SUMÁRIO Aula 9: Eixo hipotálamo-hipófise 9.1 Introdução: o hipotálamo e a glândula hipófise 9.2 Hipófise posterior (neuro-hipófise) 9.3 Hipófise anterior (adeno-hipófise)
9.1 Introdução: o hipotálamo e a glândula hipófise Embora represente apenas uma pequena fração da massa encefálica (menos de 1%), o hipotálamo é uma estrutura chave no funcionamento do organismo. Diversos comportamentos básicos, como o sexual, o de agressão e defesa, o alimentar e o de ingestão hídrica são integrados no hipotálamo. Funções vegetativas, como a manutenção do volume e da osmolaridade plasmática, da pressão arterial e da temperatura corporal, também dependem do funcionamento adequado dessa estrutura. Com esses exemplos, percebemos que essa pequena estrutura do sistema nervoso está envolvida direta ou indiretamente com praticamente todas as funções corporais. Vimos que, para que isso seja possível, projeções hipotalâmicas modulam boa parte do sistema nervoso autônomo, incluindo as divisões simpática e parassimpática. Além disso, o hipotálamo pode ser visto como uma interface entre os sistemas nervoso e endócrino, assunto que trataremos nesse capítulo. A íntima relação entre esses dois sistemas é, como veremos, fundamental para o desenvolvimento e para a manutenção da homeostase corporal. Os núcleos que compõe o hipotálamo, no diencéfalo, localizam-se ao longo das paredes do terceiro ventrículo, e estão logo abaixo do tálamo (Figura 9.1). Por meio de uma haste, denominada infundíbulo, o hipotálamo está conectado à glândula hipófise (também conhecida como pituitária). Essa glândula encontra-se na base do crânio, numa cavidade do osso esfenoide chamada sela túrcica (Figura 9.2). A hipófise possui dois lobos com funções e origens embriológicas distintas: a hipófise anterior, ou adeno-hipófise, e a hipófise posterior, ou neuro-hipófise (Figura 9.3). Como dissemos no passado, a hipófise é muitas vezes considerada a glândula mestra do organismo, pois exerce controle sobre a maioria das outras glândulas endócrinas do nosso corpo. Veremos, contudo, que a hipófise é na verdade controlada pelo hipotálamo, e que este, por sua vez, recebe projeções de diversas regiões do sistema nervoso (Figura 9.4).
Figura 9.1: Núcleos hipotalâmicos em torno do terceiro ventrículo. / Fonte: modificado de BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002. Figura 9.2: Localização da hipófise dentro da sela túrcica do osso esfenoide. / Fonte: modificado de SILVERTHORN, 2010.
Figura 9.3: Origem embriológica diferenciada da adeno-hipófise (em violeta) e neuro-hipófise (em azul). / Fonte: modificado de AIRES, 2012. Figura 9.4: A figura ilustra as aferências para o sistema hipotálamo-hipófise e o papel exercido pelo eixo no organismo. / Fonte: modificado de CURI; PROCOPIO, 2009.
