A HAGIOTOPONÍMIA NA REGIÃO RURAL DE MONTES CLAROS NORTE DE MINAS

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Transcrição:

2628 A HAGIOTOPONÍMIA NA REGIÃO RURAL DE MONTES CLAROS NORTE DE MINAS Mônica Emmanuelle Ferreira de Carvalho UFMG Introdução O trabalho apresenta resultados parciais da catalogação e estudo de hagiotopônimos presente na região rural de Montes Claros, norte de Minas, partindo, neste primeiro momento, da análise de nomes inscritos em cartas do IBGE. Esta pesquisa está inserida no projeto ATEMIG (Atlas Toponímico de Minas Gerais - coordenado pela Profa. Dra. Maria Cândida Trindade Costa de Seabra) contribuindo através do material coletado, para um banco de dados para futuras pesquisas lingüísticas na região. Partindo da hipótese de que os locativos, incluindo-se aqui os nomes de montanhas e rios, muitas vezes permanecem intactos, sobrevivendo até o tempo atual, permitindo-nos penetrar no passado, investiga-se a toponímia da região adotando como referencial teórico metodológico o modelo toponímico de DAUZAT (1926) e DICK (1990), os modelos culturais de DURANTI (2000), bem como a perspectiva diacrônica de BYNON (1977) e (1995). Abordaremos aqui 5 topônimos coletados de oito entrevistas gravadas em janeiro de 2008 nos distritos de Miralta, Nova Esperança, São João da Vereda, São Pedro das Garças, Santa Rosa de Lima e Aparecida do Mundo Novo. Os entrevistados tinham idade superior a 70 anos. Na pesquisa percebeu-se que a presença da hagiotoponímia na região é bastante significativa. Inserem-se nessa categoria os topônimos referentes aos nomes de santos e santas da religião católica romana: São Geraldo, Santa Rosa de Lima, São Francisco, etc.. Torna-se, pois, relevante rever dados da presença da Igreja na cidade mesmo porque constitui tradição a religiosidade no estado. Em um primeiro momento apresentaremos o projeto ATEMIG. Em seguida, uma breve contextualização dos aspectos históricos da região norte de Minas. Logo depois, um levantamento dos dados da presença da Igreja em Minas. Por fim, será exposta uma análise parcial dos dados encontrados na região supracitada e, em seguida, serão feitas as considerações finais. 1. Projeto ATEMIG O Projeto ATEMIG Atlas Toponímico do Estado de Minas Gerais em desenvolvimento na Faculdade de Letras da UFMG, caracteriza-se, inicialmente, como um estudo dos nomes de lugares que abrange todo o território mineiro, ou seja, seus 853 municípios. Está vinculado a outro projeto maior, o Projeto ATB Atlas Toponímico do Brasil, coordenado pela Profa. Dra. Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick (FFLCH/USP). Este projeto tem como objetivos básicos: 1. Catalogar e reconhecer remanescentes lexicais na rede toponímica mineira cuja origem remonta a nomes portugueses, africanos, indígenas, dentre outros; 2. Estudar o padrão motivador dos nomes, resultante das diversas tendências étnicas registradas (línguas indígenas, africanas e de imigração); 3. Buscar a influência das línguas em contato no território (fenômenos gramaticais e semânticos); 4. Cartografar os nomes dos acidentes físicos e humanos do Estado de Minas Gerais. Partilhando de metodologia comum, adotada pelas demais equipes de pesquisadores que

2629 integram o ATB em outros estados, seguimos: i) o método das áreas utilizado por Dauzat (1926) que propõe o remapeamento da divisão municipal, de acordo com as camadas dialetais presentes na língua padrão; ii) a distribuição toponímica em categorias taxionômicas que representam os principais padrões motivadores dos topônimos no Brasil, sugerida por Dick (1990). Em cada região, realiza-se o levantamento de todos os nomes dos acidentes geográficos dos municípios, documentados em mapas municipais fontes do IBGE, com escalas que variam de 1:50.000 a 1:100.000. Após a coleta, os topônimos são registrados em fichas, conforme modelo sugerido por DICK (2004), para serem analisados e classificados. Essas fichas constituem uma análise detalhada do topônimo, com informações que o integram à sociedade e à cultura. A seguir apresentamos uma das fichas que compõem nosso banco de dados 1 : ATB Atlas Toponímico do Brasil ATEMIG Atlas Toponímico do Estado de Minas Gerais (Variante Regional) Topônimo: SANTA BÁRBARA Taxonomia: Hagiotopônimo MUNICÍPIO: Santa