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Transcrição:

PEDIDO DE FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE Meritíssimo Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional PEDIDO DE FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE: R-1872/99 (A6) DATA: 1999-07-23 Assunto: Direito de Propriedade Arrendamento Rural Restrição de Direitos, Liberdades e Garantias Proporcionalidade. O Provedor de Justiça, no uso da sua competência prevista no art.º 281.º, n.º 2, d), da Constituição da República Portuguesa, vem requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade da norma contida no artigo 5º do decreto-lei n.º 547/74 de 22 de Outubro. Entende o Provedor de Justiça que esta norma viola os artigos 18.º, n.º 2, e 62º da Constituição, pelas razões adiante aduzidas. O decreto-lei n.º 547/74 de 22 de Outubro estabeleceu o regime aplicável aos casos de arrendamento rural em que as terras foram dadas de arrendamento no estado de incultas ou em mato e se tornaram produtivas mediante o trabalho e investimento do rendeiro. 1.º O art.º 5º, n.º 1, deste diploma dispõe que "O rendeiro tem o direito de remir o contrato, tornando-se dono da terra pelo pagamento do preço que for fixado pela comissão arbitral". 2º 3º O n.º 2 refere que "este preço será determinado pelo valor potencial da terra, excluídas as benfeitorias, tendo em conta o estado em que se encontra a terra no início do contrato." 4º O art.º 48º da Lei n.º 76/77 de 29 de Setembro veio estipular que a competência atribuída às comissões arbitrais nos artigos 5º, 7º e 8º do decreto-lei n.º 547/74 de 1

22 de Outubro passava a caber ao tribunal da comarca da residência do arrendatário, revogando o art.º 3º do decreto-lei n.º 547/74 de 22/10. 5º Previu ainda que o Governo, no prazo máximo de 6 meses, deveria proceder à revisão do decreto-lei n.º 547/74, revisão que não veio a acontecer, mantendo-se o diploma inalterado. 6º Deste modo, não existe dúvida de que a Lei n.º 76/77 não revogou na totalidade o decreto-lei 547/74, mas apenas o seu art.º 3º. A Lei n.º 76/79 de 3/12 procedeu à revisão da Lei do Arrendamento Rural (Lei 76/77) não procedendo a qualquer alteração do seu art.º 48º. 7º Assim, mantendo esta norma em vigor, o legislador de 1979 em nada afectou a vigência do decreto-lei n.º 547/74. 8º 9º Por sua vez, o art.º 40º do decreto-lei n.º 385/88, procedeu à revogação da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro e da Lei n.º 76/79, de 3 de Dezembro, não procedendo de forma expressa nesta norma revogatória à revogação do decreto-lei n.º 547/74. 10º E sendo o decreto-lei n.º 547/74 de 22 de Outubro uma lei especial relativa a um tipo especifico de arrendamento (contratos que tiveram por objecto as terras dadas de arrendamento incultas ou em mato), não podia a mesma ser revogada de forma implícita pelo decreto-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, lei disciplinadora das relações de arrendamento rural de modo genérico. 11º 2

Igualmente me parece ser de excluir, conforme se refere no Acórdão da Relação de Évora de 14.01.93 (Col. Jur. XVIII, 1, 263), a hipótese de o referido decreto-lei se ter extinguido por caducidade, quer "porque continuam a existir casos para sua aplicação", quer porque não se tratava de um diploma com prazo de vigência. 12º Assim, os contratos de arrendamento de terrenos incultos para serem desbravados e cultivados, celebrados ao abrigo do disposto no decreto-lei n.º 547/74 de 22/10, continuam a reger-se pelo regime jurídico contido neste diploma legal cfr. Ac. da Relação de Évora cit. 13º De acordo com o texto do preâmbulo do decreto-lei n.º 547/74, este diploma destinava-se a obstar que os proprietários das terras se apoderassem das benfeitorias feitas pelos seus rendeiros e os despejassem destas terras em "violação dos princípios elementares de justiça social." 14º Conforme se refere ainda nesse texto do preâmbulo "Esta situação, que está em manifesta oposição com os princípios do programa do Governo Provisório, tem de cessar imediatamente, o que se leva a efeito através do presente diploma, que não só atribui ao rendeiro o direito às benfeitorias, como cria as condições para, à semelhança dos aforamentos, se poderem extinguir os contratos existentes, através da consolidação, na pessoa do rendeiro, do direito da propriedade do solo, mediante remição." 15º Conforme refere Menezes Cordeiro (Direitos Reais, Lisboa 1979, reimpr. 1993) o decreto-lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, veio criar um novo direito real que se aproxima da superfície no que toca à propriedade sobre as benfeitorias e também à enfiteuse, pela faculdade de remição. 16º Citando o mesmo autor, "Temos aqui uma situação em que os beneficiários são titulares de um direito real complexo que, partindo do direito do arrendatário rural, compreende também uma propriedade sobre benfeitorias, um direito real de aquisição e, eventualmente, um direito real de garantia." 3