9.2 Hipófise posterior (neuro-hipófise) A hipófise posterior secreta dois neuro-hormônios peptídicos: a ocitocina e a vasopressina, também conhecida como hormônio antidiurético (ADH). Esses hormônios são produzidos por neurônios cujos corpos celulares estão localizados no hipotálamo. Seus axônios percorrem o infundíbulo e terminam na hipófise posterior, que não possui células endócrinas (produtoras de hormônios), mas é na verdade uma extensão do tecido neural (Figura 9.5). Figura 9.5: Os hormônios secretados pela neuro-hipófise são produzidos por neurônios cujos corpos celulares estão localizados no hipotálamo. Seus axônios neurônios atravessam o infundíbulo e terminam na hipófise posterior. / Fonte: modificado de SILVERTHORN, 2010. Como vimos, a ocitocina possui importante função na reprodução. Ela é fundamental no momento do parto, pois induz a contração da musculatura lisa uterina, provocando a expulsão do feto. Também participa do processo de amamentação, estimulando a contração da musculatura lisa das células
mioepteliais das glândulas mamárias, provocando a ejeção do leite materno (Figura 9.6). Esse reflexo neuroendócrino é deflagrado pelo estímulo de sucção do mamilo pelo bebê, que ativa mecanorreceptores, gerando informação sensorial para o hipotálamo que estimula a secreção de ocitocina na neuro-hipófise. Recentemente, o papel da ocitocina na modulação do comportamento dos homens e de outros animais tem sido intensamente investigado. Esse pequeno peptídeo parece exercer um importante efeito positivo em comportamentos pró-sociais, promovendo a cooperação entre os indivíduos. Também parece favorecer o vínculo afetivo entre mãe e filho. Por essa razão, esse neuro-hormônio tem recebido as alcunhas de hormônio do amor e da confiança, ou molécula da moralidade. (&)!*+,))#%&'!"#$!"#%&' +#%)' -./%01.&)' 2&23+#&)' 4$,+!' Figura 9.6: A ocitocina age sobre as células das glândulas mamárias, bem como da musculatura lisa que compõe o útero. No primeiro caso, ela provoca a ejeção de leite; no segundo, participa do mecanismo de parto. A vasopressina age nos rins, promovendo a retenção hídrica. Com estrutura química similar à ocitocina, a vasopressina exerce um importante papel na manutenção do volume dos líquidos corporais. Como veremos com mais detalhes futuramente, a vasopressina é produzida quando
há uma diminuição do volume sanguíneo. Isso é detectado por células especializadas localizadas nos rins, que secretam em resposta um hormônio denominado renina, que, por sua vez, participa da formação de outras substâncias, chamadas angiotensina I e angiotensina II. Esta última irá agir no hipotálamo estimulando a secreção de vasopressina. Uma vez na corrente sanguínea, a vasopressina irá agir de volta nos rins, impedindo a formação de urina e promovendo a retenção de água daí seu outro nome: hormônio antidiurético (Figura 9.6). Outro estímulo para a secreção de vasopressina é o aumento da concentração salina do plasma, detectada diretamente por células do SNC. A secreção de vasopressina nesses casos é acompanhada pela sensação de sede, e a ingestão de água ajuda a recomposição hídrica do organismo. 9.3 Hipófise anterior (adeno-hipófise) Ao contrário da neuro-hipófise, a adeno-hipófise é uma verdadeira glândula endócrina, uma vez que produz, armazena e secreta hormônios na corrente sanguínea. Os mais importantes são: Prolactina (PRL) Hormônio do crescimento (GH, growth hormone ) Hormônio estimulante da tireoide (TSH, thyroid stimulating hormone ) Hormônio adrenocorticotrófico (ACTH, adrenocorticotropic hormone ) Hormônio folículo estimulante (FHS, folicle stimulating hormone ) Hormônio luteinizante (LH, luteinizing hormone ) Esses hormônios todos de origem proteica costumam ser denominados hormônios tróficos, pois induzem a produção e secreção de substâncias por outras glândulas e células endócrinas do organismo. Dessa forma, o hormônio estimulante da tireoide é também denominado tireotrofina, enquanto o hormônio adrenocorticotrófico é chamado de corticotrofina. O GH é por vezes denominado somatotrofina. Já os hormônios folículo estimulante e luteinizante são denominados gonadotrofinas, já que agem nas gônadas
masculina e feminina. A secreção dos hormônios adeno-hipofisários é controlada por neurohormônios hipotalâmicos. Esses hormônios são produzidos por neurônios situados em núcleos do hipotálamo, e são secretados em um pequeno conjunto de vasos sanguíneos que unem o hipotálamo e a hipófise anterior, denominado circulação porta-hipotálamo-hipofisária ou simplesmente sistema portahipofisário (Figura 9.7). Os hormônios hipotalâmicos podem estimular ou inibir a secreção dos hormônios hipofisários, recebendo o nome de hormônios liberadores ou inibidores. Entre eles, temos: Hormônio liberador do hormônio de crescimento (GHRH, growth hormone releasing hormone ) Hormônio liberador de tireotrofina (TRH, thyrotropin releasing hormone ) Hormônio liberador de corticotrofina (CRH, corticotropin releasing hormone ) Hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH, gonadotropin releasing hormone ) Hormônio inibidor do hormônio de crescimento (GHIH, growth hormone inhibiting hormone, ou somatostatina) Hormônio inibidor da prolactina (PIH, prolactin inhibiting hormone, ou dopamina)
Figura 9.7: Circulação porta-hipotálamo-hipofisária. Em verde, estão representados os neurônios sintetizadores dos hormônios da hipófise posterior. Em violeta, os neurônios que sintetizam os hormônios hipotalâmicos que agem sobre a hipófise anterior. / Fonte: modificado de SILVERTHORN, 2010. Vemos, portanto, que o hipotálamo e a hipófise trabalham conjuntamente no controle de diversas funções fisiológicas (Figura 9.4). Ao longo das próximas aulas, estudaremos em detalhes as diversas divisões do eixo hipotálamo-hipófise. Iremos em seguida apenas apresentar algumas características gerais desse eixo e o papel dos hormônios acima citados no organismo. Vale ressaltar que o controle da secreção dos hormônios no sistema hipotálamo-hipófise obedece, via de regra, o mecanismo de retroalimentação negativa que estudamos anteriormente. Por meio de alças de retroalimentação negativa, os níveis plasmáticos desses hormônios são estritamente controlados, mantendo-se dentro de faixas fisiológicas adequadas (Figura 9.8). Lembrem-se dos exemplos do controle de temperatura do saguão do hotel e do aquário, que investigamos no início da disciplina.