Bárbara ACIDENTE: humano / cidade ORIGEM: portuguesa (cf. informações enciclopédicas ) HISTÓRICO: Santa Bárbara < Santa Bárbara do Mato Dentro < Santo Antônio do Ribeirão de Santa Bárbara ESTRUTURA MORFOLÓGICA: NCf [ADJsing + Ssing] INFORMAÇÕES ENCICLOPÉDICAS: MACHADO (1984) destaca Santa Bárbara como uma santa muito popular, invocada como protetora contra trovões, daí a sua freqüência na toponímia. Santa Bárbara do Mato Dentro (Sto. Antônio) Freguesia do arcebispado de Mariana. A sede, que o é também de município e de comarca, chamou-se a princípio Sto. Antônio do Ribeirão de Santa Bárbara. (TRINDADE, 1955:296) CONTEXTO: Oral contemporâneo Catas Altas... Santa Bárbara... são lugares da época do ouro... com mais de duzentos anos (Cf. Anexo 1 Entrevista 15 P. 98, L. 57) Documento escrito E voltando a mesma serra adiante descobriu o dito Antônio Bueno, distância de uma légua, o rio que se // intitulou Santa Bárbara, que ficou povoado, de sorte que hoje é uma famosa freguezia com vigário colado, e o rio correndo para o nascente até encontrar-se com Piracicaba, descobrimento do famoso alcaide-mor Camargo, como fica dito, e está todo povoado, seguindo ambos juntos suas correntes, formando um caudaloso rio até o lugar de Antônio Dias, e chega a povoação até juntar este rio com o rio Doce, que vem já incorporado com os rios Piranga, Miguel Garcia e ribeirão do Carmo, que todos juntos vão formando o grande corpo do rio Doce, com os mais que, para baixo, vai recebendo. (Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios, Bento Fernandes Furtado; Minas Gerais; ca. 1750, apud Códice Costa Matoso, 1999:178) Petição inicial nas habilitações de genere dos irmãos Martins da Costa: Dizem Antonio Martins da Costa e seus irmãos Francisco José da Costa, Manuel Martins da Costa, José Martins da Costa que, para justificar a fraternidade que têm com o Padre João Correia da Silva, seu tio, precisam pelos itens seguintes fazê-lo perante V.S. Justificarão: Em como são os próprios, naturais e batizados na freguezia de São Miguel (Rio Piracicaba), deste Bispado, filhos legítimos do Capitão Manuel Martins da Costa, natural da freguezia da Sé do Arcebispado de Braga, e de Margarida da Silva Bueno, natural da freguezia de Santa Bárbara, deste Bispado. Justificarão: em como sua mãe Margarida da Silva Bueno é legítima e inteira irmã do Padre João Correia da Silva, filhos de um mesmo matrimonio do Capitão João Correia da Silva e Dona Maria de Morais: o qual seu tio se acha habilitado e ordenado de Presbítero neste bispado(1761) (apud TRINDADE, 1955:109) 1 Seabra, 2004.

2630 2. Aspectos Históricos da Região Norte de Minas Analisar a toponímia da região norte de Minas, mais especificamente do município de Montes Claros, despertou nosso interesse por estar esse município inserido em uma das rotas de entradas e bandeiras mais antigas do nosso estado a entrada de Spinosa e Navarro (1554). Este município também está inserido na rota de tropeiros vindos da Bahia e Pernambuco para abastecer as regiões mineradoras de Minas no século XVIII. As fazendas ou currais que aí se desenvolveram tornam-se o principal motivo de povoamento da região. Notícias oficiais apontam Francisco Bruza de Spinosa e Aspicuelta Navarro (1554) como os primeiros desbravadores que percorreram as terras mineiras. O itinerário de Spinosa tem sido reconstituído por vários historiadores, todos baseados principalmente pela carta do Padre Navarro, havendo ainda algumas divergências em alguns pontos. Entretanto, a passagem dessa primeira bandeira através da região de Montes Claros constitui ponto pacífico. Segundo Salomão de Vasconcellos (1944) o itinerário dessa bandeira teria sido o seguinte: partindo a caravana de Porto Seguro, navegou em barcos até o rio Caravelas; depois de muito andar por terra, chegou ao Jequitinhonha por onde subiu e chegou à serra do Espinhaço, na zona de Diamantina e Serro; dos arredores de Diamantina transpôs a divisora do São Francisco, o qual atingiu porventura o Jequitaí e alcançando em seguida uma aldeia indígena situada nas proximidades de Monail. Deste ponto, tentaram seguir à Bahia por canoas, desistindo, porém, da idéia, e seguiram por terra desde o Monail até o rio Verde e depois passaram para a bacia do rio Pardo ou das Ourinas, pelo qual desceram até o mar. No mapa a seguir, Vasconcellos aponta as várias rotas das entradas e bandeiras no território mineiro:

