Resistência à fadiga de contato de ferros fundidos em superfícies fresadas M. R. Miyazaki, I. F. Machado Laboratório de Fenômenos de Superfície LFS, Departamento de Engenharia Mecânica, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo USP. E-mail para contato: michel.miyazaki@poli.usp.br Resumo Este trabalho visa avaliar a resistência à fadiga de contato em superfícies fresadas de ferros fundidos. Foram produzidos corpos-de-prova para ensaios de fadiga de contato por fresamento com os seguintes parâmetros de corte: rotação de 4400 rpm, avanço de 20 mm/min, profundidade de corte de 0,2 mm em cortes concordantes e discordantes. Observou-se nos corpos-de-prova que há diferenças de rugosidade com fresamento concordante e discordante. Essas diferenças tiveram influência na fadiga de contato. Foram observados spallings concentrados em regiões específicas nos corpos com fresamento discordante, enquanto estes se distribuem de maneira mais uniforme nos corpos-de-prova usinados de forma concordante. Palavras-chave: Fadiga de contato, fresamento, ferro fundido cinzento. Resumen Este trabajo busca evaluar la resistencia a la fatiga de contacto en superficies fresadas de fundiciones. Fueron producidas muestras para ensayos de fatiga de contacto por fresamento con los siguientes parámetros de corte: rotación de 4400 rpm, avance de 20 mm/min, profundidad de corte de 0,2 mm en cortes concordantes e discordantes. Se observaron diferencias en rugosidad de las muestras con fresamento concordante e discordante. Esas diferencias tuvieron influencia en la fatiga de contacto. Fueron observados spallings concentrados en regiones específicas de las muestras con fresamento discordante, mientras que estos se distribuyen de manera más uniforme en las muestras maquinadas de forma concordante. Palabras clave: Fadiga de contacto, fresamento, fundición gris. 1. INTRODUÇÃO Devido à grande quantidade de aplicações dos ferros fundidos, torna-se necessário o estudo de sua resistência à fadiga de contato devido a suas aplicações em, por exemplo, rolamentos e engrenagens. A produção de uma superfície com bom acabamento superficial é importante; no entanto, a integridade superficial também é relevante em termos de aplicação. As tensões desenvolvidas abaixo da superfície podem interagir, por exemplo, com alguma inclusão posicionada e este se tornar o ponto inicial de deformação localizada a partir de onde uma trinca será nucleada. (Alvarez, 2006). O objetivo deste projeto de iniciação científica é avaliar a resistência à fadiga de contato de ferros fundidos nodulares após fresamento. Para isso foram fresados corpos-de-prova de ferro fundido cinzento utilizando fresamento concordante e 13
discordante. Foi utilizado apenas um avanço e uma velocidade de corte. A superfície produzida foi avaliada utilizando equipamento construído no Laboratório de Fenômenos de Superfície da EPUSP para avaliar a resistência à fadiga de contato. 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1. Ferros Fundidos cinzentos Os ferros fundidos são ligas que contêm basicamente ferro, carbono e silício e se caracterizam por apresentarem reação eutética durante sua solidificação (Souza e Branco, 1989).Os ferros fundidos cinzentos são formados por austenita e grafita logo após a sua solidificação, segundo o diagrama de equilíbrio. Nessas ligas obtém-se grafita em forma de veios, sendo necessário distinguirem-se os teores de carbono na forma de grafite e carbono combinado (carbonetos), cuja soma fornece o teor total de carbono (Souza e Branco, 1991). 2.2. Fresamento O fresamento é um processo de usinagem que visa remoção de material para a fabricação de peças e componentes. Segundo a norma brasileira que trata sobre processos mecânicos de usinagem, o fresamento é um processo destinado à obtenção de uma superfície qualquer com auxílio de ferramenta, geralmente multicortante. Para tanto, a ferramenta gira e a peça ou a ferramenta se desloca segundo uma trajetória qualquer. Existem diversas operações que podem ser realizadas utilizando uma fresadora, porém este trabalho está focado apenas no fresamento de topo. No fresamento de topo, a ferramenta é montada de modo que seu eixo de rotação seja perpendicular à face da peça a ser trabalhada. A ferramenta gira com velocidade angular N enquanto a peça se movimenta com uma velocidade v (Kalpakjian e Schmid, 2001). 2.3. Fadiga de contato A fadiga de contato é o fenômeno em que existem esforços em áreas que são muito pequenas comparadas às dimensões dos corpos envolvidos e onde a tensão máxima está um pouco abaixo da superfície (Alvarez, 2006). A fadiga de contato decorre do carregamento cíclico sobre contatos nãoconformes. Esse carregamento resulta no acúmulo de deformações plásticas que, após um número finito de ciclos, pode conduzir a nucleação de uma trinca. Estão sujeitos a esse fenômeno componentes tais como: esferas, rolos e pistas de rolamentos, dentes de engrenagens, e rodas ferroviárias, dentre outros. (Alvarez, 2006). No movimento de rolamento puro de uma esfera sobre uma superfície plana, a máxima tensão de cisalhamento está posicionada abaixo da superfície de contato. As tensões desenvolvidas abaixo da superfície podem então interagir, por exemplo, 14
