Ensaios de Retração de Argamassas nos Estados Fresco e Endurecido Contribuição para a normalização brasileira Pedro Kopschitz Xavier Bastos Univ. Federal de Juiz de Fora, Brasil. pedrokop@terra.com.br Elza Hissae Nakakura Log Gestão de Obras, Brasil elza.nanakura@terra.com.br Maria Alba Cincotto Univ. de São Paulo, Brasil maria.cincotto@poli.usp.br Resumo: Este trabalho mostra a comparação da retração de oito argamassas industrializadas do mercado brasileiro nos estados fresco e endurecido. No estado endurecido, tomaram-se medidas em corpos-de-prova de dimensões 25 x 25 x 285 (mm) aos 28 dias. O método de ensaio de retração no estado fresco, até 24 horas, foi desenvolvido no INSA de Toulouse, França, adaptado na Escola Politécnica da USP, São Paulo, Brasil, e faz medidas em placas de 400 x 150 x 15 (mm). O estudo permitiu observar a importância da parcela da retração nas primeiras 24 horas após a moldagem para a caracterização de argamassas, que pode chegar a 70% da retração aos 28 dias. Palavras-chave: argamassa, revestimento, retração. 1. INTRODUÇÃO A importância do estudo do fenômeno de retração das argamassas está ligada à qualidade e durabilidade das edificações. Uma vez aplicada sobre uma base, a argamassa é impedida de retrair-se livremente por causa da aderência e são geradas tensões de tração que podem levar à fissuração do revestimento. Desta forma, um dos requisitos possivelmente exigidos para as argamassas no Projeto ABNT NBR 13281 Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Requisitos/outubro 2004 [1] diz respeito à variação dimensional medida em corpos-de-prova de dimensões 2,5 x 2,5 x 28,5 (cm) no estado endurecido. Neste projeto de norma pensou-se em adotar um valor máximo de retração aos 28 dias para argamassas de revestimento. Os valores de retração comumente são medidos com a argamassa no estado endurecido, passadas 24 horas ou 48 horas após a moldagem dos corpos-de-prova, uma vez que antes deste prazo é muito difícil manuseálos sem quebra. Mas é importante considerar o que realmente significa esta parcela da retração para a caracterização das argamassas, já que o fenômeno inicia-se com a argamassa no estado fresco, conforme estudaram diferentes autores [2,3,4,5]. Considerando o revestimento aplicado sobre base porosa, a sucção de água pode levar, nas
primeiras horas após a aplicação, a valores de retração 20 vezes maiores do que os que ocorrem sobre base não absorvente [5]. O projeto de norma brasileira motivou a ABAI - Associação Brasileira de Argamassa Industrializada a desenvolver uma pesquisa que contribuísse para as discussões. O presente trabalho apresenta resultados de ensaios de retração pelo método do projeto de norma e os compara com resultados das mesmas argamassas no estado fresco. 2. ARGAMASSAS E MÉTODOS 2.1 Argamassas Foram estudadas neste trabalho oito argamassas de revestimento industrializadas, representativas de diversas regiões do país, principalmente do mercado de São Paulo. A Tabela 1 mostra a identificação das argamassas, o tipo de aplicação a que se destinam e os teores de água misturados, recomendados pelos fabricantes. Tabela 1 - Argamassas industrializadas - identificação e teor de água Identificação das argamassas Finalidade Teor de água (%) recomendado pelo fabricante A Revestimento externo 16,0 B Múltiplo uso 14,0 C Revestimento externo 16,3 D Revestimento externo 15,0 E Revestimento interno 20,0 F Revestimento externo 14,0 G Revestimento interno 15,4 H Revestimento externo 13,8 A Tabela 2 e a Figura 1 apresentam as características granulométricas das argamassas industrializadas e, a Tabela 3, a caracterização quanto à densidade de massa, teor de ar aprisionado e retenção de água.