2631 Mapa das entradas, caminhos e bandeiras, 1944. Com relação ao povoamento na região do norte de Minas, podemos destacar o arraial de Morrinhos como o primeiro da região, arraial esse fundado por Matias Cardoso ainda no século XVII, conforme citado por Salomão de Vasconcelos e vários outros historiadores. Ainda segundo este autor a região do norte de Minas teria sido penetrada muito antes que a região sul, com os caçadores de ouro. De fato, embora a região norte do estado tenha tido incursões bem antes da região centrosul, essas não tiveram caráter civilizatório, não tendo o homem lá se fixado, já que essa região não experimentou o desenvolvimento econômico e social do centro-sul. Enquanto, mais ao centro e sul do estado, as vilas e cidades foram se desenvolvendo com a fixação do homem ao solo, em decorrência da exploração do ouro; na região norte, em face da atividade da criação de gado, houve predominância das fazendas ou currais de gado. Foram esses currais que ao longo dos tempos deram surgimento a vários povoados e mais tarde aos municípios atuais. É a criação de gado, portanto, o principal motivo do povoamento da região norte de Minas Gerais. 2 3. A Presença da Igreja em Minas Com relação ao povoamento no sertão sabemos que para lá se dirigiram um conjunto heterogêneo de pessoas. Segundo Megale (2000), constitui-se de um grupo composto por mamelucos, em grande maioria, índios e descendentes brancos de portugueses, além de padres das diversas ordens ou mesmo seculares, havendo registro ainda de pessoas que se faziam passar por padres ou religiosos. Ainda segundo o autor, a toponímia nas trilhas das bandeiras registra a presença desses religiosos: (...) se o comando religioso era de carmelitas, os núcleos habitacionais que surgiam perpetuavam a lembrança no orago de Nossa Senhora do Carmo; se o comando religioso era de franciscanos, no de São Francisco, e assim com outras ordens, da mesma maneira, os oragos marcam sua passagem. Lá onde o povoado é novo, o nome religioso o inaugura; se havia uma designação indígena, o novo nome religioso a substitui. 3 Para muitos estudiosos o período histórico da Igreja em Minas inicia-se em 16 de julho de 1696 quando se ergue uma cabana no local onde hoje se localiza a cidade de Mariana. Já nas duas primeiras décadas de 1700 as capelas eram em número de quarenta, vinte das quais elevadas à natureza de colativas por carta régia de 16-II-1724. Em 1745, quando foi criado o bispado de Mariana, eram em número de 51. No final do século seu número era ainda maior, 68 paróquias, também referidas sob o nome de freguesias 4. Vasconcellos também se refere à igreja Matriz naquele antigo arraial de Morrinhos, citado anteriormente, como sendo um dos mais antigos edifícios religiosos dos tempos coloniais. Segundo ele, nos anos de 1673, provavelmente, teria começado a edificação desta igreja. Para fundamentar essa hipótese, encontram-se dois Missais datados de 1701 e 1703 que foram transportados desse arraial para o bispado de Montes Claros. Recuando-se pelo menos 30 anos, levando em consideração o tempo em que outras igrejas do mesmo porte levaram para serem construídas, Vasconcellos chega a esta data de 1673. Como se pode perceber, foi elevado o número de portugueses que para essa região se dirigiu, e com eles muitos padres que, por sua vez, deixaram marcas de sua passagem na toponímia local, conforme mostra a história. A seguir, apresento a relação desses topônimos e suas referências históricas e contextuais. 2 Souza, 2008. 3 Megale (2000:22) 4 Costa (1970)