com alguma inclusão posicionada em seu campo de ação e esta se tornar o ponto inicial de deformação localizada a partir de onde uma trinca será nucleada e se propagará pelo material até o desprendimento de uma lasca da superfície. Se após a propagação da trinca for gerada fratura no material, decorrendo no desprendimento de pequenas partículas de material da superfície, o fenômeno é conhecido como Pitting. Geralmente, o pitting é seguido da perda de grandes quantidades de material na superfície, o qual é conhecido como Spalling (Alvarez, 2006). 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. Composição química A composição química do material, um ferro fundido cinzento vermicular, foi fornecida pelas empresas que doaram o material, sendo este um ferro fundido com alto teor de carbono e alto teor de cromo, como mostra a tabela 1: Tabela 1. Composição química (% em peso) do ferro fundido estudado. C Si Mn P S Ti Cr Cu Sn S.E. 3,73 2,07 0,78 0,058 0,085 0,014 0,27 0,56 0,039 4,44 3.2. Fresamento Neste trabalho os corpos-de-prova foram fresados com apenas uma velocidade de corte e um avanço, os quais foram fabricados de duas maneiras diferentes: Fresamento Concordante e Fresamento Discordante. O fresamento concordante (figura 1 (a)) é aquele no qual o movimento de avanço da mesa e o movimento de rotação da fresa possuem sentidos iguais. Neste método, o desgaste da ferramenta tende a ser menor, caso a peça não possua a superfície endurecida ou contaminada com partículas duras, devido ao corte começar com o valor máximo da espessura do cavaco, gerando em menos atrito (Kalpakjian e Schmid, 2001). O fresamento discordante (figura 1 (b)) é aquele em que o movimento de avanço da mesa e o movimento de rotação da fresa possuem sentidos opostos. A vantagem é que independente da superfície, que pode estar contaminada com elementos indesejáveis ou tratada termicamente, a vida útil da ferramenta permanece a mesma, pois o contato se dá principalmente com o interior do material (Kalpakjian e Schmid, 2001). 15
Figura 1. Movimento concordante (a) e discordante (b). 3.2.1. Condições de Fresamento Nos ensaios finais foram utilizados os parâmetros mostrados na tabela 2. Tabela 2. Condições de fresamento nos ensaios. Ensaio Avanço (f) Rotação Profundidade de corte Tipo de corte 1 20 mm/min 4400 rpm 0,2 mm Concordante 2 20 mm/min 4400 rpm 0,2 mm Concordante 3 20 mm/min 4400 rpm 0,2 mm Discordante 4 20 mm/min 4400 rpm 0,2 mm Discordante 3.3. Teste de resistência à fadiga de contato Os corpos-de-prova usinados foram submetidos a testes que utilizam a geometria de contato esfera sobre plano, em um equipamento construído no LFS (Laboratório de Fenômenos de Superfície) da EPUSP. O teste consiste em substituir uma pista externa de um rolamento axial de duas fileiras de esferas por um corpo-de-prova plano. 3.3.1. Equipamento utilizado para o teste de resistência à fadiga de contato O equipamento utilizado para o teste de resistência à fadiga de contato está ilustrado na figura 2 e consiste basicamente em um dispositivo para aplicar carga a um rolamento axial e a refrigeração do processo para manter a temperatura constante durante o ensaio. 16
Figura 2. Foto do equipamento de fagida de contato (Neves, 2005). 3.3.2. Corpo-de-prova utilizado durante o teste de fadiga de contato Os corpos-de-prova, que foram usinados de maneira concordante e de maneira discordante, possuem a geometria indicada na figura 3, para poder realizar o teste no equipamento de resistência à fadiga de contado do LFS da USP. Figura 3. Geometria do corpo-de-prova no ensaio de fadiga de contato (Neves, 2005). 3.3.3. Condições de ensaio de fadiga de contato Tabela 3. Parâmetros de ensaio de fadiga de contato. Amostra Carga Lubrificante Temperatura de ensaio Freqüencia de rotação 1 10 kg Óleo Tutela W90/M 50 ºC 55 Hz 2 10 kg Óleo Tutela W90/M 50 ºC 55 Hz 3 20 kg Óleo Tutela W90/M 50 ºC 55 Hz 4 10 kg Óleo Tutela W90/M 50 ºC 55 Hz 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO A tabela 4 apresenta os resultados de rugosidade e a figura 4 apresenta as superfícies obtidas após o fresamento de modo concordante e discordante dos 17
