rebaixados para a espessura próxima àquela solicitada pelo mercado, sendo classificados quanto à ocorrência de defeitos. Em seguida seguem para a etapa de neutralização onde o ph será adequado às características dos produtos de recurtimento. O recurtimento é executado após a etapa de neutralização ou antecedendo-a, com o objetivo de definir parte das características físico-mecânicas do couro, tais como, maciez, elasticidade, "enchimento" e algumas características de "toque" e tamanho de poro - abertura do folículo piloso. Os produtos de recurtimento são empregados isoladamente ou misturados e podem ser orgânicos ou inorgânicos. No mesmo banho de recurtimento ou em novo banho os couros são tingidos com corantes (anilinas) aniônicos ou catiônicos dependendo do ph do substrato e do efeito desejado. As fibras do couro ainda úmidas, deslizam facilmente entre si, mas com a secagem tornam-se rígidas devido à desidratação e à aglutinação, formando um composto compacto. A operação de engraxe é realizada com a finalidade de lubrificar o couro, o que é conseguido pela incorporação de substâncias solúveis ou não em água. Os lubrificantes mantêm as fibras do couro separadas para deslizarem facilmente umas em relação às outras. Mediante o engraxe é aumentada a resistência ao rasgamento (BOCCONE et al., 1987) e à distensão da flor. A composição, a quantidade e as combinações dos lubrificantes determinarão produtos distintos com diferentes graus de hidrofugação e maciez.
Após as etapas de neutralização, recurtimento, tingimento e engraxe, os couros são estirados e submetidos ao vácuo para a eliminação do excesso de água, e posteriormente são secos naturalmente no ambiente interno do curtume ou através de estufa. Seguido à secagem os couros são recondicionados para adquirirem a umidade adequada para a operação de amaciamento, seguindo para a lixa e posteriormente para o acabamento final, onde receberão o tratamento que determinará seu aspecto definitivo. Ensaios físico-mecânicos de controle de qualidade Os ensaios físico-mecânicos são os meios para a verificação e a garantia da qualidade de peles e couros e devem fazer parte de um programa global da empresa para a implantação e manutenção do sistema da qualidade. Os ensaios físico-mecânicos são executados sob padrões estabelecidos por normas técnicas (BOCCONE, 1978), e empregados na avaliação de couros frente à carga e resistência à tração, NBR 11041 (ABNT, 1997), carga e resistência ao rasgamento, NBR 11055 (ABNT, 1997), resistência da flor à distensão pela esfera, NBR 11669 (ABNT, 1991). JACINTO (1993), estudando as propriedades físicas do couro de caprinos da raça Saanen, observou que os valores para carga de resistência à tração, carga e resistência ao rasgamento e resistência à distensão foram superiores aos valores-referência para cabedal de calçados (BASF, 1984). COSTA et al. (1998a) estudaram o efeito da idade do animal na qualidade do couro de caprinos criados em regime semi-extensivo no sertão paraibano e encontraram que os couros de animais abatidos aos 150 e 300 dias de idade são, considerando-se as características físicas, de boa qualidade e adequados a fabricação de calçados. COSTA et al. (1998b), analisando a qualidade do couro de caprinos submetidos a diferentes níveis de substituição do leite por soro de queijo até a desmama, constataram que os valores encontrados estão acima dos valores de referência para um produto de boa qualidade. Comércio de Peles e Couros de Caprinos O Brasil ocupa posição de destaque na criação de caprinos, situando-se entre os 10 maiores produtores mundiais. Na Região Nordeste brasileira concentramse aproximadamente 90% do rebanho caprino nacional. A pele de caprino é um produto de expressão econômica, representando entre 10 a 12% do valor do animal, variando de acordo com o porte do animal (ARBIZA, 1986). No Nordeste, a pele constitui o principal produto da espécie caprina (JARDIM, 1984).
Informações obtidas dos curtumes Campelo, Moderno, Europa e Cobrasil, situados na região nordestina, comercializam peles salgadas secas por 4 a 6 reais independente da classificação e tamanho. O rendimento é de aproximadamente: 20% classificação Única (tamanhos pequeno, médio e grande) 60% classificação Econômica (tamanhos pequeno, médio e grande) 20% classificação Forro (tamanhos pequeno, médio e grande) O valor médio cobrado para transformar as peles salgadas em couro no estágio Wet blue é de US$ 0,30. As peles são compradas por unidade, curtidas com base no peso e vendidas por metro. As peles variam em tamanho mas são consideradas pequenas de 40 a 60 cm 2 e grandes, acima de 60 cm 2. As peles menores são mais valorizadas. Tabela 1. Preço médio por couro segundo o artigo, a classificação e o tamanho. CLASSIFICAÇÃO PREÇO MÉDIO (R$) DOS ARTIGOS (m) Pelica Lustrada Pequena Grande Pelica Pigmentada Pequena Grande Camurça Pelica Forro Única 31,56 29,77 31,10 27,98 32,00 17,68 Econômica 25,24 23,83 24,88 22,38 25,60 14,13 Tabela 2. Preço médio por couro, segundo o artigo e a classificação. CLASSIFICAÇÃO PREÇO MÉDIO (R$) DOS ARTIGOS (m) Acabado (Lustrada, Pigmentada) Semiacabado Forro 1ª a 4ª 38,00 22,00 Econômica 27,00 17,00 14,00 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARBIZA, S. I. A. Products caprinos. In: Produccion de caprinos. México: AGT Editora, 1986, p. 105-181. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Couros: determinação da
ruptura e da distensão da flor - Lastômetro, MB3307. Rio de Janeiro, 1991. 4 p.. Couros: determinação da força de rasgamento progressivo, NBR11055, MB3015. Rio de Janeiro, 1997. 4 p.. Couros: determinação da resistência à tração e alongamento, NBR11041, MB3013. Rio de Janeiro, 1997. 3 p. BASF. Vademécum para el técnico en curtición. 2 ed. Ludwigshafen, 1984. 441 p. BOCCONE, R. I., FONTANA, J., BELLO, M. Influencia de algunos agentes de engrase sobre las propiedades de cueros ovinos sin lanas. Monogr. Tecnol., Montevideo, n. 18, p. 1-12, 1987. BOCCONE, R. I., FONTANA, J.A., KAMP, G. Distribution of mechanical properties in wool-on sheepskins. J. Soc. Leath. Trades Chemists, London, v. 62, p. 128-32, 1978. COSTA, R. G., et al. Efeito da idade do animal na qualidade do couro de caprinos criados em regime semi-extensivo. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 27, 1998, Botucatu. Anais... Botucatu: SBZ, 1998a. p. 355-358. COSTA, R. G., et al. Qualidade do couro de caprinos submetidos a diferentes níveis de substituição do leite por soro de queijo até a desmama. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 27, 1998b. Botucatu. Anais... Botucatu: SBZ, 1998b. p. 359-361. JACINTO, M. A. C. Características anátomo-estruturais da pele de ovinos (Ovis aries L.) lanados e deslanados, relacionadas com o aspecto físico-mecânico do couro após o curtimento. São Paulo, 1996, 90 p. Dissertação (Mestrado em Curtimento) Departamento de Zootecnia, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" UNESP, Campus de Jaboticabal. JARDIM, W. R. Criação de caprinos. 11 a ed. São Paulo, Nobel, 1984. 353 p. THORSTENSEN, T.C. Practical leather technology. 2. ed. Huntington: Robert E Krieger Publishing, 1976. 294 p.