2632 4. Análise dos dados SANTA ROSA DE LIMA: Santa Rosa nasceu em Lima, no Peru, em 30 de abril de 1586. Isabel Flores y de Oliva é o seu nome de batismo. Apesar dos apelos da família, que tinha perdido todo o dinheiro, ela decide entrar na Terceira Ordem Dominicana e seguir o exemplo de Santa Catarina de Sena. Este topônimo nomeia um Distrito de Montes Claros, o rio e uma fazenda no mesmo distrito (rio Santa Rosa). Este local teve outros nomes como nos informa um entrevistado neste distrito: Aqui chamava Barreiro. Aí depois é que eles puseram nome Barreiro e Morro. Depois que Filozão chegô aqui, dono dessas terra aqui, eles puseram nome aqui Bengo. Mas num aceitaram. Ele comprô uma santa desse tamanho com o nome de Santa Rosa e pôs na igreja e pôs nome de Santa Rosa de Lima.Segundo os dados do IBGE temos como histórico desse distrito os nomes: Santa Rosa de Lima > Santa Rosa > Bengo. Bengo, segundo Hermes de Paula (1953) é um tipo de capim cultivado na região. Um informante confirma essa hipótese quando comenta sobre os capins da região: Inf.: Tem o braquiarão... colonião, bengo, tanzane.(inf.1) Para essa palavra encontramos significados diferentes no dicionário consultado: [Bengo n substantivo masculino - Regionalismo: Pernambuco 1 rua estreita e sinuosa 2 caminho recôndito, escondido 3 lugar pouco ou mal freqüentado 4 estabelecimento comercial muito modesto; birosca, tendinha / top. afr. Bengo (Angola), quicg. mbengo-mbengo 'lugar perigoso' ou mpengo 'bairro'] (Houaiss, 2001) SÃO GERALDO: Geraldo nasceu em Muro, no sul da Itália, no dia 6 de abril de 1726. Nasceu de uma família pobre de bens. Aos sete anos, em vista da pobreza da família, dirigia-se à ermida de Capodigiano, onde recebia um pãozinho branco que o Menino Jesus lhe entregava e com quem ele brincava. Somente mais tarde, quando já na Congregação, Geraldo compreende quem era aquele Menino. São Geraldo faleceu no dia 16 de outubro de 1755, consumido pelas suas severidades e pela tuberculose. O topônimo São Geraldo nomeia uma vila em Montes Claros. Hermes de Paula (1957: 66) relata Com cerca de 40 casas, distante da sede 8 quilômetros por estrada de rodagem. Embora não esteja nas cartas do IBGE, outra informante nos fala sobre um morro com o mesmo nome e sobre o costume de antigamente: E tem o Morro de São Geraldo também. Com o cruzeiro lá em cima. Aí quando tava esse tempo igual tá agora, pai mandava a gente, né? A gente pegava uma pedra lá da/do/da cruz da igreja, punha na cabeça e ia rezando até lá naquele morro. Chegava lá punha aquela pedra no morro, no cruzeiro do morro, e panhava outra pedra pra vim. (Inf. 3) Outro exemplo da toponímia paralela, que não está registrada em cartas, mas é conhecido pela população local, é o nome do rio que passa na região (rio São Geraldo). No distrito de São Pedro da Garça um informante nos relata curiosamente a origem do nome de sua fazenda: Inf.:Tem a fazenda do meu pai, uma fazendinha pequena, São Geraldo. Pesq.: Fazenda São Geraldo?Inf.: São Geraldo. Pesq.: O nome dele, é Geraldo também. Inf.: É Geraldo também, é. Pesq.: Aí por causa disso ficou São Geraldo.Inf.: São Geraldo. (Inf.1) SÃO JOÃO DA VEREDA: Segundo Varazze (2003:113) João quer dizer graça de Deus, ou em quem está a graça, ou ao qual foi dada a graça, ou aquele que recebeu um dom de Deus. Vereda, conforme aponta Houaiss (2001) [Vereda n substantivo feminino 1 Regionalismo: Centro-Oeste do Brasil. caminho estreito, senda, sendeiro 2 caminho secundário pelo qual se chega mais rapidamente a um lugar; atalho (...) 8 Regionalismo: Minas Gerais, Centro-Oeste do Brasil.na região dos cerrados, curso de água orlado por buritizais] São João da Vereda: A 27 de dezembro de 1948, a lei mineira número 336 desmembrou do distrito da cidade uma pequena parte e criou o distrito de São João da Vereda. (Hermes de Paula, 1957) Este distrito de Montes Claros é conhecido pela população local como Rebentão: O povo fala Rebentão, Rebentão, mas o nome é... original de lá mesmo é São João da Vereda. (inf.3)

2633 SÃO LAMBERTO: De acordo com Varazze (2003:776) Lamberto foi gerado nobre, porém foi ainda mais nobre pela santidade de sua vida. (...) Lamberto não apenas foi clemente como ainda pregou de forma sublime sobre o bem da paciência. São Lamberto dá nome a um rio no município de Montes Claros. O São Lamberto nasce na chapada do Mocotó, contra vertente do Verde Grande em nosso município, serve de limite entre nosso município e Coração de Jesus e lança-se no Jequitaí. (Paula, 1953:90) O São Lamberto vai descendo, passa no Claro Poções, cidade do Claro Poções, perto de Jequitaí, de lá, de, do Claro Poções o São Lamberto já tá grande, despeja no Jequitaí. (Inf.8) SÃO PEDRO DA GARÇA: Varazze (2003: 500) destaca São Pedro como um apóstolo obediente quando Cristo o chamou, obedeceu à primeira ordem do Senhor e entregou-se à tristeza quando renegou Cristo. Ainda