17º Entendo que este direito de remição do rendeiro viola a garantia constitucional de propriedade privada prevista no art.º 62º da CRP. 18º De facto, o art.º 62º da CRP prevê o direito à propriedade privada e estipula que apenas podem existir limitações a este direito por requisição e expropriação por utilidade pública com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização. 19º De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, pg. 335) o conceito de utilidade pública traduz-se "no acto através do qual a autoridade competente atesta o interesse público da obra ou trabalho legitimador do sacrifício de bens ou direitos patrimoniais dos particulares." 20º E referem ainda os autores citados (loc. cit., pg. 335) que "utilidade pública não significa necessariamente utilidade em benefício do interesse de entidades públicas, podendo tratar-se de utilidade pública para fins privados ("utilidade pública desportiva", "utilidade pública turística")", mas avisam, "este alargamento de utilidade pública deverá estar sujeito a requisitos especiais, sob pena da expropriação se transformar numa forma de ablação de bens particulares a favor de particulares." 21º Ora, estou em crer que o direito de remição do rendeiro previsto no diploma em análise, de se tornar dono da terra, independentemente da vontade do proprietário da mesma, constitui de facto uma ablação de um direito de um particular a favor de outro particular, não encontrando qualquer utilidade pública que o justifique. 22º É que nas situações supra mencionadas de utilidade pública desportiva ou turística, embora não isentas de dúvidas, como os próprios autores reconhecem, ainda pode encontrar-se uma finalidade pública no acto expropriatório já que existe utilização 4

dos bens/terras por parte do público em geral que daí retira benefícios, os quais podem ser considerados como de relevante interesse público. 23º Já no caso em estudo não me parece existirem quaisquer fins públicos mas apenas fins privados que se destinam a proporcionar ao rendeiro e sua família o direito às benfeitorias realizadas e a evitar o seu despejo das terras pela consolidação da sua situação jurídica. 24º Ora, quer uma quer outra destas finalidades são alcançadas com outras medidas legais já preconizadas neste diploma, tais como o regime de propriedade das benfeitorias (cfr. art.º 2º do decreto-lei n.º 547/74 de 22 de Outubro) ou a limitação dos casos de cessação do contrato (cfr. art.º 4º do mesmo diploma). 25º Embora o direito de propriedade não faça parte do elenco dos "direitos, liberdades e garantias", conforme refere a unanimidade da doutrina goza pelo menos do seu regime material, por revestir natureza análoga aos mesmos (cfr. art.º 17º da CRP). 26º Manifestamente na sua vertente negativa ou de defesa, o direito de propriedade possui natureza análoga aos "direitos, liberdades e garantias", compartilhando do respectivo regime específico. 27º Assim, a lei apenas pode restringir o direito de propriedade" nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" cfr. art.º 18º, n.º 2, da CRP. 28º No presente caso a privação de um direito de propriedade contra a vontade do próprio revela-se desproporcionada face aos fins que se pretende obter sendo possível alcançar esse fim por outras vias. 5

29º Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (na obra supra referida) "o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, (b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias, (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa "justa medida", impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos." 30º Nesta senda, entendo que o direito de remição do rendeiro viola quer o princípio da exigibilidade, quer o princípio da proporcionalidade em sentido estrito a que devem obedecer as restrições a direitos de natureza análoga a direitos fundamentais. 31º De facto, o fim visado pelo diploma em análise, como aliás já referi, podia ser obtido por outro meio menos oneroso para o direito do proprietário, revelando-se a ablação do direito de propriedade do dono da terra como uma medida desproporcionada, excessiva e injusta em relação aos fins obtidos. Nestes termos solicito a V. Ex.a. a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art.º 5º do decreto-lei n.º 547/74 de 22 de Outubro, nos termos do art.º 281º, n.º 1, a), e n.º 2, d), da Constituição da República Portuguesa, por violação dos art.º 18.º, n.º 2, e 62.º da Lei Fundamental. O Provedor de Justiça (José Menéres Pimentel) Acresce que, sendo o preço das terras fixado, ao que julgamos, pelo Tribunal da Comarca (apesar do art.º 48º da Lei n.º 76/77 de 29/09 ter sido revogado pelo decreto-lei n.º 385/88 de 25/10), este preço pode nem sequer preencher o requisito de justa indemnização. 6