!"#$%&'()$*!"#$%&'"(!"#+,-.*!"#$%&'"( /'0123'(*.12+45"1(**!"#$%&'"( 6.4"2$7('8$* #)*+"*,-( Figura 9.8: O controle da secreção hormonal do eixo hipotálamo-hipófise é feito por meio de alças de retroalimentação negativa. A prolactina (PRL) estimula a produção e secreção de leite pelas células epiteliais alveolares das glândulas mamárias, sendo que os níveis plasmáticos desse hormônio aumentam nas fases finais da gestação. Os níveis de dopamina na circulação porta-hipofisária diminuem nessa fase, indicando que essa substância está relacionada com a inibição da produção de prolactina pela adeno-hipófise. Alguns fatores ainda não totalmente elucidados são responsáveis pela estimulação da secreção de prolactina. Entre esse fatores (muitas vezes denominados PRFs, prolactin releasing factors ), estão a sucção mamilar, a ocitocina, o TRH e a serotonina, entre outros.
Figura 9.9: Principais hormônios hipotalâmicos (em violeta) e adenohipofisários (em amarelo), bem como seu efeitos sobre outras estruturas do organismo. / Fonte: modificado de SILVERTHORN, 2010. O hormônio de crescimento (GH) é um importante hormônio anabólico produzido pela adeno-hipófise. Embora seja secretado ao longo de toda a vida, é na puberdade que observamos os maiores níveis plasmáticos desse hormônio. Seu papel está, como o nome indica, relacionado com o crescimento do corpo, tendo importância fundamental durante a infância. Seus principais efeitos no organismo incluem a estimulação do crescimento ósseo e da síntese proteica. Além de agir diretamente nos tecidos-alvo, o GH estimula a produção de fatores de crescimento por diversos tecidos corporais, como o fígado, por exemplo. Esses fatores são denominados IGFs ( insulin-like growth factors ), ou somatomedinas (Figura 9.9). Os IGFs agem conjuntamente com o GH, e possuem importante ação mitogênica, ou seja, estimulam a divisão celular nos tecidos-alvo. O GH é secretado pela adeno-hipófise de maneira
pulsátil, sendo que seu pico de secreção ocorre nas primeiras horas de sono. O controle da secreção de GH é realizado pelo hipotálamo, por meio do hormônio liberador do hormônio de crescimento (GHRH) e do hormônio inibidor do hormônio de crescimento (GHIH). Além desses dois hormônios hipotalâmicos, a secreção de GH é influenciada por diversos estímulos neurais, hormonais, nutricionais e ambientais. Tanto o GH quanto os IGFs exercem efeito de retroalimentação negativa sobre o hipotálamo e a hipófise, inibindo, dessa forma, a produção de GH (Figura 9.8). O crescimento do organismo depende também dos hormônios tireoidianos: T 3 e T 4 triiodotironina e tiroxina, respectivamente. Esses hormônios estimulam a produção de GH, sendo portanto fundamental a manutenção de seus níveis adequados durante a infância. Os hormônios tireoidianos também estão diretamente envolvidos no controle da taxa metabólica basal, e possuem uma importante função termogênica (produção de calor). O T 3 e o T 4 são produzidos pelos folículos da glândula tireoide a partir do aminoácido tirosina e do iodo. Sua produção e secreção é estimulada pela presença do hormônio estimulante da tireoide (TSH), secretado na corrente sanguínea pela adeno-hipófise. A produção de TSH é, por seu turno, promovida pela presença de hormônio liberador de tireotrofina (TRH), secretado pelo hipotálamo na circulação porta-hipofisária. A secreção, tanto de TSH quanto de TRH, é inibida pelos hormônios tireoidianos por uma alça de retroalimentação negativa (Figura 9.8). Além disso, diversos fatores internos e externos, como o frio, por exemplo, modulam a secreção desses