segundo ele Pedro teve três nomes, o primeiro Simão Bar Jonas. Simão quer dizer obediente ou aquele que se entrega à tristeza, e Bar Jonas, filho de pomba, porque em sírio bar é filho e em hebraico Jonas significa pomba. Seu segundo nome foi Cefas, que significa chefe ou pedra ou aquele que proclama. (...) Seu terceiro nome foi Pedro, que quer dizer conhecedor, descalço ou dissolvedor. Este topônimo nomeia um distrito em Montes Claros criado em 1943 conforme nos relata Hermes de Paula O distrito de São Pedro da Garça foi criado pelo decreto nº 1.058, de 31 de dezembro de 1943. Sobre o nome Garça neste topônimo, um informante nos conta: Devido ao motivo de tê garças, né? Parece que teve muitas no lugá... São Pedro da Garça. (Inf.1) Neste distrito também tem um morro, que embora não esteja registrado na carta topográfica, é conhecido pela população local como Morro de São Pedro da Garça. O morro... o nome dele, não tem, praticamente um nome específico não. O povo fala de São Pedro da Garça. (Inf.1) Considerações finais Os dados aqui apresentados constituem uma pequena amostra da pesquisa que ainda está em desenvolvimento. Partimos neste primeiro momento da observação da presença dos hagiotopônimos nas oito entrevistas realizadas até agora. Nesses dados percebemos que há variação se comparamos os nomes ao longo da história e notavelmente a variação também é percebida se comparamos os depoimentos da população local com os registros que estão nas cartas, o que chamamos de toponímia paralela. Se partirmos para a observação nas cartas topográficas, notamos que os hagiotopônimos representam 8% do total dos topônimos presentes no município de Montes Claros. Os hagiotopônimos não descritos aqui por não terem sido citados nas entrevistas foram: Santa Bárbara (nomeia um povoado), Santa Clara (fazenda), Santa Cruz (nome de um povoado e de um córrego), Santa Maria (rio), Santa Rita (fazenda), Santo Inácio (vila), São Gonçalves (fazenda), São José do Mocambo (povoado), São José do Mocinho (povoado), São Lourenço (rio), São Luciano (morro), São Marcos (córrego). O elevado número de hagiotopônimos na região é um atestado que se mostra até hoje do sentimento religioso dos portugueses que para essa região se dirigiu, e com eles muitos padres, deixando marcas na toponímia da região. Torna-se, pois, relevante rever dados da cultura local, assim como outros documentos antigos, a fim de contrapor a memória que permanece pelas gerações e a história que conhecemos pelos livros. Referências BYNON, Theodora. Historical Linguistics. London: CUP, 1977.

2634 BYNON, Theodora. Can there Ever be a Prehistorical Linguistics? In: Cambridge Archaeological Journal 5:2. London, 1995, p.261-265. COSTA, Joaquim Ribeiro. Toponímia de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado, 1970. DAUZAT, Albert. Les noms de lieux. Paris: Librairie Delagrave, 1926. DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. Rede de conhecimento e campo lexical: hidrônimos e hidrotopônimos na onomástica brasileira. As Ciências do Léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande, MS: UFMS, 2004. p.121-130. DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A Motivação Toponímica: princípios teóricos e modelos taxionômicos. São Paulo: FFLCH/USP, 1990. DURANTI, Alessandro. Antropología Lingüística. Madrid: Cambridge University Press, 2000. ELLIS JUNIOR, Alfredo; AZEVEDO, Fernando de. Meio século de bandeirismo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1948. FRANCO, Francisco de Assis Carvalho; AZEVEDO, Fernando de. Bandeiras e bandeirantes de São Paulo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940. HOUAISS, A. & VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. 2001. MEGALE, Heitor (Org.). Filologia Bandeirante. Estudos 1. São Paulo: Humanitas, 2000. SEABRA, Maria Cândida T. C. de. A formação e a fixação da língua portuguesa em Minas Gerais: a toponímia da região do Carmo. 2004. Tese (Doutorado em Lingüística) UFMG Belo Horizonte. SOUZA, Vander Lúcio de. Caminho do boi, caminho do homem: O léxico de Águas Vermelhas Norte de Minas. 2008. Dissertação (Mestrado em Lingüística) Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte. VASCONCELOS, Salomão de. Bandeirismo. Belo Horizonte: Biblioteca Mineira de Cultura, 1944.