corpos-de-prova, que posteriormente foram avaliados do ponto de vista de resistência à fadiga de contato. Tabela 4. Rugosidades de cada corpo de prova. Amostra R A (µm) R Y (µm) R Z (µm) R Q (µm) R T (µm) R P (µm) 1 0,42 3,61 3,61 0,60 7,10 0,97 2 0,39 3,36 3,36 0,55 7,49 0,89 3 0,30 2,39 2,39 0,39 3,72 1,01 4 0,48 3,39 3,39 0,63 6,34 1,31 a) b) Figura 4. Superfícies típicas obtidas após fresamento concordante (a) e discordante (b). O aumento utilizado para as imagens é de 400 vezes. Os valores das rugosidades medidas nos corpos-de-prova são próximos, porém, ao analisar os valores de R T e R P é possível perceber que em superfícies fresadas de forma concordante, os valores de R T são maiores, que nos fresados de forma discordante, enquanto que o comportamento de R P é o oposto, ou seja, é maior em corpos fresados discordantemente do que em corpos fresados de forma concordante. Concluindo que durante a usinagem da superfície, o fresamento concordante faz com que alguns pontos do material sejam arrancados junto com o cavaco, criando crateras, enquanto no fresamento discordante alguns pequenos cavacos continuam presos à superfície, criando pontos mais altos do que o restante da superfície. Graças a estes fatos, a seção transversal do corpo-de-prova usinado de forma concordante possui grandes vales, enquanto que os corpos-de-prova usinados de forma discordante possuem picos elevados. Esses acabamentos influem de maneiras diferentes nos ensaios de fadiga de contato. Como as crateras são mais largas, independentemente da direção do movimento sobre a superfície existirá a mesma quantidade das mesmas, porém as rebarbas provenientes da manufatura estão alinhadas às linhas de corte da ferramenta. Desta forma, quando as esferas do rolamento estão sobre um corpo fresado de forma concordante, rolam sobre crateras durante todo o percurso sobre a superfície do corpo-de-prova. Já em superfícies com rebarbas (fresamento discordante), 18
quando as esferas do rolamento se movimentam paralelamente ao avanço da ferramenta encontra-se com um numero maior de picos do que ao rolar perpendicularmente ao mesmo. Então, os corpos-de-prova fresados de forma concordante são desgastados uniformemente e os fresados de modo discordante possuem um desgaste desigual. Estes resultados estão representados na figura 5, sendo as regiões mais claras as regiões com menor quantidade de spallings (arrancamentos decorrentes da fadiga de contato) e as mais escuras com mais pontos de spallings. a) b) Figura 5. Distribuição de pontos de spalling em um corpo fresado de modo concordante (a) e discordante (b) (regiões escuras correspondem à maior ocorrência de spallings). A figura 6 mostra a seção transversal de amostras após ensaio de fadiga de contato. a) b) Figura 6. Seção transversal de um pitting no corpo-de-prova após ensaio de fadiga de contato (a seta indica a grafita que nucleou o spalling). Nestas fotos é possível observar o mecanismo de falha dos corpos-de-prova: um veio de grafita serve como ponto inicial de uma trinca, a partir da qual esta é nucleada e se propaga até o desprendimento do material. Nota-se que as trincas estão na direção da continuação de alguns veios de grafita e em outras o veio de grafita, por ser um material mole, acabou se desprendendo do resto do material. Este efeito é conhecido como entalhe e ocorre devido às extremidades da grafita serem afiladas e pontiagudas, servindo como pontos de concentração de tensões quando uma tensão é aplicada. 19
5. CONCLUSÕES As principais conclusões obtidas durante a realização deste trabalho foram: As rugosidades Ra, Ry, Rz e Rq são aproximadamente iguais em corpos fresados de forma concordante e discordante. No fresamento concordante a rugosidade R T tende a ser maior e no fresamento discordante a rugosidade R P tende a ser maior. Isto significa que durante a usinagem da superfície, o fresamento concordante faz com que alguns pontos do material sejam arrancados junto com o cavaco, criando crateras, enquanto no fresamento discordante alguns pequenos cavacos continuam presos à superfície, criando pontos mais altos do que o restante da superfície. O desgaste por fadiga de contato é mais bem distribuído em superfícies fresadas de forma concordante enquanto é concentrada em superfícies fresadas de forma discordante. A falha nos ferros fundidos cinzentos ocorre preferencialmente nos veios de grafita, pois esta concentra tensões e nucleia trincas. 6. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha namorada Nathália e sua família pelo total apoio e dedicação. À professora Izabel pela ajuda e orientação neste trabalho. Aos meus colegas e amigos Francisco e Jovinilo por tudo que me ensinaram. 7. REFERÊNCIAS Alvarez, J.F. Avaliação da integridade da superfície no torneamento de um ferro fundido nodular com carboneto. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Mecânica. São Paulo, 2006. 138p. Cueva E.D. Estudo do desgaste em materiais utilizados em discos de freio de ferro fundido com grafita lamelar e vermicular. Dissertação (Doutorado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Mecânica. São Paulo, 2002, p. 192. Kalpakjian, S. e Schmid, S. R. Manufacturing Engineering and Technology, 8 ed. New Jersey: Prentice-Hall, p. 646-660, 2001. Neves, J.C.K. Desenvolvimento de um equipamento para ensaio de fadiga de contato esfera sobre plano e sua aplicação na caracterização de ferros fundidos com matrizes de elevada dureza. Tese Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. Souza, A.B. e Branco, C.H. Metalurgia dos ferros fundidos cinzentos e nodulares. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, p. 205, 1989. 20