hormônios. Vimos no passado que a medula da glândula adrenal funciona como um gânglio da divisão simpática do sistema nervoso autônomo, secretando adrenalina na corrente sanguínea. A porção cortical dessa glândula, no entanto, secreta homônimos esteroides: os mineralocorticoides e os glicocorticoides, além de uma pequena fração dos hormônios sexuais (Figura 9.10). O principal mineralocorticoide no homem é a aldosterona, que será estudada futuramente. Já o principal glicocorticoide humano é o cortisol, conhecido como hormônio do estresse. Isso porque esse esteroide medeia uma série de reações fisiológicas em respostas a estímulos estressores ambientais. Animais que têm suas glândulas adrenais cirurgicamente removidas não são capazes de sobrevier a essas mudanças ambientais. O
padrão de secreção do cortisol em humanos segue um ritmo circadiano, tendo um pico de secreção pela manhã e uma redução durante a noite. O córtex da suprarrenal secreta cortisol em reposta a presença do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Por sua vez, a secreção dessa corticotrofina pela hipófise anterior é provocada pelo hormônio liberador de corticotrofina (CRH), secretado pelo hipotálamo o sistema porta-hipofisário (Figura 9.9). Aqui, também observamos uma alça de retroalimentação negativa, em que o cortisol inibe a secreção de ACTH e CRH (Figura 9.8). Conforme comentamos, o estresse é um importante estímulo para a ativação do eixo hipotálamohipófise-adrenal. Figura 9.10: Corte da glândula suprarrenal (adrenal). O principal hormônio produzido pelo córtex da adrenal em reposta ao ACTH é o cortisol. / Fonte: modificado de FOX, 2003.
Já estudamos com algum detalhe em outra disciplina a função e os mecanismos de ação do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), das gonadotrofinas hormônio folículo estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH) e dos hormônios sexuais (testosterona, estrógeno e progesterona). No presente contexto, basta lembrarmos que os hormônios sexuais são produzidos e secretados pelas gônadas testículos e ovários em resposta à presença de gonadotrofinas (Figura 9.9). E que estas são secretadas pela adeno-hipófise estimulada pelo GnRH hipotalâmico. Vimos que, nas mulheres, o padrão de secreção desses hormônios obedece um ciclo de aproximadamente 28 dias, em que ocorre uma complexa interação entre essas substâncias por alças de retroalimentação negativas e positivas. Nos homens, a testosterona inibe constantemente a produção de GnRH e de gonadotrofinas.
FECHAMENTO DO CAPÍTULO Nesse capítulo, introduzimos o mecanismo de funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise. Analisamos brevemente a anatomia e a comunicação sanguínea entre essas duas estruturas. Em seguida, enfocamos os principais neuro-hormônios hipotalâmicos. Abordamos então os neuro-hormônios secretados pela hipófise posterior e, finalmente, os principais hormônios produzidos e secretados pela hipófise anterior. Enfatizamos os mecanismos de controle de secreção hormonal do eixo hipotálamo-hipófise, realçando o papel das alças de retroalimentação negativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO Aires, MM (org.). Fisiologia. 4ª ed. Guanabara Koogan, 2012. Curi, R; Procópio, J. Fisiologia Básica. 1ª ed. Guanabara Koogan, 2009. Guyton, AC; Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed. Elsevier, 2011. Silverthorn, DU. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 5ª ed. Artmed, 2010. Tortora, GJ; Grabowski, SR. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 10ª ed. Guanabara Koogan, 2012.