Abertura das peneiras Tabela 2 - Granulometria - argamassas industrializadas Material passante (%) ARGAMASSAS (mm) A B C D E F G H 4,8 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 2,4 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 1,2 98,4 98,8 98 97,4 97,3 94,5 99,5 99,4 0,6 72,9 75,1 89,6 80,1 91,6 52,6 81,6 62,2 0,3 39,1 40,0 69,7 51,7 67,6 35,4 56,6 45,9 0,15 28,7 28,4 48,0 31,9 33,1 28,4 40,6 37,2 0,105 25,6 25,3 38,0 28,0 20,3 25,7 34,8 33,9 0,09 24,8 24,5 35,2 26,8 19,3 25,0 33,5 32,7 0,075 23,2 23,1 30,2 24,7 16,3 23,8 30,9 30,8 0,063 22,5 22,4 27,7 23,6 16,2 23,3 29,7 29,7 0,045 20,3 20,2 21,2 20,3 14,5 21,7 25,6 26,2 0,038 19,8 19,7 20,6 19,5 14,5 21,3 24,5 24,8 Aglomerantes + filler (< 0,075 mm) 100 23,2 23,1 30,2 24,7 16,3 23,8 30,9 30,8 Material passante (%) 80 60 40 20 A B C D E F G H 0 0,01 0,1 1 10 Diâmetro das partículas (mm) Figura 1 - Curvas granulométricas - argamassas industrializadas
Tabela 3 - Densidade de massa, teor de ar aprisionado e retenção de água Caracterização Densidade de massa (g/cm 3 ) Projeto NBR 13 278/04 CE 18.406.05.001 ABNT Teor de ar (%) Projeto NBR 13 278/04 CE 18.406.05.001 ABNT Retenção de água (%) Projeto NBR 13 277/04 CE 18.406.05.001 ABNT Argamassas A B C D E F G H 1,75 1,8 1,81 1,81 1,94 1,83 1,51 1,64 20,0 20,0 20,0 19,0 8,0 20,0 34,0 30,0 88,0 80,0 88,0 82,0 64,0 78,0 85,0 87,0 2.2 Métodos 2.2.1 Retração no estado fresco Usando o equipamento desenvolvido no Institut National de Sciences Appliquées - INSA de Toulouse, França, e adaptado por BASTOS [5], a retração começou a ser medida 10 minutos após a mistura dos materiais em argamassadeira. Por este método são moldados, dois a dois, corpos-de-prova em forma de placa de dimensões 400 x 150 (mm) e 15 mm de espessura, e a tomada de medidas da deformação linear prosegue automaticamente a cada segundo, com precisão de 0,001 mm, até 24 horas. Cada molde funciona com dois captores de deformação que seguem o deslocamento de duas grelhas metálicas envolvidas pela argamassa nas extremidades do molde. Os ensaios foram realizados em ambiente de laboratório, com temperatura de (23 ± 2) C e 60% de umidade relativa do ar. Embora as argamassas estivessem endurecidas, em média, 2 horas após a moldagem, convencionouse denominar, neste trabalho, retração "no estado fresco" como sendo aquela medida nas primeiras 24 horas. VISTA SUPERIOR DO MOLDE Grelha Haste Captor Cola Graxa CORTE LONGITUDINAL com argamassa 5 mm Figura 2 Ensaio de retração no estado fresco - desenho esquemático [3].
2.2.2 Retração no estado endurecido Foram feitos dois tipos de ensaio de retração com as argamassas endurecidas: a) em placas com as mesmas dimensões dos corpos-de-prova do ensaio de retração no estado fresco - 400 x 150 (mm) e 15 mm de espessura - com comparador de precisão 0,001 mm. A leitura inicial foi feita logo em seguida à desforma, 48 horas após a moldagem, seguindo-se outras medidas até 28 dias (Figura 3). b) em barras de dimensões 2,5 x 2,5 x 28,5 (cm), seguindo o Projeto de Norma ABNT "Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação da variação dimensional (retração linear)" de outubro de 2004. A leitura inicial em relógio comparador (precisão 0,001 mm) foi feita logo após a desforma, que deu-se 48 horas depois da moldagem, seguindo-se outras medidas até 28 dias. Figura 3 Ensaio de retração de placa 400 x 150 x 15 (mm) A Tabela 4 reúne as principais informações dos ensaios, como dimensões e número de corpos-de-prova de cada um, o tempo decorrido entre a moldagem e a desforma, o tempo entre a desforma e as leituras, e a idade das argamassas na última leitura.
Tabela 4 - Dimensões dos corpos-de-prova e tempos decorridos entre a moldagem e as medidas de retração nos estados fresco e endurecido. Tipo de retração Estado fresco Estado endurecido Dimensões dos corpos-de-prova (cm) Placas 40,0 x 15,0 x 1,5 Placas 40,0 x 15,0 x 1,5 Barras 2,5 x 2,5 x 28,5 Número de corpos-deprova 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES 2 2 4 Tempo entre a moldagem e a desforma A argamassa permanece no molde para as leituras 48 horas Tempo entre a desforma e leituras Primeira medida: 10 min Leitura inicial: 10 min Primeira leitura: 24 h Última leitura 24 horas 28 dias Os resultados dos ensaios de retração das argamassas industrializadas são apresentados na Figura 4, com as curvas de retração nas placas de dimensões 400 x 150 x 15 (mm) no estado fresco, até 24 horas, e as curvas de retração ocorrida depois da desmoldagem, 48 horas após a desforma, até 28 dias. Observa-se que em todas as argamassas a retração nas primeiras horas equivale a uma parcela relativamente importante do valor medido aos 28 dias (Tabela 5). Na tentativa de enriquecer o trabalho interpretando as curvas obtidas, não foi possível compreender o fenômeno de retração do cojunto das argamassas industrializadas estudadas, analisando a influência de características e propriedades como o teor total de finos menores do que 0,075 mm das misturas secas, o teor de água das misturas e a capacidade de retenção de água. Acredita-se que aditivos normalmente presentes neste tipo de produto para alterar características reológicas e a retenção de água possam interferir neste tipo de análise e, portanto, as correlações entre estas características e propriedades e a retração não permitiram uma avaliação conclusiva.
1400 Retração (mm/mm x 10-6 ) 1200 1000 800 600 400 200 ESTADO FRESCO ESTADO ENDURECIDO A B H G F E D C 0 0 48 96 144 192 240 288 336 384 432 480 528 576 624 672 Tempo (horas) Figura 4 - Retração nos estados fresco e endurecido gráfico com oito argamassas industrializadas. Tabela 5 - Comparação percentual da retração das argamassas industrializadas nas primeiras horas após a moldagem com a medida aos 28 dias. Relação entre retração nas primeiras horas e retração aos 28 dias (%) Argamassas INDUSTRIALIZADAS Tempo no estado fresco/ 28 dias A B C D E F G H 1 hora/28 dias 14,2 14,6 25,7 5,9 14,9 16,4 6,9 9,3 8 horas/28 dias 67,0 67,7 83,7 51,9 52,4 51,6 13,8 28,6 24 horas/28 dias 74,7 75,2 141,4 53,6 52,6 54,7 12,5 28,0 3.1 Ensaio no estado endurecido: comparação placas x barras Foi feita a comparação dos resultados dos ensaios no estado endurecido obtidos em placas e barras aos 28 dias para as argamassas estudadas, no sentido de validar os resultados de placas em relação aos do formato mais conhecido no meio técnico, o da barra 25 x 25 x 285 (mm). Nota-se, na Figura 5, uma boa correlação entre os resultados dos dois tipos de corpo-de-prova (r = 0,92). Vale comentar que os valores um pouco maiores de retração nas placas em quase todas as amostras podem ser explicados pela maior área de exposição deste formato de corpo-de-prova em relação ao volume de argamassa.
Retração aos 28 dias (mm/mm x 10-6 ) 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 PLACAS BARRAS A B C D E F G H Argamassas industrializadas Retração barras (mm/mm x 10-6 ) 1200 1000 800 600 400 200 0 INDUSTRIALIZADAS - 28 dias r = 0,92 0 500 1000 1500 Retração placas (mm/mm x 10-6 ) Figura 5 - Comparação da retração no estado endurecido das argamassas aos 28 dias, entre os ensaios em placas e barras. 4. CONCLUSÕES Os resultados dos ensaios mostram que a retração medida no estado fresco nas argamassas industrializadas estudadas representa uma parcela significativa da retração comumente medida em corpos-de-prova endurecidos de dimensões 25 x 25 x 285 (mm), aos 28 dias de idade. Os dados obtidos nesta pesquisa permitem também observar que, comparandose todas as argamassas, nem sempre aquela que apresentou valor mais baixo de retração aos 28 dias foi a que apresentou também valor mais baixo em 24 horas. Sendo assim, sugere-se considerar com cautela a caracterização de argamassas quanto à retração apenas aos 28 dias em estudos sobre este fenômeno. Em trabalhos futuros, a retração de argamassas aplicadas sobre base não absorvente deve ser relacionada com a da argamassa aplicada sobre base porosa. A caracterização em corpos-de-prova isolados é insuficiente para o desenvolvimento de formulações que diminuam a ocorrência de variações dimensionais, procurando evitar a possível ocorrência de fissuras. 5. REFERÊNCIAS [1] Associação Brasileira de Normas Técnicas. Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Requisitos. Projeto NBR 13281. São Paulo, 2004.
[2] Détriché, C. H. Contribution à l étude des déformations des couches minces de mortiers de liants hydrauliques. Tese (Docteur-ingenieur). Toulouse, Université Paul Sabatier de Toulouse, 1977, p. 247. [3] Détriché, C. H. Contribution à l étude du comportement des couches minces de mortiers de liants hydrauliques applications aux enduits. Tese (Docteur-ingenieur). Toulouse, Université Paul Sabatier de Toulouse, 1983, p. 202. [4] Veiga, M. R. S. Comportamento de argamassas de revestimento de paredes contribuição para o estudo da sua resistência à fendilhação. Tese (Doutorado). Lisboa, FEUP, 1997, p. 458. [5] Bastos, P. K. X. Retração e desenvolvimento de propriedades mecânicas de argamassas mistas de revestimento. Tese (Doutorado). São Paulo, Universidade de São Paulo, 2001, p.172. AGRADECIMENTOS ABAI - Associação Brasileira de Argamassa Industrializada ABCP - Associação Brasileira de Cimento Portland